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quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2037: Memória dos Lugares (2): de Elvas a Bissorã e de Lamego a Biambe, com a CART 730 (Parte II) (João Parreira)

1. Segunda e última parte do texto do João Parreira, evocativo do seu reencontro com os antigos camaradas da CART 730

Metrópole – Biambe- II Parte (1)

O tempo foi-se passando em Bissorã. O Capitão de Artilharia Aníbal Celestino Rocha, Oficial de Operações do Batalhão, deslocou-se a Bissorã por razões que desconheço, e falou-me dos Comandos, dizendo-me que um dos Grupos em Brá precisava de pessoal.

Várias diligêncis depois, ofereci-me. Por motivos que não vêm ao caso agora, perdi a coluna militar para Bissau,para prestar provas. O meu comandante aproveitou o facto de ainda ali estar para me dizer que eu iria participar na operação à base de Biambe e que o Gomes, o meu substituto, não ia.

Era costume estarmos presentes nos briefings que antecediam as operações, em que nos era permitido expôr as nossas opiniões sobre os pormenores das mesmas, e eu não me acanhava, alvitrava uma ou outra alternativa à que era exposta, por me parecer que seria mais viável e menos perigosa. Por hábito, ia sempre no quarto ou quinto lugar da frente, dependia se levámos prisioneiro ou não.
Nem sempre as minhas sugestões eram do agrado do comandante de Companhia (capitão de Artilharia, que não duvido seria óptimo naquela arma, mas não tanto a comandar pela 1ª vez no terreno uma companhia de Infantaria).

Neste curto briefing relativo ao golpe de mão àquela base, o Comandante da Companhia, indicou-nos que iam 4 africanos mas cujas funções não foram claramente mencionadas pelo que segui para a operação com a impressão de que eram 3 guias e 1 guia prisioneio, por ser o único que se encontrava amarrado. Só depois de ler o relatório é que fiquei a saber que afinal eram 2 guias e 2 guias prisioneiros.

Embora a minha seccção, a 1ª do 1º Pelotão, seguisse sempre à testa da Companhia (da 2ª era o Cruz e da 3ª o Bragança), naquele dia, devido à ausência do meu comandante de Pelotão, o Alferes Ferreira que, tal como eu, tinha sido ferido, na operação em Cancongo, encontrando-se ainda hospitalizado, parti do princípio que no final da reunião o Comandante da Companhia ia dar ordem para um oficial seguir à frente com o respectivo pelotão.

Estava enganado pois deu-me instruções para seguir à frente da coluna, levar um dos guia e o prisioneiro que estava amarrado, acrescentando que quando chegasse a altura devia tomar as decisões que fossem necessárias. Assim partimos para a operação às 23,15h.

Furriéis da CART 730 – Da esq para a dir: Venda, Vira, Alcides, Cruz (minas e armadilhas , à frente), Almeida, Passos (transmissões), Parreira (oe), Reis (manutenção auto) e Ribeiro (sapador).

Esta operação, embora o resultado esteja correcto não foi exactamente, nem podia ser, como consta no relatório. Na realidade apenas 5 homens incorporados na Companhia estiveram nas 12 casas de mato que faziam parte da referida base, conforme passo a descrever.



Seguíamos há várias horas pelo trilho em direcção ao que pensávamos ser o objectivo quando, num certo ponto, o guia, que ia à frente da coluna precedido pelo prisioneiro que ia amarrado com uma corda pela cintura e que estava ao cuidado do Leitão, colocou-se ao lado do prisioneiro, trocou umas breves palavras e depois disse-me que nos estávamos a aproximar de uma tabanca.

Dei ordem para prosseguir e quando a mesma estivesse visível que me avisasse. Passado algum tempo apontou-me a direcção de uma enorme tabanca que se podia avistar, não muito ao longe, e disse-me que devia estar abandonada.

Nesse momento parámos, pelo que não querendo assumir a responsabilidade que me tinha sido dada por não se tratar da Base de Biambe, disse ao soldado que seguia atrás de mim para informar o Capitão, que se estava a avistar uma tabanca que, pelo silêncio, devia estar abandonada, e assim ficava a aguardar instruções, no pressuposto que o Comandante me ia chamar para trocar impressões ou então mandar dizer para evitar a Tabanca e seguir por outro trilho na direcção do objectivo.

Fiquei algum tempo à espera das instruções quando para minha surpresa sou ultrapassado por soldados que se encontravam atrás, pensando possivelmente que aquele era o objectivo e por ordem não sei de quem avançaram na direcção da tabanca. Por outro lado, não compreendi a razão pela qual o Cruz e o Bragança também avançaram com as suas secções.

Continuei no mesmo sítio com a minha secção até que, juntamente com os camaradas que passavam por mim dirigindo-se à tabanca, apareceram os outros 2 guias que vinham algures na coluna (afinal, um era guia prisioneiro, muito embora se encontrasse com liberdade de movimentos) que não avançaram e ficaram também ali parados a meu lado.

Com os 4 africanos na minha presença, disse aos guias que perguntassem aos prisioneiros onde ficava a base. Falaram entre eles e um deles disse-me que um dos prisioneiros lhe garantira que a base de Biambe ficava a pouca distância dali, mas numa direcção diferente.

Na posse desta informação, e inconformado com a atitude do pessoal e pela pacifidade dos restantes graduados face à distorção da missão, disse à minha secção que aguardasse pois ia lá atrás falar com o Capitão Garcia.

Naquela altura já ele tinha começado a avançar e acompanhando-o disse-lhe que ali à frente não devia haver nada, conforme o tinha informado, e que o objectivo Inimigo, que era a razão da missão que ele nos tinha indicado no quartel, eram as casas de mato, a base de Biambe, que ficavam noutra direcção, segundo tinha acabado de me dizer o prisioneiro e não aquelas palhotas, e que por conseguinte poderia ser mais conveniente e proveitoso esquecer a tabanca e seguir.
Não ligou às minhas palavras, e, irritado, disse-me que ele é que era o Comandante da Cª. e que quem ordenava o que se devia fazer era ele.

A resposta seca, dura e autoritária na presença dos camaradas que estavam a seu lado, doeu-me tanto como se tivesse sido atingido por uma chicotada. Imediatamente, passou-me pela cabeça, que ia mesmo aventurar-me à procura do acampamento Inimigo,
apoiado por quem quizesse ir comigo.

Animado com a ideia que me tinha acabado de ocorrer, acompanhei-o até ele ter chegado ao lugar onde eu tinha deixado os africanos e a secção. O capitão e os militares que com ele seguiam continuaram em frente, e eu fiquei ali e disse aos africanos para me levarem à Base.

Falei com os meus soldados que ainda ali continuavam no sentido de tentar persuadi-los para avançarmos para a base Inimiga mas não se mostraram entusiasmados, dizendo-me que preferiam seguir também para a tabanca o que me causou grande frustração. Reconheci, contudo, que estavam no seu direito de recusarem.

