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terça-feira, 17 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16098: O que dizem os Perintreps (Nuno Rubim) (4): A um mês do 25 de abril de 1974, o IN ataca Canquelifá durante 4 dias, com um grande potencial de fogo, e faz violenta emboscada no itinerário Piche-Nova Lamego a coluna auto (Perintrep 12/74, relativo ao período de 17 a 24/3/1974)


Foto nº 1



Foto nº 2

Foto nº 3


Foto nº 4

Guiné > Zona leste > Região de Piche > Setor de Piche > Canquelifá >  Março de 1974 > A desolação da guerra: a tabanca, depois das violentas e prolongadas flagelações, diárias,  do PAIGC, à tabanca e ao aquartelamento,  à luz do dia, com morteiros 120,  foguetões 122 e canhões s/r,  entre 18 e 22 de março de 1974, e partir de várias direções (, e sobretudo Norte e Leste).

Houve mortos e feridos e graves danos materiais: pelo menos, 1 morto e 5 feridos graves entre as  NT; 3 mortos, 2 feridos graves e 4 feridos ligeiros entre a  População. Essas acções, que devem ter sido dirigidas pelo comandante do PAIGC Manuel dos Santos (Manecas),  revelam um certo "sentimento de impunidade", com o IN escudado nos Strela russos, tentando "engodar" a nossa aviação... Nesta altura, Canquelifá corria o risco de tornar-se a Guileje da zona leste.

Sempre presumi que a base de fogos tivesse instalada do outro lado da fronteira. O Perintrep é omisso fosse este ponto. Mass não, ao que parece era na antiga tabanca de Chauara, a escassos 10 km de X Canquelifá, com o PAIGC entrincheirado, e sua artilharia defendida por sapadores e infantaria... a escassos 4 km a norte, havia outra posição. Sinchã Jidé. No caso de Chauara, o reabastecimento era feito por estrada próxima que vinha do Senegal e atravessava a Guiné-Conacri.


Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné . Todos os direitos reservados.



Guiné > Zona leste > Mapa de Canquelifá (1957) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Canquelifá (NT) e das bases de fogos do PAIGC, em março de 1974: Sinchã Jidé, a 4 km a norte, junto á fronteira com o Senegal, e Chauara, a menos de 10 km, a leste, junto à fronteira com a Guiné-Conacri.


Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


Para aliviar a pressão sobre Canquelifá o batalhão de comandos africanos, a 3 companhias,  realizou a Op Neve Gelada (vd. vídeo no You Tube, da série A Guerra, realizado por Joaquim Furtado), a partir de 21 de março e até ao fim do mês, o  que levou à captura de grande quantidade de material, e provocou 26 baixas mortais entre o PAIGC (incluindo combatentes caucasianos ou não africanos, e nomeadamente enfermeiras, segundo testemunho de Carlos Matos Gomes, que comandou uma das companhias do Batalhão de Comandos Africanos).

Os comandos africanos tiveram 6 mortos e 1 desaparecido. Foi a última grande operação da guerra da Guiné, comandada por Raul Folques. esse bravo e lendário 'comando',  na altura, major.

Em 31/1/1974, tinha sido abatido por um Strela o Fiat-G pilotado pelo ten pilav Victor Manuel Castro Gil, a última aeronave abatida no TO da Guiné, antes do fim da guerra. O pilotop ejectou-se e conseguuiu chegar até tabanca de Dunane. Nesse dia Canquelifá foi flagelada com 50 foguetões, durante 2 horas, que causando sérios prejuízos no aquartelamento: um jipe com canhão s/r foi destruido.
























Documento (digitalizado) por Nuno Rubim (2016) / Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné




Foto: Nuno Rubim (2007). Tem duas comissões no TO da Guiné, a última no QG, já como major. Na primeira comissão comandou duas das unidades que passaram por Guileje: a CCAÇ 726 (out 1964/jul 1966) e a CCAÇ 1424 (jan 1966/dez 1966); trabalhador incansável, é também um bom amigo e um grande camarada, a que pedimos informação e conselho sobre as coisas e os feitos da Guiné; é membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de junho de 2006 (*)

1. Reprodução (parcial) do Perintrep nº 12/74, relativo ao período de 17 (domingo)  a 24 (domingo) de março de 1974.

O Perintrep era uma documento classificado, elaborado pela 2ª Rep/QG/ComChefe/Guiné (chefiada então  por Artur Baptista Beirão, ten cor inf) (1925-2014). Era elaborado a partir de notícias recebidas (Relim) durante um período semanal, indicando-se sempre a origem ou o órgão da fonte da notícia.

Repare-se no nível de segurança: o documento, classificado,  chegava até aos comandantes operacionais (nível de companhia), que o tinham de incinerar no prazo de 72 horas... As informações nele contidas, devidamente selecionadas, podiam ser (ou não)  partilhadas depois com os subordinados, individualmente ou em grupo.

Este documento (cópia nº 36, parcial) chegou-nos às mãos, a nosso pedido, por gentileza do cor art ref Nuno Rubim, investigador, especialista em história da artilharia, e nosso grã-tabanqueiro da primeira hora. O Nuno Rubim tem a coleção toda, digitalizada,  dos Perintrep relativos ao CTIG (*).

Como se pode depreender da leitura deste Perintrep, a um mês do 25 de abril de 1974, no conjunto do TO da Guiné, e deum modo geral,  "atividade de iniciativa IN sofreu quebra considerável tanto no número de ações como na agressividade", se excetuarmos a zona leste, e em particular a parte nordeste do território,  "onde o IN fez incidir o esforço":

(i) flagelação da tabanca e aquartelamento de  Canquelifá (posto administrativo de Piche), diaramente, e durante várias horas, durante o dia, a partir de 18 e até 22 de março,   de várias direções, utilizando foguetões 122, canhão s/r, morteiro 120 (fonte: CCAÇ 3545);

(ii) emboscada a 22 de março, às 7h45, a coluna auto, no itinerário Piche-Nova Lamego, no troço entre  Bentém e Cambajã, por um grupo estimado em 200 elementos; as NT tiveram 5 mortos   5 feridos graves e 11 feridos ligeiros;  foram destruídas 3 viaturas: 1 Chaimite, 1 White, 1 Berliet (fonte: BCAÇ 3883)(**) .

A 22 de março de 1974, um grupo IN, na região de Canquelifá, também abriu fogo sobre sobre dois helis AL III, sem consequências.

Nos restantes zonas (oeste e sul), a atividade IN foi mais reduzida, em nº de ações e agressividade: assinalam-se ações, de iniciativa IN, em Binta (zona oeste) e em Gadamael (zona sul).

______________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 11 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16077: O que dizem os Perintreps (Nuno Rubim) (3): Mais três fotos da "minha" CCAÇ 1424... Numa delas o alf mil inf António Joaquim Alves de Moura, natural de Padronelos, Montalegre, que morreu em combate, "a meu lado com um tiro no coração", a 4/9/1966, em Chinchim Dari, entre Mejo, a sul, Nhabocá, a norte, e Salancaur, a oeste... mais 4 topónimos do nosso martirológio de Guileje

(**) Vd. poste de  12 de maio de  2016 > Guiné 63/74 - P16079: Caderno de Notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (45): A brutal emboscada do dia 22/3/1974, na estrada (alcatroada, construida pela TECNIL ) Piche-Nova Lamego: só por negligência, propositada ou intencional ou casual, estes casos podiam acontecer... É coincidência apenas, ou as Forças Armadas só já estavam preocupadas com outros valores?...

sábado, 17 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)


Guiné > Mapa da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Posição relativa de Copa e canquelifá junto à fronteira com o Senefgal e a Guiné-Conacri.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Mensagem do nosso editor LG, enviado ao José Vicente Lopes, em 15 de janeiro de 2015  13:22 (*)

Caro amigo José Vicente:

Aqui tem uma versão, em primeira mão dos acontecimentos. O José, no seu artigo, parece sugerir que a execução sumária do Jaime Mota tenha sido obra do Marcelino da Mata e do seu grupo [, que esteve ne zona de Copá em março de 1974, e não em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá]...

Tudo aponta para que o Jaime Mota tenha sido abatido pela  CCAÇ 21, unidade regular do exército colonial, constituída apenas por graduados, especialistas e praças do recrutamento local. Não confundir com o batalhão de comandos africanos. A CCAÇ 21 era uma unidade de intervenção, ao serviço do Comando Operacional da Zona Leste. A CCAÇ 21 estava sediada em Bambadinca.

