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domingo, 12 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10255: Bibliografia de uma guerra (62): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (3): Primeira parte do depoimento do Major General Pezarat Correia (2)

1. Fim da apresentação do primeiro capítulo do próximo livro, "Quebo", de autoria do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira* (foto à esquerda) (ex-Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e ex-Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72):


COMPANHIA DE CAÇADORES 18


2. A CCaç 18 em reforço do Sector S-2


Por Pezarat Correia

Foi neste ambiente geográfico, humano e operacional que, em Janeiro de 1971, se integrou a Companhia de Caçadores 18 (CCaç 18), comandada pelo Capitão Rui Alexandrino Ferreira e que tinha sido acabada de formar na própria Guiné. A atribuição desta companhia não ia constituir uma surpresa para o Comando do BCaç 2892, nem a área de actuação e a correspondente missão seriam novidade para grande parte do pessoal da Companhia.

O Comando do BCaç 2892 soubera, já não recordo através de que vias, que a CArt 2521, que lhe estava atribuída de reforço e que estava a terminar a sua comissão, iria ser rendida por uma companhia da guarnição normal, isto é, a formar na Guiné e, predominantemente na base do recrutamento regional, da etnia fula, portanto. Aliás isto era voz corrente na tabanca, onde muitos desses militares tinham família e o que se sabia na tabanca sabia-se no quartel e vice-versa. Tal significava que parte do pessoal seria oriundo da região do Quebo cujo regulado tinha sede em Aldeia Formosa. Alguns deles já tinham mesmo experiência operacional, pois haviam pertencido aos pelotões de milícias e caçadores nativos, sob controlo operacional do Comando do Sector S-2. Estavam intimamente familiarizados com o terreno e com as populações, conheciam as formas de actuar do PAIGC na região, não lhes era estranho o ambiente dentro do BCaç 2892 e das suas Companhias e a forma de actuação do seu Comando. Sabia-se ainda que o comandante da companhia era um capitão miliciano, em segunda comissão na Guiné e, portanto, voluntário, que na anterior comissão, como subalterno, se distinguira brilhantemente na sua actividade operacional tendo sido condecorado com uma Cruz de Guerra de 1.ª Classe. Havia, portanto, de parte a parte, uma expectativa positiva com a entrada em sector da CCaç 18.

A Companhia chegou a Aldeia Formosa em 17 de Janeiro de 1971, na coluna logística que nesse dia regressou de Buba, onde chegara na véspera vindo de Bissau em Lancha de Desembarque Grande (LDG), da Marinha de Guerra. Era já noite e no Batalhão preparara-se uma recepção modesta mas, tanto quanto possível acolhedora. Depois de instalado todo o pessoal, reuniram-se os oficiais na velha e acanhada casa de tipo colonial que servia de messe de oficiais, com uns frugais aperitivos (a inevitável mancarra e castanha de caju em lata, insípidos bocados de queijo e fiambre de conserva) para acompanhar uns whiskies e cervejas e dar as boas-vindas aos recém-chegados. Mas as primeiras impressões foram algo frustrantes. Não pelos subalternos, naturalmente ansiosos, certamente desiludidos com as péssimas condições do aquartelamento, desordenado, mal iluminado, predominando o enquadramento operacional, arame farpado, torreões, trincheiras, abrigos. Os veteranos, todos com mais de um ano de comissão, olhavam sobranceiramente, como sempre se olhavam os novos “periquitos”. A frustração vinha do capitão, parecendo pouco comunicativo, mal-encarado, senão mesmo desconfiado. Deitámo-nos cedo, como habitualmente e o pessoal da CCaç 18 vinha “estoirado” e precisava de descanso. No dia seguinte as impressões alteraram-se radicalmente. Para melhor, muito melhor. O Capitão Rui (como rapidamente passou a ser conhecido), apareceu bem-disposto, conversador, irónico, cheio de iniciativa. Afinal ele vinha, na véspera, a sair de uma crise de paludismo que, com o cansaço da viagem, era o responsável pelo seu humor enganador. O dinamismo com que imediatamente começou a tratar da instalação da Companhia, a preparar metódica e eficazmente o treino operacional e a sobreposição com a CArt 2521, a integrar-se no ambiente geral e na missão que lhe ia ser atribuída, justificou as mais optimistas perspectivas. E rapidamente daria provas.

Consultando os registos de que disponho verifico que, em 19 de Fevereiro de 1971, ainda em período de sobreposição com a CArt 2521, a CCaç 18, a dois GC e comandada pelo seu Capitão, actuava pela primeira vez no corredor de Missirã. Os resultados foram significativos e revelaram uma boa acção de comando e uma conduta eficaz (aí estava mais um êxito de uma operação que fugia à rotina diária do GC emboscado passivamente). As tropas emboscadas detectaram um movimento no “carreiro”, verificando que era apenas um elemento isolado (no “carreiro” já se sabia, quem nele se deslocava e não fosse das NT era IN). Revelando uma serenidade notável para uma acção de estreia em que a tensão é sempre muito elevada e propiciadora de precipitações, o dispositivo deixou passar esse elemento concluindo que seria um explorador avançado e não se denunciou, o que só terá sido possível pela acção experiente do comandante se bem que, deve salientar-se, a Companhia contasse com combatentes já experimentados como milícias e caçadores nativos. Conseguiu manter a emboscada atenta e, passadas cerca de duas horas e meia, surge o grosso da coluna do PAIGC, com avultados reabastecimentos em material de guerra, logístico e diverso. Só então a emboscada foi desencadeada, desbaratando a coluna IN que, experiente em combate e conhecedora do terreno, reagiu pelo fogo e dispersou mas deixando no terreno a maior parte do material que era transportado por carregadores e não por guerrilheiros. Estes não perderam nenhuma das suas armas individuais. O Capitão Rui não considerou a operação terminada como, provavelmente, muitos outros o fariam, reorganizou as suas tropas e transferiu a emboscada para outro local mais adiantado em relação ao sentido de marcha do grupo do PAIGC que, entretanto, também se recompusera. Uma hora mais tarde verifica-se novo contacto de fogo em que a CCaç 18 causou baixas ao IN e lhe capturou armamento. A acção mereceu referências elogiosas do Comandante-Chefe, General Spínola.

Cinco dias mais tarde a CCaç 18 assumia integralmente a sua missão como unidade de reserva (intervenção) do Sector S-2. Em 30 de Junho um GC da companhia tem um novo contacto no corredor de Missirã e agora em missão de rotina na rede de emboscadas, com resultados menos favoráveis e sofrendo sete feridos ligeiros.

Quando o BCaç 2892 foi rendido pelo BCaç 3852, que assumiu a responsabilidade do Sector S-2 em 26 de Agosto de 1971, a CCaç 18 passou a reforçar o novo Batalhão e, já experiente e com provas dadas, constituiu para ele uma unidade fundamental. Em 13 de Janeiro e 8 de Fevereiro de 1972 voltou a registar vultosos resultados em novos contactos no corredor de Missirã, dos quais o Rui me ia mantendo informado através de correspondência que trocávamos.

Mas a acção do Capitão Rui e da sua Companhia não sobressaiu apenas na actividade operacional. Pela sua maneira de ser expansiva, relacionamento fácil e aberto, aproveitando muito bem a ligação que grande parte dos seus militares tinham com as populações locais, conseguiu estabelecer com estas relações estreitas, que lhe foram muito úteis no papel de relevo que desempenhou nas tarefas de reordenamento (escolha, planificação e construção de novos aldeamentos para as populações civis) na região de Aldeia Formosa, que constituiu uma missão importante do BCaç 2892.

O certo é que, muito justamente, em Junho de 1971, apenas 4 meses depois de ter assumido a sua missão no quadro do BCaç 2892, o Capitão Rui foi louvado pelo Comandante deste. E, ao terminar a sua comissão nos finais de 1972, foi condecorado com uma nova Cruz de Guerra de 1.ª Classe. Mas, atenção, Rui Alexandrino Ferreira, Capitão Miliciano, era um combatente de eleição mas não era um belicista sádico ou vingativo. Tinha sentido de missão, procurava cumpri-la bem, sem alardes ou exageros. Era racional e respeitava o adversário.

Justifica-se aqui uma breve reflexão que, excedendo a mera apreciação da actuação da CCaç 18, me parece oportuna. Cumprir bem as missões de combate, logo num contexto de guerra, isto é, fazer bem a guerra, não implica que se goste da guerra ou, mesmo, que se concorde com ela. E não há nada de paradoxal nisto.

Quem é mobilizado para combater numa guerra tem duas opções antes de se encontrar perante o facto consumado: ou recusa liminarmente o seu contributo e deserta, ou vai. Mesmo contrariado, até eventualmente revoltado, mas vai. Esta delicada questão colocava complexos problemas de consciência dadas as conexões políticas da guerra colonial. Evidentemente que todas as guerras têm conexões políticas (a guerra é a continuação da política por outros meios, Clausewitz dixit) mas a guerra colonial levantava o problema da legitimidade política, uma vez que era determinada por um regime político que não resultava de uma escolha democrática dos cidadãos, era uma ditadura assente na repressão e na recusa dos direitos fundamentais. A guerra colonial era a expressão dessa política ilegítima nas colónias e os militares eram seus instrumentos. Respeito os que assumiram desertar por convicções legítimas, por vezes forçados a rupturas radicais nas suas vidas, rupturas dolorosas, enfrentando riscos e situações muito precárias. Foram actos de coragem. Mas também sabemos que sob a capa de motivações respeitáveis houve quem desertasse por mero comodismo, porque dispunha de condições materiais para enfrentar um exílio dourado, sustentado pelas famílias que os visitavam com frequência, sem que tivesse sobre a guerra e a situação política qualquer objecção de consciência ou rejeição ideológica. Para os militares dos quadros permanentes a mera admissão da deserção era mais traumática e, em tempo de guerra, envolvia o anátema da traição, da cobardia, do abandono “perante” o IN, colocando por isso delicados dilemas no campo moral e ético. Era uma opção extremamente problemática, particularmente quando se tinha de deixar mulher e filhos cuja subsistência estava a seu cargo. Mesmo assim houve quem, honesta e temerariamente, fizesse essa opção.