Para não perder mais tempo, já perto das 4 horas da manhã, disse ao João Maria Leitão, a quem tinha sido entregue o prisioneiro amarrado, se se sentia com coragem para aquela digressão e ele disse-me que sim.

Foto com dois camaradas que sairam da minha secção na CART 730 e depois do 2ºCurso ficaram na 1ª equipa do Grupo cmds. Vampiros: António Paixão Ramalho “Monte Trigo” e o João Maria Leitão ao lado do Alf Mil António Vilaça (ex-CCaç 726), o Djamanca e o Justo. O João Leitão nos Comandos foi agraciado com a Medalha de Mérito Militar.

JP,Saraiva,VB,Marques em Set 65,em Brá

Da minha secção, aproveito para referir que também saiu o Cândido Tavares, o “República”, que ficou no mesmo Grupo mas noutra equipa. Sairam ainda o Furriel Joaquim Prates (que acabou por não frequentar o Curso de Comandos e foi transferido para a CCaç 763 em Cufar), o 1º Cabo Faustino dos Santos Viegas que foi para o gr. Cmds “Centuriões”, ferido em Jolmete em 3Ago65 e evacuado para o HMP, e os soldados Jacinto da Conceição Venâncio que foi para os “Apaches” e o José de Oliveira Gonçalves.

Desconheço os motivos pelos quais quizeram sair da CART 730 para frequentarem o 2ºCurso de Comandos uma vez que todos nós os que o fizemos não tínhamos qualquer problema disciplinar, pelo contrário, o Comandante da Companhia exerceu até alguma pressão para nos desencorajar, pelo que não sendo para seguirem as minhas pisadas, deduzo que deva ter sido, como todos os que foram para os Comandos, pelo espírito de aventura.

No meu caso, não foi pelo facto de ter sido ferido numa operação anterior, juntamente com outros camaradas. O Alf. Ferreira, meu Cmdt. Pelotão, também instruendo no CIOE, onde foi um dos melhores, uma vez chegado à Guiné desinteressou-se totalmente do exército, de tomar qualquer decisão ou até de dar qualquer opinião sobre as operações.

Mas continuando, a caminho de Biambe.


Embrenhados num dos trilhos do mato a caminho do acampamento, no último dia do mês de Fevereiro de 1965, fiquei convencido que os africanos não me estavam a enganar e que o guia prisioneiro que melhor sabia a localização não ia fugir, e que por isso íamos encontrar a Base que segundo a minha perspectiva o inimigo devia ter abandonado ao tomar conhecimento que a tropa andava por ali perto, e não teria tempo de se organizar para nos montar uma emboscada.

Naquela altura, a adrenalina estava ao rubro. Pelo sim pelo não, dei instruções aos guias para que a principal preocupação fosse a de avançarmos com todos os sentidos alerta e concentrados em pequenos pormenores que nos dessem a conhecer com a devida antecedência se o Inimigo se encontrava mais à frente à nossa espera. Assim, iniciámos uma lenta e cuidadosa progressão.

Segundo me tinham dito a Base situava-se perto, o que me fez pensar que me dava tempo para ir e regressar à Companhia, antes de terminarem de vasculhar e, eventualmente, como era hábito, incendiarem a tabanca, o que ia demorar algum tempo, ou que pelo menos não os faria esperar muito.

Estava redondamente enganado, pois por experiência própria fiquei a saber, durante os cerca de 20 anos que andei por países africanos, que para eles africanos era tudo perto, independentemente das distâncias. Todavia há sempre um senão, e a operação não correu exactamento como tinha previsto, já que perto do alvorecer, mas ainda escuro, vi um vulto que em frente do único soldado que ia à minha frente saiu do trilho e correu para o mato.
Apercebi-me que o guia prisioneiro tinha conseguido libertar-se da corda que o atava à cintura pelo que estando totalmente fora de questão tentar abatê-lo a tiro, como levava no bolso uma navalha espanhola, abria-a o mais depressa que pude e atirei-a com toda a força na direcção onde ele tinha entrado no mato, mas claro que não lhe acertei.
Passado pouco tempo chegámos à base de Biambe que, segundo contámos, era composta por 12 casas de mato que tinham sido recentemente abandonadas, possivelmente quando o inimigo viu as labaredas das 26 palhotas da tabanca a subirem para o céu.

Perante este panorama mandava a prudência que saíssemos dali o mais rapidamente possível, tanto mais que um prisioneiro que conhecia aquela zona tão bem como as palmas da mão tinha fugido e, caso entrasse em contacto com os seus camaradas, iria denunciar a nossa presença.

Revistámos apenas algumas casas de mato e encontrámos: 1 GMO-RG34, 4 carregadores de PM, muniçoes de 9mm, 1 bolsa de pano, 1 sabre, 1 cinto de cabedal, 1 grade para GMO e vários documentos.Regressámos com as mesmas precauções, mas por um trilho diferente.

Tendo a Companhia acabado de incendiar a tabanca e preparando-se para retirar, vim a saber depois, o Capitão mandou procurar os guias e os prisioneiros e deu então pela minha falta, altura em que lhe disseram que tinha seguido com eles para a base
inimiga.
Dada a demora em regressarmos começaram a fazer conjecturas sobre o que nos teria acontecido, tendo então decidido dar ordem para 4 Secções irem à nossa procura.

Sem nos terem encontrado pelo facto de terem seguido por uma direcção diferente, as Secções regressaram ao seio da Companhia primeiro do que nós. Quando passadas várias horas chegámos à zona da tabanca, a arder, vimos a Companhia estacionada a aguardar o nosso eventual regresso.
Os soldados da minha secção vieram ao nosso encontro, e perguntei-lhes onde se encontrava o Comandante da Cª. Quando me dirigia para ele,reparei numa bajuda, provavelmente fugida da tabanca, rodeada por soldados.

Postal com bajuda “balanta”, Mansoa

Durante o curto trajecto, alguns soldados da minha secção acompanharam-me e aproveitaram para me informar que um dos assunto badalados durante a longa espera que tiveram que fazer era que o Fur Parreira tinha saido com os guias e ninguém sabia em que direcção. Um deles, bastante agitado, referiu que esteve perto do Capitão, e que o ouviu dizer aos outros oficiais que me ia levantar um processo discipinar. Perante este facto, e devido ao perigo em que estávamos envolvidos, nem sequer me tinha passado pela cabeça essa possibilidade pelo que me deu então para perguntar se na tabanca tinham apanhado algum material de guerra ou documentos e foi-me dito que não.

