Mostrar mensagens com a etiqueta CCAÇ 3327. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta CCAÇ 3327. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11503: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (32): Bassarel, um paraíso no chão manjaco

1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, BráBachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 6 de Abril de 2013: 

Meu caríssimo Carlos, amigos e Camaradas,
Num passado recente o nosso amigo e camarada José Martins presenteou-nos com dois excelentes trabalhos de pesquisa histórica.
Os artigos debruçaram-se sobre algumas das escaramuças sustentadas pelas nossas tropas contra os nativos da Guiné, muito antes da nossa chamada Guerra do Ultramar. Os belos trabalhos do José Martins evidenciam o cuidado que os nossos antepassados tiveram na feitura da história das suas unidades, que apraz registar. Infelizmente, a esta distância no tempo e por falta de dados suficientes, não me é possível referenciar com rigor histórico o movimento das praças da minha Companhia, nos chamados Destacamentos de Teixeira Pinto. Quedo-me pois pelo movimento dos graduados, aproveitando esta oportunidade única para apresentar aqueles que dignamente tiveram a responsabilidade de comando na CCaç 3327.
Neste escrito que agora trago ao nosso blogue, faço o que me foi possível para facilitar a vida de um futuro José Martins.

Abraço transatlântico.
José Câmara


MEMÓRIAS E HISTÓRIAS MINHAS

32 - Bassarel, um paraíso no Chão Manjaco

Para trás ficaram os sacrifícios e as privações que sofrêramos na Mata dos Madeiros. Bem acorrentadas ao coração levávamos recordações que a neblina da memória até hoje não conseguiu apagar.

Mata dos Madeiros: Aspecto da nova estrada Teixeira Pinto/Cacheu, recordação de uma vida

A CCaç 3327, agora adida ao BCAÇ 2905 para efeitos operacionais, dava início à sua nova missão, ao ir substituir a CCaç 2637, também esta uma companhia açoriana do BII18, nos Destacamentos de Teixeira Pinto.

Era então o dia 29 de Junho de 1971.

Na altura, eram quatro destacamentos: Bajope, Blequisse, Chulame e Bassarel, tendo a companhia formado um novo destacamento em Calequisse, o mais afastado, a cerca de 25 quilómetros de Teixeira Pinto. Aí ficou o 3.° GComb, sob o comando do Alf Mil José Queiroz Lima de Almeida, coadjuvado pelos Furs Mils Carlos Jesus e André Fernandes.

1971 - Capelinha erguida pelo 3.° GComb da CCaç 3327, em Calequisse

Em Bassaarel, a cerca de 20 quilómetros de Teixeira Pinto, ficou o Comando e Serviços e o 4.° GComb, este sob o comando do Alf Mil Francisco João Magalhães, coadjuvado pelos Furs Mils José Alexandre Câmara e Luís José Pinto, aos quais se juntava o Fur Mil Manuel Lopes Daniel (Armas Pesadas) que para efeitos operacionais integrava esse grupo de combate. As transmissões estavam a cargo do Fur Mil João Nunes Correia, os serviços de saúde sob o Fur Mil Rui Esteves e da alimentação se encarregava o Fur Mil Luís Martins de Moura. A secretaria era da responsabilidade do 1.° Sarg João Augusto Fonseca. O comando da companhia estava a cargo do Cap Mil Art Rogério Rebocho Alves.

O 2.° GComb, sob o comando do Alf Mil Agostinho Morgado Barada Neves, coadjuvado pelos Furs Mils Joaquim Fermento e João Alberto Cruz, tomou conta do Destacamento de Chulame.

O 2.° GComb, desfalcado de uma Secção, ficou em Chulame

Em Blequisse ficou uma Secção do 2.° GComb, sob o comando do Fur Mil Fernando Ramos Silva. Em Bajope, o Destacamento mais perto de Teixeira Pinto, ficou o 1.° GComb, sob o comando do Alf Mil João Luís Ferraz, coadjuvado pelos Furs Mils Carlos Alberto Pereira da Costa e Francisco Monteiro Caseiro. Os serviços Auto ficaram em Teixeira Pinto, sendo seu responsável o Fur Mil António José Marques e Silva. Infelizmente, a esta distância no tempo, não consigo localizar onde ficou o 1.° Sarg Manuel Pedro Vieira. Em Bassarel não foi de certeza.

O Furriel João Alberto Cruz, mais tarde transferido para Blequisse, fazendo o recenseamento da população neste Destacamento

Feitas as apresentações dos comandos e dispositivo militar, o que ressalta é a separação dos grupos de combate da CCaç 3327, que só voltariam a encontrar-se no dia 24 de Dezembro de 1972, quando a companhia, em fim de comissão, regressou a Bissau.

Com muita pena minha, com esta separação de forças, logicamente as minhas memórias passarão a ser mais concentradas nas minhas vivências em Bassarel.

Durante a deslocação entre Teixeira Pinto e Bassarel pudemos observar que a picada tinha óptimas condições, até porque ali ainda circulava um autocarro de passageiros que ia até Calequisse. A vegetação era bastante densa em ambos os lados. Como ponto de grande apreensão, a Curva da Onça, um autêntico cotovelo dobrado na estrada, a seguir a Chulame, oferecia condições idílicas para plantação de minas e emboscadas.

Outra particularidade verificada no trajeto, foi a ausência de povoados ao longo da picada, exceção para Balombe e Bafundade já muito perto da entrada para o ramal de Bassarel.
Ao entrarmos naquele ramal, foi possível verificar alguns terrenos muito bem cultivados na direita e outros terrenos em face de desbravamento na esquerda, que faziam parte de uma cooperativa agrícola.

Bassarel, sede do regulado com o mesmo nome, outrora campo de grandes tensões entre manjacos e tropas portuguesas, era agora um pequeno povoado, quase todo ele reordenado, relativamente bem arranjado. Mais tarde, foi possível verificar que as pessoas, sobretudo os homens, eram bastante reservadas, mas que depois da desconfiança inicial se mostravam amigas e receptivas aos nossos militares.

Bassarel: José Câmara junto do monumento da CCaç 2637/BII18

O quartel, de pequenas dimensões, cercado por duas fiadas de arame farpado, tinha dois edifícios principais, relíquias da Casa Gouveia. No edifício senhorial ficavam os dormitórios e messe de oficiais e sargentos, serviço de transmissões, arrecadação de géneros e cantina geral. No alpendre das traseiras ficava o refeitório das praças. O outro edifício, um barracão com alguma dimensão, servia de caserna para os praças.

Destacados destes edifícios havia um forno, uma pequena arrecadação e uma cozinha, esta sim com poucas ou nenhumas condições. O poço de água estava seco.

Como complemento de tudo isto, havia um paiol geral em frente ao edifício principal e uma única vala de defesa virada para o lado oposto da entrada principal. Do lado de fora do arame farpado havia um heliporto construído em cimento, que parecia oferecer excelentes condições de aterragem.

Na direita, junto da entrada principal para o destacamento, entre os arames farpados, debaixo de uma grande árvore mangueira funcionava a escola militar para os jovens das redondezas.

A parada, de terra batida de boas dimensões, também servia de campo de jogos.

Na verdade, Bassarel oferecia condições logísticas muito razoáveis. Para além disso, a zona estava perfeitamente pacificada.

Para nós, que ainda recentemente vivêramos o inferno das Mata dos Madeiros, Bassarel era um paraíso terrestre que importava que assim continuasse.

Quando ali chegámos, cedo na tarde daquele dia 29 de Junho, reparámos que ficaríamos alojados em Tendas de Campanha. Era a nossa sina, mas compreendemos ser razoável e normal num pequeno quartel, cujas instalações não tinham capacidade para tanta tropa.

Fomos recebidos com simpatia e alegria pelos elementos da CCaç 2637. Para estes, era o princípio do fim da sua comissão. Para além disso, havia muita gente conhecida entre os elementos de ambas as companhias. Mas toda aquela simpatia e alegria tinham um preço.

Ainda antes de descarregarmos as viaturas recebemos ordem para nos prepararmos para a primeira patrulha. Iria dar-se o início à sobreposição.

Nessa altura estava bem longe de saber que nos dias mais próximos iria protagonizar o dia mais negro das minha curta carreira militar.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 13 DE JUNHO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10030: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (31): Operação Sempre Alerta: a morte de um amigo diferente

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10818: Convívios (487): Uma viagem por terras da Lusitânia (José Câmara)

1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 11 de Dezembro de 2012:

Caro mano Carlos, amigos e camaradas,
Junto encontrarão mais uma pequena artigo do que foi a minha viagem por terras da Lusitânia e do convívio das CCaç 3326, 3327 e 3328.
Se algum camarada, e muito especialmente destas três companhias, estiver interessado em mais fotos do convívio, agradeçco que me contactem.

Para todos os meus votos de boa saúde.
Abraço transatlântico.
José Câmara


As Companhias de Caçadores 3326, 3327 e 3328 reuniram em convívio

Esta nossa viagem por terras da Lusitânia foi meticulosamente preparada pelo casal Fur. Mil. João e Fernanda Cruz. Para além dos já referidos encontros com o Juvenal e o mano Carlos e a muito simpática esposa Dina*, a simbiose entre a paisagem natural e histórica permitiu que eu e a minha esposa vivêssemos momentos de êxtase indescritíveis. Portugal é lindo em ambas vertentes!

