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segunda-feira, 24 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24248: Notas de leitura (1575): Atitudes e comportamentos raciais no Império Colonial Português (1): "Relações Raciais no Império Colonial Português", por Charles Ralph Boxer, Tempo Brasileiro, 1967 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Setembro de 2020:

Queridos amigos,
Comércio negreiro ou esclavagismo, colonialismo e relações raciais, missionação em sociedades islamizadas ou animistas, são questões fortes e sensíveis no estudo do Império Colonial Português. Não é a primeira vez que aqui se fala do tráfico de escravos e de preconceitos raciais, e como eles evoluíram ao longo dos séculos. Recorde-se agora duas vozes autorizadas, Charles Ralph Boxer e Valentim Alexandre, o primeiro estudou a fundo não só o Império do Oriente como o colonialismo brasileiro e o segundo tem uma investigação caleidoscópica sobre Brasil e África, e no livro aqui escolhido, Velho Brasil, Novas Áfricas, discorre sobre o fim do Império Luso-Brasileiro e o quadro ideológico que foi a questão colonial orientada para África até ao fim do Estado Novo. Espero que a seleção destes documentos vos traga utilidade.

Um abraço do
Mário



Atitudes e comportamentos raciais no Império Colonial Português (1)

Mário Beja Santos

A
bruptamente, e um tanto a propósito da destruição de estátuas de figuras do esclavagismo, vieram umas tantas almas a terreiro exigir que Portugal pedisse perdão pelos nefandos crimes cometidos ao longo de séculos com o negócio negreiro, parecia que estavam a inventar a roda, não tomavam em consideração que Portugal tomou posições firmes quanto ao abolicionismo da escravatura e criou escola de pensamento hostil ao tráfico, e desta paródia de exasperos e de ignorância misturou-se, a propósito e a despropósito, colonialismo e racismo, comportamentos que podem andar a par mas que são fenómenos distintíssimos. Mesmo antes de Gilberto Freyre ter feito a apologia do luso-tropicalismo já um pensamento nacionalista fazia constar que no Império Português havia uma sociedade racialmente integrada, que não era permitido que se erguessem barreiras ao contacto amistoso entre colonizador e colonizado, e evocava-se o exemplo do Brasil.

Em "Relações Raciais no Império Colonial Português", por Charles Ralph Boxer, Tempo Brasileiro, 1967, aquele que terá sido o mais influente historiador estrangeiro do Império Marítimo Português abordava as relações raciais num conjunto de conferências que proferiu em Virgínia. O professor Boxer estendeu o seu olhar a três áreas distintas: o início do Império em África e como se desenrolou a sua presença na costa ocidental africana: em Moçambique e na Índia; e no Brasil e Maranhão. Obviamente nos vamos cingir a considerações gerais e à natureza das relações raciais na costa ocidental africana.

Começa por dizer:
“O velho Império Colonial Português era essencial uma talassocracia, um império marítimo e comercial, com interesses quer nas especiarias do Oriente, nos escravos de África, quer no açúcar, tabaco e ouro do Brasil. Era, no entanto, um império marítimo moldado em forma militar eclesiástica. Por séculos, a palavra oficial mais comum para as possessões ultramarinas portuguesas era As Conquistas. Quando em 1501 o rei D. Manuel I assumiu o título de Senhor da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Índia, Arábia e Pérsia, os Portugueses não tinham ainda conquistado nenhum destes países”.

Era já uma mentalidade que assentava numa associação então obrigatória com o Papado, pensava-se que a Igreja tinha poder para repartir terras e dar títulos. Portugal esteve presente em Marrocos entre 1415 e 1769 e quando abandonou as suas possessões a Fé Cristã ficou praticamente reduzida a zero. Ao contrário, o proselitismo português no Congo e em Angola foi bem-sucedido, a prática religiosa angolana de hoje teve este forte antecedente. O facto de se ter procurado a missionação na Alta Guiné em locais de puro comércio e de uma espúria presença de brancos, associado aos terríveis climas, febres e doenças então sem tratamento, reduziu os resultados desse cristianismo, mesmo se averbarmos práticas religiosas seculares em Cabo Verde e S. Tomé. E vejamos o que o historiador Boxer observa sobre as viagens e o comércio ao longo da costa da Guiné, diz claramente que os escravos, o ouro e o marfim eram as principais fontes de lucro procuradas pelos homens brancos. Entendia-se por Alta Guiné a região situada entre o Rio Senegal e o Cabo das Palmas, aí preponderavam comerciantes ou intermediários do comércio de troca entre africanos europeus, eram relações versáteis e inconstantes, variavam entre uma tribo ou área e outra.

E aconteceu a miscigenação, como ele comenta: “As relações sexuais livres entre negros e brancos fizeram surgir uma população mulata inteiramente portuguesa, nas ilhas de Cabo Verde e nas de S. Tomé e Príncipe, no Golfo da Guiné. As colónias insulares eram desabitadas na época do seu descobrimento e foram colonizadas principalmente por uma mistura de brancos vindos de Portugal, Espanha, Itália e escravos importados de uma larga variedade de tribos do continente. No princípio, a ilha de Santiago, e depois S. Tomé, transformaram-se em depósitos de escravos vindos da Baixa e Alta Guiné que ali eram reunidos e despachados para as plantações e minas da América Espanhola e Brasil. Com o correr dos séculos, o amálgama racial completou-se, predominando o elemento negro na constituição física e o português no aspeto cultural”. O historiador disserta sobre este amálgama racial, revela os graves problemas religiosos dos padres em simonia, a moralidade do clero sempre se mostrou em maré baixa.

No caso do Congo e de Angola, escreve o historiador, a procura de escravos intensificou e perpetuou as guerras intertribais e chegou o momento de situarmos o problema das relações raciais. Cita um autor obrigatório, António de Oliveira Cadornega, autor da "Historia Geral das Guerras Angolanas, século XVII". Os negros e os mulatos, era a sua opinião, deviam estar no fim da escala social, mas eram fundamentais, até porque muitos dos descendentes das relações mistas tornavam-se homens importantes. Um frade capuchinho italiano, Frei Girolano Merolla, escreveu em 1691 a respeito desta raça misturada: “Odeiam os negros mortalmente, até mesmo suas mães que os tiveram, e fazem tudo o que podem para igualar-se aos brancos”. O testemunho vale pelo que vale, Cadornega lembra o angolano Luís Lopes de Sequeira, cuja mãe era uma mulher de cor e que comandou as forças portuguesas que derrotaram e mataram o rei D. António I do Congo na Batalha de Ambuila. E tinham estatuto social os oficiais da milícia mulata “tinham permissão para frequentar as receções oficiais do governador-geral, em pé de igualdade com os brancos”. Havia pois uma atitude bivalente dos portugueses brancos em relação aos seus parentes mulatos.

Falando de Cabo Verde e S. Tomé, observa que o clero negro, mulato e mestiço, era sujeito a contínuas torrentes de críticas. “Os missionários capuchinhos italianos que trabalhavam no Congo e Angola durante os séculos XVII e XVIII eram especialmente severos em suas denúncias do clero secular nativo, ordenados por sucessivos bispos de Luanda, tachando-os de concupiscentes, simoníacos e muito comprometidos com o tráfico de escravos”. Era um comércio vital, como lembrou o Conselho Ultramarino lembrando ao rei D. Pedro II que a preservação do Brasil dependia do contínuo suprimento de escravos de Angola.

E mais adiante, escreve Boxer:
“É evidente que havia outras razões para o fracasso português em desenvolver no Congo e Angola um tipo de sociedade multirracial dominada pelos brancos, como aconteceu no Brasil. As sociedades tribais africanas eram muito mais fortes, mais numerosas e melhor preparadas para resistir à penetração europeia (…). O resultado da concentração de todos os esforços no tráfico de escravos em Angola por mais de dois séculos, foi a formação de uma poderosa classe de brancos comerciantes e donos de escravos, o crescimento de uma classe de negros destribalizada que cooperavam nesse comércio com os brancos, e o surgimento da classe dos mulatos e mestiços, alguns dos quais conseguiram importantes cargos na milícia, no comércio de escravos e na Igreja. Estas três classes estavam limitadas às cidades costeiras, das quais Luanda era a de tamanho mais considerável e vizinha de algumas fortalezas (presídios) no interior, nenhuma das quais estava a mais de 200 milhas da costa. No resto do país, a organização tribal não foi alterada nem foi influenciada pelos portugueses, com exceção dos Dembos e dos Ambaquistas ou comerciantes ambulantes de Ambaca”.

E termina este role de considerações recordando que esta presteza de acasalamento com mulheres de cor não ocasionou a ausência de preconceito racial no homem português. A regra-geral que prevalecia (e prevalece) na sociedade é a de uma consciente superioridade branca.

