"A MINHA IDA À GUERRA"
1 - CIOE / RANGERS - ESPECIALIDADE (Parte 1)
João Moreira[1]
Em Abril, após a recruta no RI 5, fui para o CIOE, em Lamego, para tirar a especialidade de operações especiais, mais conhecida por "rangers".
Para quem não passou pelo CIOE não terá a noção da dureza da especialidade. Por isso vou contar algumas situações que "só acontecem lá".
RI 5 - Caldas da Rainha - Da esquerda para a nossa direita: João Moreira, Castro, Seco e Jorge. Os outros três não me lembro o nome deles mas também eram do 1.º Pelotão.
Aproveitávamos o sol, para estudar para os testes e para engraxar as botas, para não haver castigos. Como podem ver, tive um par de botas novas e um par de botas antigas, que apertavam com fivelas. Os 3 primeiros (eu, Castro e Seco) fomos para Lamego. Eu fui para o hospital militar e perdi a especialidade. Eles completaram a especialidade e depois foram para os "comandos". Seguidamente foram mobilizados para Moçambique, donde regressaram sem problemas.
Quando chegámos a Lamego fomos instalados numa camarata que ficava ao cimo de uma escadaria com cerca de 30 a 40 degraus, que tinha de ser subida e/ou descida sempre que tínhamos que lá ir fazer qualquer coisa.
Como isso fosse pouco, ofereceram-nos 1 G3, 1 Mauser e 1 canhangulo, mais botas de lona como as usadas na Guiné e botas que apertavam com fivelas.
Para nossa distração e sanidade mental a caserna estava equipada com aparelhagem sonora, e para nos "divertir" tocava 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Para facilitar a memorização da letra dessa música, era sempre a mesma que tocava (desde o primeiro ao último dia da especialidade).
"RANGER TENS 3 MINUTOS PARA FORMAR NA PARADA EXTERIOR COM A FARDA X, A ARMA Y E AS BOTAS Z", etc.
E os rangers, que estavam cansados dos "trabalhos diários", tinham que dormir com um ouvido alerta, para poderem levantar-se e cumprir as ordens enviadas por altifalante.
Depois de nos prepararmos, tínhamos que fechar os armários com os aloquetes, descer a tal escadaria de 30 ou 40 degraus, atravessar a parada exterior em passo de corrida - não se podia andar a passo na parada - e apresentar-se ao comandante do pelotão que estava à nossa espera.
De acordo com o atraso éramos "premiados" com 30, 40 ou mais "completas" - ainda se lembram quais os exercícios que as compunham e quantas eram de cada exercício?
Como os instruendos se queixavam que era pouco tempo, os comandantes diziam que era o tempo mais que suficiente, porque ainda dava para fumar um cigarro.
Deu-nos algumas dicas de como proceder para chegar à parada dentro do tempo previsto e ainda poderem fumar o tal cigarro:
- Dormir com os armários abertos. O receio do roubo foi esconjurado com a pena que estava destinada a quem tentasse roubar. E realmente nunca ouvi ninguém queixar-se de ter sido roubado.
- Nos 3 ganchos do armário colocar uma das 3 fardas, exceto a nº 2.
- Nos cantos dos armários colocar 1 das 3 armas.
- Calçar as meias.
- Vestir as calças e prendê-las com o cinto igual ao que usávamos na Guiné para enfiar os carregadores.
- Enfiar o quico.
- Pegar na arma e na camisa.
Durante o trajeto até ao local da formatura vestia e apertava a camisa e as calças. Chegados ao local da formatura, acendia o cigarro, apertava as botas e esperava que o tempo se esgotasse enquanto acabava de fumar.
Ao fim de 3 ou 4 semanas, fui ao médico, porque já não suportava as dores na coluna e perdia a acção muscular.
Quando viu a radiografia e o relatório, disse que me ia mandar para o hospital militar regional, do Porto, porque ele não podia fazer nada.
Chegado ao Porto, e ao hospital militar na Boavista, fizeram-me os exames e confirmaram a minha deficiência, mas, em vez de mandarem para o hospital principal em Lisboa, deram-me alta. Regressei a Lamego, e mandaram-me para casa porque tinha perdido a especialidade por faltas
Em Julho voltei ao CIOE, em Lamego. Fui logo falar com o médico, para tentar resolver a situação sem ter que perder a especialidade.
Mas, como eu não tinha "cunha", atribuíram-me a especialidade de atirador de cavalaria e lá segui eu para a Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, onde se repetiu o meu martírio.
(continua)
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Nota do editor
[1] - Vd. poste de 20 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24490: Tabanca Grande (550): João de Jesus Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), que se vai sentar no lugar 878 do nosso poilão