Por terra de Óbidos, durante a Feira Medieval, tivemos a oportunidade de observar um povoado parado no tempo. Muralhas bem mantidas, pórtico altaneiro, ruas limpas, casario pintado, estabelecimentos asseados, muitos estudantes estrangeiros, vestidos ao rigor de épocas passadas, a viverem a história de Portugal. Os jovens portugueses pareciam contentes em observá-los. A ginjinha em copo de chocolate é uma autêntica delícia. Experimentei-a uma à entrada das muralhas. Quando saí tomei-lhe o gosto novamente.

No Castelo de Óbidos o tempo parou dentro das suas muralhas 

Na serra do Buçaco fechámos os olhos e vimos os franceses a serem desbaratados e a regressarem a seu país cabisbaixos, derrotados. Não uma vez, mas três vezes. Agora, naquela serra vive-se o silêncio e a paz que as lindas árvores centenárias parecem pedir. As águias-reais nos seus voos majestosos são mais um ornamento a encher os olhos dos mais requintados. O belo Mosteiro, transformado em pousada turística, rodeado de belos e bem tratados jardins completa a paisagem.

O conjunto arquitetónico, o arranjo primoroso dos jardins e o silêncio da paisagem transformam Buçaco num lugar idílico. 

Dali ao Luso foi um instante. Como antigamente, pela palma da mão, bebemos água da fonte. Adoro aquela água. É pena chegar aos EUA não ao preço da chuva, mas ao preço do ouro. O constante vaivém das pessoas a carregarem a água da fonte chamou-nos a atenção. Cinco garrafas por pessoa é o autorizado. A sombra do fim do dia convidava a um passeio por entre os jardins daquela bem tratada avenida. Foi isso que fizemos! Em Alcobaça, ficámos surpreendidos com a grandeza do Mosteiro que dá por aquele nome. A altura do Mosteiro, a beleza das suas colunas, a criatividade dos altares e dos túmulos levam-nos a outras épocas e a perguntar: como foi possível construir tanta magia, tanta beleza? No seu interior vivemos a história de um amor proibido. Os lamentos e as esperanças, os gritos da agonia da morte e os de revolta ecoam pela imensidão daquele espaço. Trágico, cruel! Os dois amantes, Pedro e Inês, conseguiram na morte a justiça que em vida lhes foi negada. Ficaram juntos! Como testemunha eterna têm a Cruz do Salvador.

Mosteiro de Alcobaça, conjunto harmónico de rara beleza: arquitetura, religião, história.

Na Nazaré, lá do alto da escarpa, apreciámos a bela e imensa praia e a imensidão do mar que a beija. Mas a nossa atenção foi mesmo para a Ermida da Memória. Ali fomos convidados pelo navegador Vasco da Gama, a ajoelhar-nos perante a veneranda imagem de N.ª Sra. da Nazaré. Dizia-nos ele que aquela Senhora, mais do que outra qualquer, o iria ajudar no seu grande empreendimento, a descoberta do caminho marítimo para a Índia. O resultado obtido certamente que é um grande testemunho da sua fé.

Monumento a imortalizar a passagem do navegador Vasco da Gama por Nazaré. 

Ao sairmos da Ermida demos de caras com o D. Fuas Roupinho. Acabara de perseguir um veado que se atirara pela escarpa. Homem de grande fé, dava graças à N.ª Sra. da Nazaré por lhe ter salvado a vida, quando o seu cavalo refreou a corrida a tempo de não cair pela enorme falésia. A atestar as suas palavras lá estavam os sulcos feitos pelas patas da sua montada e a ponta da falésia criada pelo arrasto das pedras debaixo das patas do cavalo. Nas mesmas circunstâncias também teria feito agradecimento semelhante. Do veado, não sabia o que lhe tinha acontecido depois de cair daquelas alturas. Mas lá foi acrescentando que devia ser o mesmo que eu, algumas vezes, tivera na mira da minha G3, algures nas matas da Guiné. Assim, com esta simplicidade, se fez história e lenda através dos tempos.

No Sábado, dia 21 de Julho, marcámos presença em Reguengo do Fetal, no restaurante Pérola do Fetal. Um autêntico retiro, acolhedor, amplo, com excelentes espaços circundantes. Foi aqui que as CCaç 3326, 3327 e 3328 marcaram presença. Pela segunda vez, desde que saíram da Guiné, os militares destas companhias se reuniram em convívio. Companhias independentes, formadas no antigo BII17, Angra do Heroísmo, com destinos e comandos diferentes na Guiné, têm como elo de ligação mais importante a grande amizade que havia entre os seus militares.

Bolo comemorativo do convívio 2012. 

Um convívio desta natureza, que no caso destas companhias deve ser raro, possivelmente único, só é possível com o máximo de colaboração entre aqueles que se encarregam de levar a bom porto um evento desta natureza. O José Santos, Cabo Enfermeiro da CCaç 3326, que acabou por não poder estar presente, o Fur Mil João Cruz da CCaç 3327 e o Fur Mil Victor Costa da CCaç 3328 foram os responsáveis por um convívio impecável na organização e no convívio social. Eles estão de parabéns por um evento muito bem conseguido.

Os Furriéis João Cruz e Victor Costa, dois dos responsáveis pelo convívio 2012.

Foram escolhidos os representantes de cada companhia para se dirigirem aos camaradas e seus familiares presentes. Das palavras proferidas, há que ressalvar o compromisso que nós, militares que fomos, ainda temos para com a história. Para além do reconhecimento e agradecimento pela presença de todos, foi recapitulada a história dos nossos convívios. Também se falou da nossa história ultramarina, quando fomos chamados a combater na Guiné. Foi relembrado que nenhum de nós tinha que se envergonhar por ter cumprido o seu dever.

José Câmara e o Alf Mil Francisco Magalhães, Cmdt do 4.º GCOMB

É sempre confortante reencontrar aqueles com quem convivi muitos meses, alguns bem difíceis, em terras da Guiné. Na chegada, o abraço é um matar saudade. No fim do convívio levámos os últimos abraços e as últimas palavras de esperança. A dolorosa despedida. Um até para o ano, possivelmente na linda Ilha de São Miguel.

O Alf Mil Ferraz e a Esposa. Mais atrás o Alf Mil Neves. Na mesa, José Câmara, Tesoureiro-Adjunto. 
(Foto Cortesia de Luís Pinto)

A caminho de Lisboa fomos deixando os quilómetros para trás. E com eles fomos revendo, entusiasmados, as delícias sociais do dia. Chegámos à capital já noite e ali outro abraço de despedida aos meus bons e grandes amigos que, no convívio de 2010, nos tinham recebido na sua casa, no Algarve, o casal Luís Pinto e a Samara Araújo. Deles trago sempre um saco de bom companheirismo e camaradagem e amizade.

Já não conseguimos juntar todos para a foto da despedida.

Ainda nos estava reservada uma grande surpresa para aquela noite. O João Cruz levou-nos ao Monumento aos Mortos dos Combatentes do Ultramar. Ali, pela primeira vez, tive a oportunidade de apreciar o que o meu País fez pelos seus filhos, que não se coibiram de sacrificar a vida por ela. Aproveitei a oportunidade para lhes prestar a minha singela homenagem enquanto ex-militar e católico. Conversei um pouco com o Manuel Veríssimo, um garboso militar da CCaç 3327, cuja vida a Pátria requisitou e Deus chamou ao Seu regaço.

No regresso ao Hotel, o nosso Capitão Alves ainda esperava por nós. Tal como nos tempos da Guiné ele está sempre ao nosso lado. A noite já ía longa, mas isso não interessa. Havia que aproveitar todos os minutos. Finalmente a despedida. Ao Cap. Alves e ao casal Picanço que foi do Canadá, via Graciosa.

Um agradecimento muito especial aos nossos amigos João e Fernanda Cruz pelo cuidado e pelo carinho que puseram em todos os detalhes, para que nos sentíssemos como se estivéssemos em casa.

Já no avião que nos levava de regresso aos Açores, a minha madrinha de guerra, a minha esposa, ainda surpreendida com tudo o que nos acontecera de bom, e que foi muito, perguntou:
- Tu tens amigos maravilhosos. Como é possível tanta amizade ao fim de tantos anos?
Respondi:
- Esses amigos maravilhosos, que agora conheces, são parte de uma família muito especial. A amizade quando é baseada no respeito e na honestidade sobrevive independentemente das circunstâncias da vida.

A viagem até ao Faial ainda demoraria algum tempo. O corpo pedia um fechar de olhos. Foi isso que fiz sonhando com o próximo ano, com o próximo encontro.

Sim eu tenho amigos maravilhosos.
José Câmara
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10372: Blogoterapia (216): As amizades são para serem vividas (José Câmara / Carlos Vinhal)

Vd. último poste da série de 17 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10814: Convívios (486): Almoço/Convívio de Natal da Tabanca dos Melros, ou o Último Voo de 2012 (Jorge Teixeira - Portojo)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10372: Blogoterapia (216): As amizades são para serem vividas (José Câmara / Carlos Vinhal)

1. Mensagem do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73):


As amizades são para serem vividas

Tinha sido uma manhã repleta de emoções, aquela que vivera no Santuário de Fátima. Mas havia mais para viver naquele dia, muito mais! O nosso grupo meteu pés aos aceleradores em direção a Coimbra, a nossa próxima paragem. Naquela cidade universitária, numa das estações de comboio, iríamos buscar o nosso Cap. Rogério Alves que, vindo do Algarve, ali aguardaria por nós.

A esse grande Homem já me referi várias vezes e do respeito que ele me merece, aliás a todos os membros da CCaç 3327. Não é segredo para ninguém a admiração que sinto por aquele senhor. No nosso abraço há um tremendo respeito pelo Comandante, mas acima de tudo pelo homem que foi e nunca deixou de ser.