E vamos concluir esta digressão ouvindo Valentim Alexandre, outro historiador que muito se tem debruçado sobre o Império Português, damos-lhe a palavra para ele comentar o que foi África no imaginário político português e as questões da colonização étnica.

(continua)

Historiador Valentim Alexandre
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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24239: Notas de leitura (1574): "Seis Irmãos em África", segunda edição; Porto, 2017; edição de autor, mas os autores são seis: Fernando, Rogério, Dálio, Carlos, Álvaro, Abílio, quem compilou os textos foi o Abílio, trata-se dos manos Magro que percorreram diferentes paragens africanas (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24247: Facebook...ando (26): Homenagem ao Xico Allen (1950-2022): a filha Inês, em Fátima, no passado sábado, no convívio anual da CCAÇ 3566, "Os Metralhas" (Empada e Catió, 1972-74)


A Inês Allen, filha do saudoso Xico Allen  (1950-2022) com um cartaz com o "boneco" dos "Metralhas", a CCAÇ 3566 (Empada e Catió, 1972/74). Foto: Cortesia da página do Facebook da Inès Allen (2023).





O Francisco Allen, mais conhecido por Xico Allen (1950-2022), e também por Xico de Empada, ex-sold cond auto, da CCAÇ 3566, "Os Metralhas" (Empada e Catió, 1972/74), era um histórico da Tabanca Grande, para onde entrou, em princípios de 2006, pela mão do seu amigo e vizinho Albano Costa. Bancário reformado, vivia em Vila Nova de Gaia.
 

1. Poste do nosso camarada Antero Santos [ex-fur ml at inf MA, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18  (Empada e Aldeia Formosa, 1972/74), publicado ontem no Facebook da Tabanca Grande:

No sábado, dia 22, em Fátima, realizou-se mais um convívio da CCAÇ 3566, Os Metralhas de Empada".

Foi o primeiro convívio em que não esteve presente fisicamente o Xico Allen, o organizador de sempre destes convívios embora estivesse presente no espírito de todos os presentes.

Contámos ontem com a presença da filha do Xico Allen, a Inês, que nos deu conta de várias coisas e especialmente do projecto que já está em marcha para atribuir o nome do Xico Allen ao campo de futebol que o clube de futebol de Empada espera conseguir construir de forma a perpetuar a memória deste nosso camarada, o combatente que garantidamente visitou Empada depois do nosso regresso em 24 de Junho de 1974.

PALAVRAS DA INÊS ALLEN:

"Conheço-vos a 'todos' desde criança, mas hoje foi a primeira vez que estive fisicamente presente no vosso encontro anual.

"O Xico descobriu muitos onde ,'Judas perdeu as bota', visitou alguns no hospital e ia pôr flores à campa de tantos outros…

"Sem internet ou GPS comprometeu-se a dedicar horas e kms a encontrar os cerca de 150 Metralhas espalhados por Portugal e além fronteiras!

"Na estrada, por onde passava, fazia questão de telefonar… fosse para almoçar ou tomar um café!

"Hoje foi difícil…representá-lo foi uma grande responsabilidade, mas… a toda a família Metralhas de Empada - Guiné muito obrigada pelo vosso incrível carinho e apoio.

"O orgulho que me fizeram sentir do meu pai… não cabe no peito.

"Muito obrigada também pelas 375 'empadas' angariadas hoje, por amizade e pela compra de livros, para a concretização do  Csampo de Futebol Xico Allen”.


https://www.facebook.com/15492.../posts/10223198459100347/lp


2. Seleção de alguns comentários a este poste do Facebook:

(i) Manuel Galvão

(...) "Pois eu até fui um dos mais próximos companheiros do nosso querido Xico.  Por vezes tivemos diferenças na forma de viver,mas ele foi realmente um marco da companhia 'Os Metralhas'  do após-Guiné, aonde por meios diversos tentou procurar sempre este e aquele e a mim foi num belo
 de verão, em Agosto, no Gerês: eu pelo meu lado e ele com os seus,  ao passarmos uns pelos outros,uns metros após,ele gritou: 'Galvão, Galvão!'  e eu olhei para trás e deparei-me então com o Xico e os seus todos e eu claro logo o reconheci e então foi logo ali uma emoção de encontro uns oito anos após fim do serviço militar.

Depois, e como eu era emigrante,  continuei a minha vida  e fui o perdendo de novo de vista. Num belo ano de primavera,  ele foi a França ( a Paris, penso que em trabalho,  e lá de seguida ele me voltou a procurar de novo via telefone,aonde telefonou a todos Galvões da lista, até encontrar aquele que era eu e, claro, a partir daí ficámos muito ligados e apenas estávamos  desligados por razões da vida de cada um. Vivemos então muitas e belas coisas." (,,,)

(ii) Manuel Rocha

Eu não pertenço aos "Metralhas", mas permitam que, depois de ler o comovente texto anoto a minha admiração pela vossa amizade. Felicidades para vocês.

(...) Muito obrigado!!... É por estas e outras experiências, que sou adepto do lema.... "Que não sejam outros  a contar a nossa história. (...)

(iv) Manuel Mendes-Ponte

Excelente texto, gostei daquela citação, "conheço-os a todos", faz me lembrar o dia em que Spinola fazia o discurso de boas vindas às tropas chegadas da metrópole, aconteceu comigo em Dezembro 72 no Cumeré.

(v) Florinda Sousa

Conheço esta menina, Inês Allen,  desde que nasceu. Conheço o Xico desde 1974, depois do fim da sua comissão na Guiné , por intermédio da que mais tarde foi sua esposa e mãe de seus filhos a minha querida amiga Zélia Neno .

O Xico deixou os genes da aventura, do empreendedorismo e da vontade de conviver na sua querida filha Inês que tão bem tem dado continuidade aos seus desejos.

É com muita emoção que vou seguindo os seus objectivos - o ansiado Campo de Futebol.
Saudações para todos os seus "Amigos da Tropa".~

Na minha única mas emocionante viagem à Guiné, em 2009, foi o Chico o guia e impulsionador. Tive com ele convivências inesquecíveis. Louvo a filha por dar continuidade à obra solidária do pai.

(vii) Teixeira Jteix

Os 'Metralhas' não mereciam a fatalidade da perda do seu maior impulsionador, pós- "guerra", felizmente que tem na sua filha Inês a continuidade da sua obra. Parabéns!... Fazia parte do "Bando do Café Progresso" e acompanhou-nos sempre que possível. Descansa em paz amigo,  Xico!...


 
Justa homenagem, Inês. O Xico Allen, teu pai, continua connosco como grande amigo e camarada da Guiné!...Vou fazer um poste no blogue.

É uma "mulher de armas", a nossa Inês, que acompanhou o pai, Xico Allen e um grupo de antigos combatentes, numa das suas muitas idas à Guiné-Bissau, em 2006... Aqui em Jugudul, em Abril de 2006, na casa do empresário Manuel Simões (1941-2014). 

Olha, Inês, gostávamos que aceitasses o nosso convite para te sentares, aqui à sombra do nosso fraterno e simbólico poilão da Tabanca Grande, ajudando-nos a matar as saudades que sentimos pela falta do Xico Allen, um dos históricos do nosso blogue, tal como a tua mãe Zélia Neno

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Nota do editor:

quarta-feira, 15 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24145: Historiografia da presença portuguesa em África (359): "Notas Sobre o Tráfico Português de Escravos", por António Carreira, 2.ª edição revista; Universidade Nova de Lisboa, 1983 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Junho de 2022:

Queridos amigos,
Veja-se o pormenor da capa deste livro, parece objeto estranho, mas é peça em chapa de ferro espessa, destinada à prisão de escravos pelos tornozelos e pelos pulsos, simultaneamente. O indivíduo era obrigado a permanecer sentado, sem se poder levantar; a peça é provida de um fecho com chave, tem 35cm de comprimento, e é proveniente de Ouro Preto, pertence à coleção do Museu Nacional de Etnologia. No seguimento da primeira narrativa, estamos chegados agora à existência de companhias majestáticas, António Carreira encontrou documentação do maior interesse nos arquivos, refere os dois grandes mercados do tráfico, a Senegâmbia e Angola e a importância de Santiago, daqui "a mercadoria" partia para o Brasil e Cuba. Obra fértil em explicações quanto à importância da economia cabo-verdiana, a contabilidade das companhias majestáticas, ficamos a saber como era identificados os escravos, a conhecer os tipos de instrumentos de prisão, de tortura ou de humilhação, a dor maior virá na descrição dos tipos de castigos corporais, é arrepiante. Obra pioneira, é justo aqui realçá-la por ter aberto portas a estudos mais fundamentados para o conhecimento de aspetos do nosso colonialismo que permaneceram muito tempo na penumbra.