Para quem não podia, ou não queria, seguir o caminho da deserção, a alternativa era só uma, ir à guerra. E, uma vez na zona de combate, em operações, face ao IN, cumprir e cumprir bem ou não cumprir e cumprir mal, podia significar a diferença entre sobreviver ou morrer, não apenas para o próprio mas para os que o acompanhavam. Isto era especialmente verdadeiro para quem tinha responsabilidades de comando, quando dos seus actos não dependia apenas a sua integridade pessoal, mas também a dos seus comandados. As decisões de um comandante em campanha não têm um mero alcance individual ou egoísta, envolvem sempre os seus comandados e, por isso, não tem o direito de, por não concordar com a guerra, recusar ou abrandar a actividade operacional, desmotivar-se a si e aos seus subordinados, dar, pela sua passividade, todos os trunfos ao adversário. Para além de profissionalmente condenável seria eticamente inaceitável que, por causa das suas convicções, por muito louváveis que as considerasse, pusesse em risco a integridade física, a vida dos homens que dependiam e confiavam na sua acção de comando. Este era um problema humano de uma enorme delicadeza, que se colocou a muitos oficiais e testemunho-o por experiência própria. O comandante não só tinha de cumprir e cumprir bem, como tinha que fazer com que os seus subordinados cumprissem e cumprissem bem.

Mas, então, e aqueles que já tinham, ou foram adquirindo consciência cívica, inteirando-se da injustiça da guerra e dos interesses reais que esta servia, da natureza perversa do sistema colonial e da ditadura na metrópole a que estava associado? Como conciliar estas convicções político-ideológicas com as suas obrigações de comandante? A solução só poderia ser aguentar os riscos materiais e os custos morais de uma guerra com a qual se discordava, exercer com sacrifício mas com honra a sua acção de comando e tratar de aproveitar o próprio paradoxo da guerra, as contradições que introduzia no sistema, para alimentar as fragilidades que iam minando o regime, tornando inevitável o seu derrube e, no momento oportuno estar no lado certo e com as pessoas certas para lhe aplicarem o golpe decisivo. As imposições éticas que tinham com os seus homens, com os seus comandados, não as tinham para com os responsáveis políticos nas alcatifas do poder que, como atrás assinalei, nem sequer era legítimo e era, esse sim, o responsável pelas verdadeiras causas e perversões da guerra. Em relação ao poder político ilegítimo e ditatorial, a obrigação do militar consciente era colocar-se do lado do povo, revoltar-se e derrubá-lo. E foi isso que veio a acontecer mas levou tempo a amadurecer. A própria guerra se encarregou de gerar os factores e os agentes que estariam na base do derrube do regime que levara à guerra e era agora dela prisioneiro.

Não estou a dizer que esta tipificação se aplicasse ao Capitão Rui Ferreira. O que quero dizer é que, em termos teóricos, é deslocado identificar, linearmente, bom combatente e apologista da guerra, bom combatente da guerra colonial e defensor do sistema colonial. A segurança e a vida dos seus homens, a mais importante obrigação de um chefe, obriga um comandante, uma vez que aceitou assumir o comando de uma unidade, a comandar bem. E nesse particular não tenho dúvidas, o Capitão Rui Alexandrino Ferreira foi um excelente comandante de companhia em campanha e um excepcional condutor de homens. Posso testemunhá-lo porque convivi com ele directamente durante oito meses, em ambiente de campanha e de guerra, acompanhei-o algumas vezes nas saídas para o mato e, afirmo-o convictamente, ao longo da minha experiência de trinta e seis anos de serviço militar efectivo, na grande maioria em contacto com as tropas e em todos os sucessivos escalões de comando, com seis comissões na Índia e em África desde alferes a major, o Capitão Rui Alexandrino Ferreira foi dos melhores condutores de homens que me foi dado conhecer.

Há uma característica da liderança que considero o tempero decisivo capaz de conferir virtude a determinados atributos de comando que, sem ela, podem tornar-se excessivos e transformar-se em defeitos perversos. Refiro-me ao bom senso, o equilíbrio moderador que impede que a coragem resvale para temeridade gratuita empurrando os seus homens para riscos desnecessários, que evita que o culto da disciplina dê lugar ao autoritarismo desumano, que a tolerância resvale para o laxismo, que o gosto pela decisão rápida caia na precipitação, que o excesso de ponderação conduza à hesitação. O bom senso confere sangue frio nas situações de pressão emocional, presença de espírito quando à volta se instala a ansiedade. É uma virtude que, normalmente se adquire com a idade, com a experiência, com a dimensão da responsabilidade. Mas, apesar da sua juventude, o Capitão Rui Alexandrino Ferreira aliava ao seu entusiasmo contagiante uma notável dose de bom senso, o que lhe permitiu aplicar a sua coragem, o seu sentido de disciplina, o seu gosto pela decisão, na medida e no sentido convenientes. Não estou a fazer um elogio fácil. Não devemos nada um ao outro nem pretendemos nada um do outro. Estou apenas a registar uma opinião madura e consolidada, que é a minha.

*     *     *

Mas há ainda uma outra característica do Rui Alexandrino Ferreira que me interessa destacar. É a sua faceta humana, a facilidade para conquistar e cultivar amizades, a sua disponibilidade para conviver, para colaborar e para ajudar, o que também foi um trunfo na sua elevada capacidade de liderança.

Em Aldeia Formosa as instalações eram muito deficientes, nomeadamente as dos oficiais, bem piores do que as dos sargentos e as das praças, cujas casernas foram as primeiras a serem concluídas depois da chegada do BCaç 2892. Quando este foi rendido estava ainda em construção um novo edifício de quartos para oficiais que só veio a ficar concluído depois da sua rendição pelo BCaç 3852.

O Rui resolveu alugar uma casa rudimentar na tabanca, fora do perímetro do quartel e aí se instalou com os seus oficiais subalternos. Era pouco mais do que uma palhota melhorada, coberta a zinco, mas ampla e os seus novos residentes fizeram os arranjos possíveis, com cartazes (do tipo das motivações mais correntes em ambientes masculinos e bélicos), com boa instalação sonora, com um conforto mínimo. Era um oásis dentro de Aldeia Formosa e passou a ser o local de convívio para muitos oficiais, incluindo o Comandante, Segundo-Comandante e Oficial de Operações, que ali iam à noite beber uns copos, ouvir música (predominando a música da época, do pós-década de sessenta, de intervenção e contestatária), falar com liberdade de tudo, sem mesmo deixar de lado temas mais incómodos, culturais, sociais ou políticos. Às vezes chegava-se ali vindo de actividade operacional e saia-se a correr para responder às flagelações dos grupos do PAIGC.

O Rui tinha um relacionamento muito próximo com todo o seu pessoal, oficiais sargentos e praças, sem nunca ter sido beliscado o seu ascendente de líder natural. Mas também eram muito boas as suas relações com os camaradas das outras subunidades e com os oficiais superiores do Batalhão sem que daí resultasse a mínima perturbação para os condicionamentos hierárquicos. A “palhota” da CCaç 18 era um sítio onde todos se sentiam bem, desinibidos e descontraídos. 

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3. Para além da CCaç 18

Pela minha parte felicito-me por ter feito com o Rui uma sã amizade.

Depois do seu regresso da Guiné, finais de 1972 princípios de 1973, antes de nova mobilização minha, restabelecemos a nossa relação que, aliás, nunca interrompêramos completamente pois mantivemos alguma troca de correspondência. Ele pretendia continuar ao serviço do Exército e queria ir para Angola, de onde era natural, onde crescera até vir para Portugal para a tropa, onde tinha a sua família há várias gerações (na então cidade de Sá da Bandeira, actual Lubango) e onde queria fixar-se. Em meados de 1973 iniciei uma nova comissão em Angola, tendo sido convidado para ir chefiar o Gabinete das Forças Auxiliares na Zona Militar Leste (GFA/ZML) com sede na cidade do Luso (hoje Luena), que incluía as força estrangeiras catanguesas (nome de código Fiéis), zambianas (Leais) e os angolanos Grupos Especiais (GE). Convidei o Rui, que entretanto se tinha oferecido para nova comissão em Angola, para ir trabalhar comigo, isto é para, uma vez eu chegado a Angola propor a sua nomeação para um dos lugares de adjuntos no GFA/ZML, alguns dos quais eram destacados junto dos campos dos Fiéis e Leais. Aceitou, em princípio, mas ficou combinado que, assim que chegasse a Luanda entraria em contacto comigo. Assim fez mas, entretanto, ficou colocado em Luanda onde sua mulher – tinha acabado de se casar – também tinha aí emprego. Não fazia sentido que ele fosse para o leste nessas condições apesar de eu ter gostado muito de ter contado com a sua valiosa colaboração.

Estas palavras finais já ultrapassam o espaço temporal sobre o qual o Rui me convidou para contribuir com o meu modesto depoimento – aquele que cruzou as rotas da CCaç 18 e do BCaç 2892. Mas justifica-se porque invoca uma amizade que resultou desse cruzamento. Depois seguiram-se os anos, trinta e quatro longos, agitados e riquíssimos anos. Por vezes posicionámo-nos diversamente em relação a determinadas rupturas e evoluções posteriores a 1974 mas nunca, tenho a convicção disso, em relação aos fundamentos e aos princípios que de então para cá mudaram Portugal, o Mundo e a sua Terra, Angola. Mas estas já são outras matérias que excedem o objectivo destas linhas. Creio que temos dado provas, de parte a parte, que mantemos uma sólida amizade e nos respeitamos mutuamente. A CCaç 18 está na origem dessa amizade. A sua invocação ajusta-se plenamente neste livro em que o hoje Tenente-Coronel Rui Alexandrino Ferreira quis registar a memória da Companhia que, brilhantemente, formou e comandou, enquanto jovem Capitão, nas matas e bolanhas da Guiné.

PEDRO PEZARAT CORREIA
Dezembro de 2008

*     *     *     
Mapas a elaborar:

Mapa 1 - Guiné c/ localização do Sector S-2 e assinaladas as localidades onde estavam guarnições militares:
ALDEIA FORMOSA
CHAMARRA
PATE EMBALÓ
MAMPATÁ
NHALA
BUBA
EMPADA
Assinalar ainda:
CONTABANE
República da Guiné
Sectores limítrofes: S-1, S-3, L-1 e L-5
Mapa 2 - Sul da Guiné localizando os corredores de Guilege, de Missirã e de Buba e assinalando:
INJASSANE
XITOLE
Rio Grande de Buba
Rio Corubal
Mapa 3 - Guiné realçando a posição do Sector S-2 como tampão do sul do TO e assinalando:
CANTANHÊS
CANSEMBEL
Canal de Bubaque

sábado, 11 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10253: Bibliografia de uma guerra (61): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (2): Primeira parte do depoimento do Major General Pezarat Correia (1)

1. Continuação da apresentação do primeiro capítulo do próximo livro, "Quebo", de autoria do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira* (foto à direita) (ex-Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e ex-Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72):


COMPANHIA DE CAÇADORES 18

 1. O BCaç 2892 e o Sector S-2 no sul da Guiné-Bissau

Por Pezarat Correia

O Batalhão de Caçadores 2892 (BCaç 2892), mobilizado no Regimento de Infantaria 16, Évora, chegou à Guiné em 28 de Outubro de 1969 e, em 10 de Novembro, assumiu a responsabilidade do Sector S-2, com sede em Aldeia Formosa no sul do Teatro de Operações (TO) (Mapa 1), sob o comando do Tenente-Coronel Rocha Peixoto e sendo 2.º comandante e oficial de operações respectivamente os Majores Moura Sampaio e Pezarat Correia, este último o subscritor destas linhas. Em Abril de 1970 o Tenente-Coronel Agostinho Ferreira substituiria o Tenente-Coronel Rocha Peixoto no comando do batalhão.