Quando, acompanhado pelo Leitão, pelos três africanos e também por soldados da secção me abeirei do Capitão que, juntamente com os outros oficiais, ainda se encontrava encostado à àrvore, pude constatar que a sua expressão não era nada agradável.
Sem o deixar falar perguntei-lhe de chofre se tinham apanhado algum material nas palhotas da tabanca e ele que não devia estar à espera que lhe perguntasse fosse o que fosse, muito pelo contrário, respondeu-me laconicamente que não. Não lhe dando oportunidade para falar, e sem lhe dar pormenores do que tinha acabado de fazer, disse-lhe calma e respeitosamente:
- Meu Capitão, afinal esta operação não foi de todo infrutifera, pois trazemos-lhe este material.
Foi com tristeza que de seguida lhe tive que comunicar que o prisioneiro tinha fugido, porém ignorou tal facto e não fez qualquer comentário.O material foi o mencionado no relatório, mas foi a tabanca que foi incendiada pela Companhia e não as casas de mato, que eram 12 e não 8 conforme mencionou.
Foi reconfortante verificar que sendo um oficial amável no trato era todavia um militar exigente, mas também compreensivo,já que não me criticou, limitando-se a dar de imediato ordem para a Companhia se pôr em movimento.

Seguidamente a este episódio fizemos uma batida à área de Chumbume onde localizámos um grupo com cerca de 25 elementos inimigos fardados de caqui amarelo novo, cambando a bolanha e armados de ESP Aut, PM e 1 LGF. etc.

Ataque IN a Bissorã

No dia seguinte das 00h05 as 03h00 o nosso aquartelamento e a vila de Bissorã sofreram ataques do IN. Atacaram de todas as direcções excepto do lado de Binar (tabanca “da outra banda”)e fizeram uso de quase todos os tipos de armamento: P, PM, GM, Esp.aut. e repet,, ML, LGF, Mort 60 e 82. Caíram na área do aquartelamento várias granadas de morteiro e de LGF, felizmente sem consequências.
A forte reacção e posterior perseguição levaram o combate para longe das nossas posições,principalmente do lado da granja e bolanha entre as estradas de Bissorã-Mansoa e Bissorã-Binar.
De madrugada consegui, a muito custo, convencer alguns soldados do pelotão para irmos fazer uma busca ao exterior do arame farpado, e apanhámos uma granada e um frasco de tintura.
De manhã saíu um pelotão que apanhou mais material e à tarde fomos nas Mercedes buscar palmeiras para os abrigos.

Dois dias depois deslocou-se a Bissorã, o Tenente-Coronel Braancamp Sobral(conhecido como o “Cavalo Branco”) que comandava o aquartelamento de Mansoa.
Contava que, mais dia menos dia, houvesse coluna militar para Bissau e assim não ia fazer mais operações com a Companhia. Mas isso não aconteceu. Apesar de já ter um substituto, ainda fiz mais duas operações, uma em Passe e outra em Binar.


Encontro em 5 Mai 07 com o Cmdt. CArt 730 presente


JP, Alf Orlando Valdez (Cmdt.2º.Pelotão), Capitão Garcia e outros camaradas.


Camaradas da m/secção da CART 730, no 4º. Almoço-convívio realizado a 5 de Maio de 2007, no Portal do Infante, na Marina de Lagos (de boina o República, do Grupo Vampiros)

A minha secção era composta pelos seguintes militares: 1º Cabo Francisco Dias, Soldádos José Maria de Oliveira, António Paixão Ramalho, João Maria Leitão, Francisco José Pires, Armindo Jerónimo Barrelas, Cândido P. Tavares, Jacinto Manuel Guerreiro e Custódio António Dias.

A alegria dos soldados!

Durante o período que dei instrução, ainda em Lisboa, passou-se um episódio que nunca poderei esquecer.

Aquele dia estava destinado a um dos treinos de rastejar e decidi que o mesmo fosse efectuado em cima de vários objectos nada aconselháveis, quando o tive que interromper, devido a uma dor súbita, aguda que senti na virilha direita. Chamaram um jipe para me levar de urgência para o Hospital Militar.

Perante o inesperado, eu a torcer-me com dores, e os instruendos a baterem palmas de contentamento por a instrução ter terminado. Fui submetido a uma intervençao cirúrgica e transferido a seguir para o Anexo. Quase a ter alta, fui "provocado" por outro dos internados. Saltei da cama e envolvemo-nos numa vigorosa “guerra” de almofadas. Resultado, os pontos rebentaram e voltei à estaca zero.

Durante o tempo em que estive internado, apresentaram-se do RAL 1 (unidade mobilizadora), o Alferes Ferreira, que iria ser o meu comandante de pelotão e, mais tarde, o Capitão Garcia que iria ser Comandante da Companhia 730.


2. Comentário do co-editor vb:

Completa-se assim o episódio da Metrópole ao Biambe (uma das mais faladas bases do PAIGC no Norte) do nosso Camarada João Parreira.

Estas memórias, tanto quanto me foi dado perceber, ressuscitaram quando se reformou. O Parreira, nos seus tempos de Guiné, fazia um diário, onde anotava desde acontecimentos bélicos a brincadeiras de bom e de mau gosto.

O JP é lisboeta genuíno, nasceu em Alcântara. Antes ainda de ir para a tropa, em Dezembro de 1966, ingressou no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Prestou o serviço militar entre 9 Agosto 1963 e 19 Agosto 1966. Fez a comissão na Guiné de 8 Outubro a 14 Agosto 1966, primeiro na CART 730/BART 733. Foi ferido em 9 Janeiro 1965 numa operação à base de Bafantandem, na zona de Cancongo. Depois, foi para os Comandos Fantasmas do Cap Saraiva. Foi outra vez ferido em 20 Abril 1965 na operação Açor, nas tabancas de Portugal, na zona do Incassol. E como não há duas sem três, voltou a sê-lo em 6 Maio 1965 na operação Ciao em Catungo, Cacine, mesmo ao lado do Morais, que morreu logo ali, com o JP a olhar para ele, sem nada poder fazer.

Regressou ao MNE em Setembro de 1966. Com saudades de África, foi para o Consulado Geral de Portugal em Salisbúria, para a Rodésia em 23 de Dezembro. Geriu o Consulado Geral de 1 Janeiro 1978 a Fevereiro 1980. Passou pelo Malawi entre Abril e Maio de 79 e regressou a Salisbúria. Ia de vez em quando, melhor dizendo, todos os meses a Blantyre, Malawi, fazer a gestão dos consulado. E por lá andou até Março de 80. Depois colocaram-no na Embaixada em Lusaka, Zâmbia, para ajudar a preparar uma visita presidencial e dar apoio consular à comunidade portuguesa. De novo em Lisboa, no MNE em 23 Dezembro 1981. Londres, em 30 Setembro 1982. Depois, Harare, Zimbabwe em Janeiro de 1989. Em Agosto de 1994, outra vez em Lisboa, no MNE.

E medalhas, João?