Um abraço do
Mário



Notas sobre a escravização, a pensar sobretudo na Senegâmbia (2)

Mário Beja Santos

O livro Notas Sobre o Tráfico Português de Escravos, por António Carreira, 2.ª edição revista, Universidade Nova de Lisboa, 1983, é obra pioneira. Estava esgotada a edição de 1977, havia muitas solicitações, as investigações sobre o comércio negreiro estavam em alta. Carreira adianta explicações: “Concordámos com a ideia da reedição até porque durante os últimos meses voltámos a frequentar com assiduidade os Arquivos Históricos do Ministério das Finanças e Ultramarino, fazendo pesquisas nos livros de contabilidade das Companhias monopolistas do século XVIII com vista a detetar novos elementos sobre o tráfico negreiro e o comércio em geral nas áreas de Cabo Verde, Cacheu, Bissau, Angola, Pernambuco, Maranhão e Pará (…) Por duas razões insistimos na análise do tráfico português: chamada de atenção dos estudiosos deste País para a necessidade de se ocuparem em trabalhos de investigação arquivística, para o que fornecemos pistas; tentativa de anular a alergia que eles têm manifestado a respeito do tema”.

O comércio negreiro feito por portugueses irá sofrer uma profunda alteração em 1755 com a criação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão, que iria atuar numa área entre o Cabo Branco a Angola, limites que vieram a ser restringidos para a área entre o Cabo Branco e o Cabo das Palmas, limitação que tinha em vista a formação de uma outra empresa, a Companhia de Pernambuco e Paraíba, atuando no setor de Angola. Interessa-nos falar da primeira, António Carreira encontrou farta documentação sobre este tráfico e procura explicações para o seu reduzido volume: a existência entre grupos étnicos de cultura islâmica de um forte poder dos régulos, em particular dos Mandingas; o desvio de levas de escravos para os mercados do interior (no Senegal, no Mali, e zonas periféricas). É uma pertinente investigação, que ele assim remata: “A conclusão a tirar da análise da evolução do tráfico através dos tempos e dos sectores é de que foi a Angola a grande sacrificada. O sector Senegal-Serra Leoa gozou de verdadeiro privilégio. O território angolano sofreu uma sangria demográfica em benefício da América do Sul (em especial o Brasil) e central (Cuba)”. Mas também esclarece o seguinte: “Por reduzidos que tivessem sido os contingentes saídos dos rios de Guiné e de Cabo Verde, não podiam ser tão insignificantes. E se não tivéssemos levado a efeito o levantamento da contabilidade da empresa monopolista do século XVIII, pouco ou nada se podia apresentar”.

A posição portuguesa que fora de relevo no século XVI e até às primeiras décadas do século XVII não suportou a concorrência da Inglaterra, da Holanda e da França, que passaram a ter um papel dominante nesta área do Atlântico. E tece o seguinte comentário: “O nosso traficante era tímido e hesitante. Não se aventurava a empates de dinheiro a médio ou longo prazo. Tanto na Inglaterra como na Holanda as casas reinantes e a alta finança investiam no tráfico e em navios para o corso. O século XVII marcou a viragem para a formação de companhias fortemente apetrechadas, destinadas aos tratos e aos resgates. A situação na Guiné e em Cabo Verde continuou a piorar e levou à formação da Companhia de Cacheu, Rios e de Comércio da Guiné, mal terminou o prazo concedido a esta empresa foi criada a Companhia do Estanco, do Maranhão e Pará, empresa que foi muito mal recebida. Anos volvidos é formada outra empresa, a Companhia de Cacheu e Cabo Verde”.

O investigador António Carreira analisa um conjunto de fenómenos sociopolíticos e económicos suscitados pelo aparecimento do ouro e de diamantes no Brasil, que vai criar um entusiasmo entre os portugueses para ali irem viver, e disserta sobre as relações económicas entre a colónia brasileira e Lisboa. Os dados que compulsou permitiram-lhe apresentar dados sobre os escravos comprados pela Companhia do Grão-Pará e Maranhão, o papel económico desempenhado pela urzela de Cabo Verde, os panos de algodão produzidos nas ilhas de Cabo Verde, a natureza de subsídios, donativos e outras taxas, as alcavalas cobradas na última fase do tráfico e assim chegamos à marcação a ferro quente dos escravos. Escreve Carreira: “Numa primeira fase a marcação tinha por finalidade principal a identificação dos escravos pertencentes à Coroa, fossem eles adquiridos, fossem recebidos em pagamento de direitos ou de rendas pelos contratadores. Poucos anos depois, os contratadores, para não serem defraudados, passaram igualmente a marcar os seus escravos”.

Refere também a identificação dos escravos, e desperta-nos para alguns aspetos curiosos quanto a designações:
“Adultos: cabeça; peça; marfim ou ébano de Guiné; escravo ou negro lotado; escravo ou negro com ponta de barba; escravo ou negro boçal; escravo de grilhão; escravo mulato; escravo mascavo ou mascavado.
Adolescentes: moleque ou moleca; moleque ou moleca lotado; molecão ou molecona; molecona de peito atacado (a que tivesse os seios bem formados); mocetão ou mocetona.
Crianças: minino; cria de peito; cria de pé (a que anda).
Peça-de-Índia definia o escravo jovem, alto, robusto e sem defeitos físicos. Em época adiantada do tráfico, usou-se a bitola de 1,75m de estatura para designar a peça-da-Índia.
Escravo ou moleque lotado era aquele que, pela sua compleição física, podia fazer parte de um lote para efeito de venda.
Escravo barbado ou com ponta de barba correspondia ao adolescente com barba bem formada. Era já homem.
Escravo boçal era todo aquele que não se soubesse expressar em crioulo ou português, e não tivesse ainda sido submetido à catequese e batismo.
Escravo ladino era o escravo esperto que se fazia compreender facilmente em crioulo ou português, ou que tivesse alguma profissão ou ofício.
Escravo de grilhão era todo aquele que tivesse sido alguma vez castigado com a pena de prisão com grilhão nos pés.
Escravo mulato correspondia ao produto de mestiçagem de sangue entre homem branco e mulher preta ou mesmo de pais mestiços.
Escravo fujão era aquele que tivesse propensão para fugir ao trabalho ou à tutela do seu senhor.
Escravo mascavado era aquele que possuísse aleijão ou deformidade física.”


Carreira também nos dá uma lista de tipos de instrumentos de prisão, é uma lista horrível, inclui instrumentos de tortura, de prisão ou de humilhação, devem ter sido copiados e aperfeiçoados os modelos usados pela Inquisição. Esta lista de castigos corporais merece a Carreira bastante detalhe, custa ler tanta violência, tanta severidade e tanta desumanidade.

É vasta e muito útil a bibliografia que António Carreira anexa sobre o tráfico português de escravos. Obra pioneira pois, é justo relembrá-la pelo timbre de rigor e a abertura que deu a novas investigações.

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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24129: Historiografia da presença portuguesa em África (358): "Notas Sobre o Tráfico Português de Escravos", por António Carreira, 2.ª edição revista; Universidade Nova de Lisboa, 1983 (1) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 14 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24142. Blogues da nossa blogosfera (181): Lista de provérbios crioulo-guineenses (página do professor Hildo Honório do Couto, departamento de Linguística, Universidade de Brasília) - II (e última) Parte (M a U)



Guiné-Bissau > Região do Óio > Maqué > 20 de Novembro de 2006 > Poilão, árvore sagrada, habitada pelos irãs, imponente, secular, frondosa, impressionante... mas que deixa de estar ao alcance do machado, da motosserra, do buldózer... Está presente nos provérbios guieenses... Mais uma foto do famoso poilão de Maqué, tirada pelo nosso camarada Carlos Fortunato, ex-fur ml da CCAÇ 13 (Os Leões Negros) (1969/71), na sua viagem de 2006 à Guiné-Bissau e à região do Óio.