O BCaç 2892 rendeu, no Sector S-2, o Comando Operacional (COP) 4, tendo as suas companhias orgânicas ficado assim estacionadas: Companhia de Comando e Serviços (CCS) em Aldeia Formosa, Companhia de Caçadores (CCaç) 2614 em Nhala, CCaç 2615 em Aldeia Formosa e CCaç 2616 em Buba. Passou a ser reforçado com mais 3 companhias operacionais que já se encontravam no sector sob comando do COP 4, CCaç 2381 sedeada em Empada, Companhia de Artilharia (CArt) 2519 em Mampatá e a CArt 2521 em Aldeia Formosa e com 3 Pelotões de Caçadores (PCaç) do recrutamento provincial, 55 em Chamarra, 68 em Mampatá e 69 em Pate Embaló (Mapa 1).

O BCaç 2892 passou também a contar com o apoio, de combate e logístico, de várias subunidades que já encontrou em sector, Pelotão de Artilharia de Campanha (PAC) 14 cm em Aldeia Formosa, PAC 10,5 cm em Buba, 1 Pelotão de Morteiros (PMort) 2138 de 8,1 cm com sede em Buba mas com as suas secções dispersas por Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Nhala, Pelotão de Intendência (PInt) 2191 em Buba e Destacamento do Serviço de Transmissões Militares (DSTM) em Aldeia Formosa. O Pelotão de Reconhecimento (PRec) Fox 2175 entrou em sector juntamente com o BCaç 2892 e ficou em Aldeia Formosa rendendo o que aí anteriormente já se encontrava. Em Junho de 1971 o Sector S-2 passou a contar também com o 2.º Pelotão da Bateria de Artilharia Anti-Aérea (BAAA) 3381, que ficou sedeado em Aldeia Formosa (Mapa 1).

Sob controlo operacional do BCaç 2892 passaram a estar ainda o Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE) 3 sedeado em Buba, duas Companhias de Milícias (CMil) em Empada e Mampatá, esta última com Pelotões de Milícias (PMil) destacados em Aldeia Formosa, Nhala e Buba e um Grupo de Caçadores Nativos (CNat) dispersos por Aldeia Formosa, Chamarra e Pate Embaló (Mapa 1).

Foi com estes meios, aparentemente numerosos, que o BCaç 2892 assumiu a responsabilidade operacional do Sector S-2 em 10 de Novembro de 1969, recebendo do General Comandante-Chefe, do qual, operacionalmente, dependia directamente, a Directiva Operacional “Caça Grossa” que, nas suas linhas gerais, configurava uma típica missão de quadrícula que se articulava em quatro tarefas prioritárias:

- protecção aos trabalhos de construção da pista para aterragem de aeronaves em Aldeia Formosa (temporária e até à conclusão dos trabalhos, o que se verificou em Março de 1970);

- contrapenetração[1] nos eixos tradicionalmente usados pelo PAIGC para, a partir das suas bases na República da Guiné reabastecer e rodar efectivos das suas bases no interior, em Injassane (norte do Rio Grande de Buba) e em Xitole (norte do Rio Corubal);

- controlo da região de Contabane, fronteiriça com a República da Guiné;

- condução da Acção Psico-Social (APS), tendo como principais alvos as populações civis sob controlo das Nossas Tropas (NT), as populações civis sob controlo do Inimigo (IN)[2], as populações civis sob duplo controlo e as NT.

Com base na Directiva Operacional “Caça Grossa” e em resultado de detalhado Estudo de Situação a que se procedeu, o comandante do BCaç 2892 elaborou a sua própria Ideia de Manobra na qual fundamentou o Plano Operacional do Batalhão que se chamou “Galgos Ligeiros”, onde constavam as missões para as suas diversas subunidades e cujo esforço deveria incidir:

- nas acções de contrapenetração, especialmente sobre o chamado “corredor de Missirã” e sua derivação do “corredor de Buba” que, prolongando o “corredor de Guileje”, constituíam os principais eixos de abastecimentos do PAIGC para o interior sul, nomeadamente para as regiões de Injassane e Xitole, a partir das suas bases na República da Guiné (Mapa 2);

- complementarmente, no controlo das respectivas Áreas de Responsabilidade (AR), através de uma constante nomadização e de acções dinâmicas de segurança próxima dos estacionamentos (emboscadas nas imediações das zonas mais favoráveis aos grupos do PAIGC para instalação de bases de fogos para flagelações).

Todas as companhias operacionais, orgânicas e de reforço, ficaram, assim, com AR atribuídas, em missões de quadrícula que preenchiam toda a AR do Sector S-2, inclusive a CCS a quem coube a área envolvente de Aldeia Formosa incluindo os PCaç de Chamarra e Pate Embaló. A única excepção foi a CArt 2521, à qual não foi atribuída AR e que recebeu a missão de unidade de reserva, actuando como força de intervenção do Comando do Sector, prioritariamente destinada a reforçar as acções de contrapenetração no “corredor de Missirã” e em acções de controlo da região de Contabane na fronteira com a República da Guiné. Outro caso particular foi o do DFE, que nem incluo como excepção, uma vez que estava apenas sob controlo operacional do BCaç 2892 e a sua missão, definida pelo próprio Comando-Chefe, estava objectivamente orientada para o controlo do Rio Grande de Buba e seus afluentes, em especial para os locais mais favoráveis à “cambança” (travessia) dos guerrilheiros e reabastecimentos do PAIGC o que, obviamente, também se inscrevia na missão da contrapenetração. Mas o Comando do Sector S-2 podia utilizar o DFE – e utilizou-o excepcionalmente – como unidade de intervenção do sector. Apesar de ter sido várias vezes rendido o Sector S-2 nunca deixou de contar com a presença de um DFE em Buba.

Estas preocupações especiais do Sector S-2 com a contrapenetração, para além de corresponderem à missão recebida do General Comandante-Chefe, são facilmente compreensíveis se atendermos à sua posição na quadrícula da zona sul do TO da Guiné (Mapa 3). A Zona de Acção (ZA) do Sector S-2 deveria constituir um verdadeiro tampão contra a infiltração das colunas do PAIGC vindas do litoral norte da República da Guiné, uma vez que se estendia desde a fronteira com a região de Cansembel, a leste, até ao mar (Canal de Bubaque), a ocidente, procurando isolar a região de Cantanhês, uma das mais fortes do PAIGC. No entanto e apesar da aparente riqueza de meios de que o Sector S-2 dispunha – riqueza apenas efectiva se comparada com as quadrículas em Angola e Moçambique, mas absolutamente ilusória face às condições objectivas da Guiné e, por isso, atrás lhe chamámos aparente –, a contrapenetração nunca foi eficaz, nem neste nem em qualquer outro sector da Guiné. Como não foi em Moçambique, nem em Angola, nem na Indochina, nem na Argélia. A rede de emboscadas da manobra de contrapenetração era mais do que insuficiente, a incontornável rotina da permanência sobre o corredor (o “carreiro” como lhe chamavam os nossos militares), fez com que o PAIGC se fosse apercebendo dos locais preferentemente escolhidos para a sua montagem, jogando habilmente com os horários de instalação e levantamento, aguardando os momentos oportunos para passarem em segurança. Bons conhecedores do terreno contornavam as emboscadas com facilidade e efectuavam manobras de diversão, ameaçando nuns locais ou provocando encontros noutros para passarem ao lado. Várias intercepções as NT conseguiram, algumas com assinaláveis resultados, mas as colunas e grupos do PAIGC nunca deixaram de passar, as suas bases no interior nunca deixaram de ser abastecidas e os seus efectivos nunca deixaram de ser rendidos e reforçados.

Como oficial de operações do BCaç 2892 tive ocasião de percorrer, a pé, toda a ZA do Sector S-2. Observei pessoalmente muitos dos trilhos que constituíam os corredores de Missirã e de Buba e os locais onde as NT montavam emboscadas. Percorri também assiduamente em coluna auto a estrada Buba-Aldeia Formosa que constituía o eixo nevrálgico do Sector e conhecia bem a zona vista do ar, que sobrevoei muitas vezes. Testemunhei, por isso, as dificuldades e fragilidades da acção de contrapenetração. Os corredores não proporcionavam locais ideais para montagem de emboscadas, longe disso. A ausência de elevações de terreno e a mata densa não permitiam observação a distância, o trilho era uma longa recta sem curvas apertadas, sem desfiladeiros, sem pontes ou zonas não torneáveis. Havia meia-dúzia de lugares mais favoráveis, nomeadamente algumas clareiras ou bolanhas mas, esses, o IN conhecia-os bem, evitava-os ou, se os atravessava, rodeava-se de precauções especiais. Acresce que as NT tinham de estar, em permanência, 24 horas emboscadas, tinham de variar os locais vendo-se obrigados a escolher, por vezes, posições menos apropriadas mas a que não podiam fugir, sob pena de se tornarem, não apenas inúteis porque detectáveis, como alvos fáceis para flagelações do IN. Era um tipo de actividade que, por ser tão aleatória, se tornava cansativa e frustrante. Os Grupos de Combate (GC)[3] das várias companhias empenhadas na contrapenetração, de Buba, Nhala, Mampatá e Aldeia Formosa passavam, de 3 em 3 ou de 4 em 4 dias, 24 horas emboscados nos “carreiros”, actividade que, por vezes, se reforçava com GC da companhia de reserva. Era uma rede de emboscadas dispersa e os GC, obviamente, nunca se rendiam uns aos outros no mesmo local. Ao fim de poucos meses os militares estavam esgotados, saturados e o silêncio absoluto necessário para o êxito nas emboscadas era progressivamente afrouxado. Os guerrilheiros do PAIGC, experientes, com muitos anos de guerra, intimamente conhecedores do terreno, quase “adivinhavam” os locais das emboscadas, que detectavam através dos trilhos que as NT deixavam no terreno para os atingirem. Por tudo isto foram muito escassas as intercepções conseguidas mas, mesmo assim, o mais espantoso terá sido terem-se conseguido essas poucas. De uma maneira geral, quando se efectuavam operações de maior envergadura no corredor de Missirã obtinham-se melhores resultados, mas essa não era a opção táctica do General Comandante-Chefe que desejava uma presença permanente na rede de emboscadas a que atribuía um papel dissuasor mas que, na realidade, não funcionava como tal. E este empenhamento permanente não deixava disponíveis efectivos para efectuar operações mais rentáveis.