Da Guiné, as que tenho trago-as comigo, estão aqui, no corpo. Pelo meu trabalho no MNE, o Presidente da República espetou-me no peito a Ordem do Infante D. Henrique, que está guardada num estojo, em minha casa.

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Nota de v.b:

(1) Vd. post anterior > 1 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2020: Memórias dos Lugares (1): de Elvas a Bissorã, e de Lamego a Biambe, com CART 730 (Parte I) (João Parreira)

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Guiné 63/74 - P2020: Blogoterapia e Memórias dos Lugares: Reencontros com o Passado (João Parreira, CART 730, 1964/66)

Metrópole–Biambe

2ª Parte

Biambe (I)

Entretanto o tempo foi-se passando em Bissorã até que por ter perdido a coluna militar para Bissau conforme relatei anteriormente no blogue e por conseguinte ainda ali me encontrar o meu Comandante aproveitou a minha estadia para me dizer que eu também ia participar na operação à base de Biambe e que o Gomes, meu substituto, não ia, pelo que não tive outro remédio que não fosse, como me foi ordenado, pedir-lhe que me devolvesse a G-3 e os carregadores.

Era costume estarmos presentes nos ”briefing" que antecediam às operações em que nos era permitido expor as nossas opiniões sobre os pormenores das mesmas, pelo que por norma era o único que alvitrava sempre outra alternativa à que era exposta, por me parecer que seria mais viável e menos perigosa, tanto mais que por hábito ia sempre no quarto ou quinto lugar da frente, dependia se levámos prisioneiro ou não, o que dava para perceber que era sempre do desagrado do comandante de Companhia que era Capitão de Artilharia, que não duvido seria óptimo naquela arma, mas não tanto a comandar pela primeira vez no terreno uma companhia de infantaria.

Neste curto “briefing” relativo ao golpe de mão àquela base, o Comandante indicou-nos que iam 4 africanos mas cujas funções não foram claramente mencionadas pelo que segui para a operação com a impressão de que eram 3 guias e 1 guia prisioneiro, por ser o único que se encontrava amarrado. Só depois de ler o relatório é que fiquei a saber que afinal eram 2 guias e 2 guias prisioneiros.

Embora a minha secção, a 1ª do 1º Pelotão, por norma seguisse sempre à testa da Companhia (da 2ª era o Cruz e da 3ª o Bragança), naquele dia, devido à ausência do meu comandante de Pelotão, o Alferes Ferreira que tinha sido ferido, tal como eu na operação em Cancongo mas com mais gravidade e encontrava-se hospitalizado, parti do princípio que no final da reunião o Comandante da Companhia ia dar ordem para um oficial seguir à frente com o respectivo pelotão.

Estava enganado pois deu-me instruções para seguir igualmente à frente da coluna levar um dos guia e o prisioneiro que estava amarrado acrescentando que quando chegasse a altura devia tomar as decisões que fossem necessárias.

Assim partimos para a operação às 23.15h.


Furriéis da CART 730 – Da esq. para a dir. Venda, Vira, Alcides, Cruz (minas e armadilhas -à frente), Almeida, Passos (transmissões) Parreira (operações especiais), Reis (manutenção auto) e Ribeiro (sapador).

Esta operação, embora o resultado esteja correcto, não foi exactamente, nem podia ser, como consta no relatório abaixo.

Na realidade apenas 5 homens incorporados na Companhia estiveram nas 12 casas de mato que faziam parte da referida base, conforme passo a descrever.

Seguíamos há várias horas pelo trilho em direcção ao que pensávamos ser o objectivo quando num certo ponto o guia que ia à frente da coluna, precedido pelo prisioneiro que ia amarrado com uma corda pela cintura e estava ao cuidado do Leitão, colocou-se ao lado do prisioneiro, trocou umas breves palavras e depois disse-me que nos estávamos a aproximar de uma Tabanca.

Dei ordem para prosseguir e quando a mesma estivesse visível que me avisasse.
Passado algum tempo apontou-me na direcção de uma enorme tabanca que se podia avistar não muito ao longe e disse-me que devia estar abandonada. Nesse momento parei e por conseguinte a coluna também, pelo que não querendo assumir a responsabilidade que me tinha sido dada por não se tratar da Base de Biambe disse ao soldado que seguia atrás de mim para ir rapidamente informar o Capitão que se estava a avistar uma Tabanca que pelo silêncio devia estar deserta pois não houve reacção nem fuga apressada à aproximação da Companhia e assim ficava a aguardar instruções, no pressuposto que o Comandante me ia chamar para trocar impressões ou então mandar dizer para evitar a Tabanca e seguir por outro trilho na direcção do objectivo.

Fiquei algum tempo à espera das instruções quando para minha surpresa sou ultrapassado por soldados que se encontravam atràs, pensando possívelmente que aquele era o objectivo e por ordem não sei de quem avançaram na direcção da Tabanca. Por outro lado, não compreendi a razão pela qual o Cruz e o Bragança também avançaram com as suas secções.

Continuei no mesmo sítio com os homens da secção até que, juntamente com os camaradas que passavam por mim dirigindo-se à Tabanca, apareceram os outros 2 guias que vinham algures na coluna (e que afinal um era guia prisioneiro, muito embora se encontrasse com liberdade de movimentos) que não avançaram e ficaram também ali parados a meu lado.

Tendo pela primeira vez no mato os 4 africanos na minha presença disse aos guias que perguntassem aos prisioneiros onde ficava a base. Falaram brevemente entre eles no dialecto local e de seguida disseram-me que um dos prisioneiros lhe garantira que a base de Biambe ficava a pouca distância dali, mas numa direcção diferente.

Na posse desta informação, e inconformado com a atitude do pessoal e perante a pacifidade dos restantes graduados perante a distorção da missão, disse à minha secção que aguardasse pois ia atrás falar com o Capitão Garcia.

Naquela altura já ele tinha começado a avançar e acompanhando-o disse-lhe que ali à frente não devia haver nada, conforme o tinha mandado informar, e que o objectivo inimigo que era a razão da missão que ele nos tinha indicado no quartel eram as casas de mato, na base de Biambe que ficavam noutra direcção segundo tinha acabado de dizer o prisioneiro e não aquelas palhotas, e que por conseguinte poderia ser mais conveniente e proveitoso esquecer a Tabanca e seguir.

No entanto não ligou às minhas palavras, que lhe foram dirigidas com boas intenções e disse-me irritado que ele é que era o Comandante da Companhia e que quem ordenava o que se devia fazer era ele. E de facto não estava errado, mas então não me desse instruções específicas antes de sairmos do aquartelamento e iniciarmos a progressão. Simplesmente a sua resposta seca, dura e autoritária na presença dos camaradas que estavam a seu lado tirando-me assim autoridade, suou-me como se tivesse sido atingido por uma chicotada pelo que como uma reacção silenciosa e com o espírito ainda desconhecido de quero, sei, posso, imediatamente me passou pela cabeça, que ia mesmo aventurar-me à procura do acampamento inimigo, apoiado por quem me quizesse acompanhar. Animado com a ideia que me tinha acabado de ocorrer acompanhei-o até ele ter chegado ao lugar onde eu tinha deixado os africanos e a secção.