Foto (e legenda): © Carlos Fortunato (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Continuação do poste P24140 (*):
 recuperação da página do professor Hildo Honório do Couto (Departamento de Lingüística, Universidade de Brasília), sobre provérbios crioulo-guineenses.  Foi capturada pelo Arquivo.pt, podendo ser vista aqui:

https://arquivo.pt/wayback/20090520131527/http://www.unb.br/il/liv/crioul/prov.htm




LISTA DE PROVÉRBIOS - II (e úlima) Parte  (de M a U)


NOTA: As seguintes letras têm valor especial:

N = "ng" do inglês (como em "song")  
 [veja-se: 
Deus fala: pui mon, N judau (= Deus disse: faça sua parte que eu lhe ajudo)]

c = "ch" em inglês (church) [Cuba lê-se "tchuba"]

j = também como em inglês (judge) [Jagudi lê-se "Djagudi]

ñ = como no português "nh" ou "ñ" em espanhol 
 [Galiña lê-se "galinha"]

s = "s" mesmo (saco), nunca como [z] de "casa" [Sibi lê-se "cibi";  sancu lê-se "santchu"]

Nota do editor LG: O leitor português de Portugal pode adaptar a tradução que é em português do Brasil: Si bu misti kume fruta, bu ten ku regua (=se queres comer fruta, precisas primeiro de regar a árvore)... Não quisemos mexer na tradução do autor, por respeito ao seu trabalho)

(139) 

(i) Mandadu ta frianta pe, ma i ka ta frianta korson; 

(ii) Mandadu i ta frianta pe, ma i ka ta frianta korson (= mandar alguém dá descanso ao pé mas não ao coração)

(140) 

(i) Manpatas kru ta kai, kusidu ta kai; 

(ii) Manpatas ta kai kusidu, kai kru (= o fruto do mampatás cai tanto maduro quanto verde)

(141) Mentros ka ta sinti fedos di si boka (= o mentiroso não sente o mau cheiro da própria boca)

(142) 

(i) Mesiñu ki bu ka ta pui na bu caga, ka bu pul na caga di bu kunpañeru; 

(ii) Mesiñu ku bu sibi kuma bu ka na pul na bu caga ka bu pul na caga di utru (= curativo que você não põe em sua ferida, não o ponha na ferida do outro)

(143) 

(i) Mininu koredor, lebal na kabu di reia; 

(ii) Mininu kuridur lebal na ka u di reia;

 (iii) Mininu si falau i ma bu kuri, lebal na kau di reia (= se o menino corre muito, é só levá-lo a terreno arenoso)

(144) Mursegu kuma i na misa Deus, riba di si kabesa k' si urina ta kai (= o morcego mija para cima, a urina cai em sua cabeça)

N

(145) Na no kombersa, ka bu pui boka, pui oreja (= em nossa conversa, não ponha a boca mas o ouvido)

(146) N dadu N da, N ka ta kria kacur (= se dou o que ganhei, não crio cachorro)

(147) Noba ka ta pidi pasaju (= novidades não pedem licença)

(148) Ñambi iasadu, i ka sabi sibi si ta kusidu (= nunca se sabe se o inhame assado está bem cozido)

(149) Ñulidura di pis ka ta tuji barku pasa (= o olhar de esguelha do peixe não impede que o barco passe)

O

(150) Onsa, tudu brabu ki brabu, i ka ta sibi pe di kabasera (= Por mais brava que seja a onça, não sobeno imbondeiro)

P

(151) Paja di kasa, tudu kunpridu ki kunpridu, i ka ta ciga di asna pa bas (= a palha do teto, por mais comprida que seja, não ultrapassa a asna)

(152) Palabra di tras, i uanjan di kosta (= palavras ditas na ausência de alguém ferem)

(153) Panela na fala kaleron: ka bu tisnan (a panela diz à caldeira: não me chamusque)

(154) Panga bariga ka ta kontra ku bunda largu (= caganeira nunca dá em quem tem cu grande)

(155) Papagaiu ta kume miju, pirikitu ta paga fama (= papagaio come milho, periquito leva a fama)

(156) Pati ku pati ka ta kria kacur (= dar e dar de novo não cria cachorro)

(157) Pekador pode kunpridu o kunpridu ma garafa mas iel (= por maior que o homem seja, a garrafa é sempre maior)

(158) Pekadur dalgadu i ta dana moransa (= alguém de maus costumes estraga toda a comunidade)

(159) Pinton cupti galiña, galiña ka paña raiba, pinton k' paña raiba (= o pintinho bica a galinha, que não se zanga; quem se zanga é ele)

(160) Piskadur k' torkia si kanua pa kabalu, i sibi ke k' manda (o pescador que troca a canoa por cavalo sabe porquê)

(161) 

(i) Po pudi tarda o tarda na iagu, i ka ta bida lagartu; 

(ii) Po, tudu tarda ki tarda na iagu, i ka ta bida lagartu (= por mais que fique na água, o pau não vira crocodilo)

(162) 

(i) Praga di buru ka ta subi na seu;

(ii) Praga di buru ka ta ciga na seu (= praga de burro não sobe ao céu)

(163) Puru ka ta kume si ramasa (= o nobre não come o que vomita)

(164) Puti furadu ka ta enci iagu (= pote furado não se enche de água)

R

(165) 

(i) Rabu di sancu i kunpridu, ma si bu rikitil i ta sinti dur; 

(ii) Rabu di sancu i kunpridu, ma si bu na rikitil i ta sinti (= o rabo do macaco é comprido, mas se você o beliscar ele sentirá)

(166) Ratu si ka fila ku si kunpeñeru, i ka ta cama gatu pa raparti elis (= se o rato não se entende com os companheiros, não chama o gato para intermediar)

(167) Ris di lokokon ta nobela ton (= a raiz do lokokon se enrola sobre si mesma)

(168) Riu ka ta inci mar, mar ku ta inci riu (= não é o rio que enche o mar, é o mar que enche o rio)

S

(169) Sabi di ordija kamiñu di fonti (= o caminho da fonte tem cheiro de rodilha)

(170) Saku linpu ka ta firma (= saco vazio não fica em pé)

(171) Sancu beju, gelgelidora ka ta manda i kuspi manpatas ki ieki (= o macaco velho, o coceguento não manda cuspir no mampatás que enche a boca)

(172) 

(i) Sancu ka ta fala kuma si fiju fiu; 

(ii) Tudu fiu ki fiu, nunka bu ka ta fala kuma bu fiju fiu; 

(iii) Tudu fiu ku bu fiu, bu ka ta fala kuma bu fiju fiu (= o macaco nunca diz que seu filho é feio)

(173) 

(i) Sancu ka ta jukta i fika si rabu; 

(ii) Sancu ka ta jukuta pa i fika si rabu (= o macaco não pula sem levar o rabo consigo)

(174) 

(i) Sancu kunsi po ki ta fural uju;

(ii) Kon kuma i ka kunsi po ku ta matal, ma i kunsi kil ku ta fural uju (= o macaco conhece o pau que lhe furou o olho)

(175) Sancu nega papia pa ka paga dasa (= o macaco não fala para não pagar imposto)

(176) Saniñu dana lugar di mankara, ma i ka ta sinti kansera i regua (= o esquilo estragou a plantação de amendoim, mas teve o trabalho de regá-lo)

(176) Sapatu beju ka ta perta si dunu (= sapato velho não aperta o dono)

(177) Seta ka ta de kabesa (= aceitar não dói a cabeça)

(178) 

(i) Si bu banbu na kosta di lifanti, bu ka ta masa paja; 

(ii) Kin ku banbu na kosta di lifanti, i ka ta rosa urbaju; 

(iii) I bambu na kosta di lifanti (= quem anda nas costas do elefante não roça o orvalho)

(179) Si bu da tapada, ka bu suta kau ku bu bati pitu nel (= se você tropeçar, não bata o peito onde tropeçou)

(180) Si bu misti kanblec, bu na kebra kabas (= se você quer cacos, quebre a cabaça)

(181) 

(i) Si bu misti konta, bu ten ku misti liña; 

(ii) Bu misti konta, bu ten k' misti liña; 

(iii) Si bu misti konta bu ten ku misti liña, pa bia, si ka el, di bó i ta dana (= se você quer a conta tem que aceitar a linha)

(182) Si bu misti kume fruta, bu ten ku regua (=se você quer comer fruta, precisa regar [a planta])

(183) Si bu misti obi morna, suta fiju di kantadera (= se você quer ouvir morna, açoite o filho da cantadeira)

(184) Si bu misti obi pasada di bajudesa di bu mame, suta fiju di dona kasa (= se você quiser saber histórias do passado de sua mãe, bata no filho da dona da casa)

(185) Si bu na kuji manpatas, bu ta jubi riba prumedu, pa ka utru bin kai na bu kabesa (= se você colhe mampatás, olhe para cima primeiro a fim de não cair sobre sua cabeça)

(186) (i) Si bu oja dukut muri, dakat ku matal; (ii) Si bu oja kusa muri, sibi kusa ku matal (= se alguém morreu, alguém o matou)

(187) Si bu oja kabesa pirdi, punta bariga (= se a cabeça dói, pergunte à barriga)

(188) Si bu oja karna na pinga, sibi kuma i gurdu (= se você perceber que a caren respinga, saiba que é gorda)

(189) Si bu oja lebri brinka ku lubu, sibi kuma onsa sta pertu (= se você vê a lebre brincar com a hiena, saiba que a onça está por perto)

(190) Si bu oja sancu ba fonti, sibi kuma i ka leba kalma (= se você vir o macaco indo à fonte, saiba que não leva cabaça)

(191) 

(i) Si bu pidi galiña di matu siti, i ta falau pa bu jubi na si kabesa, si tene kabelu, i pa bia i tene siti; 