Vale a pena contar aqui uma história real, relacionada com esta matéria. Em 9 de Junho de 1970 um GC da CCaç 2614, de Nhala, emboscada no corredor de Missirã, intercepta uma coluna do PAIGC. Houve intensa troca de tiros e baixas de parte a parte. As NT sofreram três mortos e quatro feridos mas, com excepção de um morto causado por fogo IN, as restantes baixas resultaram de um acidente com o dilagrama[4]. Era um acidente infelizmente muito vulgar pois, na tensão do combate, por vezes o atirador de dilagrama perturbava-se na troca de carregadores e acabava por accionar o dilagrama com a munição normal, o que provocava o rebentamento da granada à boca da arma com resultados funestos, para o próprio atirador e para os camaradas que lhe estavam mais próximos. Quando na sede do batalhão recebi, em cima da hora, a informação rádio do incidente e os pedidos de evacuação, falei imediatamente com o comandante e concluímos que deveríamos ir rapidamente ao local da emboscada, com a presença no local do GC interveniente e, aí, analisarmos as condições em que tinha ocorrido o contacto de fogo. Até porque, a experiência nos ditava, o General Comandante-Chefe, mais tarde ou mais cedo e como era seu hábito, quereria ir ver o que se passara e era importante estarmos previamente esclarecidos. Assim fizemos e poucos dias depois o GC estava de novo emboscado no mesmo local e eu acompanhei o Comandante do Batalhão, idos de Aldeia Formosa com outro GC. À chegada constatámos que o local da emboscada correspondia, dentro dos condicionamentos atrás descritos, a uma escolha criteriosa, que houvera uma boa aproximação pelo meio da mata sem deixar vestígios e o dispositivo era perfeitamente aceitável e, a verdade, é que o IN até tinha nele penetrado sem o ter detectado. Apenas o incidente do dilagrama impedira um maior sucesso operacional. De qualquer forma lembro-me de ter prevenido o comandante – o tenente-coronel Agostinho Ferreira, um excelente comandante, experiente, que já ia na segunda comissão no comando de batalhão na Guiné em zona operacional, muito dinâmico e sempre disponível para se integrar pessoalmente em operações – que tínhamos de munir-nos de argumentação sólida pois o General Spínola devia vir de “faca afiada” para desancar a emboscada. Não nos enganámos. Avisámos o Comando-Chefe do resultado da nossa análise no local e, no dia seguinte recebíamos uma mensagem avisando que o General Spínola se deslocaria em dia que indicava ao local da emboscada, onde deveria estar o GC envolvido na acção, reproduzindo o mesmo dispositivo e ainda o Comandante e o Oficial de Operações do Batalhão. Com o GC que nos escoltara a partir de Aldeia Formosa montámos a segurança num local onde aterrou o helicóptero que transportava o general, que chegou com o seu Ajudante-de-Campo e com o Chefe da Repartição de Operações. Dirigimo-nos imediatamente para o local da emboscada e ao chegarmos e quando dissemos “É aqui”, o general parou, ajeitou o monóculo, olhou à sua volta e, apontando o inseparável “pingalim”, ripostou de imediato “Aqui é que eu nunca montaria uma emboscada”. O Comandante do Batalhão e eu trocámos um olhar cúmplice, nada surpreendidos e respondemos de imediato: “Foi o possível para quem tem de mudar todos os dias; este nem é dos piores e a verdade é que o IN até caiu na emboscada. E posições ideais para emboscadas só se encontram em caixas de areia e em temas escolares”. Certo é que Spínola até nem alimentou a controvérsia. Falou com o pessoal que participara na emboscada, inteirou-se das condições em que decorrera o contacto de fogo e deu-se por satisfeito. Afinal ele até gostava que argumentassem com ele, apreciava a combatividade de quem lutava pelo que achava certo.

Nas salas de operações do Comando-Chefe tinha-se uma percepção teórica da potencial eficácia da contrapenetração e queriam resultados diários. Mas a realidade no terreno era bem outra. Esta diferente perspectiva alimentou um conflito permanente entre as unidades de quadrícula e o Quartel-General (QG), independentemente de quem estava nas respectivas funções. Operacionais e “ar condicionado” sempre fizeram guerras diferentes, em todas as épocas e em todos os lugares.

Há um outro aspecto que interessa assinalar e que contribuía para a fragilidade da contrapenetração. Uma das inovações corajosamente assumidas pelo General Spínola quando, em 1968, assumiu o Governo e Comando-Chefe da Guiné, na sequência do Estudo de Situação que mandou elaborar, foi o reconhecimento de que havia áreas do TO que se encontravam sob controlo do PAIGC e, perante isso, tomou a decisão de proceder a uma profunda remodelação do dispositivo de quadrícula – aquilo a que se pode chamar uma retracção do dispositivo – e à reformulação da conduta operacional. Algumas guarnições das NT que estavam completamente cercadas nessas áreas, sem possibilidade de desenvolverem qualquer actividade operacional útil para além de defenderem as suas instalações e que representavam um enorme e não compensador encargo logístico, foram mesmo totalmente abandonadas pelas NT. Essas áreas passaram, justificadamente, a ser exibidas pelo PAIGC como áreas libertadas onde proporcionavam visitas a representações estrangeiras. O exemplo tragicamente mais assinalável foi o de Madina do Boé, a mais extensa e situada no SE do TO, onde em Setembro de 1973 o PAIGC declararia unilateralmente a independência da República da Guiné-Bissau. E digo tragicamente porque, quando da retirada da última guarnição militar portuguesa, a travessia para norte do Rio Corubal foi marcada pelo acidente de uma jangada que causou quase cinco dezenas de mortos às NT, entre militares e milícias. Este reconhecimento de que havia áreas do TO sob controlo do PAIGC levou o Comando-Chefe a delimitá-las dentro das ZA dos respectivos Sectores, com a designação de Zonas de Intervenção do Comando-Chefe (ZICC), nas quais às unidades de quadrícula estava vedado conduzir actividade operacional sem autorização do Comando-Chefe, até porque eram áreas de bombardeamento sistemático da Força Aérea que poderiam atingir as NT se aí estivessem em operações sem conhecimento superior. Passaram a ser zonas reservadas a operações de iniciativa do Comando-Chefe, com as suas unidades de intervenção na base de forças especiais (paraquedistas, fuzileiros, comandos ou grupos especiais), desencadeadas quando recortava notícias indiciadoras de objectivos remuneradores e com as quais, por vezes, colaboravam as unidades da respectiva quadrícula. Foi, por exemplo, numa dessas ZICC, no limite que separava o sul da ZA do Sector S-2 com o norte da ZA do Sector S-3, no mítico “corredor de Guilege”, que forças paraquedistas emboscaram a coluna do PAIGC na qual se integrava o cubano Capitão Peralta, que foi ferido e capturado. Esta operação verificou-se entre 16 e 19 de Novembro de 1969, pouco depois de o BCaç 2892 ter assumido a responsabilidade do Sector S-2 (10 Nov).

É claro que estas ZICC se transformaram (ou melhor se reforçaram porque já o eram) em bastiões do PAIGC, com muita população sob seu controlo e boas zonas de cultivo de arroz e criação de gado. No sul da Guiné as zonas mais férteis para a agricultura estavam todas nas mãos do PAIGC. Os seus grupos circulavam aí com algum à-vontade e tinham bases de apoio aos guerrilheiros, tornando muito mais curtos e menos vulneráveis os troços dos corredores de abastecimento susceptíveis de serem interceptados pela contrapenetração. Na ZA do Sector S-2, quando o BCaç 2892 assumiu a sua responsabilidade, as ZICC representavam, em superfície, quase 50% da área total do sector (Mapa 4).

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[1] Chamava-se contrapenetração à actividade operacional das NT resultante da conjugação de meios terrestres, navais e aéreos, mas que era, no essencial, uma manobra terrestre, destinada a dissuadir, impedir ou, no mínimo, dificultar a utilização, por grupos guerrilheiros, acompanhados ou não de populações, dos eixos que, a partir das suas bases em países fronteiriços, conduziam ao interior do TO, com objectivos de atingir, reforçar ou abastecer áreas por si controladas, ou para desencadearem acções contra as NT.

[2]A designação de Inimigo (IN) não deve ser entendida com um sentido calunioso ou depreciativo, nem subentende qualquer valoração, como por vezes, fora do meio militar, se tende, erradamente, a interpretar. Na terminologia técnica militar e em tempo de guerra o inimigo é o outro, o que se opõe às NT e que é sempre identificado pela sigla IN. Aliás, na Guiné, os militares portugueses respeitavam o PAIGC como movimento de libertação e os seus combatentes como guerrilheiros valorosos, que, apesar de serem apelidados, na linguagem corrente da época, de terroristas, na realidade nunca optaram por acções terroristas.

[3] O GC era uma subunidade operacional da CCaç, portanto correspondente ao escalão pelotão de atiradores, mas reforçado com armas colectivas, metralhadora ligeira, lança-granadas (bazooka) e morteiro ligeiro. Se a CCaç era a subunidade fundamental no dispositivo de quadrícula, o GC era a subunidade predominante nas acções de rotina de contrapenetração, segurança próxima dos estacionamentos, escoltas, etc.

O dilagrama era um dispositivo aplicado à saída do cano da espingarda automática individual G-3 que, através de um disparo com munição especial, facultava o lançamento de granadas de mão a maior distância do que se lançadas manualmente. O lançador de dilagramas transportava carregadores de dois tipos de munições de G-3, munição normal da arma automática e munição exclusivamente destinada ao lançamento do dilagrama. Tinha de ter os carregadores bem assinalados, para os poder distinguir pela vista ou pelo tacto (à noite), conforme as necessidades.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 10 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10249: Bibliografia de uma guerra (60): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (1): Mais que um superior hierárquico um amigo de eleição - Pezarat Correia

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10249: Bibliografia de uma guerra (60): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (1): Mais que um superior hierárquico um amigo de eleição - Pezarat Correia

1. Mensagem do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72) actualmente Ten Coronel Reformado, com data de 7 de Agosto de 2012:

Meu caro Carlos:

Com um agradecimento a todos os tertulianos que mantêm a extrema preocupação com o estado debilitado da minha saúde, junto envio, para uma possível publicação se assim o entenderes, o Primeiro Capitulo do livro que espero ainda consigo terminar.