O Capitão e os militares que com ele seguiam continuaram em frente eu fiquei ali e disse aos africanos para me levarem à Base e eles concordaram. Falei brevemente com os meus soldados que ainda ali continuavam no sentido de tentar persuadi-os para avançarmos para a base inimiga mas não se mostraram entusiasmados, dizendo-me que preferiam seguir também para a Tabanca o que me causou imensa frustração, contudo reconheci que estavam no seu direito de recusarem. Nestas condições e para não perder mais tempo pois deviam ser já perto das 4 horas da manhã disse ao João Maria Leitão a quem tinha sido entregue o prisioneiro amarrado, se se sentia com coragem para aquela digressão e ele disse-me que sim.

Foto com dois camaradas que sairam da minha secção na CART 730 e depois do 2º Curso ficaram na 1ª Equipa do Grupo Cmds Vampiros: António Paixão Ramalho 'Monte Trigo' e o João Maria Leitão ao lado do Alf Mil António Joaquim Pereira Vilaça (OE da CCAÇ 726), o Djamanca e o Justo. O João Leitão nos Comandos foi agraciado com a Medalha de Mérito Militar – 4ª Classe.(Da minha secção também saiu o Cândido Perna Tavares, o 'República' que ficou no mesmo Grupo mas noutra equipa).

Da Companhia sairam ainda o Furriel Joaquim Prates (que acabou por não frequentar o Curso e foi transferido para a CCAÇ 763 em Cufar, onde foi substituir outro Furriel que, por se encontrar doente, foi transferido para o QG em Bissau); o 1 Cabo Faustino dos Santos Viegas, dos 'Centuriões, que foi ferido em Jolmete em 3Ago65 e evacuado para o HMP e os soldados Jacinto da Conceição Venâncio e José de Oliveira Gonçalves, dos 'Apaches').

Desconheço os motivos pelos quais quizeram sair da CART 730 para frequentarem o 2 º. Curso de Comandos uma vez que todos nós os que o fizemos não tinhamos qualquer problema disciplinar, antes pelo contrário, o Comandante da Companhia exerceu alguma pressão para nos desencorajar, pelo que não sendo para seguirem as minhas pisadas deduzo que deva ter sido, como todos os que foram para os Comandos, pelo espírito mais acentuado de aventuras.

No meu caso não só foi pelo facto de ter sido ferido numa operação anterior - juntamente com outros camaradas e o Alf Ferreira, meu Cmdt Pelotão, ex-seminarista, que depois de ter sido também instruendo no CIOE onde era um dos melhores, uma vez chegado à Guiné desinteressou-se totalmente do exército, de tomar qualquer decisão ou dar qualquer opinião sobre as operações - mas também por ter sido abordado alguns dias antes pelo Capitão de Artilharia Aníbal Celestino Rocha, Oficial de Operações do Batalhão que eu não conhecia e que se tinha deslocado a Bissorã por razões que desconheço, que me veio falar dos Comandos, dizendo-me também que um dos Grupos em Brá precisava de pessoal.

Falso comando

É curioso mencionar que no almoço-convívio da Companhia realizado o ano passado encontrei um soldado que tinha no braço uma tatuagem a dizer Comandos-Guiné.
Como nunca o tinha visto em Brá perguntei-lhe a que Grupo pertencia, disse-me que tinha mandado fazer a tatuagem convicto que ia fazer provas para os Comandos e que iria ser aceite mas que o Capitão Garcia não o tinha deixado ir, dizendo-lhe que se deixasse ir todos os que queriam ficava com a Companhia desfalcada.

3º Curso Grupos - 3ª CCmds

Houve ainda um 3º Curso formado na Guiné que terminou em 28 de Abril de 1966. Em 30 Junho de 1966, ou seja menos de 2 meses depois de terminarem, chegou a Brá vindo da Metrópole a 3ª Companhia de Comandos.

Biambe (II)

Embrenhados num dos trilhos do mato a caminho do acampamento inimigo no último dia do mês de Fevereiro de 1965 fiquei convencido que os africanos não me estavam a enganar e que o guia prisioneiro que melhor sabia a localização não ia fugir, e que por isso iamos encontrar a Base que segundo a minha perspectiva o inimigo devia ter abandonado ao tomar conhecimento que a tropa andava por ali perto, e não teria tempo de se organizar para nos montar uma emboscada.

Naquele momento a adrenalina estava ao rubro, e pelo sim pelo não, dei instruções rigorosas aos guias para que a principal preocupação fosse a de avançarmos com todos os sentidos alerta e concentrados em pequenos pormenores que nos dessem a conhecer com a devida antecedência se o inimigo se encontrava mais à frente à nossa espera, e assim com os outros participantes iniciámos uma lenta e cuidadosa progressão.
Segundo me tinham dito a Base situava-se perto o que me fez pensar que me dava
tempo para ir e regressar à Companhia antes de terminarem de vasculhar e eventual-mente incendiarem a tabanca o que obviamente ia demorar algum tempo, ou que pelo menos não os faria esperar muito.

Estava redondamente enganado, pois por experiência própria fiquei a saber, durante os cerca de 20 anos que andei por países africanos, que para eles africanos era tudo perto, independentemente das distâncias.

Todavia há sempre um senão, e a operação não correu exactamento como tinha previsto, já que perto da madrugada mas ainda escuro vi repentinamente um vulto que em frente do único soldado que ia à minha frente saiu do trilho e correu para o mato. Apercebi-me de imediato que era o guia prisioneiro que tinha conseguido libertar-se da corda que tinha atada à cintura pelo que estando totalmente fora de questão tentar abatê-lo a tiro, como levava no bolso uma navalha espanhola instintivamente puxei por ela, abria-a o mais depressa que pude e atirei-a com toda a força na direcção onde ele tinha entrado no mato, mas claro que não lhe acertei.

Felizmente passado pouco tempo chegámos à base turra de Biambe que segundo contámos era composta por 12 casas de mato que de facto tinham sido abandonadas, possÍvelmente quando o inimigo tomou conhecimento onde a tropa se encontrava devido às labaredas das 26 palhotas que compunham a Tabanca que começavam a subir para o céu e se avistavam jà àquela distância.

Perante este panorama mandava a prudência que saissemos dali o mais rapidamente possível tanto mais que um prisioneiro que conhecia aquela zona tão bem como as palmas da mão tinha fugido e caso entrasse em contacto com os seus camaradas, que devia ser a sua intenção, iria pela certa denunciar a nossa presença com o intuito de nos capturarem ou abaterem e assim revistámos sumàriamente apenas algumas delas e encontrámos:

1 GMO-RG34;
4 carregadores de PM;
munições de 9mm (que depois de contadas mais tarde se veio a verificar que eram 134);
1 bolsa de pano;
1 sabre;
1 cinto de cabedal;
1 grade para GMO e vários documentos.