(ii) Galiña di matu kuma: ora ku bu na pidil siti, bu ta jubi prumedu na si metadi di kabesa; 

(iii) Galiña di matu kuma, antu di bu pidil siti, bu ta jobe nda si si kabisa moju; 

(iii) Galiña di matu kuma, ora ku bu na pidil siti, bu ta jubi prumedu na si metadi di kabesa (= se você pedir óleo de palma à galinha, ela diz para você olhar para a cabeça dela: se tiver penas é porque tem óleo)

(192) Si bu sibi kuma bu ka ten bon porta, ka bu Nguli kuku di tanbakunba (= se você sabe que não tem saída larga, não engula coco de tambacumba)

(193) Si bu sibi kuma bu tene karanga, ka bu bai na metadi di jinti (= se você sabe que tem piolho, não se misture com as pessoas)

(194) 

(i) Sigridu di boka nunka i ka ta kanba dinti; 

(ii) Sigridu di boka ka ta kanba dinti (= segredo de boca não deve ultrapassar os dentes)

(195) Sila ku Prera, dus kurpu nun korson (= Sila e Pereira, dois corpos em coração)

(196) Sintidu di minjer kurtu suma ponta di si mama (= a inteligência da mulher é curta como a ponta de seu seio)

(197) Siti riba con di bijago (= o óleo de palma volta à terra dos bijagós)

(198) Sonbra di pe di kuku, i ka ta taja si fiju (= a sombra do coqueiro não proteje seus filhos)

(199) 

(i) Sonbra di sibi ka ta sonbria bas del, son la fora; 

(ii) Sonbra di sibi ka ta sonbra bas del, son la fora (= a sombra do cibe não sombreia seu pé, mas fora dele)

(200) 

(i) Sorti na pe ki sta; 

(ii) Sorti di pekador sta na si sola di pe (= a sorte está no pé)

(201) 

(i) Sufridor ki ta padi fudalgu; 

(ii) Sufridur ta padi fidalgu (= o sofrimento nos faz nobres)

(202) Sukundi sukundi ka ta para na kamiñu (= o esconde-esconde não pára no caminho)

(203) Susa boka te bu ka kume siti (= sujar a boca com óleo de palma sem comê-lo)

(204) 

T

(i) Tapada ta tuji baka kume fison; 

(ii) Tapadu altu ta tuji baka kumi fison (= a cerca impede a vaca de comer o feijão)

(205) Tartaruga kuma kil ki na bin, sinta bu pera (= a tartaruga diz: sente-se e espere o que virá)

(206)

 (i) Tartaruga misti baja, ma rabada ka ten; 

(ii) Teteriga meste baja mas i ka tene rabada; 

(iii) Tataruga kuma i misti baja, ma i ka ten rabada (= a tartaruga quer dançar, mas não tem ancas)

(207) Tataruga kuma si pe i kurtu ma i ta lebal tudu kau ki misti (= a tartaruga diz que suas pernas são pequenas mas a levam onde ela quer)

(208) Teteriga tene kaska, ma e sabe kabu k' e ta morde Nutru (= as tartarugas têm casco, mas sabem onde morder umas às outras)

(209) 

(i) Tudu beju ku algin beju i ka ta mati bajudesa di si mame; 

(ii) Tudu beju ku [bu] beju, bu ka ta mati bajudesa di bu mame (= por mais velho que alguém seja, não alcança a juventude de sua mãe)

(210) Tudu jiru ku bu jiru bu ka ta pila iagu (= por mais esperto que você seja, não pode pilar a água)

(211) Tudu koitadi ku N koitadi nunka N ka ba parau pratu (= por mais pobre que eu seja, nunca lhe estendi o prato)

(212) Tudu riku ku bu riku bu ka pudi kunpu kasa di feru (= por mais rico que você seja, não pode construir uma casa de ferro)

U

(213) Uju di sancu dalgadu, ma ningen ka ta pui la dedu (= o olho do macaco é pequeno, mas ninguém põe o dedo nele)

(214) Uju ka ta kume, ma i kunsi kusa sabi (= o olho não come, mas sabe o que é saboroso)

(215) Uju sta burmeju, ma i ka ta kema lala (= o olho está vermelho, mas não queima a relva)

(216) 

(i) Un dedu un dedu i ta kaba puti di mel; 

(ii) Un dedu un dedu ta kaba puti di mel (= de dedada em dedada acaba o pote de mel)

(217) Un son mon ka ta toka palmu (= uma mão sozinha não bate palmas)


BIBLIOGRAFIA (*)

Andreoletti, Luis. [1984?]. Ditus kriolus. Pessano (MI): Stampa MIMEP.

Biasutti, pe. Arturo. 1987. Vokabulari kriol-portugis. Bubaque: Missão Católica (Apêndice)

Bull, Benjamim Pinto. 1989. O crioulo da Guiné-Bissau: filosofia e sabedoria. Lisboa/Bissau: Mininistério da Educação / INEP.

Chataigner, Abel. 1963. Le créole portugais du Sénégal: observations et textes. Journal of African languages 2,1.44-71.

Couto, Hildo Honório do. 1996. Os provérbios crioulos da Guinee-Bissau. Revista internacional de língua portuguesa 16.100-114.

----------------------------------. 1999. O uso de provérbios nas regiões crioulófonas. Lenguas criollas de base lexical española y portuguesa. Frankfurt/Madri: Vervuert/Iberoamericana, p. 321-334.

Montenegro, Teresa. 1994a. Um mundo de provérbios. Tcholona 1,2/3.55-57.

------------------------. 1994b. Provérbios crioulos: a arquitetura das imagens. Soronda - Revista de estudos guineenses 18.39-76.

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segunda-feira, 13 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24140: Blogues da nossa blogosfera (180): Lista de provérbios crioulo-guineenses (página do professor Hildo Honório do Couto, departamento de Linguística, Universidade de Brasília) - Parte I (de A a L)

Portal dos animais > Abutres  (com a devida vénia...)

1. Os animais "também falam" nos provérbios guineenses...  Já aqui lembrámos, em tempos,  o jagudi (lê -se djagudi)  (abutre-de-capuz, nome científico Necrosyrtes monachus) numa fábula em que entra o falcão (*):  o jagudi não é ágil, elegante, superior, altivo, nobre, aristocrático e guerreiro como o falcão  mas nem por isso deixa de ter o seu lugar na criação e de desempenhar o seu papel na natureza. É certo que ele é pouco considerado tanto pelos humanos como pelos outros animais. É feio, é repelente, é desastrado, é  necrófago... E citávamos alguns provérbios. crioulo-guineenses:

(i) Kal dia ku sancu fala jugude manteña si ka pa rispitu di kacur;

ou, noutra variante:

(ii) Kal dia ku sancu fala sakala manteña si i ka na disgustu di kacur

Entenda-se: o macaco só conhece ou cumprimenta o jagudi no velório do cão.

Mas também há um outro provérbio que, de certo modo, vem em defesa do jagudi:

(iii) Jugude ka bai fanadu, ma i kunsi uju... Leia-se: o jagudi não foi à circuncisão, não passou pelo ritual do fanado, mas consegue ver as coisas, ou seja, não é parvo de todo, não o tomem como tolo...

2. Continuamos a rever a nossa lista (já antiga e que nunca tinha sido  atualizada, aumentada, corrigida,  melhorada até agora...) dos cento e poucos blogues e outras páginas na Net  que faziam parte da nossa blogosfera (c. 110) (**)... 

Essa  lista constava (e continuará  a constar,   depois de revista)  na coluna estática do nosso blogue, no lado esquerdo.

Cerca de metade desses blogues e outras páginas deixaram de estar "on line".  Nalguns casos têm novos endereços. Noutros casos, pura e simplesmente desapareceram. Alguns destes  blogues e  "sítios" (ou "web pages")  felizmente foram "capturados" (podendo por isso ser recuperados) através do Arquivo.pt.

É o caso da página de 
Hildo Honório do Couto, professor de linguística  (Departamento de Lingüística, Universidade de Brasília).sobre provérbios crioulo-guineenses.

Antigo endereço: 

http://www.unb.br/il/liv/crioul/prov.htm.

Endereço no Arquivo.pt:

https://arquivo.pt/wayback/20090520131527/http://www.unb.br/il/liv/crioul/prov.htm

Era uma página que consultávamos com alguma frequência, e que vem citada várias vezes no nosso blogue. Servia também para refrescarmos os nossos elementares conhecimentos do crioulo da Guiné. A sua utilidade e o seu interesse justificam a nossa opção por recuperá-la, através do Arquivo.pt.  