Um grande abraço do
Rui Alexandrino Ferreira.



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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 DE AGOSTO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10219: Bibliografia de uma guerra (59): Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial, de Manuel Luís Rodrigues Sousa

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7746: Blogues da nossa blogosfera (41): Blogue e Nova Tabanca de Avintes (Antero Santos)

1. O nosso Camarada Antero Santos (ex-Fur Mil Atirador/Minas e Armadilhas da CCAÇ 3566 e da CCAÇ 18 - - Empada e Aldeia Formosa -, 1972/74), enviou-nos, em 5 de Fevereiro de 2011, notícias da nova Tabanca de Avintes e do respectivo link para o seu blogue:


Combatentes de Avintes

Caro Amigo Luís Graça,
O nosso blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, para além de todas as notas positivas que nos transmite quase diariamente, serviu-me de incentivo para me atirar de cabeça na criação de um blogue sobre os Combatentes de Avintes. Baseado na filosofia do LG e Camaradas da Guiné, espero conseguir fazer uma "mesa redonda" com todos os Combatentes da minha terra.
Para a "inauguração" consegui que o primeiro militar de Avintes que partiu para África contasse uma pequena estória.
Estou a tentar conseguir o mesmo do único militar que tivemos na Índia - o João Marques de Oliveira - e que acabou feito prisioneiro.
Solicito a divulgação deste blogue no vosso/nosso LG e Camaradas da Guiné:




Obrigado
Abraço
Antero Santos
Fur Mil da CCAÇ 3566 e CCAÇ 18

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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:

6 de Dezembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7391: Blogues da nossa blogosfera (40): Amadu Bailo Djaló, agora em Londres: Guineense, Comando, Português (Idriça Djaló)

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7594: Falando do Capitão Rui da CCAÇ 18 que eu conheci no Saltinho em 1971 (Mário Migueis da Silva)

1. Mensagem de Mário Migueis da Silva* (ex-Fur Mil Rec Inf Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 10 de Janeiro de 2011:

Caro Carlos:

Neste início de 2011, aproveito para te desejar tudo de bom no mesmo e nos muitíssimos que se hão-de seguir.

Nada ou pouco mais que nada sei do "capitão Rui" para além do que faço constar no textozinho que anexo. Mas sei que não faltam medalhados de mérito duvidoso, o que, aparentemente, não será o caso da personalidade em apreço.
 
Se tiveres espaço e achares bem, agradeço a publicação.

Um abraço muito amigo,
Mário Migueis


O Capitão Rui

Em 1971 - em que dia ou mês já não sei -, estava eu ainda combalido, a recuperar de mais um ataque de paludismo, vieram chamar-me, a mando do Capitão Carlos Clemente, Comandante da CCAÇ 2701, onde me encontrava em diligência: tinha um amigo de visita ao Saltinho, que fazia questão de me rever.

Um amigo?!... Cheio de curiosidade, fiz das tripas coração, saltei da cama, passei água pelos olhos, vesti-me e desloquei-me à messe de oficiais e sargentos, onde o tal amigo estaria à minha espera.

Estavam os três à porta, voltados para a parada ensolarada do lado nascente, aparentemente muito bem dispostos: ele - o Capitão Clemente -, um outro capitão, seu amigo, ao qual eu seria apresentado momentos depois, e o Quartim, meu homólogo dos Serviços de Informação Militar em Aldeia Formosa, o qual já não via desde a última formação na Amura, meia dúzia de meses atrás.

Já no bar, após breve conversa, deixámos os senhores capitães entretidos com uns aperitivos, e fomos – eu e o Quartim - até à Sala de Comando, onde o Serviço de Informações tinha cantinho reservado. Falámos de tudo e mais alguma coisa, mas especialmente do nosso grupo do S.I.M. espalhado pelo território e do capitão miliciano que ele acompanhava naquela visita de cortesia à tropa do Saltinho.

Após o almoço, quando se aproximava já a hora do regresso a Aldeia Formosa dos nossos visitantes, trocámos lembranças, tendo eu oferecido ao Quartim uma peça de artesanato local e recebido em troca uma farda completa (camisa, calça e quico) do PAIGC, três ou quatro lápis, outros tantos cadernos e um livro escolar, fabricados, respectivamente, na antiga URSS, Cuba e Suécia. Conservo ainda todas essas lembranças, com excepção da “fardeleta”, que, anos mais tarde, viria a ser atacada pela traça. Estas pequenas recordações de guerra que o Quartim, simpaticamente, trouxera no bornal para me oferecer, faziam parte de um grande lote de armamento e material diverso, capturado ao IN durante a última emboscada montada pela CCAÇ 18 na área de influência das NT instaladas em Aldeia Formosa. - “O capitão Rui é do melhor que temos na Guiné. É um tipo de coragem e de iniciativa, tendo imprimido à Companhia uma atitude de grande agressividade a defender e a atacar. Tem feito muita mossa nas hostes do PAIGC!” – contava-me o Quartim, com ares de respeito e admiração.

Posteriormente, estive algumas vezes em Aldeia Formosa, onde pude rever o meu amigo Quartim. Sempre que lhe perguntei pelo capitão Rui, respondeu da mesma maneira: - “Está para o mato com a Companhia!...” E, na verdade, ao capitão Rui, a esse, nunca mais o vi. A menos,…

…a menos que se trate do nosso camarada de tertúlia Rui Alexandrino Ferreira, que acabou de passar um Natal de preocupações, com ”o coração aos pulos”. Nesse caso - no caso de se tratar do mesmo Rui -, poderei e deverei antes dizer: ao capitão Rui, a esse, só voltei a vê-lo no blogue do Luís Graça, quarenta anos mais tarde!

Esposende, 07 de Janeiro de 2011
Mário Migueis da Silva
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7464: O Mural do Pai Natal da Tabanca Grande (2010) (7): (Joaquim Mexia Alves / José Martins / Mário Migueis da Silva / José Manuel Matos Dinis)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Guiné 63/74 - P5716: Morte e sucessão do Cherno Rachide, ao tempo do BCAÇ 4513, em Set / Out 1973 (Fernando Costa)


Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 2. "Depois da degola do carneiro. O Cherno é o que tem a faca na mão. À sua esquerda está um dos filhos".




Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > Janeiro de 1973 > CCAV 8351 (1972/74) > Foto nº 3. "Festa Fula da matança do carneiro. A figura central é o chefe religioso Cherno Rachide, que neste preciso momento acabou de sacrificar o carneiro depois de ter rezado missa". [Em segundo plano, por detrás do Cherno Rachide, vê-se o Cap Mil Vasco da Gama, comandante da CCAV 8351, Os Tigres de Cimbijã]

Fotos (e legendas): © Vasco da Gama (2008). Direitos reservados


1. Mensagem, de 3 do corrente, enviada pelo Francisco Costa, ex-Fur Mil Trms, CCS / BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (*)

Luis,

Junto envio transcrição integral dos textos oficiais sobre o período em que faleceu o Cherno Rachide e a sua substituição. Desta forma poderás escrever à tua maneira o que é relatado.

Como podes verificar, estou a escrever a história integral do Batalhão 4513 desde a chegada à Guiné até à partida. Já tenho actualizada a lista de pessoal que compôs o batalhão e que é superior à inicialmente transcrita.

É de notar que não consigo encontrar nenhum médico inscrito nos quadros do batalhão, o que é de estranhar pois tenho a certeza que existia.

Em relação à farda do PAIGC (**), a legenda é simples No dia em que foi feita a substituição das NT pelas do PAIGC no quartel de Aldeia Formosa, pedi a um soldado que fizesse a troca de uma farda dele por um camuflado meu.

Assim, guardei até hoje para servir de "Ronco" ou seja recordação, dos tempos em que as tropas portuguesas lutaram contra aqueles que nos substituíram no terreno.

Há muita gente que diz que foi "entregar o ouro ao bandido", eu não partilho dessa opinião, mas acho que muita coisa poderia ter sido feita com mais dignidade para com aqueles que lá deixaram parte de si, para não falar dos que não chegaram a regressar.

(Não guardo rancores, guardo sim boas ou más recordações).

Fernando Costa
Ex-Furriel BCAÇ 4513



Excertos da história do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74) (Transcrição, para suporte digital: F.C.)

CAPÍTULO II > ACTIVIDADE NO TO DA GUINÉ


4º Fascículo (período de 1Set a 30Set73)

SITUAÇÃO GERAL

Ainda de acordo com o planeamento aprovado do treino operacional do BCAÇ 4516, o início do período foi caracterizado pela movimentação das 3 companhias do BCAÇ 4516 e 2 do BCAÇ 4513 para BUBA para efectuar a Op "LANCE PERTINENTE" cuja finalidade visava, à semelhança da Op "OUSADIA SATÂNICA" atingir o UNAL no sentida N/S – o objectivo não foi atingido pela completa intransitabilidade do terreno nesta época de chuvas constantes e intensíssimas, a falta de trilhos, a ausência de guias e a enorme distância a percorrer, mas considerava-se que foi bastante proveitoso para a finalidade do treino operacional do novo Batalhão, pela série de ensinamentos que uma acção desta envergadura traz para o pessoal e especialmente para os quadros.

Findo o treino operacional, o BCAÇ 4516 tomou a responsabilidade da sua zona de intervenção passando a depender a CCAV 8351 e o 2º PEL ART, estacionados no CUMBIJÃ, do novo Batalhão.

Entretanto as acções do BCAÇ 4513, agora liberto do treino operacional, começaram a tomar maior volume e assiduidade, para os patrulhamentos e emboscadas na direcção da fronteira da República da Guiné, e mais incremento na contra-penetração nos tradicionais corredores de passagem do IN.

Durante o mês, apenas se verificou uma acção IN e esta junto do RIO CORUBAL, no limite da ZA/2ª CCAÇ, que consistiu num contacto entre uma força daquela companhia, durante a acção "OGIVAL" com um grupo IN que,  após detectar as NT,  fez alguns disparos e retirou em direcção ao INSASSENE, deixando 1 Granada   de RPG-2 e vestígios de sangue.

Verificou-se no período o falecimento do CHERNO RACHID, chefe religioso de extraordinário prestígio no meio muçulmano, cuja perda abalou muita a população, receando-se não ser fácil encontrar quem o substitua com o mesmo prestígio e a mesma devoção à Causa Nacional (***).