Cumprida a nossa missão em Coimbra, o nosso próximo destino seria Mealhada, terra onde se serve, diz-se, o melhor leitão da Bairrada. Mas eu não estava ali por causa do bacorinho e dos espumantes que acompanhariam a delícia da região.
Mesmo assim, justiça seja feita ao pitéu, uma delícia.

Tropa especial na Mealhada: Cap. Alves, Furs. J. Cruz, L. Pinto, J. Câmara, Alf. Almeida e Fur. C. Vinhal e na frente o Cabo Isolino Picanço

Em boa verdade, a ida à Mealhada teve um único propósito, abraçar um amigo muito especial e a sua esposa, o Carlos Vinhal e a Dina. Este casal dispensa apresentações e todos sabemos aquilo que o Carlos representa no nosso blogue, o trabalho que desenvolve e a atitude consensual e de equilíbrio que empresta nos seus artigos e comentários.

Mas o Carlos que eu conheço é muito mais que isso. É, acima de tudo, aquele que me aceitou tal qual eu sou, uma salada de culturas. Aquela que me viu nascer, crescer e educar e a que vivi a maior parte da minha vida. Cedo compreendeu a minha forma arrebatada e emocional com que enfrento as paisagens da Vida e não arredou pé quando, num curto espaço de meses, perdi três membros da minha família. A sua amizade e amparo constantes serão sempre profundamente reconhecidos.

Foi a esse homem extraordinário, amigo e irmão que o tem sido, que fui dar um abraço. Valeu a pena tê-lo feito. Há amizades que nascem sem sabermos como, mas sabemos e bem porque continuam e se cimentam.

Carlos Vinhal, José Câmara e Dina Vinhal

Neste abraço de amizade, nesta oportunidade, também conheci a esposa do Carlos, a Dina, uma senhora de sorriso largo e irradiante de simpatia. Feitas as apresentações, a Dina e a minha esposa entabularam conversa, fizeram o seu próprio mundo como se fossem conhecidas e amigas de longa data.

Obrigado Dina pela forma simpática e amiga como recebeste e trataste a minha esposa.

Após o almoço ainda houve tempo para o casal Vinhal conhecer e conversar com o grupo da Caç 3327, testemunha do nosso abraço.

Na hora da despedida carregava com uma garrafinha de Leça de Palmeira. Acima de tudo, levava um saco de saudades e da certeza que um dia nos voltaremos a encontrar.

Porque a amizade é e será sempre um encontro de vidas e de sentimentos.
José Câmara


2. Comentário de CV:

Caro José, se me permites, vou partilhar contigo este poste.

O Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné trouxe à minha vida de reformado duas coisas, imenso trabalho, mais do que supunha, e muitas, boas e sinceras amizades e, uma ou outra situação menos boa é de longe suplantada pela amizade e consideração que me são dispensadas pela esmagadora maioria da tertúlia.

Como sabes, mercê do convívio com camaradas militares madeirenses, em instrução e na situação de Unidade de quadrícula na Guiné, comecei a ver os nossos ilhéus como um povo especial que não se deixa confinar às margens das ilhas onde nasceram. A maioria emigrou e é vista no mundo como exemplo a seguir, constituindo um orgulho para Portugal.

Entre várias amizades açorianas, mantenho contacto frequente com um velho amigo, o faialense Primeiro Rita da minha Companhia, um dos homens que marcou a minha juventude. Já no Blogue criei uma certa empatia com o Carlos Cordeiro e contigo.
Não posso nem devo esquecer ainda os "meus" 1.ºs Cabos Inácio e Ornelas, madeirenses da minha CART 2732, militares com capacidade para substituir qualquer oficial no comando de um pelotão e que ficaram amigos para o resto da vida.

Nesta foto, estou em presença do irmão José e da Isabel sua esposa, a minha cunhada

Aqui estão companheiras de cinco dos sete  bravos militares presentes na operação "Bacorinho"

Voltando a ti, irmão José, assim nos tratamos particularmente, acho que conquistei a tua amizade quando num momento particularmente aflitivo da tua vida te enviei simples mas sinceras palavras  de conforto. Claro que aceitei sem hesitar a tua sugestão de "ser teu irmão" por ser essa a tua vontade, o que considero uma honra já que por coincidência sou filho único. 

Foi emocionante conhecer-te pessoalmente já que nunca pensei que tal fosse possível. Só a partir da altura que começaste a vir ao Continente ao convívio da tua 3327, este ano foi a tua segunda presença, se perspectivou um encontro, mesmo curto que fosse. O ano passado não sugeri que nos encontrássemos porque era a primeira vez em 40 anos que irias rever os teus camaradas e não quis de algum modo retirar-te desse convívio. Este ano pudemos concretizar o nosso encontro com a agradável presença dos teus camaradas.

A Isabel e a Dina facilmente se entrosaram porque ambas são umas mulheres valentes, a tua lutando a teu lado em terras do Tio Sam e a minha dentro deste pequeno rectângulo peninsular.

Falando agora da garrafinha que levei de Leça da Palmeira, era uma garrafa de Porto D. Antónia.
A figura de Antónia Ferreirinha (a Ferreirinha) é um símbolo de persistência e resistência num mundo de homens, onde os ingleses imperavam. Viúva muito nova, lutou praticamente sozinha contra tudo e contra todos, inclusive contra os males que atacavam as vinhas do Douro, sem nunca se deixar abater.
Quando te levei aquela garrafa quis homenagear o homem que longe do seu solo pátrio, encarou, estranhou e entranhou uma cultura muito diferente da sua e venceu.

Caro José, és alguém que na diáspora honra o nome de Portugal e de quem nos devemos orgulhar. Claro que quando falo de ti, falo daqueles que constituem a "tua casa", a tua esposa Isabel e os vossos filhos e netos.

Caro irmão, desculpa ter ocupado o teu poste mas tinha que dizer isto aqui e agora.
Muito obrigado por seres meu amigo e por me quereres como a um irmão.
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2012> Guiné 63/74 - P10338: Blogoterapia (215): Obrigado por me terem na vossa lista de amigos e camaradas (José Martins)

sábado, 9 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10016: Convívios (450): Encontro do pessoal das CCAÇs 3326; 3327 e 3328, dia 21 de Julho de 2012 na Batalha (José da Câmara)

 


 1. Em mensagem do dia 8 de Junho de 2012, o nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), pediu-nos para publicitar o Encontro de saudade do pessoal das CCAÇs 3326; 3327 e 3328, a realizar no dia 21 de Julho de 2012, a partir das 10h30 da manhã Reguengo do Fetal, Batalha.





____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10010: Convívios (267): IV Encontro dos “Ilustres TSF” (Hélder Sousa)

quinta-feira, 1 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9550: As novas milícias de Spínola & Fabião (4): Em 225 localidades ocupadas pelas NT no CTIG, 71 eram exclusivamente guarnecidas por unidades de milícias, no 1º trimestre de 1974 (gen Bettencourt Rodrigues)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) > Militares guineenses da CCAÇ 12, presumivelmente da 2ª secção do 3º Gr Comb,  numa tabanca fula em autodefesa... O elemento da ponta esquerda é um milícia, empunhando uma espingarda automática FN... Não consigo identificar a tabanca: poderá ser Candamã, no regulado do Corubal...

A 2º secção do 3º Gr Comb era constituída por, além dos metropolitanos Fur Mil 07098068 Arlindo Teixeira Roda e  1º Cabo 17625368 António Braga Rodrigues Mateus, os seguintes soldados do recrutamento local, de etnia fula ou futa-fula:  Soldado Arvorado 82108369 Mamadú Jau (Ap Dilagrama) (F); Soldado 82109369 Malan Jau (Ap Mort 60) (F); Sold 82100769 Amadú Candé (Mun Mort 60) (F); Sold 82108869 Quembura Candé (F); Sold 82109769 Sherifo Baldé (F); Sold 82115369 Ussumane Jaló (FF); Sold 82110169 Madina Jamanca (F)... Recorde-se que os apontadores de dilagrama, morteiro e LGFog tinham direito à famosa pistola Walther, de 9 mm...

Foto: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. Legendas de L.G.


1. Diversos comentários ao postes P9532 ou P9526

 (i) Comentário de L.G.:

Seria interessante que os camaradas nos dessem uma estimativa da proporção de guineenses (milícias incluídos) que faziam partem do dispositivo militar do respetivo setor... 


No setor L1 (Zona leste, Bambadinca), no 1º trimestre de 1972, a proporção poderia ser de 1 (guineense) para 1 (metropolitano)... Mas noutros setores (do leste mas também do oeste, do norte e do sul), as coisas poderiam ser diferentes... Vejam o dispositivo militar do vosso setor e contem as G3 ou as cabeças...

(ii) José da Câmara:

Para vosso conhecimento, os Pel Mil 294 e 295 estiveram adidos à CCaç 3327, quando esta esteve em Bissassema, zona de Tite.

Cada um destes pelotões era constituído por 39 elementos.

Com a excepção de 3 elementos do Pel Mil 295, recenseados em 1971, os outros tinham-no sido em 1970.

 Não posso acrescentar muito sobre a articulação das nossas Milícias. Como sabes, eu estive ligado ao Pel Nat 56.

Todavia, posso dizer que a G3 era a única arma que estava distribuída aos Pel Mil 294 e 295.

Também não é fácil fazer uma estimativa correcta da proporção do dispositivo militar que englobava a CCaç 3327 no seu sector. Primeiro, porque a CCaç mantinha um pelotão de reforço à guarnição de Tite. Em depois porque a companhia tinha muitos militares envolvidos na construção do reordenamento.