Nesta ação (Minotauro) estão envolvidos dois grupos de combate, comandados por antigos oficiais comandos graduados, fulas, os alferes Aliu Candé e Braima Baldé, que serão torturados e executados pelo PAIGC em 1975, tal como o comandante da companhia, o tenente graduado Abdulai Jamanca, e um antigo soldado da minha CCAÇ 12, o Abibo Jau. Entre outros...

Eu tenho um especial afeto por Cabo Verde (onde o meu pai foi expedicionário, em 1941/43, Mindelo, São Vicente,  e onde tenho bons amigos). Tenho também um grande carinho pela Guiné e as suas gentes. O meu/nosso blogue "faz pontes" há mais de 10 anos...

Um abraço. Luis Graça


Guiné > Zona leste > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > Foto 6 - O Furriel Ventura em ambulância capturada ao PAIGC" [, entre Copá e a fronteira, em Março de 1974, pelo Grupo do Marcelino da Mata e o Astérix, nome de guerra do Cap Pára-quedista do BCP 12, António Ramos, já falecido]


Guiné > Zona leste > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > Foto 4 > Viatura [, Berliet,] minada na emboscada de 7 de Janeiro de 1974.


Fotos do álbum dfe Amílcar Ventura, ex-Fur Mil Mec Auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74), natural de (e residente em) Silves.

Fotos (e legendas): © Amilcar Ventura (2009). Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]


2. Resposta do  jornalista e escritor José Vicente Lopes:

Data: 15 de janeiro de 2015 às 19:40

Assunto: Canquelifá 74

Meu caro Luis Graça:

Uma vez mais agradeço a ajuda para o esclarecimento deste caso - a morte de Jaime Mota e dos outros dois combatentes do PAIGC, um cubano e outro guineense. Tudo parece apontar que a operação Minotauro é realmente o mesmo episódio por mim reportado no meu artigo de "A Nação", reaproveitado pela Fundação Amilcar Cabral. 

A história chegou ao meu conhecimento através de várias fontes do PAIGC; como jornalista, na altura, procurei outras possiveis fontes, neste caso portuguesas,para um equilíbrio dos argumentos de um e doutro lado. Cheguei a recorrer ao vosso blogue e outros meios, o que levou a aproveitar alguns relatos que pareceram estar relacionados com esta história há muito perdida nas brumas da memória - daí a menção a Marcelino da Mata que nessa altura, pelo que me pude dar conta, actuava também na região de Canquelifá. 

Um dos meus informantes, o comandante cabo-verdiano Joaquim Pedro Silva (Baró), que também actuou na Guiné, sendo um dos primeiros responsáveis do PAIGC a chegar a Bissau em 1974, juntamente com Julião Lopes, relatou-me que ouviu pela primeira vez do "martírio" de Jaime Mota através de um oficial militar português já em Bissau que terá assistido ao triste episódio. 

Uma outra fonte, também antigo guerrilheiro cabo-verdiano do PAIGC, António Leite, o tal que se refere à "forquilha", diz que ouviu isso de populares quando ele e outros mais guerrilheiros se abeiraram do povoado e tomaram conhecimento ao que se tinha passado com os três combatentes mortos. 

Amâncio Lopes, que escapou com vida da emboscada, e que comandava o tal grupo de 7 homens, também fala na tortura de Jaime Mota e entende, inclusive, que o comandante desse quartel é o responsável por essa suposta tortura, um "crime de guerra",  a ser isso verdade. 

Todos os meus informantes estão convencidos que essa foi uma operação de "comandos africanos", quando, pelo que deduzo do material que me enviaram, ter se tratado e uma CCaç com soldados guineenses [, a CCaç 21]. Aliás, como a vossa própria fonte refere, no passado, terá havido a prática de seviciar prisioneiros. Eu, como calcula, tenho de lidar com o que diz os dois lados. 

Note-se que esta foi a primeira vez que alguém em Cabo Verde, neste caso o autor destas linhas, procurou indagar das condições de morte de Jaime Mota, cuja existência tomei conhecimento de forma incidental. 

Tudo mais que que você e os seus companheiros tiverem e quiserem compartilhar comigo,  estarei ao vosso inteiro dispor. 

Subscrevo-me com um forte abraço, desejando a todos um bom ano. 

JVL


PS - Volto a perguntar-lhe onde poderei obter o tal livro [, do Amadu Bailo Jaló] a que se refere num dos emails. E, já agora também, se pode dizer-me onde poderei encontrar material sobre os cabo-verdianos na guerra da Guiné, não importa se do lado do PAIGC ou de Portugal. Como já deve ter dado conta não tenho uma visão unilateral ou maniqueista da história. Pela minha idade escapei da guerra colonial, sou dos primeiros "historiadores" a procurar dar uma visão aberta acerca da história contemporânea de Cabo Verde e de outras antigas colónias. Um exemplo disso foi o meu livro sobre o Tarrafal, "Tarrafal-Chão Bom, Memórias e verdades", que deixou muita gente indisposta, mas isso não é problema meu, foram os dados a que tive acesso.




Cabo Verde >  Ilha de Santiago >  Cidade da Praia > Quartel Jaime Mota > 2012 > Imagem do domínio público, cortesia da Wikimedia Commons.


3. Segundo mail do nosso editor LG, com data do mesmo dia:


Obrigado, amigo, acho que nos move a ambos a vontade de esclarecer a verdade, sem preconceitos, sem ideias feitas, sem ressentimentos... Ambos temos formação científica, você em história, eu em sociologia e em saúde pública... Para além do mais, temos profissões (você jornalista e eu investigador social e professor) com exigências éticas e deontológicas acrescidas... Claro que você não fez a guerra colonial, e ainda bem...

De qualquer modo, pessoas como nós, temos a obrigação de ajudar a geração que fez a guerra, de um lado e do outro, a fazer as contas com o passado e a transmitir às gerações seguintes uma visão positiva da nossa história partilhada... Como eu costumo dizer em relação aos meus camaradas que integram esta "tabanca grande", virtual, cabemos aqui todos com tudo o que nos une e até com aquilo que nos separa. E nem todos são ex-militares...

Há mais de 10 anos que, neste blogue, procuro põr os antigos combatentes , a juntar as "pontas", a salvaguardar e partilhar as suas memórias, a fazer pontes entre os dois lados...Estive em 2008, no Simpósio Internacional de Guileje, a convite do meu saudoso amigo Pepito, mas foi pena que nessa altura, os antigos combatentes do PAIGC, oriundos de Cabo Verde, não tivessem podido viajar até Bissau por razões alegadamente de segurança: Nino ainda estava no poder...

Obrigado pelos seus esclarecimentos que, não havendo objeção da sua partem, irei partilhar com os leitores do nosso blogue. Oxalá apareçam outras versões de quem presenciou os acontecimentos em questão, e que estava em Canquelifá por esses dias de janeiro de 1974, nomeadmente antigos militares, guineenses, da CCAÇ 21, e antigos militares, metropolitanos da CCAÇ 3545, comandada pelo capitão de infantaria miliciano Fernando Peixinho de Cristo. Seria importante igualmente identificar e localizar o oficial médico (, possivelmente alferes miliciano) que terá vindo de Nova Lamego para reconhecer os cadáveres dos dois guerrilheiros mortos, que não eram guineenses (um dos quais seria o Jaime Mota).

Boa saúde, bom trabalho. Luís Graça

PS - Quanto ao livro que me pede, não sei se está esgotado, mas vou empenhar-me em arranjar um exemplar. Até à data é o único escrito (com a ajuda do meu camarada e amigo Virgínio Briote) por um antigo comando africano, do batalhão de comandos africanos (a que o Marcelino da Mata não pertencia!). O Amadu Bailo Jalô, fula, infelizmente bastante doente, é um muçulmano com elevados valores morais e uma conduta que me parece exemplar do ponto de vista militar e humano. Andou na guerra desde 1962 até 1974... Temos, no nosso blogue.  o descritor Amadu Djaló com quase 50 referências.

Sobre combatentes caboverdianos... Temos bastantes referências a Cabo Verde... E eu gostaria de ter ainda mais... Ocorre-me, desde já dois ou três nomes: Barbosa Henriques, António Medina, Manuel Amante da Rosa (, que pertenceram ao exército português).