No dia 29SET regista-se a chegada à Província do novo Governador e Comandante-chefe, General BETTENCOURT RODRIGUES, que substituiu nos cargos o General ANTÓNIO SPINOLA.

Referem-se como actividades mais importantes:

SET73

01 - Integrada no TO do BCAÇ 4516, inicia-se a operação "LANCE PERTINENTE". Para isso são deslocadas para BUBA, além das três CCAÇ do BCAÇ 4516, mais 1 GR COMB da 2ª CCAÇ/4513; 1 GR COMB da 3ª CCAÇ/4513; 1 GR COMB da CART 6250; 1 GR COMB da CCAV 8351. Acompanha estas forças o 2º CMDT do BCAÇ 4513 a fim de dirigir a operação.

02 - Inicia-se a Op "LANCE PERTINENTE" em direcção ao UNAL, com o deslocamento das forças de BUBA para BOLOLA, ao longo do RIO BAPO – UNAL. Continua-se as acções na região de ALDEIA  FORMOSA em direcção à fronteira e na região de CUMBIJÃ.

03 - Continua-se a Op "LANCE PERTINENTE". Forças da 3ª CCAÇ/4513 e CCAÇ 18 continuam a efectuar o patrulhamento da fronteira até ao RIO BALANA, em virtude de nesta época do ano, e devido às chuvas este mesmo rio não dar passagem. Forças da CCAV 8351 patrulham a região de CUMBIJÃ.

04 – Termina a Op "LANCE PERTINENTE" o objectivo não foi atingido pela muito difícil transpor o terreno nesta época, chuvas constantes e intensivas, falta de trilhos e ausência de guias e a enorme distância a percorrer. Forças da CCAÇ 18 patrulham a antiga picada da CHAMARRA-GANDEMBEL até à região de CHAMGUE LAIA.

05 - Regressam aos respectivos estacionamentos as forças do BCAÇ 4513 e BCAÇ 4516 intervenientes na Op "LANCE PERTINENTE". Forças da CCAÇ 18 patrulham o RIO BALANA sem contacto.

06 - Terminado que foi o treino operacional do BCAÇ 4516, as forças do BCAÇ 4513 retomaram a actividade intensiva de patrulhamento e contra penetrações nas regiões de BUBA, NHALA, MAMPATÁ, ALDEIA FORMOSA e nos corredores possivelmente utilizados pelo IN nos seus deslocamentos de S/N e vice-versa.

O BCAÇ 4516 assumiu a responsabilidade da sua área de intervenção, passando também desde esta data a CCAV 8351 e o 2º PEL ART (CUMBIJÃ) a dependerem operacionalmente daquele Batalhão.

07 - Forças da 2ª CCAÇ/4513 durante a acção "OGIVAL" entram em contacto com um GR IN EST em 20/25 elementos. O IN reagiu com RPG e AAut retirando-se em seguida. No reconhecimento efectuado capturou-se uma granada de RPG-2 e verificou-se a existência de extensas manchas de sangue. As NT sofreram 1 ferido ligeiro. Forças da 3ª CCAÇ/4513 e CCAÇ 18 patrulharam a região do RIO BALANA.

08 - Forças da 1ª CCAÇ/4513 detectaram em região (XITOLE 2 F 0-30) passagem de um GR IN estimado em 40/50 elementos no sentido N/S na madrugada deste dia.

10 - Forças das sub unidades do Batalhão e de reforço continuam os eus patrulhamentos e contra-penetrações respectivamente nas regiões de BUBA, NHALA, MISSIRÃ e Fronteira.

11 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamentos e emboscadas realiza-se mais uma coluna de reabastecimento a BUBA.

12 - Por necessidades prementes de reabastecimento, realiza-se mais uma coluna a BUBA.

13 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 executam patrulhamento conjugado com contra-penetração [C/PEN] na região de PONTE DO RIO CORUBAL sem contacto. Forças da 3ª CCAÇ / 4513 executam patrulhamento conjugado com contra-penetração  na região do RIO BALANA sem contacto. Forças da CART 6250 executam contra-penetração na região de MISSIRÃ sem contacto.

14 - Forças da CCAÇ 18 durante a acção "OBSERVADOR VI" patrulham a estrada CHAMARRA-GANDEMBEL até à confluência do RIO BALANA-RIO DADINA. Sem contacto.

15 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

16 - Continua a actividade operacional de patrulhamento e contra-penetração  de todas as sub unidades dentro das respectivas ZA.

19 - Pelas 2100 horas são avistados de ALDEIA  FORMOSA e na direcção de CHAPADA [Chamarra ?]vários very-lights e balas tracejantes.

20 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

21 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OLARIA" patrulham e executam contra-penetração  no RIO BALANA sem contacto.

22 - O Comandante do Batalhão acompanhou uma patrulha à região de CHICAMBILO. Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "ORTIGA" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração na região da confluência RIO CORUBAL-RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da CART 6250 durante a acção OASIS" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração na região de BOLOLA sem contacto.

23 - Forças da CCAÇ 18 durante a acção "OBJECTIVA" executam patrulhamento conjugado com contra-penetração  na região do RIO BALANA sem contacto.

24 - Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

25 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OUSADIA" executam patrulhamento e contra-penetração no RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da CART 6250 durante a acção "ORIENTE" executam patrulhamento e contra-penetração  em MISSIRÃ sem contacto.

28 - Apresentou-se de licença, assumindo as funções de OF OP INF CAPITÃO JORGE F. CERVEIRA.
Em conjugação com actividade operacional de patrulhamento e emboscadas realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA.

29 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OXIGÉNIO" executam patrulhamento com contra-penetração na região de GAMÃ sem contacto.

30 - O Comandante do Batalhão acompanhou patrulhamento a JAI JULI.


CAPÍTULO II > ACTIVIDADE NO TO DA GUINÉ


5º Fascículo (período de 1Out a 31Out73)

SITUAÇÃO GERAL

A pluviosidade diminuiu consideravelmente, no entanto as bolanhas ainda se apresentam com muita água e os rios com grande caudal. Têm surgido problemas com o itinerário ALDEIA FORMOSA-BUBA, exigindo, alguns troços, medidas de manutenção, a fim de se manter a transitabilidade.

Por determinação superior, o BCAÇ 4516 passou a ser força de Intervenção do COMANDO-CHEFE, pelo que foi transferido para BISSAU, ficando no entanto, uma das suas CCAÇ, em reforço do Batalhão e sedeada em COLIBUIA.

A actividade do IN continuou a ser fraca, sendo de salientar a flagelação a CUMBIJÃ, não só pelo número de granadas utilizadas, como a precisão do seu fogo.

Da actividade das NT, dirigida essencialmente para a fronteira e corredores de passagem IN resultou a intercepção de uma coluna IN no corredor de BUJOL, detecção e levantamento de duas Minas A/P, uma delas na picada de MAMPATÁ-NHALA e o accionamento de uma Mina A/P  na região de NHACOBÁ.

Chegaram a BUBA, os Destacamentos de Engenharia nº 1 e 2 e a Brigada de Estudo e Construção de Estradas, para darem início à construção da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA, em duas frentes, sendo uma em BUBA e outra em ALDEIA FORMOSA.

Para os trabalhos da frente de ALDEIA FORMOSA, foi deslocado o Dest Eng nº 1. Como consequência deste deslocamento passou a ser exigido às forças do Sector um esforço extraordinário na realização de colunas de reabastecimento, a fim de colocar em ALDEIA FORMOSA os materiais necessários à obra a iniciar. Com a passagem das máquinas pesadas e de lagartas deste Destacamento, a estrada ficou bastante danificada, sendo necessário proceder-se a urgentes reparações em alguns pontos para garantir a transitabilidade da mesma.

Durante o período continuaram a deslocar-se a ALDEIA FORMOSA, em virtude do falecimento do CHERNO RACHID, várias autoridades tradicionais, algumas estrangeiras, entra as quais se destaca o CHERNO ALIU CHAM, do SENEGAL.

SEKUNA, filho do CHERNE RACHID, foi eleito, em assembleia dos "Homens Grandes", sucessor de CHERNO RACHID. (***)

Por motivo do acto eleitoral no dia 28, a festa do RAMADÃ nos dias 28 e 29, efectuaram-se diversas colunas a BUBA, NHALA, RIO CORUBAL para transporte da população.

Em 17 e 30 iniciaram-se os trabalhos de Engenharia de abertura da estrada de ALDEIA FORMOSA-BUBA, respectivamente nas frentes de ALDEIA FORMOSA E BUBA.

Referem-se como actividades mais importantes:

OUT73


01 - Deslocou-se a Bissau para entrar de licença disciplinar Major Dias Marques, 2º CMDT. O Nord-Atlas escala ALDEIA FORMOSA para transporte de frescos e pessoal.

02 - Forças da CCAÇ 18, durante a acção "OUTEIRO",  patrulham a Ponte do RIO BALANA sem contacto. Realiza-se uma coluna de reabastecimento a BUBA. O avião fretado do TAGP escala ALDEIA FORMOSA fim levar frescos para BUBA.

03 - Tem início a acção "OMOPLATA" executada por forças da 1ª CCAÇ / 4513, com a colaboração de meios navais. Esta acção visa atingir PONTA NOVA. Forças da 3ª CCAÇ / 4513 durante a acção "ORALIO" patrulham o Trilho de GAMÃ sem contacto.

04 - Termina a acção "OMOPLATA" em que as forças da 1ª CCAÇ / 4513 detectaram e levantaram uma Mina A/P  IN em região de (EMPADA 7 D 7-50).

O CMDT recebe a visita de todos os "Homens Grandes" da região que vêm comunicar que,  reunidos em assembleia, elegeram SEKUNA, filho do CHERNE RACHID, como seu sucessor. Exprimem todo o seu apoio e lealdade à Causa Nacional. Este mesmo facto é comunicado à REP ACAP, para ser transmitido a Sua Excelência Comandante-Chefe. (***)

05 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA. O Nord-Atlas escala ALDEIA FORMOSA, para transporte de frescos e pessoal.

06 - As Companhias do Batalhão e de reforço continuam as acções de patrulhamento e contra penetração nas regiões da fronteira, corredor do MISSIRÃ e BUJOL. Pelas 1630 horas, apresentou-se em ALDEIA FORMOSA um elemento da população, que tinha sido raptado pelo PAIGC no SENAGAL, e que fugira quando chegou a KANDIFARA. Depois de interrogado seguiu para BISSAU. Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OPRESSÃO" executaram patrulhamento com contra penetração na região da Ponte do RIO CORUBAL sem contacto.