Mesmo assim, sem aqueles constrangimentos, a proporção era de 2 por 1 em favor da CCaç 3327.

Facto interessante naqueles pelotões era a nomeação dos graduados ser da responsabilidade directa do Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné.

(iii) António José Pereira da Costa:

(...) Sobre este assunto creio fundamental fazer uma separação entre militares (metropolitanos e guineenses) e milícias.

Estes tinham um estatuto diferente e eram civis armados. Recordo, por exemplo, que, se concorressem aos "comandos" eram incorporados como praças e não lhes era concedida qualquer vantagem por terem sido milícias. Ganhavam menos do que os soldados, só tinham alimentação durante a "formação" (como se diz em eduquês moderno) e, mesmo neste caso, a verba era claramente inferior à dos soldados (creio que era pouco mais de 50%). 

Além disso, procurava-se, e conseguia-se normalmente, que tivessem as famílias junto ou próximo do quartel a que pertenciam. Cito de memória porque em Mansabá foi formada uma companhia de milícia, durante a minha permanência.

É capaz de ser pouco exacto metê-los nas contas juntamente com os soldados (CCaç, Artilharia, Comandos, Serviço de Material, Intendência, etc.). Ficam bem ou mal (conforme as leituras) nas estatísticas, mas não é exacto.

(iv) Paulo Santiago:

(...) Quanto a vencimentos de milícias não posso ajudar. Como "instrutor" [, no CIMIL de Bambadinca], era um assunto que me ultrapassava. Não sei se os 700 escudos estão certos. Um dos meus soldados, Amadú Baldé, tinha sido milícia na zona de Aldeia Formosa, passou para o Exército e posteriormente voltou à Milícia, ficando a comandar um dos pelotões da segunda companhia que formei em Bambadinca.É natural que ficasse a ganhar mais.

Também o 1º Cabo Suleimane Baldé, actual Régulo de Contabane, foi milícia, em Aldeia Formosa, antes de passar ao Exército. (...)

2. Informação prestada pelo gen Bethencourt Rodrigues (1918-2010),  antigo comandante-chefe e governador da Guiné (1973/74), nome às vezes também grafado como "Bettencourt" Rodrigues:


As  NT eram constituídas por: 

(i) “órgãos de comando e de apoio logístico, unidades e meios navais da Armada; algumas unidades de Fuzileiros Navais eram integradas por pessoal voluntário da Guiné, com enquadramento europeu”;  

(ii)  “órgãos de comando e de apoio logístico, unidades do Exército; cerca de 20%  das unidades combatentes eram de pessoal recrutado na Guiné e em algumas todo o pessoal era guinéum, incluindo o enquadramento; 

(iii) “ órgãos de comando e de apoio logístico e  unidades da Força Aérea; (iv) “unidades de milícias, integralmente com pessoal da Guiné” (pp.  129/130).

O “efetivo em pessoal armado era  constituído, em percentagem superior a 50%, por elementos naturais da Guiné” (p. 130).

No 1º trimestre de 1974, as NT ”ocupavam, com guarnições militares ou de milícias, 225 localidades” (p.  141)….  Era a seguinte a distribuição dessas guarnições: 

(i) “72 ocupadas exc lusivamente por tropas do Exército e Armada”; (ii) “82 por tropas  do Exército e Armada e unidades de milícias”; e (iii) “71 só por unidades de milícias” (p. 130).

Fonte: Gen Bethencourt Rodrigues – Guiné. In: Cunha, Joaquim Luz; Arriaga, Kaúlza de; Rodrigues, Bethencourt; Marques, Silvino Silvério- África: a vitória traída. Braga: Editorial Intervenção, 1977, pp. 103-142.
______________
Nota do editor:

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9537: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (30): Velhice, uma aprendizagem dos sinais dos homens e da guerra

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 27 de Fevereiro de 2012:

Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Não tenho estado afastado do nosso blogue e muito menos dos amigos. Apenas menos activo.

Junto mais uma pequena história da minha passagem pela Mata dos Madeiros. Como sempre fica ao teu dispor a sua (ou não) publicação. Como as anteriores é uma história simples. Certamente que trará à memória de alguns dos nossos camaradas situações em tudo muito semelhantes.

Para ti e para os nossos camaradas um abraço amigo,
José Câmara


Memórias e histórias minhas (30)

Velhice, uma aprendizagem dos sinais dos homens e da guerra

Os dias que se seguiram à nossa chegada a Teixeira Pinto foram aproveitados por nós, cada um à sua maneira, para aliviar a alta pressão psicológica a que tínhamos estado sujeitos, nos últimos meses, na Mata dos Madeiros. O descanso, as incursões pela vila e os seus locais de diversão fizeram parte desse alívio bem merecido.

Como gostava de trabalhar na secretaria da Companhia, era ali que passava muito do meu tempo. Também tive a oportunidade de assistir a uma missa dominical e a um casamento entre gente da mesma etnia Manjaca. Destas coisas fiz referência muito superficial numa carta que então escrevi à minha madrinha de guerra.

Hoje, a esta distância no tempo, o Coro da Capela formado por jovens em idade escolar, constitui a imagem que ainda retenho da missa que me foi possível atender, no dia 27 de Junho de 1971, na Vila de Teixeira Pinto. Do casamento, lembro-me que foi feito durante a noite. A noiva, natural da zona do Pelundo e acompanhada de muitos familiares, veio de urbana buscar o noivo que morava em Teixeira Pinto. No regresso juntou-se o batuque. Na verdade, é muito pouco o que recordo e sinto pena de não ter escrito mais sobre esse casamento.

Outro acontecimento de extrema relevância para nós foi a saída de algumas tropas de Teixeira Pinto, que nos permitiu deixar as tendas de campanha e ocupar as instalações muito razoáveis do quartel de Teixeira Pinto.
Foi nesse ambiente, não constituindo qualquer surpresa para nós, que fomos informados de que a nossa Zona de Intervenção continuaria a ser a Mata dos Madeiros. O facto dos nossos camaradas das Transmissões continuarem ali instalados deixava antever isso mesmo. A missão é que seria diferente, bem mais perigosa.
Até ali a protecção do acampamento era feita à distância por dois grupos de combate da CCaç 3327 e ainda de uma outra força de intervenção do CAOP1. A defesa imediata do acampamento era também assegurada pela nossa Companhia. Com a nova estratégia as forças de defesa afastada foram eliminadas e passámos apenas à defesa imediata do acampamento, cujas condições de defesa eram exíguas. As valas eram extremamente abertas e os obuses do Bachile não tinham o alcance suficiente para nos ajudar em caso de flagelação. Contávamos com o nosso Morteiro 107.

Em contrapartida, o moral dos nossos soldados era bastante alto, pois sabiam que o dia 25 de Junho seria o do adeus definitivo da CCaç 3327 à Mata dos Madeiros. Pelo menos assim pensávamos.

No dia 22 de Junho de 1971 escrevi assim à minha madrinha de guerra:

“O tempo que disponho (para escrever) é bastante escasso. Durante o dia estive a trabalhar na Secretaria da Companhia e agora a noite já vai adiantada. Amanhã, pelas 6:30 horas da manhã, vou para o mato e tenho que descansar. Irei passar 24 horas no acampamento onde estivemos. Contudo, deve ser a última vez.” 

Certamente que me referia ao meu grupo de combate.

Aspecto da Mata dos Madeiros 
Foto de José Câmara

No dia 23 de Junho de 1971, estávamos nós no acampamento quando vimos passar alguns bombardeiros em direcção a Ponta Costa, área do Cacheu. Foram lá deixar naquela zona a sua carga mortífera. As explosões eram enormes. O fumo e o pó subiam nos ares, a terra estremecia debaixo dos nossos pés e os corações tremiam perante tamanha bestialidade. Pessoalmente, pela primeira vez assistia a uma acção directa da nossa Força Aérea.

Os bombardeamentos, a meia dúzia de quilómetros do nosso acampamento, pareceram-nos normal naquela zona. Foram as repetições durante o dia que nos chamaram a atenção. Era evidente que aquilo não era mais que o pronúncio de uma grande operação militar e a CCaç 3327 iria estar de, algum modo, envolvida nela.

Estava explicada a razão do nosso posto de transmissões manter-se em actividade no acampamento, enquanto o Morteiro 107 descansava preguiçosamente no seu espaldar. Aos poucos também aprendíamos a ler os sinais dos homens e da guerra. Da experiência se fazia a velhice.

Na manhã do dia 24 de Junho, quando fomos substituídos no acampamento e regressámos a Teixeira Pinto, tínhamos a certeza de que voltaríamos a ouvir as vozes e os ruídos que aprendemos a distinguir na Mata dos Madeiros.

Só faltava mesmo saber como, onde e quando.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9214: O meu Natal no mato (35): Um Santa Claus na forma de um barquinho (José da Câmara)

Vd. último poste da série de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9088: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (29): Quando o destino cruel desabafa a sua ira

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9214: O meu Natal no mato (35): Um Santa Claus na forma de um barquinho (José da Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 11 de Dezembro de 2011:

Caro amigo Carlos Vinhal, camaradas, amigos,
No dia 24 de Dezembro de 1972, num presépio chamado Guiné, eu marquei encontro com o Pai Natal. Aqui fica a história desse encontro, que também seria o último que teria com Ele em terras africanas.

Por muitas razões da vida que vivi, eu acredito que há um velhote simpático de barbas brancas, chamado Santa Claus, que faz os possíveis para me acompanhar todos os dias. Ele também vos tem no coração, disso tenho a certeza.