Aqui o valioso trabalho, de recolha e sistematização destas pérolas da sabedoria popular guineens (irónicas umas,  corrosivas  outras,  deliciosas quase todas ) feito pelo  prof  Hildo Honório do Couto,  fica   ao alcance de todos os lusófonos . Fizemos algumas pequenas correcções (de uma ou outra gralha) e adaptações. O autor aceita e agradece os comentários  do leitor.  

Também nesta matéria (a da paremiologia, a recolha , o  estudo e a interpretação  dos provérbios populares da sua terra) contamos com a preciosa ajuda do Cherno Baldé, nosso assessor para as questões etno-linguísticas...


PROVÉRBIOS CRIOULO-GUINEENSES  

Prof Hildo Honório do Couto (Brasil)


Aqui estão 217 provérbios do crioulo português da Guiné-Bissau. Como se pode ver, alguns deles apresentam variantes, algumas apenas de escolha de determinado vocábulo, outras mais radicais. Nesse caso, apresento as variantes com a sub-numeração (i), (ii) e assim por diante. Entre parênteses, encontra-se uma tradução relativamente livre, que sempre tem por base a primeira variante (i), no caso de haver variantes.

Infelizmente, os provérbios não estão acompanhados de uma interpretação. Na verdade, para entendê-los é imprescindível saber-se que fatos culturais estão implícitos. Quem quiser embrenhar-se nesse domínio pode consultar a bibliografia apresentada mais abaixo [Vd, poste a seguir, nº 181, desta série]

Andreoletti (1984) é a maior coleção de provérbios crioulo-guineenses que já veio a lume, ou seja, 466. Ele não fornece tradução nem explicação. Parece que não foi feita uma revisão da publicação. Entretanto, tem o mérito de ser o primeiro livro inteiramente dedicado só aos provérbios guineenses.

Quanto a Biasutti (1987) , trata-se de um dicionário crioulo-português. Em apêndice ele elenca 60 provérbios, muitos deles reproduzidos de notas manuscritas de Andreoletti.

Em Bull (1989), que é falante nativo de crioulo, temos uma seção inteira dedicada aos provérbios - são 95 ao todo -, acompanhados de tradução em português e comentários bastante detalhados.

Chataigner (1963) é um artigo que faz um apanhado geral do crioulo, incluindo 77 provérbios. Este texto tem a peculiaridade de tratar da variedade do crioulo falada na região do sul do Senegal, chamada de Casamansa. É uma variedade muito mais conservadora do que a da Guiné-Bissau, sobretudo porque perdeu o contato com a língua portuguesa desde o final do século passado. Como se pode constatar, nos provérbios guineenses - e no crioulo guineense em geral - pode-se notar a influência da língua e da cultura portuguesa.

Quanto a Montenegro (1994a, 1994b), trata-se de um dos estudos mais percucientes sobre os provérbios crioulo-guineenses, sempre seguidos de ampla exemplificação. Ela mora na Guiné-Bissau há muitos anos, portanto conhece a cultura local como ninguém.

Em Couto (1996, 1998), finalmente, pode-se encontrar, além de interpretação de alguns provérbios, muitas referências bibliográficas. Inclusive comentários sobre as tarefas da paremiologia.

Espero que este pequeno inventário paremiológico guineense possa ser de interesse para algum internauta. Gostaria de ouvir seus comentários, sugestões e críticas.

Hildo Honório do Couto | Departamento de Lingüística | Universidade de Brasília | 70910-900 Brasília, DF, Brasil | e.mail: hiho@unb.br

* * * * *

LISTA DE PROVÉRBIOS - Parte I (de A a L)

NOTA: As seguintes letras têm valor especial:

N = "ng" do inglês (como em "song"); 

c = "ch" em inglês (church); 

j = também como em inglês (judge); 

ñ = como no português "nh" ou "ñ" em espanhol; 

s = "s" mesmo (saco), nunca como [z] de "casa".

A

(1) Abo i rasa goiaba: bu ka ten kabaku (=você é como a goiaba, não tem cavaco)

(2) Abo i rasa polon: si bu na kai, bu ka ta kai abo son (=você é como o poilão: se cair não cai sozinho)

(3) 

(i) Abo k' ten caga, bu ka ta sinti si ceru; 

(ii) Nunka algin ka ta fala kuma si caga na fedi (=você que tem ferida não sente o seu cheiro)

(4) Ami i lubu k' kema kosta (=eu sou a hiena que tem as costas queimadas)

(5) Ami i rasa papaia: N ka ta durmi na bariga di algin (=eu sou como o mamão: não fico parado na barriga de ninguém)

(6) Anduriña kuma i na pupu riba di kabesa di ñor deus, i ba kai riba di si kabesa (=a andorinha disse que caga na cabeça do senhor deus, mas caiu sobre sua própria cabeça)

B

(7) Baga baga i ka ten tarsadu, ma i ta korta paja (= o cupim não tem terçado, mas corta capim)

(8) 

(i) Baga baga ka ta kata iagu, ma i ta masa lama; 

(ii) Baga baga i ka ta kata iagu ma i ta masa lama (= o cupim não busca água, mas amassa o barro)

(9) Bagic ta masi ku si fortuda (= o hibisco cresce com sua sorte)

(10) 

(i) Baka ki ka ten rabu, Deus ta banal; 

(ii) Baka ku ka ten rabu Deus ku ta banal (= à vaca que não tem rabo, abana-a Deus)

(11) 

(i) Baka misti korda, i ka tenel, kabra tenel, tok i na rasta; 

(ii) Kabra ten korda tok i na rastal; baka mistil, ma i ka ta oja; 

(iii) kabra tene korda i ta rastal, baka misti i ka ta oca (= a vaca quer corda mas não a tem; a cabra a tem mas a arrasta)

(12) 

(i) Bakia baka di kunankoi; 

(ii) Bakia baka di kunankoi: sin liti, sin nata;

 (iii) Bakia baka di kunankoi sin litti nin nata (= a boeira pastoreia a vaca mas não aproveita nem o leite nem a nata)

(13) 

(i) Bardadi i suma malgeta: i ta iardi; 

(ii) Bardadi i malgos, ma i sertu (= a verdade é como a malaguete: ela arde)

(14) Bariga i ka ta kosadu ku laska di kana (= não se coça a barriga com lascas de cana)

(15) Bariga ka fila ku arus, ki-fadi miju (= barriga que não se dá bem com arroz, muito menos se dará bem com milho)

(16) Bariga pode debu o debu ma bu ka ta toma faka bu rumpil (= por pior que a barriga esteja, você não a corta com a faca)

(17) Bentana fiu na bida teña (= a carpa é feia mas vira tainha)

(18) 

(i) Bentana mora ku lagartu, si falau kuma lagartu ka ten uju, fia; 

(ii) Si bentana falau kuma lagartu fura uju, fia, pa bia elis ku ta kume lama juntu (= a carpa mora com o crocodilo: se ela lhe disser que ele não tem olho, acredite)

(19) 

(i) Bianda di kaleron ka ten dunu;

(ii) Bianda, ora ki kusidu, i ka ten dunu (= comida na panela não tem dono)

(20) Bianda sabi ka ta tarda na kabas (= comida saborosa não demora muito na panela)

(21) Bias bu ta sibi dia di bai, ma bu ka ta sibi dia di riba (=em viagem, só se sabe o dia de ir, mas não o de voltar)

(22) Bibidur di lagua ka ta dibi fabur (=quem bebe água na lagoa não deve favor a ninguém)

(23) Bibus na cora, ki-fadi mortus (=se os vivos choram, que dizer dos mortos)

(24) 

(i) Boka ficadu ka ta ientra moska;

 (ii) Na boka ficadu i ka ta ientra moska (= em boca fechada não entram moscas)

(25) Bolta di mundu i rabu di punba (=as voltas que o mundo dá são como as asas da pomba)

(26) Bon sapatu pe jingidu (= sapato bom em pé tordo)

(27)

 (i) Bu ka sibi si bu mama di bunda i gros, son ora k'i tene mandita; 

(ii) Bu ka ta sibi si bu mama di bunda gros, son ora ki tene mandita (= você não sabe se sua bunda é grande, a não ser quando ela tem furúnculo)

(28) Bu kunbidadu sala, bu ientra kuartu (= você é convidado para sala, você entra no quarto)

(29) Bu na duguña fundu, bu ka punta bentu (= você debulha muito sem perguntar ao vento)

(30) Bu na kuji manpatas, bu ka na jubi riba (= você apanha está colhendo mampatás sem olhar para cima)

(31) Bu na toka bu na baja (= você toca, você dança)

(32) Bunitasku di iagu salgadu i bunitu, ma i kansadu bibi (= a beleza da água salgada é grande, mas ela é desagradável para beber)

(33) Bu osa nomi suma lubu (= você desafia a sorte como a hiena)

(34)

 (i) Bu purba liti, bu pidi baka;