08 - Teve lugar em ALDEIA FORMOSA, uma reunião com o Comando do Batalhão em que estiveram presentes o Delegado da CH Serv Transp., o Delegado do QG/CTIG/4ª REP, o Comandante Interino e um Oficial do BENG 447, a fim de se coordenar os trabalhos de abertura da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA.

09 - Pelas 17H30  GR IN não estimado flagelou o Destacamento de CUMBIJÃ durante 45 minutos, com 100 granadas de CAN S/R 82 e 5 granadas de MORT 82, sem consequências.~As NT reagiram com fogos de ART e MORT.

Esteve presente no Comando do Batalhão, a apresentar os seus cumprimentos de despedida, o CHERNO ALIU CHAM,  da REP SENEGAL, e que agradeceu todo o apoio prestado quando do falecimento do CHERNO RACHID e todo o apoio sanitário que continua a ser dado em todos os postos fronteiriços da REP SENEGAL. (****)

Chegaram a BUBA os Dest Eng 1 e 2 e a Brigada de Estudos e Construção de Estradas.

10 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA a fim de transportar para ALDEIA FORMOSA, os elementos do Dest Eng 1, assim como algumas máquinas e material do mesmo.

11 - Forças da 2ª CCAÇ / 4513 durante a acção "OSIRIS" executam patrulhamento com contra penetração na região do RIO UUGUIUOL sem contacto. Forças da 3ª CCAÇ / 4516, accionaram na região de NHACOBA uma Mina A/P  IN, sofrendo dois feridos graves.

12 - Apresentou-se de licença disciplinar Cap Amaral, Comandante da CCAÇ 18.

13 - Realizou-se uma coluna de reabastecimento a BUBA, para transporte do material de Engenharia para ALDEIA FORMOSA.

15 - Notícia não avaliada da DGS local, refere que o IN tem deslocado forças de KANDIFARA para KASEMBEL. As companhias do Batalhão e de reforço continuam os seus patrulhamentos e contra penetração na região da fronteira e corredores de passagem IN, sem contacto.

16 - O Cmdt do Batalhão deslocou-se a NHALA e BUBA. Por determinação superior o BCAÇ 4516 passa a ser força de Intervenção do Comando-Chefe.

17 - Pelas 15h30  forças da 1ª CCAÇ / 4513 interceptaram em (XITOLE 2 E 7-17) grupo IN de 120 elementos armados, deslocando-se no sentido de S/N. NT sem consequências, o IN com prováveis feridos e mortos. Capturada 1 Granada  de RPG-7.

19 - Realizou-se coluna para transporte da 2ª CCAÇ / 4516 a fim de seguir para BISSAU.

20 - As companhias do Batalhão e de reforço continuam os seus patrulhamentos e contra penetrações na região da fronteira e corredores de passagem IN.

22 - Forças da CART 6250 procedem ao levantamento de minas instaladas pelas NT nas regiões de (XITOLE 4 E 4-41) e (GUILEJE 6 F 8-91).

23 - Durante a picagem do itinerário MAMPATÁ-UANE foi detectada e levantada uma Mina A/P  IN por forças da CART 6240. Seguiu para BUBA com destina a BISSAU a 1ª CCAÇ / 4516. O OF OP INF deslocou-se a BUBA e NHALA. Estiveram presentes em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do GA-7 e o Comandante da BAT ART/AAA 7040.

24 - Realizou-se mais uma coluna a BUBA para transportar a CCS / 4516, com destino a BISSAU. Chegou a ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1. Juntamente com o Comandante do Batalhão deslocaram-se a MAMPATÁ. Forças da 1ª CCAÇ / 4513 transportadas em meios navais iniciaram a acção "OLIMPO" sobre a região de ANTUANE.

25 - Terminada a acção "OLIMPO" em que forças da 1ª CCAÇ / 4513 detectaram e levantaram uma Mina A/P  IN na região (EMPADA 7 D 6-44). Iniciaram-se os trabalhos de abertura e asfaltagem da estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA. Permanece em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1.

26 - Forças da 3ª CCAÇ / 4513,  durante a acção "ORACULO", executam o patrulhamento conjugado com contra-penetração na região de GAMÃ e ponte do RIO BALANA. Durante este patrulhamento procede-se à instalação de um campo de minas na região da ponte do RIO BALANA, sobre a estrada para GADEMBEL. Regressa a BISSAU o Exmº Comandante da CAOP-1.

27 - Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia na estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA, frente de ALDEIA FORMOSA. Efectuou-se uma coluna a BUBA e outra ao RIO CORUBAL para trazer população com vista ao acto eleitoral do dia 28 e festas do RAMADÃ.

28 - Processou-se o acto eleitoral e iniciaram-se as festas do RAMADÃ, que trouxeram a ALDEIA FORMOSA muita população de BUBA, NHALA e SALTINHO.

29 - Pelas 1800 horas apresentaram-se em ALDEIA FORMOSA 3 elementos de população, naturais da REP GUINÉ, um homem,  uma rapariga e um rapaz. Realizou-se mais uma coluna a BUBA para transporte de regresso das populações que se deslocaram a ALDEIA FORMOSA.

30 - Esteve em ALDEIA FORMOSA o Exmº Comandante do CAOP-1, regressou a BISSAU no mesmo dia. Iniciaram-se os trabalhos de Engenharia da Estrada ALDEIA FORMOSA-BUBA,  frente a Buba.

31 - O Comandante do Batalhão deslocou-se a COLIBUIA e CUMBIJÃ, acompanhado de um delegado do BENG 447.

[Revisão / fixação de texto / bold: L.G.]
____________

Notas de L.G.:


(*) Vd. postes de:

25 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5160: Tabanca Grande (182): Fernando Silva da Costa, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)

2 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5193: Memória dos lugares (50): Aldeia Formosa, BCAÇ 4513: A última visita do Gen Bettencourt Rodrigues (Fernando Costa)

(**) Vd. poste 3 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5583: Memória dos lugares (62): Trocando roncos com o PAIGC em Aldeia Formosa, em Agosto de 1974... (Fernando Costa)

(***) Sobre este influente, poderoso e controverso dignitário muçulmano, vd. postes de:

15 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LVII: O Cherno Rachid, de Aldeia Formosa (aliás, Quebo) (Luís Graça).

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXVIII: Um conto de Natal (Artur Augusto Silva, 1962)

18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCX: O Cherno Rachid da Aldeia Formosa (Antero Santos, CCAÇ 3566 e CCAÇ 18)

4 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1815: Álbum das Glórias (14): o 4º Pelotão da CCAÇ 14 em Aldeia Formosa e em Cuntima (António Bartolomeu)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

(...) Não comento o livro e menos ainda transcrevo qualquer lenda. Abordo muito ligeiramente o posfácio. Nele fala-se de um Homem Grande, nosso contemporâneo, a viver em Aldeia Formosa (hoje Quebo) e visitado pelo autor do livro. Esse Homem Grande era Cherno Rachide.



Ficou o autor encantado com o seu saber e simplicidade. Depois de conversarem e antes de se despedirem, Cherno Rachide, a pedido do autor, ofereceu-lhe escrito em árabe a sua canção – A Canção de Cherno Rachide, cantada diariamente pelos seus alunos.

O autor tentou, segundo diz, na transcrição para português, manter o ritmo e a musicalidade.


É essa canção que a seguir transcrevemos. «Cherno Rachide mostra-se grato, pelo Governo da Província por haver possibilitado a realização do sonho de sua vida: a peregrinação a Meca». Transcrito do livro. (...)

27 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3361: PAIGC - Docs (2): O grande marabu Cherno Rachide, de Aldeia Formosa: um agente duplo ? (Luís Graça)

(...) "Os elementos de confiança do Partido são: em Cacoca, Daudá Camará, Abdulai Conté, Mbadi Bonhequi ; em Cacine, Laminé Camará, o relojoeiro, e Cassamá, motorista; em Missidé (Quebo), Aliu Embaló, e o grande marabu Cherno Rachid". (...)

28 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3374: Controvérsias (8): Cherno Rachide Djaló: um agente duplo ? ( José Teixeira / Manuel Amaro / Torcato Mendonça)

 16 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3638: A história dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (3): Jan 73: Com o Cherno Rachide, em Aldeia Formosa

(****) Sobre o Islão e a Guiné Portuguesa, vd. o texto, em linha, de Francisco Proença de Garcia > Os movimentos independentistas, o Islão e o Poder Português (Guiné 1963-1974).


(...) Tom Gallagher esclarece-nos sobre a posição das comunidades muçulmanas, face ao Poder Português, no período em análise (1963-74), na seguinte passagem:
 
“(...) Ironicamente, o Portugal católico encontrou aliados mais leais entre as tribos muçulmanas, tais como os Fulas, na Guiné-Bissau e os Macuas, em Moçambique, do que entre os grupos africanos educados nas missões, mais inclinados a juntar-se aos nacionalistas. O conservadorismo da sua estrutura social fazia das tribos muçulmanas os aliados preferenciais dos portugueses, que chegaram a enviar peregrinos a Meca e construíram mesquitas na Guiné-Bissau em paga do apoio dos chefes locais (...)”(...).


Neste quadro, convém lembrar que, de acordo com o Supintrep nº. 10 (“Populações da Guiné”) e com a opinião de diversos autores guineenses (...), o Poder Português utilizou os grupos étnicos islamizados por possuírem uma organização social com uma estrutura mais complexa do que a das etnias de religião tradicional, podendo mesmo falar-se de uma estrutura “vertical”, com um “Estado organizado”, com classes e poderes separados, de acordo com as suas condições económicas. Esta organização proporciona-lhes uma elevada coesão pela obediência fiel dos elementos das tribos aos chefes religiosos e políticos, que disfrutavam de uma notável importância e aceitação perante os seus, pelo que o apelo a estes auxiliares era “(...) uma condição sine qua non de uma vitória portuguesa face aos animistas (...)”

De acordo com o “Relatório de Serviço” (...), na antiga Província Portuguesa, de 16 de Junho de 1972, elaborado por Amaro Monteiro na sequência de missão determinada pelo Ministro do Ultramar, as linhas de articulação dos dignitários islâmicos, no âmbito interno e no contexto africano, eram:


1) Quanto à confraria Qadiriya:

Em Jabicunda, o dignitário mais destacado da confraria era Al-Hajj Mamadu Mutaré Suaré (Jacanca), que exercia influência de tipo polarizante em todo o território, na área de Bafatá, e externa, na Gâmbia e no Senegal, articulando-se, neste último, com o seu irmão Caranca Djura Suaré (Casamansa), em consulta numa plataforma de paridade, não excluindo certo acatamento ao mesmo. Fazia a dádiva recomendável devida ao destaque, na linhagem xerifina, ao “Xerife” Yussuf Haydara (de Casamansa), portador da “Baraka”, aparentado com os Haydara de Tombuctu (Mali) e articulado a Marrocos.