O Barbosa Henriques foi ofiicial do exército português e instrutor da 1ª companhia de comandos. Conheci-o pessoalmente, em Fá Mandinga e em Bambadinca. Acho que era da Brava, tenho que confirmar...

O António Medina vive hoje nos EUA, e fez a guerra, em 1963/65... É de Santo Antão.  Esteve no BNU de Bissau até 1974 e é primo do Agnelo Medina Dantas Pereira, que foi comandante do PAIGC... Encontraram-se em Bissau, após o 25 de abril... Uma história bonita, veja aqui.

 Tenho também aqui um bom amigo e camarada, que é hoje o vosso embaixador em Itália, o Manuel Amante da Rosa.

... E há muitas mais referências a Cabo Verde (mais de 170)...Incluindo fotos do meu pai, Luís Henriques (1920-2012), expedicionário no Mindelo (em 1941/43)... E, mais recentemente, do meu fiho que foi lá tocar no Festivel Sete Sois Sete Luas... (João Graça, da banda Melech Mechaya) (...).

 4. Mail do José Manuel Matos Dinis, com data também de 15 do corrente:

Viva,  Luis!

Obrigado pela tua vontade de me manteres a par deste caso. Recordo agora, que há poucos dias o Blogue publicou um episódio ocorrido em Copá, acho que em data coincidente, mais dia, menos dia. Nós sabemos que o Marcelino chegou lá imediatamente a seguir, ou iria na coluna de reabastecimento que caíu na emboscada. Sabemos, ainda, que logo a seguir foi abatido um avião em Copá, e Marcelino foi buscar uma ambulância IN algures na fronteira. 

Não sei quanto tempo decorreu entre essas datas. A distância entre Copá e Canquelifá é de cerca de 12 km, e, que havendo informações sobre um ataque a Canquelifá, não seria dificil proceder a um patrulhamento, com uma ou mais unidades em coordenação. Assim, se o Virginio comparecer na próximo encontro da Magnífica Tabanca da Linha, no dia 22, pode ser que perante uma abordagem, o Marcelino possa confirmar, se esteve ou não envolvido nesse caso e, em caso afirmativo, possa produzir um esclarecimento. Também o Francisco Palma, parece-me, terá pertencido a essa Companhia, mas podia já ter sido evacuado. Vou indagá-lo.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Guiné 63/74 - P14150: Casos: a verdade sobre... (1): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte I (Virgínio Briote / Amadu Djaló / José Vicente Lopes)



[Foto à direita: Jaime Mota, 34 anos, combatente do PAIGC, natural de Cabo Verde, Pim, Ilha de Santo Antão, morto em combate, em 1974. Reproduzida,  com a devida vénia,  do sítio da Fundação Amílcar Cabral, Praia, Cabo Verde]:



1. Mensagem de 13 de Junho de 2014 às 11h01, do jornalista e escritor de Cabo Verde José Vicente Lopes:

Prezados senhores:

Chamo-me José Vicente Lopes, sou jornalista, cabo-verdiano, e tenho investigado a história recente de Cabo Verde (e um pouco da Guiné), com alguns livros já publicados, casos de Os bastidores da independência e Aristides Pereira, Minha vida, nossa história.

Recorro à vossa comunidade/préstimos para o seguinte: em 7 de Janeiro de 1974, na zona de Canquelifá, na Guiné, numa emboscada, morreu o cabo-verdiano Jaime Mota, um cubano e um guineense, do PAIGC.

Em primeiro lugar, gostaria de saber quem era o comandante do quartel dessa zona.

E,  se possivel,  também se alguém me saberá dar conta do que realmente se passou com os três individuos. O cabo-verdiano, sei, foi capturado vivo e depois morto pelos Comandos Africanos que o aprisionaram.

Grato desde já pela vossa colaboraçao me despeço atenciosamente

JVL

PS - tentei mandar a mesma mensagem para Luís Graça, mas parece que o email tem algum problema.




Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 > Em primeiro plano, o Virgínio Briote e o Amadu Djaló, um e outro muito acarinhados por todos. Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu, estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente, levantada pelo Amadau, outro homem sábio, africano:

 "Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...

Vai daqui um grande abraço fraterno para os dois, e com votos de bem sucedida recuperação, para o Amadu Djaló,  da grave crise de saúde que o levou recentemente a ser internado no Hospital Militar, no Lumiar e onde continua, em tratamento.

Foto (e legenda): © Luis Graça (2010). Todos os direitos reservados

2. No dia 8 do corrente, o nosso editor Luís Graça reencaminhou a mensagem supra, para o Virgínio Briote, com o seguinte pedido:

Tenho este assunto "emperrado" desde junho de 2014, por falta de tempo (para uma pesquisa mais demorada)... Mas gostava de responder ao jornalista José Vicente Lopes...

Na pag. 269, do livro do Amadu Bailo Djaló ("Guineense, Comando, Português", Lisboa, Associação de Comandos, 2010), há uma referência à Ação Minotauro. que se realizou em 7/1/1974 (nota de rodapé, da tua autoria, como todas as outras)..

Nessa ação o Amadu refere a morte de 3 guerrilheiros, "um cubano e dois fulas" (sic), que foram depois transportados para Canquelifá. Foram apanhadas as respetivas armas e um rádio, nosso, que tinha sido perdido em 23/12/1971...

Nesta altura, o Amadu já está na CCAÇ 21, comandada pelo tenente 'comando' graduado Abdulai Jamanca, e que foi reforçar Canquelifá (onde estava, como unidade de quadrícula, a CCAÇ 3545, comandada pelo cap mil inf Fernando Peixinho de Cristo).

O jornalista José Vicente Lopes quer apurar a verdade (e nós ainda mais) sobre o que se passou:

(i) "a 7 de Janeiro de 1974, na zona de Canquelifá, na Guiné, numa emboscada, morreu o cabo-verdiano Jaime Mota, um cubano e um guineense, do PAIGC";

(ii) "gostaria de saber quem era o comandante do quartel dessa zona" (...) também se alguém me saberá dar conta do que realmente se passou com os três indivíduos"

(iii) O cabo-verdiano, sei, foi capturado vivo e depois morto pelos Comandos Africanos que o aprisionaram"...


Apelo à tua memória e às longas conversas que tiveste com o Amadu para a elaboração do seu livro de memórias... E, a propósito, espero que ele se recomponha da situação de doença que o levou recentemente ao hospital militar...

Em tempo: pelo que conhecemos do Amadu, ele seria incapaz de confundir um fula com um caboverdiano. E. se facto, houve uma execução sumária (, coisa que me parece pouco provável), o Amadu ter-te-ia seguramente referido esse facto.  Nesse dia, Canquelifá foi atacado em força (bem como Copá), facto que é referido pelo Amadu (p. 270): os 3 corpos foram trazidos para Canquelifá e, durante um intervalo dos bombardeamentos, sepultados junto à pista de aviação...

Um abraço fraterno. Luis

PS - Tomo a liberdade de dar conhecimento ao jornalista dos factos que entretanto apurei bem como do teor desta nossa conversa. Entretanto, lê a versão, repleta de pormenores macabros, sob o título "O martírio de Jaime Mota", que o jornalista publicou, no jornal A Nação, 20/1/2014, e reproduzido no sítio da Fundação Amílcar Cabral

3. No mesmo dia, o jornalista mandou-nos a seguinte mensagem:

 Obrigado pela resposta, ainda que tardia, já que tive de avançar com o artigo publicado, como diz o texto em anexo, no jornal A Nação. O texto republicado pela Fundação Amilcar Cabral, como se terão apercebido, é meu, está muito maltratado, por gralhas, nalguns casos perfeitamente identificáveis. 

Tirando isso, este é um assunto que continua a interessar-me já que estou a escrever sobre a presença de cabo-verdianos na guerra da Guiné. Tudo indica que a operação por vós relatada, a 7 de Janeiro, é a mesma da morte de Jaime Mota, do tal cubano e mais um guerrilheiro guineense. Efetivamente, Jaime Mota era cabo-verdiano, sendo negro/mulato é possivel que tenha sido tomado por fula.  

Gostaria de ter o livro [. do Amadu Bailo Jalé,] a que se refere na vossa resposta. Como poderei obtê-lo? 

Um bom ano a todos e continuaçao de sucessos no vosso trabalho. 