Quando ele bater à vossa porta, deixem-no entrar e descansar um pouco no seio da vossa família. Ele, depois de passar por aqui e de atravessar este Atlântico imenso que nos une, apenas quer desejar-vos um Feliz e Santo Natal.

Um grande abraço do
José Câmara


Guiné, um presépio de Natal

Na linda ilha das Flores, terra que me viu nascer e crescer, as celebrações do Natal tinham como atenção o nascimento do Menino Jesus em Belém e as prendas que Ele, no seu infinito amor, distribuía pela pequenada.
Como criança que era não percebia porque é que o Menino gostava tanto dos meninos mais ricos e, muitas vezes, se esquecia de mim, dos meus irmãos e de outros meninos tão pobres como eu. Levei alguns anos para me aperceber que o Menino também me amava como aos outros. A verdade era que a minha pequenina casa não tinha chaminé por onde Ele pudesse entrar e, mesmo que arranjasse outra forma de se infiltrar, nunca poderia encontrar os meus sapatinhos porque eu não os tinha. Apesar de todos esses problemas, na sua infinita bondade, às vezes arranjava maneira de deixar debaixo do travesseiro um saquinho com figos passados. Quando isso acontecia, o Natal era enorme no meu coração de criança.

No Faial, para onde fui com a idade dos 10 anos, talvez por influência das companhias estrangeiras de cabos submarinos (americana, inglesa e alemã), de algum consumismo já evidente na pequena cidade da Horta e mesmo dos emigrantes resultantes da erupção vulcânica dos Capelinhos, o Menino era mais rico e, por isso mesmo, costumava contratar um ajudante, o Pai Natal, por altura dos festejos natalícios. Era este Ajudante que trazia as boas novas do Menino.

O meu alfinete de gravata, homenagem ao meu Menino Jesus
De nós para vós, um Santo Natal
©Foto de J. Câmara

O Pai Natal, o Santa Claus como alguns lhe chamavam, viajava por entre estrelas, vindo das zonas frias da Lapónia. Talvez porque o trenó, puxado por renas de nariz vermelho, tinha mais espaço para sacos de prendas o Natal, na minha casa passámos a contar com algumas alegrias extras, entre as quais, há um alfinete de gravata que ainda hoje é o único que uso em homenagem ao grande amor e sacrifício do meu Menino Jesus.

Todavia, para compreender o Natal em toda a sua beleza humanística faltava, de facto, ter um encontro com o Menino Jesus, com o Pai Natal. A oportunidade aconteceu a meia tarde do dia 24 de Dezembro de 1972.

Ao tempo eu era, com muita honra, militar no Exército de Portugal, em fim de comissão de serviço na Guiné.
O presépio, devidamente preparado para essa efeméride, era completamente diferente daqueles a que estava acostumado na minha meninice. Este fora desenhado e construído com belas bolanhas e matas esplendorosas de palmeirais, cajueiros, capim, às quais não faltavam javalis, veados, pombos verdes, cobras, lagartos, sapos, mosquitos, formigas e os demais requintes da flora e fauna tropicais. A completar todo esse quadro maravilhoso que extasiava os corações mais sensíveis, as cascatas das ribeiras da freguesia deram lugar a um espelho imenso de um rio calmo que reflectia o sorriso quente do astro-rei. Era na verdade um presépio que deixaria imensas recordações, alegres umas, bem tristes outras, porque não saudades das boas, vida fora!

O Pai Natal da CCaç 3327 fazendo a aproximação à margem do Enxudé, Zona de Tite
© Foto de J. Câmara - Dezembro 24, 1972

Foi nesse ambiente que o Pai Natal, ansiosamente esperado, apareceu por detrás de um pequeno ilhéu colocado no meio do rio. Era diferente de tudo o quando imaginara até então. Vinha vestido de cinzento. Conduzia, com mestria, as renas que mais pareciam peixinhos vestidos de muitas cores que, alegremente, puxavam nas águas mansas do rio um trenó em forma de barquinho. Graciosamente, com lentidão cautelosa, aproximou-se da terra e aos poucos foi abrindo os seus braços até descansá-los na margem do rio. De peito bem aberto, deixou ver o seu imenso coração onde caberiam todos aqueles que o esperavam e que não se fizeram rogados em entrar nele.

Descansou o suficiente para receber a sua preciosa e alegre carga. Depois, talvez imitando Santo António, segredou algo aos peixinhos que, por ali, se mantinham em alegres brincadeiras. Fechou os seus enormes braços num amplexo imenso àqueles que acabara de receber junto do seu coração. E partiu. Tal como chegara, sem alaridos, havia que cumprir o final da sua nobre missão. Havia que levar a bom porto todos aqueles que confiaram no seu convite.

Aos poucos as margens do Enxudé foram-se perdendo no entardecer do dia para dar lugar à noite que se aproximava. Tite, Bissássema e as suas gentes passavam a ser nomes guardados na neblina da memória. Bissau foi o porto de acolhimento.

Encostado ao cais, exausto pelo cansaço, aquele Pai Natal ainda teve forças para um último aceno. Foi a última vez que o vi em terras da Guiné. A CCaç 3327 regressava à casa e às barracas que a receberam vinte e três meses antes, o Depósito de Adidos, em Brá.

A partir da esquerda: 1.º Sarg. Baltazar Lopes e Fur. Mil. Fernando Silva (ambos já falecidos), Fur. Mil. Pinto. A foto não oferece condições para identificar os outros com segurança. De costas, a ser servido, o Fur. Mil. Câmara
© Foto cedida pelo Fur. Mil. João Cruz, Natal de 1972

Nessa noite de Natal, alguns de nós ainda conseguiram desenfiar-se para a cidade. O Coelho à Caçador andou às correrias pelas mesas que juntámos no restaurante que nos acolheu. Uma noite diferente e alegre para nós. Só possível pelo amor e amizade de um Santa Claus que quis que, nesse ano de 1972, tivéssemos um Feliz e Santo Natal.

Porque ainda acredito na existência do Pai Natal, hoje, tal como ontem, que a Amizade e o Amor, a Paz e a Esperança do espírito do Natal, sejam companheiras diárias das vossas vidas e da dos vossos familiares.

Deste lado do oceano, um abraço enorme, quente e amigo do
José Câmara
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9088: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (29): Quando o destino cruel desabafa a sua ira

Vd. último poste da série de 16 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9213: O meu Natal no mato (34): Empada, 24 de Dezembro de 1969, em tempo de guerra (José Teixeira)

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9088: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (29): Quando o destino cruel desabafa a sua ira

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 23 de Novembro de 2011:

Meu caro amigo Carlos Vinhal,
Junto um pequeno trabalho para fazeres dele o que entenderes melhor.

A história, a sua crueldade intrínseca, foi vivida por muitos de nós. Naquelas alturas os segundos contavam e eram dramáticos. Jubilávamos quando o nosso esforço e sacrifício eram recompensados. Chorávamos quando víamos o destino cruel ser mais forte que a nossa vontade. Do que não podemos ter dúvidas é que num caso ou no outro sempre, mas sempre, cumpríamos com o nosso dever humano e militar.

Amanhã, dia 24 de Novembro, é dia de Acção de Graças nos EUA. Ao longo dos anos habituei-me a compreender, a respeitar e a participar nesta grande festa da Família Americana. Aqui fica o meu convite para que tu e todos os nossos amigos da Tabanca, celebrem comigo o dia do Thanksgiving.

Um abraço amigo,
José Câmara


Memórias e histórias minhas (29)

Quando o destino cruel desabafava a sua ira

Ao fim da manhã do dia 17 de Junho de 1971, a coluna da CCaç 3327 deixava para trás o seu último acampamento na Mata dos Madeiros e um grupo de elementos das Transmissões agora protegidos por outras forças de intervenção. Pelo caminho fez uma breve paragem no Bachile para pegar os militares e nos haveres da secretaria, tendo seguido em direcção à Ponte Alferes Nunes. Esta que, recentemente, sofrera algumas reparações tinha uma estrutura forte, mas o seu tabuleiro, por ser estreito, requeria alguns cuidados, sobretudo com as viaturas mais pesadas. Daí a perda natural de algum tempo na sua travessia.
Mas que importava isso, se depois da ponte entrávamos no paraíso comparado com o inferno que tinha sido a nossa vivência nos últimos meses?

A meia tarde, a coluna entrava na avenida principal de Teixeira Pinto e, finalmente, cruzava a Porta de Armas do quartel sediado naquela vila. Ali receberíamos a primeira grande desilusão do dia. Pela indisponibilidade de instalações, foi-nos ordenado que montássemos o nosso bivaque na parada grande que ficava em frente aos edifícios de Comando e Serviços. O solo guineense continuaria a ser o lençol onde se deitariam os nossos corpos ansiosos por um descanso condigno.

Estávamos a findar a nossa tarefa quando nos apercebemos que ali fazíamos parte de uma outra guerra. Um clarim soou o toque de Ordem. A verdade é que os nossos corpos, depois de cerca de trinta e seis horas de actividade, precisavam mesmo de descanso e os nossos estômagos de serem reconfortados com aquela ração de combate que esperava por nós.

Como quase sempre fazíamos, eu e os militares da minha Secção sentámo-nos juntos para darmos início ao nosso repasto. Para além do ambiente social normal dessas ocasiões, aproveitávamos para trocarmos entre nós as conservas que cada um mais gostava. Já tínhamos aberto algumas latas quando o clarim voltou a soar. Desta vez, o som era mais angustiante, o som do formar piquete.

Era certo que o 4.° GComb, o meu grupo, estava de serviço mas, acabados de chegar àquele quartel, aquele toque não devia ter nada a ver connosco. Como estava enganado!