Para não alertar a nossa presença ao inimigo que andaria na zona e que sabia onde a tropa se encontrava mas não o nosso pequeno grupo pelo que o perigo poderia vir de um possível contacto do ex-prisioneiro dei instruções aos africanos para regressarmos com as mesmas precauções mas por um trilho diferente. Se tivessemos mais tempo e mais homens, sobretudo homens pois eramos apenas 2 militares, já que era de prever que os africanos mesmo que encontrassem não nos deviam dizer nada, teria sido possível efectuar uma busca meticulosa a todas elas e provàvelmente teriamos encontrado mais material.

Tendo a Companhia acabado de revistar e incendiar a Tabanca e querendo assim regressar, conforme vim a saber mais tarde, o Capitão mandou procurar os guias e os prisioneiros e então deu também pela minha falta, altura em que lhe disseram que
tinha seguido com eles para a base inimiga.

Dada a demora em regressarmos começaram a fazer conjecturas sobre o que nos teria acontecido, tendo então decidido dar ordem para 4 Secções irem à nossa procura. Sem nos terem encontrado pelo facto de terem seguido por uma direcção diferente, as Secções regressaram ao seio da Companhia primeiro do que nós, e òbviamente foram comunicar ao Capitão.

Quando passadas várias horas chegámos à zona da Tabanca já queimada onde a Companhia estava estacionada a aguardar o nosso eventual regresso, soldados da minha secção foram ao meu encontro, pelo que lhes perguntei onde se encontrava o Capitão para assim ir falar com ele e entregar-lhe o material capturado, e apontaram uma árvore que se situava do lado oposto onde tinhamos entrado. Quando me dirigia para a referida árvore vi de relance dois ou três soldados junto a outra árvore a apalparem uma bajuda já um pouco crescidita que talvez tivesse sido capturada na Tabanca, mas naquela altura era o que menos me interessava saber.
Postal com bajuda balanta - Mansoa

Durante o curto trajecto alguns soldados da minha secção acompanharam-me e aproveitaram para me informar que um dos assunto badalados durante a longa espera que tiveram que fazer era que o Furr. Parreira tinha saído com os guias e ninguém sabia em que direcção.

Um deles que estava bastante agitado referiu que esteve perto do Capitão que estava furioso e ouviu-o dizer aos outros oficiais que me ia levantar um processo discipinar.

Perante este facto, e devido ao perigo em que estávamos envolvidos, nem sequer me tinha passado pela cabeça essa possibilidade pelo que me deu então para perguntar se na Tabanca tinham apanhado algum material de guerra ou documentos e foi-me dito que não.

Almoço convívio em 5Mai07 em que o Cmdt. CArt 730 nos honrou com a sua presença, JP, Alf Orlando Valdez (Cmdt 2º Pelotão) Capitão Garcia e outros camaradas.

Biambe (III)

Quando, acompanhado pelo Leitão pelos três africanos e também por soldados da secção que por curiosidade deveriam querer saber em primeira mão qual o vaticínio final, me abeirei do Capitão que juntamente com os outros oficiais ainda se encontrava encostado à àrvore que me tinham referenciado pude constatar como é natural, que a sua expressão não era nada agradável. Sem o deixar falar perguntei-lhe de chofre se tinham apanhado algum material nas palhotas da tabanca e ele que não devia estar à espera que lhe perguntasse fosse o que fosse, muito pelo contrário, respondeu-me laconicamente que não.

Não lhe dando igualmente oportunidade para falar pois não estava para ouvir da sua boca qualquer reprimenda, sem lhe dar pormenores do que tinha acabado de fazer, disse-lhe calma e respeitosamente: “meu Capitão afinal esta operação não foi de todo infrutifera, pois trouxemos-lhe este material de guerra”.

Foi com tristeza que de seguida lhe tive que comunicar que o prisioneiro tinha fugido, porém ignorou tal facto e por conseguinte não fez qualquer comentário.
O material foi o mencionado no relatório, mas foi a Tabanca que foi incendiada pela Companhia e não as casas de mato, que eram 12 e não 8 conforme mencionou quem não esteve presente.

Foi reconfortante verificar que sendo um oficial amável no trato era todavia um militar exigente, mas também compreensivo pelo menos a meu ver,já que não me criticou e foi bastante benevolente pois a sua atitude mudou radicalmente, apesar de não me dirigir a palavra, limitando-se a dar de imediato ordem para a Companhia se pôr em movimento.

Seguidamente a este episódio fizemos uma batida à área de Chumbume onde localizámos um grupo com cerca de 25 elementos inimigos fardados de caqui amarelo novo, cambando a bolanha e armados de ESP Aut, PM e 1 LGF. etc.

Ataque IN a Bissorã

No dia seguinte das 00h05 as 03h00 o nosso aquartelamento e a vila de Bissorã sofreram fortes ataques IN. O IN atacou de todas as direcções excepto do lado de Binar (tabanca “da outra banda”). O IN fez uso de quase todos os tipos de armamento: P, PM, GM, Esp.aut. e repet,, ML, LGF, Mort 60 e 82. Caíram na área do aquartelamento várias granadas de morteiro e de LGF felizmente sem consequências. A forte reacção e posterior perseguição levaram o combate para longe das posições,
principalmente do lado da granja e bolanha entre as estradas de Bissorã-Mansoa e Bissorã-Binar. De madrugada consegui, a muito custo, convencer alguns soldados do pelotão para irem comigo fazer uma busca ao exterior do arame farpado, e apanhámos uma granada e um frasco de tintura. De manhã saíu um pelotão que apanhou mais material. Devido ao ataque recebemos nos nossos quartos uma bazooka e um telefone, e na parte da tarde fomos nas Mercedes buscar palmeiras para os abrigos.

Dois dias depois deslocou-se a Bissorã, o Tenente-Coronel Braancamp Sobral (conhecido como o 'Cavalo Branco') que Comandava o Quartel de Mansoa, e dava ordem de Operações. Contava depois de Biambe que mais dia menos dia houvesse coluna militar para Bissau e assim não ia fazer mais operações com a Companhia todavia assim não aconteceu.

Deste modo por ordem do meu Capitão que mais uma vez não me livrou de ir para o mato, apesar de ter um substituto, pelo que levei com mais duas operações, uma em Passe e outra em Binar.