JVL 

4. No mesmo dia fiz o seguinte pedido ao Virgínio Briote:

Vb:

Aqui tens a resposta do jornalista que é também o autor do artigo republicado na Fundação Amílcar Cabral... O artigo, lido por alto, parece-me muito fantasioso, baseados em fontes (?) pouco credíveis ("  dados obtidos por Joaquim Pedro Silva, Baró,  especialmente junto de um piloto português, que vivenciou aquele momento")...  

A cena da tortura e da morte do tal Jaime Mota parece-me ser "cinematográfica" demais para ser verdade... A captura, tortura e execução do Jaime Mota é, parece-me,  erradamente, atribuída ao grupo especial de Marcelino da Mata [ "Os Vingadores, que não me parece estar em Canquelifá nessa data, mas sim em março de 1974, quando é apanhada uma ambulância do PAIGC que transportava armamento].

Tu conheceste o Abdulai Jamanca, do tempo dos comandos do CTIG (1965/66)... Pergunto se era homem e militar para autorizar esta barbárie ? A CCAÇ 21 só tinha militares guineenses, incluindo graduados e quadros especialistas, alguns deles da minha antiga CCAÇ 12, já com grande experiência operacional...

Mandam as boas regras da investigação social o respeito por 2 regras básicas: (i) a triangulação de fontes e versões dos factos (princípio do contraditório); e a (ii) saturação  da informação (o que implica ouvir várias versões, e se possível complementares, dos acontecimentos) ...

Acho que é importante manter a ponte com Cabo Verde, país irmão, e neste caso com este jornalista e escritor que eu não conheço, mas que se interessa (e ainda bem!) pela historiografia da presença cabo-verdiana nas fileiras do PAIGC durante a guerra colonial na Guiné, presença sobre a qual temos falado pouco no nosso blogue. 

Seria interessanet poder mandar-lhe o livro do Amadu ou cópia da parte que lhe interessa... Que me dizes ?... Ab. Luis


5. Em conversa telefónica, há uns dias atrás o Vb prometeu fazer ume entrevista, gravada,  com o Rachid Bari, que foi soldado das transmissões da CCaç 21 e participou na Ação Minotauro. Ele vive na região de Lisboa (Belas, Sintra).  O testemunho dele já me foi entregue ontem, pelo Vb, para ser publicado no poste a seguir.

_______________

Nota do editor:

(*) Excertos de "O martírio de Jaime Mota", de José Vicente Lopes. (Reproduzidos, com a devida vénia, do sítio da Fundação Amílcar Cabral, Praia, Cabo Verde. (Seleção e fixação de texto: LG]

(...) Jaime Mota figura na galeria dos heróis cabo-verdianos tombados na luta pela independência da Guiné e Cabo Verde, sob a égide do PAIGC, gesta esta que, no caso deste arquipélago, completa, no próximo sábado, 39 anos. Os seus restos mortais foram traslados para o país natal, quinze anos depois, em 1991, juntamente com as ossadas de outros dois combatentes, Justino Lopes e Zeca Santos.

Tirando isso, fora o facto de seu nome ser patrono de um quartel militar na cidade da Praia, pouco ou nada se sabe acerca desse Cabo verdiano, Jaime Mota, nomeadamente, das circunstâncias em que a sua morte aconteceu. Até companheiros seus de armas, que com ele estiveram, pouco ou nada sabem do que aqui se vai relatar.

Osvaldo Lopes da Silva, por exemplo, de quem Jaime Mota era muito chegado, ao ponto de dar o nome desse companheiro ao seu filho, sabe apenas que o mesmo foi ferido e morto em combate. Álvaro Dantas Tavares, mesma coisa, já que a morte desse patrício deu com ele fora da Guiné. E escusado será perguntar às gerações mais novas, de 50 anos para baixo, por que razão Jaime Mota é herói cabo-verdiano.

Jaime Mota, conforme os dados recolhidos para este artigo, foi capturado vivo, a 7 de Janeiro de 1974, no nordeste da Guine, quando, juntamente com outros guerrilheiros do PAIGC, entre eles o também cabo-verdiano Amâncio Lopes, se preparava para fustigar com a sua artilharia o quartel de Canquelifá, na zona de Pirada e Pitche, região de Gabu, fronteira com o Senegal, quando, de repente, se viram sob fogo cerrado. Na hora, tombaram um artilheiro cubano e um combatente guineense. Os demais elementos, lá conseguiram escapulir, deixando para trás Jaime Mota, que terá sido atingido também. Embora não mortalmente.

Os dois cabo-verdianos Amâncio e Jaime faziam parte do grupo de antigos emigrantes de Santo Antão mobilizados em Moselle, França, para um desembarque em Cabo Verde, depois de treinados em Cuba, onde permaneceram de 1965 a 1967. Gorado o plano, o grupo de 31 cabo-verdianos, entre eles uma mulher, é encaminhado para uma nova formação, desta feita, na então União Soviética (Rússia).

A entrada de cabo-verdianos nas frentes da Guiné, sobretudo na artilharia, a par de morteiristas e artilheiros cubanos, é um dos factores que vão ajudar a imprimir à guerra naquele território um novo tipo de confrotação, até então baseada em acções típicas de guerrilha, de “morde e foge”, como diria Che Guevara. Com recurso à artilharia, os confrontos directos, quase corporais, deixaram de ter lugar, com bombardeamentos à distância, de vários quilometros, das posições do inimigo, com muito menos baixas humanas da parte da guerrilha. (...)

CANQUELIFÁ, OUTRO INFERNO

Não muito de longe de Copá, a cerca de 12 quilómetros, estava Canquelifá, onde Amâncio Lopes, Jaime Mota e outros guerrilheiros de PAIGC actuavam, com peças de artilharia. Aqui, em Canquelifá, uma outra testemunha portuguesa, também soldado, relata que, no dia 7 de Janeiro (o mesmo dia da morte de Jaime Mota, nota-se), é emboscada uma coluna de viaturas, que ia levar alimentos a um pelotão acampado no quartel de Copá, sito a 21km de Bajocunda, na qual morreram dois soldados o Sebastião Dias e o José Correia e duas (viaturas) Barliets foram destruídos: “ uma rebentou uma mina e a outra ardeu”. (..)

O DIA FATAL

Amâncio Lopes conta que, embora Jaime Mota fosse, inicialmente, de uma outra frente, integrando a unidade de Osvaldo Lopes da Silva, depois da operação Guilege, no Sul, pede para ir juntar-se a ele; Amâncio, no Leste, tendo em conta a velha amizade que havia entre os dois, desde os tempos de Mossele. “ É assim que ele chega ao Leste e faço dele meu companheiro de reconhecimento”, acrescenta Amâncio. “ No dia 3 de Janeiro de 1974, vamos para a operação de Canquelifá, que corre bem. No dia 7, voltámos ao mesmo quartel e cometemos um erro que foi fatal para Jaime e outras pessoas”. 

“Quando se ataca um quartel”, explica aquele antigo guerrilheiro, “ não é aconselhável voltar ao mesmo lugar num curto espaço de tempo, salvo se deixarmos tropas no terreno a controlar a situação. Ora, três ou quarto dias depois, regressaremos para atacar o mesmo quartel, no que fomos surpreendidos e o Jaime caiu”. 

É que, detectada a presença do grupo do PAIGC, um pelotão de comandos africanos acaba por surpreendê-lo pela retaguarda, precisamente no momento em que Amâncio, Jaime e os restantes guerrilheiros procediam à recolha de dados para mais um bombardiamneto ao quartel de Canquelifá, como atrás descrito pelas fontes portuguesas. “ Canquelifá era um lugar perigoso, aí sempre perdemos gente. Uma vez, os tugas nos tomaram um morteiro 120 mm”, recorda Amâncio Lopes.
Como atrás foi dito também, na zona, actuavam os comandos africanos, capitaneados por Marcelino da Mata, embora houvesse vários outros grupos desse tipo de unidade especialmente treinada para a contra-guerrilha.  (...)

EMBOSCADA FATÍDICA

Regressando ao fatídico 7 de Janeiro de 1974, Amâncio Lopes recorda que o Cubano – um oficial da artilharia cujo nome não se recorda - foi para a operação à revelia dos guineenses e cabo-verdianos presentes. “ Tínhamos ordens expressas de que os cubanos não podiam ir para a frente de combate. Cabral era taxativo quanto a isso: ele não queria simplesmente. Recebíamos ajuda e apoio deles, mas, para a frente, não deveriam ir, porque a guerra na Guiné era assunto nosso, dos guineenses e do cabo verdianos. Mas o cubano, nesse dia, insistiu, a pessoa que nos estava a chefiar não teve pulso para lhe dizer não, ele foi e caiu”. 