Por via de seu irmão, inseria-se na dependência própria dos quadros confraternais, articulando-se, assim, ao “Cheik” Sidaty Ould Talibouya, expoente máximo da Qadiriya no Senegal, cujo poder de accionamento se estendia à Gâmbia, Mali, Guiné-Conacry e Guiné Portuguesa. Este “Xerife” senegalês visitava todo o território, colectando. Apresentava-se, pela linhagem e atributos pessoais, como ultrapassando na sua missão o quadro estrito das confrarias, e fundia-se com o Rei Imã numa origem multissecular: “a Casa do Profeta”.

Em Bijine, o mais destacado elemento era Al-Hajj Almami Sidi Acassamo (Mandinga) que manifestava acatamento xerifino e se articulava com o dignitário de Jabicunda, já citado. Contudo, em caso de recurso do respectivo parecer ou decisão, articulava-se ao “Cheikh” Sidi Abu Ibrahimo, na Mauritânia (Boutilimit) e não com Caranca Djura Suaré; também fazia a dádiva recomendável ao Cheik Sidaty Ould Talibouya.

2) No tocante à confraria Tidjanya, dizia a mesma fonte:

Os dignitários islâmicos mais proeminentes eram Al-Hajj Cherno Rachid Djaló (futa-fula) de Aldeia Formosa (rebaptizada Quebo, após a independência), o Xerife Secuna Haydara (de linhagem xerifina) de Ingoré e, em Cambor, o Al-Hajj Cherno Mamagari Djaló (futa-fula).

Cherno Rachid apresentava, como figura tutelar, seu irmão Al-Hajj Califa Mamadu Cabiro Djaló com posição prioritária honorífica e consultiva, embora o autêntico poder de accionamento fosse detido pelo Cherno Rachid. Articulava-se em consulta ao Califa Abdul Azis Sy (em Tivouane, a NE de Dakar) e, suplementarmente, a Al-Hajj Seydou Nourou Tal do mesmo país (em Dakar), conselheiro governamental e “director de consciência” dos tidjanistas tocolores e guineenses.

Exercia influência religiosa interna do tipo polarizante em todo o território, nomeadamente na áreas de Fulacunda e Gabú (postos não especificados) e, externa, como consultor, no Senegal (Casamansa), na República da Guiné (pontos não especificados) e no Mali (Bamako). Manifestava acatamento xerifino do tipo idêntico ao dos pólos de Jabicunda e Bijine tendo, também, feito a dádiva recomendável ao Xerife Yussuf Haydara.

Em Ingoré, o Xerife Secuna Haydara pertencia a uma família originária de Marrocos (Fês) e efectuou os seus estudos em Tuba, na Guiné-Conacry. Apresentava-se com uma ambivalência confraternal, pois era dirigente tanto da confraria Qadiriya como da Tidjanya (note-se, caso único no território), para o que concorre a sua natureza xerifina.

Secuna Haydara também exercia influência interna de tipo polarizante (em toda a linha de S. Domingos a Farim) e externa, a título consultivo (Casamansa), sendo a sua articulação em posição de acatamento com Al-Hajj Cheikh Ibraimo Djabi e, a nível paritário, com o Cherno Rachid. Este dignitário era parente do Xerife Yussuf Haydara, a quem não fazia a dádiva recomendável.

Por fim, o dignitário de Cambor, Cherno Mamagari Djaló, foi iniciado na confraria Tidjanya, no Senegal, pelo Xerife Hakilo Haydara, a cujo irmão Yussuf fazia a dádiva recomendável e a quem consultava, recorrendo, só em última instância, ao Califa Abdul Aziz Sy. A sua influência religiosa, a nível interno, é de tipo polarizante, em Cambor e nas zonas limítrofes. No entanto, manifestou alguma rivalidade em relação a Cherno Rachid pela sua influência no Gabú. Ao nível externo, efectua consulta no Senegal (Casamansa), Gâmbia (área de Djadjaburé) e em Conacry (não especificado).

Procurámos na medida do possível actualizar, presencialmente, todos estes pólos articuladores e difusores do Islamismo no território. Assim, no que respeita à confraria Qadiriya, os principais centros continuam a ser Jabicunda e Bijine, aos quais acrescentamos entretanto Farim.

Em Jabicunda, o Almami Ansu Cissé exerce influência interna, de tipo polarizante, em toda a área de Bafatá e, externa, na Gâmbia e Senegal. Paga a dádiva recomendável a um “Xerife” senegalês, cujo nome não conseguimos apurar. Os dignitários de Bijine Ualió Quntchumba Faty e Al-Hajj Koba Gassama (...), e Farim, Arafan Bacari Touré, respectivamente, todos com acatamento xerifino, articulam-se com o dignitário de Jabicunda, já referido.

No que se refere à confraria Tidjanya, Cambor é, presentemente, o maior pólo de difusão, sendo ainda dignitário Al-Hajj Ualió Mamagari (...) (portador de “Baraka”), considerado “Homem Grande” em todo o território; exerce influência de tipo polarizante no mesmo território, a nível interno, e externamente na Guiné-Conacry, Senegal, Gâmbia, Mali e Mauritânia (...).

Em Quebo, o dignitário islâmico mais proeminente é Al-Hajj Amadú Dila Djaló, filho de Cherno Rachid. Manifesta acatamento ao Xerife de Fês, Tidjani Hajj Zambir, filho de Sidi Al-Hajj Bensalem a quem faz a dádiva recomendável. Exerce influência religiosa interna, de tipo polarizante, na região de Quebo e, externa, como consultor, na Guiné-Conacry e no Senegal. Quanto a consulta, articula-se, tal como seu pai, ao Califa Abdul Azis Sy (nascido em 1904).

Este dignitário foi iniciado na confraria Tidjanya em Tivaouane, no Senegal. Completou os seus estudos no Egipto e efectuou diversas vezes peregrinações a Meca. Salientamos que este dignitário é deputado pelo PAIGC, na Assembleia Nacional Popular.

Ingoré, última fronteira guineense antes de Casamansa (...), continua a ser um grande pólo de difusão do Islamismo (permanece a bi-valência qadirista-tidjanista).

Aos centros tradicionais do território, acrescentamos o pólo de Sinchã Santa Mansata (Canhamina), onde Al-Hajj Umarú, com formação no Egipto e amigo próximo de Hassan II (segundo faz crer), construiu aquela que é considerada a maior mesquita da Guiné-Bissau.

Na perspectiva de Amaro Monteiro, se “(...) accionadas de Sul para Norte N ondas de subversão metódicas apontando às credibilidades e às sedes geografico-culturais dos dignitários xerifinos, o mecanismo de comunicação visado, rarefeitas as respectivas bases de sustentação (...)”(...), reagiria em sentido inverso, ou seja, se se projectarem, numa carta, todas as articulações confraternais e as linhagens xerifinas, verifica-se que estas teriam muito provável coincidência com os itinerários/focos de violência ou de desestabilização, que, em última análise, visariam o Rei Imã. Caso aquele entrasse, hipoteticamente, em colapso, provocaria o “(...) «curto circuito» dos mecanismos de comunicação sócio-religiosos (...)”(...), no referido sentido geográfico e, claro está, forte trauma nos pólos articuladores das confrarias Qadiriya e Tidjanya.

O Poder, ontem (o português) como hoje (o guineense), apercebendo-se de que não se pode alhear da importância muçulmana no território (...), que não pode ignorar o seu dinamismo por vezes encarado como concorrente da política externa do Estado, procura, por exemplo, custeando as despesas com a peregrinação a Meca (...) de personalidades destacadas da comunidade islâmica e com a construção de mesquitas, ganhar alguma autoridade, ou melhor, tenta obter, ou continuar a obter, os favores dos muçulmanos, sobretudo, importantes numa altura em que o mundo islâmico - pela mão do integrismo - assume uma importância política inusitada e que convém esconjurar.

Porém, o Estado laico dificilmente penetra no campo religioso. Aquilo que dá força ao Islão, nomeadamente ao Islão popular, é o facto de este representar, pelo menos em princípio, uma contra-sociedade, ou seja, uma sociedade paralela, que escapa por natureza ao poder do Estado (...). Assim, o Estado procura o aproveitamento pragmático dos muçulmanos, pois as respectivas características culturais são susceptíveis de, se bem exploradas, em termos de Apsic, reforçar ou constituir uma consciência nacional.

Em 1985, criou-se em termos oficiais a Associação Islâmica (presentemente presidida por Al-Hajj Sori Sow), sediada na capital agrupando todas as confrarias e comunidades espalhadas pelo país. Esta fórmula coordenadora faculta ao Islão o benefício do reconhecimento oficial, ao mesmo tempo que permite às autoridades governamentais “(...) transformar as estruturas muçulmanas em verdadeiras instituições paralelas do regime (...)”(...).

Aquela associação dispõe de um importante papel nas relações externas das comunidades muçulmanas nacionais, visto que é ela a encarregada de regularizar os contactos culturais e religiosos com o mundo árabe e de atrair capitais.

Após as primeiras eleições multipartidárias, em 3 de Julho de 1994, também as associações islâmicas proliferaram, contando-se presentemente no país mais cinco associações: a União Nacional para a Cultura Islâmica (1991), a Al Ansar (1992), com maioria de associados Mandingas; o Instituto Islâmico para o Desenvolvimento, que agrupa Fulas e Mandingas (1993); o Comité de Redacção e Tradução, que agrupa, essencialmente, Fulas (1994); e a Organização Islâmica, Cultura e Desenvolvimento, cuja maioria de associados é de Mandingas (1995).

Para eficiente accionamento da população, quer uma subversão quer uma contra-subversão necessitam de adequado conhecimento dos mecanismos informais de comunicação; nestes, o vector sócio-religioso desempenha, na África Negra, elevada importância, potencializada em terrenos humanos como o da Guiné pela impressiva presença de massa muçulmana. Uma guerra de semelhantes características globais ultrapassava obviamente a área de acção habitual das Forças Armadas. Assim, a resposta portuguesa para obstar “(...) à guerra global que a ela condicionava os actos da política (...)”(...) requerer-se-ia também geral, ou seja, em todas as “frentes”, por acções oportunas e estreitamente coordenadas nos campos social, político, militar e psicológico, como veremos no próximo capítulo e aliás desde já se vem inferindo. (...)