Alguém gritou:
- Furriel Câmara mande formar o grupo de combate! - A ordem tanto pode ter vindo do Comandante do Pelotão, o Alf. Mil. Francisco Magalhães ou directamente do Comandante da Companhia. Para o caso pouco importava. Tudo era feito com disciplina compreensível, sem atropelos.

Os soldados que me acompanhavam ainda tentaram um pequeno protesto. Tinham alguma razão, estavam exaustos e eu também.
Apenas disse:
- Vamos! - A ordem simples não deixava margem para dúvidas. A verdade é que aqueles rapazes, habituados à minha maneira de ser, devem ter percebido na minha voz que eu não agoirava nada de bom e assim era. Naquele momento, o meu coração estava na Mata dos Madeiros e nos camaradas das Transmissões que deixáramos lá de manhã. Felizmente que essa suspeita não se materializou, mas a verdade é que a noite que se aproximava seria longa e muito dolorosa.

Acampamento na Mata dos Madeiros. O Posto de Transmissões estava na tenda montada à esquerda.

Com o Pelotão formado e pronto para receber ordens, fomos informados que houvera um acidente grave na CCaç 2637/BII18, adida ao BCaç 2905, precisamente aquela que iríamos substituir nos Destacamentos de Teixeira Pinto. Um soldado caíra de uma viatura e sofrera um traumatismo craniano grave. Hoje, a esta distância no tempo, não me recordo em qual dos Destacamentos.

Na pista de Teixeira Pinto uma avioneta aguardava a chegada do sinistrado para a evacuação, mas devido ao adiantado da hora poderia ter que levantar voo e regressar a Bissau antes da chegada daquele. Infelizmente foi o que aconteceu e, como alternativa, fizemos uma coluna a Bissau para evacuar o sinistrado.

Honra seja feita a muitos soldados e graduados da minha Companhia que se voluntariaram para fazerem parte da coluna de evacuação que partiu para João Landim. Nesse trajecto foram vistas patrulhas de segurança nocturnas saídas do Pelundo, Có e Bula. A todo aquele aparato de forças bem poderia chamar-se, com toda a propriedade, um aparato de solidariedade humana e militar, só possíveis num exército bem formado, capaz e disciplinado.

Em João Landim, fizeram a travessia do rio Mansoa o sinistrado e uma força suficiente para a sua segurança até ao Hospital Militar. O resto da coluna aguardou o regresso daquela força.

Cerca das duas da manhã, já no dia 18 de Junho de 1971, os militares e as viaturas que tinham ido até ao Hospital regressaram e com eles a notícia que nenhum de nós gostava de receber. O Soldado sinistrado Agostinho Lopes Miranda, natural da Ribeira Seca, Ilha de São Miguel, sucumbira aos ferimentos recebidos no acidente.

Cabisbaixos e pesarosos regressámos a Teixeira Pinto. Os céus, em solidariedade com a nossa tristeza, juntaram as suas fortes e grossas lágrimas às nossas. Tínhamos a consciência do dever cumprido, infelizmente, atraiçoados por uma força muito mais forte que a nossa vontade.

Chegados ao quartel completamente encharcados, exaustos e abatidos pelo drama a que acabáramos de assistir, procurámos refúgio nas nossas tendas inundadas pelas chuvas que caíam insistentemente.

O despontar dos alvores da madrugada não conseguiu trazer luz à escuridão que cobria os nossos jovens corações. Para nós a noite tinha sido muito longa.

No meio do oceano Atlântico, quem sabe se no mundo da emigração, para uma família ficava o vazio deixado pela ausência eterna do seu soldado. Que partira nas vésperas do seu regresso a casa.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9059: Memória dos lugares (163): Mampatá saúda Mampatá (António Carvalho / José Câmara / José Eduardo Alves / Mário Pinto)

Vd. último poste da série de 30 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8964: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (28): Quando os segredos da guerra se tornam em surpresas

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9052: Tabanca Grande (306): José Santos, ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 3326 (Mampatá e Quinhamel, Jan 71/Jan 73)

Guiné > Região de Tombali > Mampatá (?) > CCAÇ 3326 (1971/73) > Ex-1º Cabo Enf José Santos

Foto: © José Santos (2011). Todos os direitos reservados


1. Mensagem, de 14 do corrente, do novo membro da Tabanca Grande, José Santos, que mora em Algés, Oeiras:

Caro amigo Luís Graça, fui 1.º Cabo Enfermeiro da Companhia de Caçadores 3326, de Janeiro de 1971 a Janeiro de 1973 em Mampatá (Aldeia Formosa) e Quinhamel.

Tenho lido algumas descrições da tabanca, e em uma delas fui encontrar o meu colega Brum, rapaz do meu pelotão e que se encontra no Canadá, e a carta foi escrita pela sua filha.

Caro Luís, tenho dois episódios muito significativos para mim, que me ficarão para sempre na minha memória, e são para serem publicados na tabanca caso entendas ok.

O primeiro aconteceu em Mampatá, certo dia estando de serviço à enfermaria cerca das 3 horas da madrugada, foi solicitada a minha presença numa tabanca a fim de dar assistência a uma africana. Quando cheguei encontrei um panorama tremendo, a mulher deu à luz um casal de gémeos que ainda respiravam, e com o estetoscópio verifiquei seus batimentos cardíacos, mas as crianças acabariam por falecer cerca de uma hora depois. A mulher encontrava-se deitada em cima de uma esteira com todo o aparato inerente a uma gravidez.

A mulher teria 7 meses de gestação, mas abortou derivado a ter levado uma tareia do marido. Cuidei dela aplicando-lhe uma injecção de buscopan para as dores, uns comprimidos,  e ajudei a limpá-la pois ainda continha impurezas.

Dias depois de já se encontrar restabelecida, foi ter comigo à enfermaria levar-me uma galinha de mato pelo reconhecimento da forma como a tratei.

O segundo  episódio passou-se em Quinhamel, também uma rapariga apresentava a canela com um buracão, carne esponjosa, ulceração, com as moscas era horrível, levei cerca de 7 a 8 semanas a tratá-la mas ficaria curada.

A seguir a isto tudo, surgiu na enfermaria com uma galinha de mato e uma dúzia de ovos, pela ajuda prestada.

Estes dois casos deixaram em mim imenso orgulho, tanto pessoal como profissional na área da saúde e não só, aliás fui durante 40 anos técnico de farmácia, e um dos meus patrões era enfermeiro diplomado da Cruz Vermelha como seu filho e nora, e aprendi muito com estas pessoas.

Estando em Mampatá fui sempre eu que acompanhava os doentes ao Hospital de Bissau, o capitão não confiava essa missão ao furriel, e assim viajei muito entre a Aldeia Formosa e Bissau.

Amigo Luís Graça,  já nos conhecemos na livraria em Oeiras, e agora vou-te comunicar o seguinte: etou com ideias de ir exercer voluntariado para o Hospital de Cumura, fui convidado por um padre médico que exerce lá esse serviço, já falei pessoalmente com ele, de momento encontra-se cá em Lisboa a fim de recolher medicamentos e material necessário, porque a falta destes é evidente.

Para mim a nível sentimental e profissional é uma enorme alegria, e caso concretize tal acto será sem duvidas poder pôr ao serviço da saúde todos os meus conhecimentos adquiridos, e ajudar e contribuir para as melhoras desta gente tão desprotegida.

Os meus contactos são (...).
 
 Um abraço

Santos

2. Comentário de L.G.:

Deixa-me, camarada José Santos, dar-te as boas vindas em nome de todos os membros da Tabanca Grande que, com a tua entrada, passam a perfazer um total de 526.  Já nos encontrámos, de facto,  na Livraria-Galeria Municipal Verney, em Oeiras, há uns meses atrás. Esse primeiro encontro deu para nos apresentarmo-nos. Depois disso já temos falado (e continuaremos a falar) ao telefone.

Ficas formalmente apresentado aos amigos e camaradas da Guiné que fazem parte deste blogue. Conheces as nossas regras de convívio [, que consta da coluna do lado esquerdo do blogue,] e comprometes-te a colaborar connosco sempre que achares oportuno e necessário.

Para já ficam aqui as tuas primeiras fotos e histórias. Mais tarde falar-nos-á com mais detalhe da tua CCAÇ 3326, e dos sítios por onde andaste. Julgo que és o primeiro da tua companhia a figurar na nossa Tabanca Grande. Se não erro, só tenho uma ou duas referências à CCAÇ 3326.

Aproveito para acrescentar algo sobre esta subunidade (que, tanto quanto sei, era independente):

(i) Foi mobilizada pelo BII 17 (Angra do Heroísmo);
(ii) Partiu para o TO da Guiné em 21/1/1971 e regressou quse 24 meses depois, a 7/1/1973;
(iii) Esteve em Mampatá e Quinhamel;
(iv) Comandante: Cap Mil Art José Carlos de Paula Carvalho.

Seguiu para a Guiné, no mesmo navio, com a CCAÇ 3325 (Guileje e Nhacra), a CCAÇ 3327 (Brá, Bachile, Bassarel, Tite, Bissau), e ainda a CCAÇ 3328 (Bula, Ponta Augusto Barros e Bula). A CCAÇ 3325 era madeirense (BII 19, Funchal), e as restantes, açorianas (BII 17, Angra do Heroísmo). 

domingo, 30 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8964: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (28): Quando os segredos da guerra se tornam em surpresas

1. Mensagem de José da Câmara (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 30 de Outubro de 2011:

Caro amigo Carlos Vinhal,
Junto encontrarás mais uma pequena e simples história das minhas andanças pela Mata dos Madeiros. Os segredos militares, quando bem usados, eram muitas vezes as bases dos sucessos e da disciplina. O Cap Mil Rogério Rebocho Alves usava-os com mestria ponderada.