Cabral, realmente, não queria repetir o que acontecera a Pedro Peralta, um capitão cubano, preso em combate, em Novembro de 1969, no Sul da Guiné, constituindo essa a prova cabal da presença de estrangeiros nesse território, um facto explorado por Lisboa na sua propaganda contra os “comunistas” do PAIGC. Além disso, no decorrer da guerra, tinham já morrido vários outros internacionalistas cubanos, o primeiro doa quais, Félix Barriento Loparte, em 2 de Julho de 1967, no ataque do quartel de Melle, facto que provocou em Cabral “ uma profunda dor”, conforme testemunhas de Oscar Oramas.

No caso em apreços, a emboscada fatídica, segundo Amâncio, aconteceu já no fim da tarde, quando ele e os seus homens aguardavam que escurecesse um pouco mais para procederem ao bombardiamento do quartel de Canquelifá e, como era hábito, desaparecerem rapidamente do terreno. “ Sentámo-nos. Estávamos a comunicar, o Cubano sentou-se numa bagabaga (formigueiro), o Jaime sentou-se também um pouco atrás de mim, o radialista guineense também havia mais três elementos do meu staff para defenir a direcção do fogo (só na artilharia, éramos uns sete ou oito elementos). Nisso, sentimos tiros. Na fuga, eu ensaio ir numa direcção, no que um dos guineenses me grita, aflito, ‘ por ai não, camarada Amâncio, porque o tiro está a vir dessa direção!' '’

“ Invertemos a fuga; no recuo, verificámos que nem o Jaime nem o cubano estavam connosco. Mandei toda gente parar e eu disse: ‘Faltam-noe o Jaime e o cubano’. O artilheiro guineense me diz: ‘ camarada Amâncio, na direcção em que o Jaime e o Cubano ficaram, não há chance… se você quiser ficar também… Pense bem. Não podemos voltar, porque se o fizermos será a nossa morte também”. 

Chamado á razão pelos demais elementos do grupo, Amancio diz que teve de se render á evidência.

António Leite, que estava em Cundura (região fronteira da Guiné Conakry), recorda-se de se ter deslocado ao local, juntamente com um outro oficial cubano, de nome Gouveia, para se inteirarem do que se tinha passado, “ Eu e esse cubano quando lá chegamos, no dia seguinte à notícia, não encontrámos absolutamente nada, a não ser alguns rastos de presença deles e do confronto tido”.

O FIM TRÁGICO DE JAIME MOTA

Será depois do 25 de Abril que Amâncio Lopes e outros cabo-verdianos, que estiveram nessa zona da Guiné-Bissau, ficarão a saber dos pormenores do que se passou com Jaime Mota, após a sua captura. Este, segundo os dados obtidos por Joaquim Pedro Silva, Baró,  especialmente junto de um piloto português, que vivenciou aquele momento, foi capturado vivo pelos comandos, quando viram que o Jaime era cabo-verdiano, torturaram-mo, massacraram-no, de todas as formas. Indo até às últimas consequências”.

Ainda de acordo com o tal piloto, diz Baró, uma das coisas que fizeram ao prisioneiro cabo -verdiano foi abrir-lhe a barriga com punhal.

Àgnelo Dantas, que também recolheu informações sobre o episódio, já que na altura também estava no Leste como comandante, conta igualmente que na emboscada o cubano é morto de imediato, o Jaime é ferido. “ Capturado, é arrastado, torturado pelos comandos africanos e uma das coisas que lhe fizeram foi cortar-lhe os testículos”.

António Leite especifica que Jaime foi ferido numa perna e, neutralizado, os seus captores improvisam uma forquilha com galho de um arbusto, que lhe amarram ao pescoço e a arastam até ao local onde acabam por o matar.

Mas, antes disso, segundo Agnelo e Baró, o prisioneiro foi tambem chicoteado; o chicote feito de pele humana ou por genitais de hipopótamo era uma arma muito utilizada pelos comandos africanos nas suas acções. No fim desse suplício, o corpo do guerrilheiro cabo-verdiano foi esquartejado, num ritual ainda hoje comum entre certas etnias guineenses, bastando para isso lembrar o que aconteceu a Nino Vieira em 2009. 

(...) Amâncio Lopes diz que, embora o acto tenha sido cometido por comandos africanos, é ao comandante do quartel de Canquelifá, um português cuja identidade nunca consegui saber, a responsabilidade pelo sucedido. Para todos os efeitos, salienta, “ o Jaime era um prisioneiro de guerra e, nessa qualidade, devia ter sido tratado”.  (...)

ÓDIO AOS CABO-VERDIANOS

Quanto ao ódio dos comandos guineenses aos cabo-verdianos, Agnelo Dantas tem a seguinte leitura: “ Eu tenho a impressão de que todo aquele pessoal que estava do lado de lá tinha ódio aos cabo-verdianos. Os comandos, talvez mais, por que eram instruídos nesse sentido. A política do Spínola era essa, apontando Cabral sempre como cabo-verdiano”. 

Osvaldo Lopes da Silva diz que o ódio entre os comandos e os combatentes do PAIGC era recíproco. “ As posições de um lado e doutro eram muito radicais. Eu, dos anos em que lá estive, vi vários prisioneiros portugueses, brancos, que eram tratados lindamente; agora, prisioneiros comandos africanos, isso nunca vi; apanhados, eram logo despachados pela nossa gente guineense. De modo que, tendo capturado o Jaime, eles também não estiveram pelos ajustes, ainda por cima um cabo-verdiano”. 
 
UM HOMEM DE TERRENO

Recordando o velho companheiro, Amâncio Lopes diz que, até hoje, não se conforma por ter perdido naquelas condições. “ Ainda hoje, não consigo explicar como é que Jaime e Cubano forma apanhados naquilo”, lamenta. “ Eu e o Jaime éramos como dois irmãos”. Osvaldo Lopes da Silva diz-se também muito chagado a Jaime Mota. E, ainda que involuntariamente, sente-se associado á morte do velho camarada. 

“ Estivemos juntos, primeiro, no Sul, em 1969, na minha unidade; em 1970, fui para o Leste, como comandante de artilharia e ele também; depois fomos para a Marinha, em Conakry, e de lá fomos para uma formação na União Soviética; no regresso, entendemos que já não dava para voltar de novo para a Marinha, como pretendia Cabral, porque o ambiente era claramente hostil aos Cabo-verdianos. Aliás, como se vem a verificar pelo 20 de Janeiro, o centro da conspiração era lá na marinha;  juntos, fomos de novo para Sul e, em Maio de 1973, estamos na operação Guilege. Logo de seguida, depois da tomada deste quartel, vou para Gadamael e ele fica no Sul, comigo em Gadamael, sou chamado para uma missão à Líbia, da qual regresso pouco depois; nisso, nesse meio tempo, passou a constar entre os combatentes que eu tinha sido transferido para o Leste. E é assim que o Jaime larga a sua unidade, no Sul, para ir ter comigo no Leste, mas, lá chegando, não me encontra, fica junto de Amâncio, outro grande amigo dele, e vão para essa tal operação, em que ele acaba atingido” .

“ O Jaime”, conclui Lopes da Silva, “ era um bocado destemido, um pouco indisciplinado também, tanto assim que larga a unidade dele no Sul e vai para o Leste, por sua própria conta. Era um bocado senhor de si, não admitia abusos, a única pessoa que o continha era eu. Como eu, ele também não gostava de Conakry, era claramente um homem de terreno”.

Honório Chantre recorda o seu conterrâneo como um homem muito ponderado e seguro. “ O Jaime não foi tropa portuguesa, mas tinha uma formação militar muito sólida, esteve em Cuba, na União Soviética e tinha a experiência de combate adquirida no terreno da Guiné. Era um combatente, digamos, normal, mas muito seguro. Juntamente com Amâncio e o Bibino, ele tinha a quarta classe daquela tempo, feita nos anos quarenta ou cinquenta, ao contrário de alguns colegas de Santo Antão que foram alfabetizados por nós em Cuba. Sem dúvida que essa malta de Santo Antão era em grupo de homens muito especiais, desde logo, pela forma como se entregaram á luta, e o Jaime é disso um claro exemplo”, conclui. (...)