Biambe – IV

Camaradas da m/secção da CART 730, no 4º Almoço-convívio realizado a 5Mai07, no Portal do Infante, na Marina de Lagos (de boné o 'República', GR Comds Vampiros)

No HMP e Anexo

Falando agora um pouco da secção que era composta pelos seguintes militares:

Nos 273/64 - 1º Cabo Francisco Dias
Sold 274 José Maria de Oliveira
292 António Paixão Ramalho
293 João Maria Leitão
294 Francisco José Pires
295 Armindo Jerónimo Barrelas
296 Cândido Perna Tavares
298 Jacinto Manuel Guerreiro
317 Custódio António Dias

Durante o período que dei instrução passou-se um episódio que nunca poderei esquecer.
A alegria dos soldados!!
Aquele dia estava destinado a um dos treinos de rastejar e decidi que o mesmo fosse efectuado em cima de vários objectos nada aconselháveis quando o mesmo teve que ser Interrompido devido a uma dôr súbita e muito aguda que senti na virilha direita e em que foi necessário chamarem um jipe para me levar de urgência para o Hospital Militar.

Perante o inesperado, estava eu a torcer-me com dores, mas mesmo assim não pude deixar de reparar no grande júbilo dos instruendos que se levantaram imediatamente e começaram a bater palmas de contentamento por a instrução ter terminado e, penso eu, não terem por uns tempos instrução tão árdua. A operação cirúrgica a que fui submetido decorreu bem pelo que fui transferido para o Anexo.

Estava quase a ter alta quando fui abusivamente provocado por outro dos internados pelo que, como reacção, saltei da cama e entrei numa vigorosa “guerra” de almofadas o que provocou que os pontos tivessem rebentado e como tal voltei à estaca zero. Foi durante o tempo que estive internado que se apresentaram do RAL 1 (Unidade Mobilizadora) em primeiro lugar o Alferes Ferreira e que iria ser o meu comandante de pelotão e mais tarde o Capitão Garcia Comandante da Companhia.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1772: Tabanca Grande (9): Artur Conceição, ex-Soldado de TRMS da CART 730 (Região do Oio, 1965/67)

Vouzela > Campia > Monumento aos Combatentes do Século XX > Inaugurado em 13 de Novembro de 1999 e dedicado aos campienses combatentes deste século. Lembra aos vindouros a participação de muitos naturais de Campia na Guerra Colonial, na Primeira Grande Guerra e em expedições a África e à India. A iniciativa inseriu-se no IV Convívio dos Combatentes e Forças Expedicionárias da Freguesia de Campia.

Fonte: A Guerra Colonial, página de Jorge Santos > Monumentos (com a devida vénia...)



1. Mensagem do novo membro da nossa tertúlia, o Artur Conceição, ex-soldado de transmissões da CART 730 (1965/67), actualmente residente na Damaia, Amadora.Esteve em Bissorã, Farim e Jumbembem, ou seja, na catual Região do Oio.

Quero estar ao lado dos que não permitem o virar da página... O meu nome é Artur António da Conceição... Estive na Guiné (1965/1967). Fui Soldado de Transmissões de Infantaria e Condutor Auto. Pertenci à Companhia de Artilharia 730. Estive em Bissorã, Farim e Jumbembem. A minha comissão de serviço foi de 9 de Fevereiro de 1965 a 14 de Fevereiro de 1967.

Permitem-me a entrada na tertúlia ? Em que posso ajudar ?

Sou natural de Campia onde temos anualmente um convívio de todos a ex-combatentes da freguesia. Levantámos um monumento em memória dos ex-combatentes do século XX, conforme foto acima inserida.

Não tenho estado ausente desta causa, e tenho algumas obras feitas, ntre elas uma base de dados onde constam todos os que tombaram, e também os que foram condecorados, a partir da qual é possível tirar muita informação.

O ficheiro Tabela4.xls, que envio em anexo, é uma tabela criada a partir dessa mesma base e onde podemos ver algumas curiosidades. Ver por exemplo que morreram mais em combate na Guiné do que em Angola (que é 35 vezes maior).

Por hoje não mando mais nada, a não ser um grande abraço a todos os elementos da tertúlia.

Conheço dois …. o que é muito bom !!!! Mas gostava de conhecer muitos mais…….!!

Artur António da Conceição

Av. Gorgel do Amaral, 6-1º D
Damaia - Amadora
Telem: 919652342
E-mail > artur-conceicao@netcabo.pt


2. Comentários do Carlos Vinhal:

2.1. Caríssimo Artur Conceição:


O editor do nosso blogue, Luís Graça, encarregou-me de te dar as boas vindas à nossa Caserna Virtual. Sê bem-vindo e esperamos que nos venhas contar as tuas estórias e nos mandes mais tuas fotos. Vai ao baú das recordações e conta-nos o que fazia um militar que tinha duas especialidades. Ser condutor e ainda exercer a especialidade de transmissões devia ser complicado.

Como saberás, aqui toda a gente se trata por tu, porque temos em comum o chão que pisámos, os perigos por que passámos em emboscadas, colunas, operações, etc.

Recebe em nome de toda a tertúlia um abraço.

O camarada
Carlos Vinhal

PS - O teu ficheiro em excel não pdoe ser reproduzido automaticamente no nosso blogue (que só aceita tectos em html ou imagens, com formato.jpg ou equivalente). Mas prometemos aproveitar o conhecimento que produziste.

2.2. Camaradas e amigos desta tabanca grande:

Abram alas para dar entrada a mais um amigo. O Artur da Conceição apresentou-se já há alguns dias, mas só agora consegui pôr a escrita em dia. Acrescentem à vossa lista de endereços o deste nosso camarada para ele se sentir um tertuliano de pleno direito.

O camarada e amigo
Carlos Vinhal


Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1965/67) > "Estes eram meninos de Jumbembem que eu gostava de ensinar. Na fila da frente e de camisa branca está o Tomás que era esperto que nem um rato. Era o menino querido dos estica fios".

Guiné > Região do Oio > Jumbembem > CART 730 (1965/67) > "O que terá acontecido a estas duas meninas ??? Eram de Jumbembem, a Fili e a Djar".


Fotos e legendas: © Artur Conceição (2007). Direitos reservados

segunda-feira, 20 de março de 2006

Guiné 63/74 - P624: Com a CART 730 em Bissorã e Olossato (1965) (João Parreira)

Texto do João Parreira (ex-Furriel Miliciano) (CART 730 e Comandos, Bissorã e Brá, 1964/66) (1)

Caro Luís Graça & Camaradas:

Estava em Bissorã, nos idos anos de 1965, e naquele dia resolvi pelo cair da tarde ir até à tabanca da Binto Danfa, que era a minha lavadeira...

Já depois de ter feito conversa gira (ai que ricos momentos!) convenci-a a tirar a foto.


Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > O Parreira e a Danfa © João Parreira (2006)

Mais tarde chegaram três soldados da minha secção a que se juntaram alguns africanos que posaram para a foto...

E não é que no dia seguinte o Capitão mandou-me chamar e passou-me uma valente piçada por andar à noite nas tabancas na companhia de soldados!!! Fiquei revoltado, mas tive que aguentar e calar.