Para ti e para os nossos camaradas vai um abraço imenso do
José Câmara


Memórias e histórias minhas (28)

Quando os segredos da guerra se tornam em surpresas

No regresso de Bissau a coluna da CCaç 3327 foi pernoitar ao Bachile, sede da CCaç 16. Ali, talvez por falta de instalações ou pela falta de lembrança de quem comandava, não éramos acomodados ou recebíamos instruções de defesa em caso de ataque. Nas poucas noites que ali pernoitei, sempre estranhei esse procedimento.

Independentemente dos motivos que me faziam sentir parte de uma outra guerra, chegada a hora do recolher, acomodei-me, juntamente com os meus camaradas, no alpendre de um dos edifícios ali plantados. A minha amante, como era seu costume, recolheu-se entre as minhas pernas, encostou o seu corpo ao meu e apoiou a sua cabeça no meu ombro. No nosso primeiro contacto surgira um sentimento profundo, aquilo a que bem poderíamos chamar amor à primeira vista. Os adornos, amarrados à minha cintura, pareciam sorrir daquele inocente amor, prontos para ajudar em qualquer pezinho de dança que acontecesse nas imediações.

José Câmara com a sua amante, par inseparável, algures na Mata dos Madeiros

A noite avizinhava-se longa, cheia de visitas indesejáveis. Estas, talvez deliciadas com o meu cheirinho natural e pela falta daquele perfume pestilento, com o qual normalmente me besuntava, eram de tal maneira agressivas que me faziam perceber que não estava necessariamente no paraíso. Mesmo assim sonhei, de olhos bem abertos, com chuvas torrenciais que me levariam a Teixeira Pinto e aos seus destacamentos. Chuvas que só tinham aparecido uma vez e que tardavam em reaparecer.

Passei em revista a minha ida a Bissau. Naquela cidade as pessoas, dentro do possível, tentavam passar pela vida. Eu, ali sentado contra uma parede, só podia fazer pela vida. Não podia aspirar a mais.

Pela manhã, a nossa coluna juntou-se à escolta matinal que viera do acampamento e rumámos à Mata dos Madeiros. Ali ainda não havia notícias quanto à nossa saída daquele lugar. Tínhamos entrado em compasso de espera.

Na noite de 10 para 11 de Junho fomos surpreendidos com outro temporal. Tal como acontecera no primeiro, fiquei extasiado com aquele espectáculo da natureza que tinha tanto de belo como de pavoroso. Os relâmpagos e os trovões deflagravam por todos os lados, o firmamento transformava-se numa autêntica bola de fogo e a chuva caía como um caudal. Esses elementos naturais chegaram repentinamente e com a mesma ligeireza se foram, dando lugar à lua e às estrelas.

Sempre confessei à minha madrinha de guerra o meu fascínio por esses dons da natureza. Desta vez não foi diferente. Mas estas chuvas trouxeram outra novidade, em tudo muito semelhante às primeiras, as que levaram os capinadores a regressar aos seus lares com as primeiras chuvas e às sementeiras do arroz.
Agora, com este novo temporal, foi a vez dos trabalhadores das máquinas recusarem continuar a trabalhar na estrada.
Sobre este assunto escrevi o seguinte:

Mata dos Madeiros, 11 de Junho de 1971
“Há algumas coisas novas por aqui, entre elas a proximidade da nossa saída deste sítio. A minha afirmação é bastante contingente pois que, formalmente, nada se sabe. Falar assim é proveniente da recusa dos trabalhadores das máquinas que estão a trabalhar na estrada, em continuarem os trabalhos.”

Essa recusa, melhor a saída destes últimos trabalhadores da estrada, deixou-nos apreensivos. Sabíamos que sem civis ficaríamos mais vulneráveis. Compreendíamos isso, mas nada se poderia fazer. A nossa ordem de marcha tardava a chegar, ou se existia e alguém sabia dela, neste caso o nosso comandante de companhia, mantinha muito bem o segredo.

Escrever à minha madrinha de guerra não era um passatempo, mas uma necessidade

Por incrível que pareça, na correspondência seguinte, não voltei a tocar na saída da CCaç 3327, diria iminente, da Mata dos Madeiros.

No dia 15 de Junho de 1971, escrevi à minha madrinha de guerra aquele que foi, sem saber que o era, o último aerograma que escreveria no acampamento da Mata dos Madeiros. Sobre a situação militar foi isto que lhe escrevi:

“Cá vai mais este bate estradas ao teu encontro para uma pequena conversa, dando assim algumas notícias minhas. Estas são poucas e sem interesse, daí o serem breves. Por aqui tudo continua bem, felizmente.
Mais uma saída para o mato, sem problemas na ida e no regresso. Isso, por si só, é motivo suficiente de regozijo; aliás, nem poderia ser de outra maneira.”

No dia 16 de Junho de 1971, dois grupos de combate, sendo um deles o meu, saíram normalmente para mais uma acção de patrulha e emboscada com a duração de 24 horas. Como todas as outras que fizéramos antes, esta também correu bem. A surpresa estava reservada para o nosso regresso, na manhã do dia 17.
Ao entrarmos no acampamento, como vinha na frente com a minha secção, reparei de imediato que algo de anormal se passava no acampamento, sobretudo, não vi os grupos preparados para nos substituir no mato. Apesar das minhas observações quase nem tive tempo para perguntar o que se passava.

Que teria sido de mim, de nós, sem a sua protecção

As ordens breves e rápidas voavam por todos os lados. Passar de imediato pela cozinha de campanha, beber o café, levantar nova ração de combate, preparar as malas pessoais, carregá-las nas viaturas, acima de tudo não destruir nada no acampamento. Tudo cumprido sem confusões, sem rasgos de alegria, disciplinadamente. Nessa altura, apenas sabíamos que tínhamos cumprido uma missão e que iríamos embalar noutra.

Ao fim da manhã, a coluna da CCaç 3327 punha-se em marcha a caminho de Teixeira Pinto. Para trás ficava a Mata dos Madeiros, um acampamento intacto, as antenas de rádio montadas e alguns dos nossos camaradas das Transmissões, entre eles o Fur Mil João Nunes Correia, agora protegidos apenas e só por uma das outras forças de intervenção.

Aquilo que deveria constituir um motivo de alegria, a nossa saída daquele inferno, acabava por ser um motivo de grande preocupação. Tudo levava a crer que a nossa missão na Mata dos Madeiros ainda não tinha terminado.
____________

Nota do Editor

Vd. último poste da série de 24 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8597: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (27): Algumas fotos de Tite

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8771: Convívios (373): II Encontro do pessoal da CCAÇ 3327, ocorrido no dia 6 de Agosto de 2011 em Angra do Heroísmo (José Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara* (ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), com data de 8 de Setembro de 2011:

Caro amigo Carlos Vinhal e camaradas,
Um abraço para todos vós.

Na minha recente viagem de férias aos Açores, tive a alegria de assistir a mais um convívio da CCaç 3327.

Desta vez, o encontro teve lugar na casa mãe, o antigo BII17, cujo Comando amavelmente colocou, à nossa disposição, as instalações que todos nós bem conhecemos.

Este convívio que reuniu antigos camaradas, familiares e amigos vindos da Metrópole, de Massachusetts, da Califórnia, do Canadá e de várias ilhas dos Açores, realizou-se no passado dia 6 de Agosto. Toda a organização no terreno ficou a dever-se a um homem extraordinário e um militar exímio, o meu braço direito, o ex-1.º Cabo José Leonardo, da minha Secção. No tempo ficou a nossa amizade, no coração bem poderia dizer que somos irmãos.

Briosos militares perfilados em frente ao Comando do antigo BII 17

O segundo convívio da CCaç 3327 foi delineado desde o primeiro dia para ter alguma inovação em relação ao primeiro e que consistiu em chamar até nós os camaradas das CCaç irmãs 3326 (Mampatá) e 3328 (Bula). O objectivo foi muito bem alcançado e, entre ex-militares e acompanhantes, ultrapassámos em muito aquilo que era esperado. Sempre tivemos em conta as conjecturas da crise económica actual e a falta de continuidade territorial que obriga a gastos muito elevados. Nós, os organizadores, estamos satisfeitos e temos a certeza de que os nossos camaradas também.

Juntaram-se ao nosso convívio em representação do Comandante do antigo BII 17, agora Guarnição 1, o senhor Tenente Moreira e os Sargentos-Chefes Travanca e Chagas que tudo fizeram para que o convívio tivesse o brilho desejado, e ainda um representante da filial terceirense da Liga dos Combatentes.

Esta a única imagem que andou por terras do ultramar em altar na igreja de São João Baptista

A missa esteve a cargo do senhor Oficial Capelão Militar e teve lugar na Igreja de São João Baptista com sede na Fortaleza com o mesmo nome. De seguida, foi depositada uma coroa de flores no monumento que imortaliza os militares falecidos daquela Unidade militar.

Monumento de homenagem do BII 17 aos seus mortos

Desde sempre foi minha intenção fazer um resumo sobre este convívio. Mas não o vou fazer.

Felizmente, comprei o único diário que se publica na cidade da Horta, O Incentivo, com a data de 25 de Agosto. Para minha surpresa, nele vinha inserido um artigo de opinião sobre o nosso convívio. Senti um prazer desmedido ao ler o artigo escrito pelo João Avelar Ventura, natural da Ilha das Flores e a residir na Terceira, outro homem de grande envergadura cívica e militar. Um homem que sempre teve a coragem de deixar falar os seus sentimentos. Sinto orgulho de o ter tido na minha Secção, honra-me a sua amizade.