 (ii) Garandis kuma bu purba liti, bu pidi baka (= você provou o leite, você pediu a vaca)

(35) Burguñu i ma morti (=a vergonha é pior do que a morte)

(36) Buru tudu karga ki karga si ka sutadu i ka ta janti (= o burro, com pouca ou muita carga, se não é açoitado não anda)

(37)

(i) Bu sai na pilon, bu kai na balai; 

(ii) I sai na pilon, i kai na balen (= você saiu do pilão, caiu no balaio)

(38) Bu sinta riba di baga-baga, bu na rui con (= você está sentado sobre a termiteira, e fala mal do chão)

(39) Bu ten kujer, bu na kume ku mon (= você tem colher, mas come com a mão)

C

(40) 

(i) Cuba cobi i oca kamiñu lalu; 

(ii) Cuba tarda, oca kamiñu lalu; 

(iii) Cuba tarda oca kamiñu latu (= a chuva cai quando a estrada está molhada)

(41)

 (i) Cuba di Kabu Berdi, son di un banda; 

(ii) Anta, es cuba di Kabu Verdi? (= chuva de Cabo Verde, só em um lugar)

D

(42) Deus fala: pui mon, N judau (= Deus disse: faça sua parte que eu lhe ajudo)

(43) Deus ka ta sinta na rabada di ningin (= Deus não senta no traseiro de ninguém)

(44) Deus sibi ke k' manda iagu di mar salga (= Deus sabe porque a água do mar é salgada)

(45) Di li pa pó sinti, kabaku prumedu ku ta sinti (= para o tronco sentir, primeiro a casca tem que sentir)

(46) Dinti mora ku lingu, ma i ta daju i murdil (= os dentes moram com a língua, mas às vezes eles a mordem)

(47) 

(i) Dinti, tudu branku ki branku, i ka ta sai sangi;  

(ii) Garandis kuma dinti ka ten sangi (= os dentes, por mais brancos que sejam, não sangram)

(48)

 (i) Dun di boka i ka ta pirdi si kamiñu;

 (ii) Dun di boka ta tene pe; (iii) Dun di boka ka ta pirdi ku kamiñu (= quem tem boca não se perde no caminho)

(49) 

(i) Dun di boka mas di ke dun di fraskera; 

(ii) Dun du boka, mas dun du fraskera (= quem tem boca vale mais do que quem tem a carteira)

(50) Dun di kujer na kume ku mon (= tem colher, come com a mão)

(51) Dun di un uju ka ta brinka ku reia (= quem tem olho não brinca com areia)

(52) 

(i) Dun du caga ka ta sinti fedos di si pe; 

(ii) Dun di mal ka ta obi si mal (= quem tem chulé não sente o cheiro do próprio pé)

(53) Dus galu ka ta kanta na un kapuera (= dois galos não cantam no mesmo terreiro)

E

(54) E fila suma gatu ku kacur (= eles se dão como gato e cachorro)

F

(55) 

(i) Faka di atorna ka ta moku, i ta moladu;

 (ii) Faka di atorna nunka i ka ta moku;

 (iii) Faka di atorna ka ta moku (= a faca da vingança não está sem corte, está afiada)

(56) 

(i) Fala di magru ka ta ciga na tabanka; (ii) Palabra di magru ka ta obidu na kau di fola baka;  (iii) Kunbersa di magru ka ta obidu na kau di f ola baka (= palavra de magro não é ouvida no lugar de esfolar vaca)

(57) Falta di mame, bu ta mama dona (= na falta de mãe, mama-se na avó)

(58) Febri medi katar (= a febre tem medo do catarro)

(59) 

(i) Fiansa ta kebra kujer di prata;  (ii) Fiansa ta kebra kujer di po (= confiança excessiva pode quebrar colher de prata)

(60) Fiju di gatu ta raña (= filho de gato arranha)

(61) Fiju di sinsibi ka ta maradu di kampaiña (= filho de se-eu-soubesse não traz amarrada em si a campainha)

(62) 

(i) Fiju ta padidu tras di si pape, ma i ka tras di si mame; 

(ii) Fiju ka ta padidu tra di si mame (= filho pode nascer longe do pai, mas não longe da mãe)

(63) Filanta ma panga uju (= combinar antes vale mais que que um piscar de olho)

(64) Firminga ka ta janti, ma i ta ciga (= a formiga não toma a dianteira, mas ela chega)

(65) Forsa di pis, iagu (= a força do peixe é a água)

(66) 

(i) Fulanu ten boka di sanbasuga: i ta murdi, i ta supra; 

(ii) Fulanu i tene boka di sanbasuga, i ta murdi i ta supra; 

(iii) Sanbasuga i ten dus boka, ma i ka ta murdi si kabesa (= ele tem boca de sangue-suga: ele morde, ele sopra)

G

(67) Galiña garbatadur ta fas di kontra ku os di si mame o di si dona (= galinha esgaravatadora pode encontrar osso de sua mãe ou de sua avó)

(68) 

(i) Galiña kargadu ka sibi si kamiñu i lunju; 

(ii) Galiña ka konse si kamiñu lonji; 

(iii) Galiña pindradu ka ta sibi si kamiñu lunju (= galinha carregada não sabe se o caminho é longo)

(69) Galiña ta guarda si frangas bas di si asa, ma kil ku sta fora mañote ta rabatal (= a galinha proteje seus pintinhos debaixo das asas; aquele que escapa o milhafre o arrebata)

(70) 

(i) Garafa ka ta juntu na jugu di pedra; 

(ii) Garafa ka ta ientra na jugu di pedra; 

(iii) Garafa ka dibi di miti na jugu di pedra; 

(iv) Kin k' miti garafa na jugu di pedra, si ka kebra ki ba buska; 

(v) Ku mati garafa na jugu di pedra, si ka kebra ki misti? (= garrafa não se mete em jogo de pedras)

(71) 

(i) Garandi i polon, ma mancadu ta durbal; 

(ii) Polon podi grandi-o-grandi, ma macadu podi durbal; 

(iii) Polon tudu garandi ki garandi, mancadu ta durbal (= o poilão é grande, mas o machado o derruba)

(72) Garandi i puti di mesiñu (= o ancião é um pote de remédios)

(73) 

(i) Garandi ki jungutu, ta ma oja lunju di ke mininu ki sikidu;

 (ii) Beju ki jokoni ta ma uja lonji di ke mininu ki sikidu (= um ancião acocorado vê mais longe do que um menino em pé)

(74) Garandi ku firma ka pasa mandadu; (ii) Garandi en pe ka pasa mandadu (= ancião em pé pode ser incomodado)

(75) 

(i) Garandis fala kuma: joia ku bu kuji na kau di baju, na kau di baju ki ta bin pirdi; 

(ii) Garandis fala kuma joia ku bu kuji na kau di baju, na kau di baju ki na bin pirdi (= os anciãos dizem que o que se ganha na festa, na festa se perde)

(76) 

(i) Garandis fala kuma manganas si ka hululidu i ka ta padi; 

(ii) Manganas si bu ka uli-ulil, i ka ta padi; 

(iii) Manganasa, si bu ka uli-ulil bunda i ka ta padi; 

(iv) Garandis fala kuma manganasa si ka ululidu i ka ta padi (= o manganás, se não chamuscado, não dá frutos)

(77) 

(i) Garandis fala kuma sen mantanpadas i ka sabi tama, ma i sabi konta; 

(ii) Sen mantanpada i ka sabi tama, ma i sabi konta (= os anciãos dizem que cem chibatadas não são agradáveis de tomar, mas de contar)

(78) 

(i) Garandis kuma kasa linpu ka ta somuna; 

(ii) Kasa linpu ka ta somna (= os anciãos dizem que em casa vazia não há barulho)

(79) 

(i) Garandis kuma kanua sin remu ka ta kanba mar; 

(ii) Kanua sin remu ka ta kamba mar (= os anciãos dizem que canoa sem remo não atravessa o mar)

(80) Gatu fartu ka ta montia (= gato farto não caça)

I

(81) 

(i) I ka ten sabi ku ka ta kaba;

 (ii) Puti di mel, i na sabi o sabi, mas i ta ten dia ki ta kaba (= não existe nada agradável que não acabe)

(82) I sabi moska, ki-fadi bagera (= isso agrada a mosca, que dizer da abelha)

(83) I sancu di dus matu (= é macaco de dois matos)

J

(84) Jisilin ka ta kema ku beja dus bias (= o gergelim não queima com vela duas vezes)

(85) 

(i) Jugude ka bai fanadu, ma i kunsi uju; 

(ii) Jugude ka bai fanadu, ma i kunsi uju (= o abutre não foi à circuncisão, mas consegue ver as coisas)

(86) Jungutudu ka ta pui na ragas (= o acocorado não carrega nada no colo)