António Leite participou, com Amâncio Lopes e Eduardo dos Santos, da operação de recolha e transladação dos três cabo-verdianos. “ Fomos ao Leste e conseguimos localizar os restos do Jaime, que pouco restava. Mesmo assim, foi fácil, porque sabíamos que ele tinha um dente de ouro e encontrámos uma caveira com dente de ouro. Depois fomos recolher os restos do Justino e do Zeca Santos, que sabiamos onde estavam. Havia um outro cabo-verdiano – António Leite, o primeiro de nós a morrer na Guiné, mas dele já não encotramos nada. O local onde tinha sido enterrado, no Sul, estava transforamdo numa plantação de arroz”.

Na Praia, segundo aquela fonte, o pequeno caixão com os restos de Jaime Mota foram enviados para Santo Antão, Paul, onde foi depositado. As outras duas urnas, de Justino Lopes e Zeca Santos, essas, foram enteadas na várzea, já que ambos eram naturais de Santiago.  (...)

 (*) texto de José Vicente Lopes,

Publicado no jornal "A Nação" de 20.01.14

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12074: Notas de leitura (522): "No Ocaso da Guerra do Ultramar", por Fernando de Sousa Henriques (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
O nosso malogrado confrade Fernando de Sousa Henriques descreve neste texto de recensão o assédio brutal a Canquelifá.
Estamos num local e num tempo da guerra de guerrilhas da Guiné onde o PAIGC já se move como num teatro de guerra convencional, traz viaturas e despeja em rampas os foguetões sobre os objetivos. Pelo que ele tão discretamente narra, o abandono de Copá teve foros de dramatismo. Nos primeiros tempos, a aviação ainda se afoitou a procurar castigar as peças de artilharia que desfaziam Canquelifá. Depois atingiram um avião, as coisas mudaram. Até porque um mês depois chegou o 25 de Abril.

Um abraço do
Mário


No ocaso da guerra do Ultramar (2)*

Beja Santos

“No ocaso da guerra do Ultramar”, por Fernando de Sousa Henriques, já foi dito, é uma narrativa sem rival nesta literatura da nossa guerra. O autor prometera aos seus camaradas de Batalhão escrever esta crónica sobre a vivência de todos no Leste da Guiné, com fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conacri, entre 1972 e 1974. E concretizou a sua promessa, dirigindo-se a um leitor não iniciado descreveu armamentos e equipamentos, a composição da máquina de guerra, as entidades civis intervenientes, como fizera e onde a sua formação militar, narrou detalhadamente as vicissitudes passadas pelo BCAÇ 3883 e particularmente a CCAÇ 3545, a sua companhia, que irá viver o terrível assédio de Canquelifá, perto do termo da guerra.

Nunca encontrei relato que se aparentasse com este, não é uma questão zelo burocrático, é a nítida vontade de inserir o leitor num ambiente de Piche e quartéis envolventes, deu-se ao cuidado de explicar o que era o reino de Pachisse, caracterizou Canquelifá, todas as instalações do aquartelamento, os usos e costumes de Fulas e Mandingas, as acessibilidades, as milícias locais, os guias e colaboradores, o sistema de informações naquela área tão sensível, dá-se mesmo ao cuidado de contar, em resumo, os principais factos relacionados com o Batalhão que foram render e como se processou o período de sobreposição. Igualmente minucioso com o quotidiano de todo o efetivo militar e assim chegamos à guerra propriamente dita.

O sector do BCAÇ 3883 tornou-se repentinamente explosivo em 1973. O PAIGC saíra beneficiado da retirada das tropas portuguesas do Boé, paulatinamente foi-se aproximando de populações hostis e urdiu uma estratégia de clara intimidação a partir de 1972, começou por privilegiar as emboscadas nos principais eixos de comunicações. Em Agosto de 1973, entre Piche e Canquelifá fez um ataque feroz e observa que depois destes acontecimentos nada ficou como dantes. O próprio capitão Peixinho de Cristo ficou abalado, ele que assistiu à morte de um dos seus soldados, atingido gravemente nos intestinos, conversou com ele até ao final, dele recebeu, entre gemidos, as últimas vontades. As minas anticarro começaram a proliferar. O moral da companhia baixou.

A partir de Novembro, não mais houve descanso em Canquelifá, repetiram-se as flagelações, os mísseis deram entrada nas flagelações frequentes, era nítido que os guerrilheiros queriam comprometer os reabastecimentos e acantonar as tropas aos seus quartéis. As emboscadas às obras da estrada Piche-Nova Lamego também se acentuaram. Em dezembro houve um relativo descanso mas os assaltos às tabancas deram frutos, as populações, ainda lentamente, começaram a fugir para os grandes centros.

No início de Janeiro, os ataques com foguetões a Canquelifá marcaram presença, o autor explica a natureza das destruições que as imagens, pela sua eloquência, desfazem todas as dúvidas. Mas não só Canquelifá, Piche e Buruntuma também foram contempladas. Nessa altura os efetivos do Batalhão levam quase 24 meses de Guiné, foi necessário pedir apoio à CCAÇ 21, uma companhia só de guineenses, comandada pelo tenente Jamanca. Em 7 de Janeiro a CCAÇ 21 surpreende uma força inimiga e traz dois corpos, um cubano e cabo-verdiano. As flagelações recrudesceram. Ia começar o martírio de Copá, um destacamento que irá ser abandonado por impossibilidade de defesa. As picagens tornaram-se um tormento. De 19 a 21 de Março, Canquelifá é sujeita a bombardeamentos consecutivos, a partir de diversas bases de fogos situados a Leste e a Norte do aquartelamento. Quartel e tabanca estão irreconhecíveis, o gerador elétrico inutilizado, muitos edifícios queimados, um dos paióis periféricos da artilharia escapou milagrosamente. O desgaste psicofísico das tropas é enorme. As tabancas vizinhas começam a desertificar-se, a própria população civil de Canquelifá começa a retirar. O autor escreve: “Canquelifá passara a ser o epicentro de um vulcão, pronto a explodir. Era a capital do reino de Pachisse, um território ancestral e carismático, o único com fronteiras com o Senegal e Guiné-Conacri. Canquelifá era um alvo a abater para maior projeção externa do PAIGC”.

Em capítulo separado, o autor descreve os derradeiros dias do destacamento de Copá: “A partir do início de Fevereiro, esse destacamento passou a estar sujeito a fogo de morteiro de 120 mm, com intensidade variável, mas algumas das vezes até inusitada. Dentro, não havia a possibilidade de levantarem a cabeça”. Na segunda quinzena de Fevereiro, depois de uns três dias seguidos de assédio a Copá, foram aparecendo aos poucos e em pequenos grupos os elementos provindos daquele destacamento. “O pessoal vinha todo sujo, camuflado, se existia, em desalinho, arma às costas ou ao ombro, desorientado e de olhar perdido. Enfim, uma lástima. Tinham fugido do inferno em que Copá se transformara. Sem o saberem, deixaram para trás o furriel, o operador das transmissões e talvez outros. Aquilo parecia deserção. Confrontados com a ideia de regresso, diziam que preferiam ser mortos”. Lá foram convencidos a juntarem-se a quem permanecera no posto de combate, juntaram-se ao furriel, e então regressaram todos.

Em 21 de Março, chega ao aquartelamento o major Raul Folques, vinha a comandar duas companhias de comandos africanas. Detetaram uma base inimiga, atacaram-na, veio a Força Aérea e rechaçou-os, o PAIGC terá tido 26 mortos, entre eles 2 cubanos, capturam-se 2 morteiros 120 completos e 2 incompletos. Os Comandos, no decorrer da refrega, sofreram 2 mortos e 20 feridos. A seguir, fez-se uma nova coluna de reabastecimento, os guerrilheiros apareceram em peso mas a resposta das nossas tropas foi enérgica. As minas prosseguiram, mesmo a seguir ao 25 de Abril.