Os presentes da minha Secção e a partir da esquerda: Ventura, Magno, J.Câmara, Massa, Leonardes

Ao artigo de opinião que transcrevo com a devida vénia a O Incentivo e com a devida autorização do João Avelar Ventura apenas acrescento algumas fotos e respectivas legendas da minha autoria.


Os Nómadas

No passado dia 6 de Agosto comemorou-se, nas instalações do Castelo S. João Batista em Angra, o 2.º Convívio dos ex-combatentes da CCaç. 3327 (Os Nómadas) onde também se integrou ex - combatentes das CCAÇs. 3326 e 3328, foi rezada missa em homenagem àqueles que já faleceram, e dar graças aos que por cá andam. Nesta mesma data foi lembrado os 41 anos e um mês, que estes ex-jovem de todas as ilhas dos Açores deram entrada no BII 17, para cumprimento do serviço militar a que o Regime nos obrigava.

A partir da esquerda - Um bolo, 3 Companhias: Fur Mil Costa (CCaç 3328), Cap. R. Alves (CCaç3327) e Fur Mil J. Bendito (CCaç 3326) preparam-se para cortar o bolo comemorativo do convívio, enquanto o 1.º Cabo J. Sousa testemunha e as meninas preparam o champanhe.

Foi naquela bela Fortaleza que por fora nos parece um lindo conto de fadas, mas para quem teve que entrar no seu interior, mais parecia um início de um filme de terror.

Recordo com saudades a juventude que reinava nas centenas de jovens à espera que os portões se abrissem para entrarem no seu interior, tão escuro e tão frio, que mais parecia o túnel da morte ou para a escravidão às masmorras que ali existem, oficiais e sargentos, com semblante tão carregado, como as pedras que sustentavam as arcadas da muralha, um por um, lá iam gritando os nomes dos mancebos, para lhes aplicarem um número que seria a sua marca bem registada nas fileiras nacionais.

Ao sair para a parada, já de uniforme embora um pouco machucado, tinha já consciência que a hora de ser militar já tinha começado, lá no alto por cima das nossas cabeças, com letras bem marcantes: “ANTES MORRER LIVRE QUE EM PAZ SUJEITOS”; Esta coisa de sujeitos, sempre me acompanhou enquanto militar fui. Éramos sujeitos a várias humilhações, quer pessoais quer psicológicas, em que, nos obrigavam a acreditar que se ia para terras do Ultramar, para defender a nossa Pátria; nem que, os tais sujeitos que queriam a paz, tivessem que morrer...

O som do clarim era o toque da alvorada, todos a correr para a parada marchar; um dois!.. um dois!.. meia volta volver... era o som tão marcante que ainda pressinto ouvir, os berros dos aspirantes a chamarem, aqueles nomes tão bonitos...

O Alf Mil Magalhães e a esposa. Vieram de Brunhoso

Com o passar dos meses já era um militar completo, recruta e especialidade, já era um atirador pronto a jurar sob a Bandeira Nacional, que estávamos ao serviço da Pátria, nem que a morte lhes custasse.

Foi a Guiné o destino destas três Companhias Açorianas, com pessoal especializado em comunicações sargentos e oficiais, esses continentais, dois ou três sargentos dos Açores.

O Alf Mil Almeida e a esposa. Vieram do Porto

Santa Margarida foi o nosso primeiro destino, o gelo e o frio era constante, recordo que, para se tomar o nosso duche tinha que ser a correr que a água era tão gelada que cortava a pele, mas era só a dos soldados. A viagem para a Guiné demorou sete dias, metidos no porão do navio Angra do Heroísmo, mais de seiscentos militares, deitados numas prateleiras que mais pareciam caixotes para armazenamento de batatas, ou então, sardinhas enlatadas. Era assim, a mostra onde tinha chegado a baixeza dos responsáveis pelo governo de Portugal, que esses “tais sujeitos”, pessoas, militares, mártires pela Pátria passaram, mas que ainda alguns podem testemunhar!.. Lá chegamos à Guiné, o calor e a humidade era o já anunciado, mas foi um contraste muito marcante, como a cor dos seus habitantes, a sua cultura, as suas crenças.

José Câmara saudando os presentes

Bissau foi a mossa primeira paragem, só que fomos instalados em tendas de campanha no aquartelamento nos Adidos em Brá para recompor a viagem, ou para que outras Companhias fizessem as malas de regresso a casa, a seguir, cerca de dois meses ainda andamos a fazer guarda de atacadores e luvas brancas, no quartel General onde o Spínola estava muito bem instalado, de nada parecia que estivesse em guerra, a seguir lá nos mandaram subir o rio naquelas jangadas que só se sai pela rampa da frente entre todo o material que uma guerra sustenta, logo percebido que o filme para essa guerra havia começado.

A partir da esquerda: Fur Mil Fermento, Silva, Borges da Silva, Cap. Alves, Parreira (veio da Califórnia) Fur Mil Pinto e Fur Mil Cruz

A zona de Teixeira Pinto era-nos indicada, mas foi o mato o nosso destino, num buraco no meio da Mata dos Madeiros, os “bullbozers” a fazerem terraplanagem, onde foi o campo de concentração da minha Companhia. Teríamos de fazer a defesa, como também a construção de valas e abrigos, barracas que era a nossa tenda de campanha feita com troncos e palmeiras e todo os procedimentos de uma CCaç em plena operação de guerra.

O ladrar das hienas, os gemidos dos macacos confundia por vezes com o estrondo dos morteiros, ou as rajadas das MG, ou G3, ou então o estalar dos motores dos aviões bombardeiros.

O 4.º Grupo de Combate

Para nos aliviar um pouco deste cenário tão real, tínhamos uma grande fé no Sagrado Coração de Maria, esta Santa nos acompanhou toda a nossa estadia na Guiné, como Bissau, Mata dos Madeiros, Teixeira Pinto, Bassarel, Bolama, S João. e Tite. No nosso acampamento tinha uma capela também feita em palmeira, até a procissão das velas lá fizemos, quem nos salvou? Sempre ouvi dizer que a fé, é que nos salva.

Esta Santa regressou connosco só que, ficou um camarada nosso de a entregar no BII 17. Mais precisamente na Igreja de S. João Batista, só que esse camarada já faleceu e não temos qualquer pista do seu paradeiro, se alguem tiver uma pequena luz de onde se encontra esta imagem, seria mais das muitas graças por Ela concebida.

José Câmara com o Fur Mil Pinto. Indiscritível a emoção que senti quando toquei o estandarte da CCaç 3327. 

Uma pequena história para um dia contar.
Concebido e muito bem planeado foi os organizadores desse convívio, agradeço ao amigo José Câmara e Leonardo e todos aqueles que de qualquer forma ajudaram.

Fico um pouco triste, de nada ver nem ouvir, na comunicação social qualquer reportagem sobre estes eventos: mas se fosse Cristiano Ronaldo, José Mourinho, ou então alguns desses “tais Senhores” que nos puseram na bancarrota e que nos tem mentido estes anos todos, esses; que tem feito tantos e tão grandes sacrifícios por Portugal, esses sim; é que tem de ser bem badalados...

Não seria mais sensato mostrar à actual sociedade jovem, que há 30 , 40 ou 60 anos atrás, também havia juventude, só que; o cartão jovem que lhe era oferecido, tinha a finalidade de serem arrancados do seio das suas famílias, e, pela incúria dos governantes, ficaram famílias destroçadas, milhares de jovens a morte bateu à porta; milhares ficaram com deficiências gravíssimas; muitos milhares, regressaram mas com doenças graves, muitas psicológicas, na maioria traumas de guerra, esses ex-jovens, ficarão para a história de um País, na qual a recompensa para esses tais “SUJEITOS” de então não é mais que insignificante; medíocre; insustentável; uma autentica miséria!..

Para todos os ex-combatentes que em terras do Ultramar tiveram que passar lá alguns anos da sua juventude que lhe seja recompensado com muita saúde e anos de vida.

Para esses meus camaradas desta (Nómada C Caç 3327) que essa tal Santinha sem sabermos onde anda, nos continue sempre em nossa companhia.
João Ventura”

Na surpresa do dia, a encerrar o nosso convívio, as senhoras Fátima Ventura e Nazaré Vasconcelos, muito bem acompanhadas pelos presentes, entoaram o hino “13 de Maio”. Foi o abraço de despedida, sempre doloroso, num até pró ano. Será em Fátima se Deus quiser.

Resta agradecer a todos aqueles que, sem rosto, tudo fizeram para que o convívio fosse bem sucedido.

Um agradecimento especial aos Furriéis Victor Costa, Duarte e Adelino Santos da CCaç 3328 e ao Furriel José Bendito da CCaç 3326 pelos esforços feitos para que as suas companhias estivessem condignamente representadas neste convívio.

Também não esquecemos os nossos familiares e amigos que sempre estiveram ao nosso lado.

Um agradecimento muito especial para um grupo de seis familiares que quiseram homenagear um irmão falecido no Canadá, que tinha cumprido o seu serviço militar na Guiné. Só por isso teria valido a pena este convívio.

José Câmara
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 24 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8597: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (27): Algumas fotos de Tite

Vd. último poste da série de 6 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8740: Convívios (366): Tabanca de Guilamilo, 21 de Agosto de 2011: A arte de bem receber da Margarida e do Joaquim Peixoto (ex-Fur Mil, CCAÇ 3414, Saré Bacar e Bafatá, 1971/73)