(87) Justu di bai cur, ka ciga karga don (= só ir ao velório não implica em chorar)

K

(88) 

(i) Kabra nunka i ka ta misa dianti di lubu; 

(ii) Kabra ka ta misa dianti di lubu (= ba cabra nunca mija perto da hiena)

(89) Kabra rispitadu pa bia di si barba (= o cabrito é respeitado por causa de sua barba)

(90)

 (i) Kabra tene barba, ma baka ki si garandi; 

(ii) Kabra tene barba, ma baka ki si pape (= o cabrito tem barba, mas a vaca é sua anciã)

(91) 

(i) Kacur di mangu kuma pa kada kin sibi di si kabesa; 

(ii) Kacur di mangu konta kuma kada kin sibi di si kabesa (= o mangusto diz que cada um sabe de si)

(92)

 (i) Kacur endadur os o pankada; 

(ii) Kacur iandadur, os o pankada (= cachorro vadio encontra osso ou pauladas)

(93) Kacur ka ta tene kacur (= cachorro não tem cachorro)

(94) 

(i) Kacur, tudu brabu ki brabu, nunka i ka murdi si dunu ku ta dal di kume; 

(ii) Kacur, tudu brabu ki brabu, nunka i ka murdi si dunu (= o cachorro, por mais feroz que seja nunca morde quem lhe dá comida)

(95) Kal dia ku galiña di matu pistadu po di dismanca kabelu (= quando é que se emprestou o pau de arrumar o cabelo à pintada)

(96) Kal dia ku galiña di matu sinta na kapuera (= quando é que a pintada ficou no mato)

(97) 

(i) Kal dia ku lubu Ntergadu fumer;

 (ii) Jintis kuma kal dia ku lubu Ntergadu fumer (= quando é que se entregou o fumeiro à hiena)

(98) 

(i) Kal dia ku paja juntadu ku fugu si ka kema ki misti;

 (ii) Kal dia du paja i juntadu ku fugu si i ka kema ki misti (= quando é que se junta palha com fogo que não seja para queimar)

(99)

 (i) Kal dia ku sancu fala jugude manteña si ka pa rispitu di kacur; 

(ii) Kal dia ku sancu fala Sakala manteña si i ka na disgustu di kacur (= quando é que o macaco cumprimenta o abutre a não ser no velório do cachorro)

(100) 

(i) Kama ku bu ka dita nel, bu ka sibi si ten dabi; 

(ii) Dun du kama ki konse si dabi (= você não pode saber que a cama em que não deitou tem percevejos)

(101) Kamalion kuma janti i ka nada, ciga ki tudu (= o camaleão diz que andar depressa não importa, o importante é chegar)

(102) 

(i) Kana seku i ka ta dobradu; 

(ii) kana seku ka ta dobra (= cana seca não se dobra)

(103) Karna di buru ta kumedu na tenpu di coba, di fugalgu na tenpu di seku (= carne de burro se come na estação, a de animal nobre na seca)

(104) Karu beju lestu dana (= carro velho estraga depressa)

(105) Kasa beju ka ta falta barata (= em casa velha não faltam baratas)

(106) Kasamentu ta kaba, ma kuñadadia ka ta kaba (= o casamento pode acabar, mas os laços familiares não)

(107) Kaska fison ka ta kontra ku uña kunpridu (= descascar feijão não combina com unhas grandes)

(108) Kau k'i kosau bu ta kosal; ma kau k'i ka kosau, ka bu kosal, pa bia, si bu kosal, i ta fola (= coce onde há coceira, onde não há coceira não coce, do contrário esfola)

(109) Ken ki basau iagu, son bu ferga kurpu pa i linpu (= se o puserem na água, você tem que esfregar o corpo para que fique limpo)

(110) Ken ki ka ta coranta si fiju, amaña si fiju ta corantal (= quem não faz seu filho chorar, fa-lo-á chorar seu filho)

(111) Ken ki ma bu leña, ta ma bu sinsa (= quem é mais lenha do que você é também mais cinza)

(112) Kil ku urdumuñu tisi na bu mon, bentu ku na bin lebal (= o que a tempestade lhe trouxe o vento levará)

(113) 

(i) Kin ku mata, i ta kabanta fola; 

(ii) Si bu misti forel, para balei (= quem mata, deve esfolar)

(114) 

(i) Kin ku misti forel, i ta para balen; 

(ii) Kin ku misti forel, ta para balei (= quem quer farelo apresente o balaio)

(115) 

(i) Kin ku misti pis, i ta ba moja rabada na iagu; 

(ii) Si bu misti pis, bu ten ku moja rabada (= quem quer peixe tem que molhar o traseiro na água)

(116) 

(i) Kin ku ta durmi ka ta paña pis; 

(ii) Kin ku ta durmi i ka ta paña pis (= quem dorme não apanha peixe)

(117) 

(i) Kin ku ta labra kifri, el prumeru ku ta fidi; 

(ii) Kin ku ta labra kifri, el prumeru ku ta fidi (= quem lavra o chifre é o primeiro a se ferir)

(118) Kin ku ten kabelu na pe, i ka ta kanba fugu (= quem tem pelo nas pernas não deve atravessar o fogo)

(119) Kobra kuma riba tras ka ta kebra kosta (= a cobra diz que dobrar-se para trás não quebra as costas)

(120) Kombe kuma i medi iagu salgadu ma la ki ta mora nel (= o combé diz que tem medo de água salgada, mas é nela que mora)

(121) 

(i) Kon kuma lebsimenti na rosta ki sta; 

(ii) Kon kuma lepsimentu i na uju; 

(iii) Kon kuma lebsimentu na uju ki sta nel (= o macaco-cão diz que a ofensa está no rosto)

(122) Konsiju di beja i misiñu (= conselho de anciã é remédio)

(123) Korda ta kansa kabra, ma i ka ta matal (= a corda cansa a cabra, mas não a mata)

(124) 

(i) Kunpra saniñu na koba; 

(ii) N ka ta kunpra saniñu na koba (= comprar saninho na toca)

(125) 

(i) Kuri ku kosa juju ka ta ndianta; 

(ii) Kuri ku kosa juju ka ta fila; 

(iii) Kore ku konsa juju, ka pode njenta (= correr e coçar o joelho não é possível)

(126) Kusa ki mankañ kuda, tarda ki lingron sibil (= o que faz o mancanha conhece-o há muito o lingueirão)

L

(127) Lagartisa ta bibi ku galiña (= a lagartixa bebe água da galinha)

(128) Lagartu ka ta sinadu murguja (= não se ensina o crocodilo a mergulhar)

(129) 

(i) Lanca fundiadu ka ta gaña freti; 

(ii) Lanca fundiadu ka ta gaña freti (= barco fundeado não ganha frete)

(130) 

(i) Lifanti ka pirgisa ku si dinti; 

(ii) Lifanti ka ta prgisa ku si dinti (= o elefante não se cansa com seu dente)

(131) Lifanti ka ta sinti si tuada (= o elefante não sente o próprio barulho)

(132) 

(i) Lifanti ki nguli kuku, i pa bia i fiansa na si bunda;

(ii) Lifanti ki nguli kuku, i fiensa na si kadera; 

(iii) Si bu oja lifanti na Nguli kuku di sibi, bu ta sibi kuma i fiansa na si trasera (= o elefante engole coco porque confia em seu cu)

(133) Lifanti si na jubi tapada, te i ka entra, i pa bia i ka tene parenti dentru (= se o elefante vê uma cerca e não entra é porque não tem ninguém seu lá dentro)

(134) Lobu ki kema kosta, di sol ki sebedu (= a hiena que tem as costas queimada, é dela que se fala)

(135) Lubu kuma i ka son kusa sabi ki ta incisi bariga (= a hiena diz que não é só o que é saboroso que enche a barriga)

(136) Lubu kuma si sol mansi di repenti, i ka el son ku ta burguñu (= a hiena diz que se amanhecer de repente não é só ele que passará vergonha)

(137) Lubu nin ki bu negal, ka bu dal paja di bobra (= não dê folha de abóbora à hiena mesmo que não gostes dela)

(138) Lutu di mar ka ciga kuspi mon (= luta no mar não exige cuspir na mão)

 (Continua)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23775: Fauna e flora (21): "Ó Falcão, o Jagudi não vai ao fanado, mas olha que não é parvo de todo!"... Uma "fabulosa fábula" guineense sobre o último dos últimos, o que ri melhor...

(**) Último poste da série > 25 de fevereiro de 2023 > Guiné 61/74 - P24095: Blogues da nossa blogosfera (179): "Reserva Naval", criado e mantido pelo nosso camarada Manuel Lema Santos, chega ao fim... por razões pessoais e familiares do autor (mas também, em parte, pelo cansaço bloguístico e pela ingratidão das nossas instituições e associações)