O BCAÇ 3883 deixou a Guiné em Junho de 1974. Fernando Sousa Henriques descreve emocionado as despedidas de todos, enumera e louvores e distinções de todo o Batalhão, e ao longo dos anos, os convívios sucessivos. Procede à relação nominal dos efetivos e não descura o espólio fotográfico relacionado com o sector L4. São impressionantes as imagens de Canquelifá em fase de destruição, os aspetos desoladores da tabanca, vemos mulheres e crianças catando nas cinzas os seus pobres bens pessoais, vemos as colheitas a arder, um canhão sem recuo completamente destruído. Fernando de Sousa Henriques cumpriu cabalmente o objetivo a que se cometera, nada de mais minucioso, segundo sei, se fez à volta da história de um Batalhão, de uma Companhia, de uma vivência. O autor já não está entre nós, ainda voltou à Guiné, escreveu em 2011 “Picadas e caminho da vida na Guiné”, na mesma altura em que aderiu ao nosso blogue.
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 20 de Setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12061: Notas de leitura (521): "No Ocaso da Guerra do Ultramar", por Fernando de Sousa Henriques (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12061: Notas de leitura (521): "No Ocaso da Guerra do Ultramar", por Fernando de Sousa Henriques (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
Graças à impressionante afabilidade da Teresa Almeida, da Biblioteca da Liga dos Combatentes, lá vou tendo acesso a material de registo obrigatório.
O Fernando de Sousa Henriques já nos deixou, a ele se deve um outro livro de viagem de saudades que ele coordenou. Este “No ocaso da guerra do Ultramar” é um relato sem rival, nunca vi tanta minúcia, detalhe e pormenor. Preocupou-se em criar o cenário da guerra, com as suas armas e transportes, a natureza da instrução, a caracterização do meio.
E na segunda parte vamos ter o seu testemunho sobre os terríveis acontecimentos ocorridos em Copá e Canquelifá.

Um abraço do
Mário


No ocaso da guerra do Ultramar (1)

Beja Santos

“No ocaso da guerra do Ultramar, uma derrota pressentida”, por Fernando de Sousa Henriques, edição de autor, 2007, é um livro único no panorama da literatura da guerra colonial da Guiné. Único pela quantidade de informação compilada pelo autor: sobre o cenário da guerra; o tipo de armamento e equipamento usados; súmula dos meios de intervenção e de apoio logístico dos três ramos das Forças Armadas; o que faziam o Movimento Nacional Feminino e a secção feminina da Cruz Vermelha Portuguesa. E dispostos todos estes elementos, o leitor é convocado para uma experiência militar, desde a ida “às sortes” até à desmobilização, tudo é esmiuçado: o ato da inspeção médica, o apuramento do mancebo, o número mecanográfico, o grupo sanguíneo, a recruta, o curso de operações especiais em Lamego, os mandamentos do Ranger e, enfim, a mobilização para a Guiné. O autor integrou a CCAÇ 3545 pertencente ao BCAÇ 3883, é enunciada toda a composição das unidades. Em Março de 1972, parte para a Guiné, de Bissau passam para Bolama, a IAO terá aqui a duração de um mês, e depois rumam para o reino de Pachisse, via Xime/Bambadinca/Bafatá/Nova Lamego/Piche. O destino é Canquelifá.

A minúcia do relato não abranda, ficamos a saber quem vão render, que estão na Zona de Ação L-4, zona de savana com cerca de 2000 km2 de extensão, caracterizada por uma superfície plana, de solo argiloso, coberto de mata dispersa. De Canquelifá a Piche distam 33 km. Ficamos a saber que nesse ano de 1972 Piche teria uma população aproximadamente de duas mil almas, predominantemente Fulas mas coexistindo com a etnia Mandinga. O régulo de Piche era Maundé Embaló, que morava numa casa ao lado da oficina de mecânica do batalhão, saíram de Piche e passaram por Cambor e Dunane. Ficaram surpreendidos quando entraram em Canquelifá, havia uma placa com o símbolo internacional identificativo de termas, estavam a ser praxados.

Não há qualquer economia descritiva na caracterização de Canquelifá, o reino de Pachisse, os lençóis de água, tipo de clima, os marcos fronteiriços identificativos de Portugal e Senegal, enquanto a nossa fronteira com a Guiné-Conacri era definida por certas árvores seculares que existiam naquela zona árida e agreste. Canquelifá era um aldeamento com cerca de 1,2 km de comprimentos e 500 m de largura. Dentro do perímetro interno havia 15 abrigos para as nossas tropas e milícias, espaldões previstos para os obuses 14 e o canhão sem recuo. Com todo o detalhe, o leitor ficará inteirado onde estão os edifícios, um a um, quem ocupa as instalações, como era a casa ocupada pelo capitão Peixinho de Cristo, são apresentados o 2.º Sargento Patada e o 1.º Sargento Simões. Depois o autor embala-se na pormenorização do Canquelifá social, o nome das povoações e até as tabancas abandonadas. E mais, o leitor é induzido para as celebrações do ramadão, as cerimónias do casamento, os batuques, os dias de festa na tabanca, o fanado, as tarefas domésticas, os trabalhos a cargos dos homens, os casos de lepra. Logo ficamos a saber que o autor esteve em Bambadinca cerca de três meses a comandar uma companhia de instrução de milícias, assunto que remete para o pelotão de milícias 267, em Canquelifá.

Segue-se o breve historial sobre o BCAV 2922, esteve na região de Piche entre 1970 e 1972, são registadas as atividades militares mais relevantes.

E começa o dia-a-dia de Canquelifá, da companhia “Os Abutres”, os seus patrulhamentos, as obras de beneficiação, o material utilizado, os lazeres com jogos de cartas, jogos de futebol e de voleibol. Ficamos também a saber as recordações do capelão e do médico. O capelão fora já para a Guiné com muitas dúvidas de fé, admitia no futuro deixar o sacerdócio. As missas eram celebradas debaixo de uma árvore frondosa que exista junto à enfermaria. Improvisava-se uma espécie de altar que não era mais do que uma pequena mesa onde se colocava o Cristo crucificado. A homilia consistia numa mensagem de paz interior, tudo muito terra-a-terra. Ficaram muito boas impressões do médico da companhia, desvelado e interessado pela saúde de todos. Temos aqui fartos apontamentos sobre o paludismo, as visitas a Canquelifá e até a deserção do furriel Vagomestre, que nas férias rumou para a Suécia. Falava-se muito da comida, todos tinham saudades do rancho familiar. Todos se dedicaram às pequenas hortas, até se plantavam piri-piri, pimentos e salsa.

Asseguro que nunca li um relato como este, é uma prosa coloquial, quase divagante, Fernando de Sousa Henriques depõe, indignado, pela sorte dos militares guineenses que foram esquecidos na pós-independência, não pactua com o abandono destes camaradas tão fiéis, tão aprumados, tão combativos. Parece que escreve para diferentes públicos ao mesmo tempo, a sua participação na guerra parece confundível que toda a guerra, com os acontecimentos ocorridos em todos os teatros de operações, toma-se a sua mobilização como a mobilização de centenas de milhares de jovens portugueses. Não disfarça o orgulho pelas suas classificações e por ser o número dois da companhia. A sua preocupação é envolver o leitor, dar-lhe a saber que havia rações de combate, como eram os quartéis, qual o comportamento das populações face à guerra. Nesta dimensão é um cronista que não esconde os seus estados de alma, faz reproduzir o seu álbum fotográfico com oportunidade. No final do livro, não descurará as listagens de militares ex-combatentes, teremos ali o BCAÇ 3883 por inteiro, tal como o BCAV 2922, a lista nominativa dos combatentes originários dos Açores, o seu espólio fotográfico insere-nos em Canquelifá, aperta-se-nos o coração com as destruições que irão ocorrer na última fase da guerra, pois o relato será igualmente minucioso com os graves acontecimentos em 1974 que tocaram à desditosa Copá e ao cerco a Canquelifá.

Será esta a matéria para a próxima recensão.

(Continua)
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Notas do editor

Vd. também poste de 28 DE JANEIRO DE 2009 > Guiné 63/74 - P3809: Notas de leitura (12): Os últimos dias do destacamento de Copá, Janeiro/Fevereiro de 1974 (Helder Sousa / Fernando de Sousa Henriques)

Último poste da série de16 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12048: Notas de leitura (520): "Guiné Mal Amada - O Inferno da Guerra", por António Ramalho de Almeida (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9547: Memória dos lugares (177): Canquelifá, a ferro e fogo, fevereiro / abril de 1974 (José Marques)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Piche > Canquelifá > CCAÇ 3545 (Canquelifá e Piche, 1972/74) > 18 de Março de 1974 > A paisagem desoladora da tabanca, depois do violento ataque do PAIGC com morteiros 120 e foguetões 122, durante 4 horas... Foto, de autor desconhecido,  do álbum  do Jacinto Cristina (Sold At Inf, CCAÇ 3546, 1972/74)





Foto: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. Comentário do nosso leitor (e camarada) José Marques (que presumimos ter pertencido à CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 ou mais provavelmente a outra subunidade, já que lá esteve menos de dois meses em Canquelifá), com data de 23 do corrente, ao poste P7438 (*)


[Conjunto de seis] fotos que testemunham o que se passou em Canquelifá, mas estes estragos não ocorreram apenas no dia 18 de março de 74 (*).