Guiné > Região do Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > © João Parreira (2006)


Com 2 bajudas e o Furriel Ribeiro (transmissões) e, por trás, o Furriel Amadeu (minas e armadilhas) que mais tarde ficou a tratar da nossa alimentação...

Ao Furriel SAM Nelson que tinha o curso de vagomestre enfiaram-lhe uma G-3 nas mãos e passou a operacional e assim a ter de ir para o mato.

Guiné > Regiãodo Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > © João Parreira (2006)



Nesta altura o Nelson ainda não sabia a sorte que o esperava e eu não cheguei a usar o pilão


Guiné > Regiãodo Oio > Bissorã > 1965 > CART 730 > © João Parreira (2006)


E agora que ando por Bissorã, aqui fica o relato de uma operação naquela zona.



Bissorã > 9 de Janeiro de 1965, Sábado > Operação em Cancongo
Saímos (CART 730) do aquartelamento de Bissorã ao fim da tarde e fomos até ao Olossato, donde partimos às 22H00 para a operação. No caminho para o objectivo avistou-se ao longe uma enorme tabanca pelo que a Companhia, em fila de pirilau, dirigiu-se para ela.

À medida que íamos avançando e dado o silêncio total, pareceu-nos que se encontrava abandonada. Assim era de facto, pelo que os soldados, ou descontrolados ou com ordem
de algum oficial, pois nunca cheguei a averiguar, começaram a revistá-la numa grande
desorganização, com grande alarido e alvoroço, e seguidamente incendiaram-na.


Com os Furriéis Prates (que foi para Brá, para os comandos, mas desistiu), e o Reis (da manutenção-auto), em amena conversa na ponte Bissorã-Barro, tendo como fundo uma manada de vacas.

Guiné > Regiãodo Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > © João Parreira (2006)


Com as labaredas, na escuridão da noite, a avistarem-se a vários quilómetros de distância o Capitão não sei o que é que lhe teria passado pela cabeça, mandou-me chamar a mim e ao Alf Mil Francisco Ferreira que chefiava o meu Pelotão, e disse-nos - acho que como pretexto para não argumentarmos - que, como tinhamos os dois o COE [Curso de Operações Especiais], levássemos os guias e fossemos atacar as casas de mato de Catancó, que ficavam a alguns quilómetros mais à frente. Ele ficaria ali com os restantes Pelotões.

Como o Alf Mil Ferreira nada disse, respondi-lhe que não era prudente pois as chamas denunciavam a nossa presença, e o IN podia estar mais à frente a montar-nos uma emboscada. No entanto ele olhou para o Alf Mil Ferreira depois para mim, e em resposta disse-me para obedecer à ordem que tinha dado.

Como ordens são ordens e não se podem discutir, como nos diziam, e uma vez que fazia parte da 1ª Secção lá fui à frente do Pelotão com os guias.

Estávamos já embrenhados na floresta quando de repente os guias pararam e apontaram na direcção de palhotas que se viam ao longe e onde se podia ouvir,
embora tenuamente, o ruído de vários utensílios que não conseguimos identificar, e notava-se grande agitação, o que não era de estranhar depois do espalhafato e das labaredas que ainda se podiam ver no ar.

Assim a prudência aconselhou-nos a não atacar e montámos de imediato uma emboscada.
Passados cerca de 30 minutos, quando tudo estava calmo e em silêncio total entrámos nelas cautelosamente e iniciámos as buscas de palhota a palhota, mas não encontrámos nenhum material de guerra.

Para não complicar mais a situação e não dar conhecimento ao IN da nossa posição,
decidiu-se que as mesmas não fossem incendiadas e regressámos ao seio da Companhia onde relatámos ao Capitão o que tinha acontecido e ele então deu ordem de regressar a Bissorã.

Nesta altura soube que a revista à tabanca foi infrutífera pois não foi descoberto nenhum material, contudo numa das moranças saíu um africano já velho e porventura mais lento, que foi feito prisioneiro.

Já de regresso, e quase de imediato, eram cerca das 03h00, quando ouvimos barulho que nos pareceu de animais a aproximar-se e, subitamente, apareceu uma manada de vacas que saindo do mato passou perto de nós, e no meio delas escondia-se o IN que,
como é natural, nos atacou.

Com o Furriel enfermeiro Zaupa da Silva junto à tabuleta Olossato-Farim. Distâncias: Olossato: 11 km; Farim: 43 km.

Tenho pena de não me recordar o que continha o cesto que a pequenita tinha à cabeça.


Guiné > Regiãodo Oio > Bissorã > CART 730 > 1965 > © João Parreira (2006)


Como resultado o meu Pelotão que seguia à frente da Companhia sofreu 4 feridos com estilhaços de granadas:

- Alf Mil Francisco Ferreira (Comandante de Pelotão, com gravidade, tendo sido levado para o Hospital;

- Sold José Maria S. Gonçalves (evacuado para o HMP - Hospital Militar Principal);

- Fur Mil Parreira (ferido num braço);

- Sold José Francisco Maçarico Gonçalves (ferido num braço).

O Fur Enfº Zaupa fez-nos de imediato um tratamento sumário.

Guiné > Bissau > Fevereiro de 1965 > O Furriel Miliciano Comando João Parreira, já depois de ter saído da CART 730... "Esta foto foi tirada numa esplanada em frente ao Hotel Portugal, creio que se chamava Café Universal".

© João Parreira (2005)


Naquele momento, e ao ver aqueles camaradas tão ensanguentados, fiquei tão exaltado com o Capitão que, sem medir as consequências, lhe disse frontalmente que a culpa era toda dele e que por isso ia sair da Companhia (2).

Ele ficou a olhar para mim com um ar estupefacto, mas não disse nada. No Olossato, apesar do ferimento não ter sido grave, fui tratado pelo Ten médico que depois me deu uma injecção de Anatoxina, dos Laboratórios Berna.

O certo é que a ferida infectou e teve que ser o Ten médico Jaime Afonso, da CART 730, a curar-me.

Um abraço
João Parreira
____________

(1) Vd post de 3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros

Segundo o Virgínio Briote, o João Parreira é "uma das lendas vivas dos velhos comandos de Brá. Andou pela Guiné toda, viu camaradas a morrer mesmo ao lado dele, foi evacuado no mesmo heli que transportou para Bissau o corpo do Furriel Morais" (...).

(2) Vd post de 6 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLI: O 'puto' Parreira, do grupo de comandos Apaches (1965/66)

O Mário Dias e o João Parreira pertenceram ambos ao grupo de comandos Apaches que saiu do 2º curso de comandos realizado na Guiné, em Brá. "Entre nós era conhecido por puto Parreira pela sua aparência um pouco imberbe que, aliás, ainda hoje conserva" (MD).