Nos dias seguintes,  a 19, 20, 21, 24 e 31 de março de  74, houve ataques mais prolongados e intensos, por isso julgo que as fotos tenham sido tiradas já após os últimos ataques. (**)

Estive em Canquelifá,  de 22 de fevereiro de  74 a 12 de abril de 74, ainda apanhei os ataques de 24 de fevereiro e 5 de março, estes mais fracos em comparação com os últimos.

Obrigado pela divulgação destas fotos.

Um abraço!

José Marques

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Notas do editor

(*) Vd. poste de 15 de dezembro de 201o > Guiné 63/74 - P7438: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (5): Canquelifá, a ferro e fogo, 18 de Março de 1974


(**) Vd. poste de 27 de Outubro de 2006Guiné 63/74 - P1216: A batalha (esquecida) de Canquelifá, em Março de 1974 (A. Santos)

(***) Último poste da série > 19 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9505: Memória dos lugares (176): Buruntuma, lá no "cu de Judas"...

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9520: Facebook...ando (16): Em busca de camaradas da minha companhia, CCAÇ 3544/BCAÇ 3883, "OS Roncos de Buruntuma", Buruntuma, mar 72 / jan 74 (Francisco Alves, Torres Vedras)


1.  Mensagem do nosso leitor (e camarada) Francisco Alves (a quem convidamos, desde já,  para integrar a nossa Tabanca Grande):

De: caldas [a.caldas@net2000.ch]
Data: 25 de Janeiro de 2012 17:04
Assunto: Contatar ex-camaradas


Francisco Alves,  do Batalhão [de Caçadores] 3883, Companhia [de Caçadores] 3544, "Os Roncos de Buruntuma", natural de Torres Vedras, deseja entrar em contato com camaradas da sua companhia. N° telef: 261 331 509.

Francisco tem um filme da sua passagem pela Guiné, no Facebook (Ponte do Rol TV,  guerra colonial ).  Desde já obrigado pelo vosso blog.



Descrição da página: " Ponte do Rol é a aldeia mais bonita do Mundo.  Ponte do Rol é uma aldeia muito bonita, fica situada no distrito de Lisboa, a 5 km de Torres Vedras, a 10 km de Santa Cruz. É banhada pelo sol todo o santo dia, tem cerca de 2100 filhos. Nossa Senhora da Conceição é sua madrinha. Nosso Senhor Jesus seu padrinho".


Não nos foi possível localizar o supracitado vídeo. É possível que já não esteja disponível nesta página do Facebook. Recorde-se o historial deste batalhão e das suas companhias:


(i) O BCAÇ 3883 foi mobilizado pelo RI 2, tendo partido para a Guiné, de avião, em Março de 1972 (o comando e a CCS em 19/3/1972; a CCAÇ 3544, a 20; a CCAÇ 3545, a 22; e a CCAÇ 3546 a 23);


(ii) A CSS ficou sediada em Piche;


(iii) O comandante era o Ten Cor Inf Manuel António Dantas;


(iv) O comandante da CCAÇ 3546 (Piche, Cambor, Ponte Caium e Camajabá) era o Cap QEO José Carlos Duarte Ferreira;


(v) As outras companhias do BCAÇ 3883 eram a CCAÇ 3544 (Buruntuma e Piche; teve dois comandantes: Cap Mil Inf Luís Manuel Teixeira Neves de Carvalho; Cap Mil Inf José Carlos Guerra Nunes) e a CCAÇ 3545 (Canquelifá e Piche; comandante, Cap Mil Inf Fernando Peixinho de Cristo);


(vi) O batalhão regressou a casa, de avião, em Junho de 1974.


A CCAÇ 3544 - "Os Roncos de Buruntuma" - foi rendida pela 2ª C/BCAV 8323/73:


(i) A 2ª C/BCav 8323/73 seguiu em 15Nov73 para Piche, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCaç 3463, tendo assumido a responsabilidade do respetivo subsetor de Piche em 25Nov73, ficando na dependência do BCaç 3883;


(ii) Em 24Jan74, mantendo-se no Setor L4, assumiu a responsabilidade do subsector de Buruntuma, por troca com a CCaç 3544, onde se manteve até à sua evacuação em 05Jul74, deslocando-se para Piche.
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Nota do editor:
Último poste da série > 15 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9355: Facebook... ando (15): Um "regalo" para a Maria Ivone Reis, que anteontem fez anos (Hugo Moura Ferreira)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8738: In Memoriam (90): Fernando de Sousa Henriques (1949-2011), foi Alf Mil Op Esp / RANGER na CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74), faleceu ontem, dia 4 de Setembro de 2011







1. Ainda não estamos recompostos do impacto da notícia do falecimento da nossa Camarada Enfª Pára 
Piedade Gouveia e tomamos conhecimento pelo nosso Camarada José Pinho, hoje, pelas 13h19, através de um comentário escrito no poste P8024, onde se apresentou na Tabanca Grande o Fernando de Sousa Henriques, da sua surpreendente e repentina morte:

“O Fernando faleceu ontem, 4 de Setembro 2011, quando fazia aquilo de que muito gostava: caça submarina. Fica a memória de um grande amigo e companheiro. Até Sempre, Fernando.”

Ficou mais pobre a CCAÇ 3545 e o BCAÇ 3883, ficamos mais sós no blogue e o mundo perdeu um homem bom, sempre bem disposto e um excelente Amigo dos seus Amigos.



Recorda-se que o nosso Camarada Fernando de Sousa Henriques, foi Alf Mil OpEsp / RANGER na CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883 (Canquelifá, 1972/74), nasceu em Estarreja (Aveiro) em 1949, tinha-se formado na cidade Porto em Química e, posteriormente, em Electrotecnia.

Como Alferes do CIOE e adjunto do Comandante de Companhia, partiu, em Março de 1972, rumo à Guiné, de onde regressou em Julho de 1974.

Foi Professor, tendo passado por Empresas como a Mobil Oil Portuguesa e os CTT, até se fixar, como Assessor, na Administração Portuária, em Ponta Delgada, São Miguel, RAA. Mantinha a sua actividade de Engenheiro.




2. O Henriques deixou 4 Obras Publicadas:

- Picadas e caminhos da vida na Guiné

- Um Icebergue chamado 25 de Abril

- No Ocaso da Guerra do Ultramar

- Nandinho - Os primeiros 6 anos dos últimos 60… (Conto infantil)


3. Em nome do Luís Graça, Editores e demais Camaradas da nossa tertúlia da Tabanca Grande, apresentamos à querida Esposa do Fernando Henriques, filhos e restante família enlutada, e porque outras palavras nos faltam, as nossas melhores e mais sentidas condolências.

4. NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA: O corpo do Fernando Henriques, encontrar-se-á na próxima quarta-feira, dia 7, a partir das 08h30 em câmara ardente na nova Casa Mortuária do Cemitério de São Joaquim (contígua ao Crematório). A missa realizar-se-á às 13h30, finda a qual se procederá ao funeral.
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Notas de M.R.:

Vd. Também sobre a literatura do Fernando os seguintes postes:

10 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3430: Bibliografia de uma guerra (36): No ocaso da Guerra do Ultramar, de Fernando Sousa Henriques. (Helder Sousa)

28 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3809: Os últimos dias do destacamento de Copá, Janeiro/Fevereiro de 1974 (Helder Sousa / Fernando de Sousa Henriques)

11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3871: Em busca de... (65): Pessoal de Copá, 1ª Companhia do BCAV 8323/73 (Helder Sousa)

1 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8496: Notas de leitura (252): Picadas e Caminhos da Vida na Guiné, de Fernando de Sousa Henriques (Mário Beja Santos)


Vd. último poste desta série em:

4 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8733: In Memoriam (89): A Enfermeira Pára-quedista Piedade Gouveia faleceu hoje, dia 4 de Setembro de 2011