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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21906: In Memoriam (395): O Marcelino da Mata (1940-2021) que eu conheci, em Teixeira Pinto, em finais de 1972, e depois em Cufar, no Natal de 1973, e fui reencontrar na Tabanca da Linha (António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)


Foto nº 1

Tabanca da Linha > Cascais, Alcabideche, Cabreiro > Adega Camponesa > 17 de outubro de 2013 > O António de Abreu a ler, ao Marcelino da Mata, a entrada do seu "Diário da Guiné", relativa a Cufar, 26 de dezembro de 1973 (. reproduzida abaixo).



Foto nº 2

Tabanca da Linha > Cascais > Guincho > Restaurante Oitavos > 17 de julho de 2014  > Da esquerda para a direita, Mário Fitas, Marcelino da Mata e António Graça de Abreu.

Fotos (e legendas): ©  Manuel Resende (2021).. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de hoje, às 18h00,  de António Graça de Abreu, ex-alf mil,  CAOP 1,Teixeira PintoMansoa e Cufar (1972/74). 

Conheci Marcelino da Mata (aqui na foto nº 2,  de chapéu com os ex-combatentes Mário Fitas e eu, em 2014) na Guiné, em operações na Caboiana, em finais de 1972, e no Cantanhez, na acção Estrela Telúrica, no Natal de 1973.

Nesta última, no sul da Guiné, vi-o chegar à pista de Cufar, nos hélis que foram buscar os comandos ao mato, após dois dias de combates e destruição, exausto, enlameado, coberto de suor e sangue. Com os seus comandos africanos Marcelino da Mata, a quem o PAICG tinha morto o pai e uma irmã, era um militar impressionante, terror dos guerrilheiros, era uma excepcional máquina de guerra.

Reencontrei-o nos almoços dos antigos militares da ex-Guiné que engrossaram a Tabanca da Linha, em Cascais e no Guincho. Vai outra foto com ele, eu a ler-lhe a passagem de Cufar, 26/12/1973,  do meu livro "Diário da Guiné", que lhe ofereci [, e que se reproduz abaixo].

Marcelino da Mata era, aos setenta e muitos anos, um homem afável, sereno, comedido, orgulhoso de ser português. Hoje, Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, esteve no seu funeral. (*)

Que descanse em paz. (**)


2. Excerto do Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, de António Graça de Abreu (Lisboa, Guerra e Paz Editores, 2007, pp. 175/176)


Excerto  das pp. 175/176 (com a devida vénia...)

 
Cufar, 26 de Dezembro de 1973

Graças ao Natal, umas tantas iguarias rechearam as paredes dos nossos estômagos. Houve bacalhau do bom, frango assado, peru para toda a gente, presunto, bolo-rei, whisky e espumante à discrição, só para oficiais. Fez-se festa, fados, anedotas, bebedeiras a enganar a miséria do nosso dia a dia.

Hoje, 26 de Dezembro, acabou o Natal e, ao almoço, regressamos às cavalas congeladas com batata cozida e, ao jantar, ao fiambre com arroz.

Isto não tem importância, importante é a ofensiva contra os guerrilheiros do PAIGC desencadeada na nossa região com o bonito nome de Estrela Telúrica. Acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca Vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar, a Estrela Telúrica prolongar-se-á por mais uma semana.

Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38º fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre o Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com certa gravidade.

Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a embrulhar, seis feridos graves, entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos Africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata, com dois mortos e quinze feridos. Chegaram com um aspecto deplorável, exaustos, enlameados, cobertos de suor e sangue. Amanhã os mortos e feridos serão talvez os fuzileiros...

No dia seguinte, outra vez Comandos ou quaisquer outros homens lançados para as labaredas da guerra. O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os Fiats a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso.

Na pista de Cufar regista-se um movimento de causar calafrios. Hoje temos cá dez helicópteros, dois pequenos bombardeiros T-6, três DOs, dois Nordatlas e o Dakota. A aviação está a voar quase como nos velhos tempos. Os hélis saem daqui numa formação de oito aparelhos, cada um com um grupo constituído por cinco ou seis homens, largam a tropa especial directamente no mato, se necessário os helicanhões dão a protecção necessária disparando sobre as florestas onde se escondem os guerrilheiros, depois regressam a Cufar e ficam aqui à espera que a operação se desenrole. Se há contacto com o IN e se existem feridos, os helicópteros voltam para as evacuações e ao entardecer vão buscar os grupos de combate novamente ao mato.

Ontem, alguns guerrilheiros tentaram alvejar um héli com morteiros, à distância, o que nunca costuma dar resultado.

Sem a aviação este tipo de operações era impossível. Durante estes dias, os pilotos dormem em Cufar e andam relativamente confiantes, há muito tempo que não têm amargos de boca. Os mísseis terra-ar do IN devem estar gripados porque senão, apesar dos cuidados com que se continua a voar, seria muito fácil acertar numa aeronave, com tanto movimento de aviões e hélis pelos céus do sul da Guiné.

Cufar fica a uns quinze, vinte quilómetros da zona onde as operações se desenrolam. Todos os dias, às vezes durante horas seguidas, ouvimos os rebentamentos e os tiros dos embrulhanços, das flagelações. E impressionante o potencial de fogo de parte a parte. Os guerrilheiros montam também emboscadas nos trilhos à entrada das matas onde se situam as suas aldeias. Aí, as NT começam a levar e a dar porrada, e não têm conseguido entrar nas povoações controladas pelo IN.

Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação Estrela Telúrica. Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade.
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Nota do autor:

Sobre o acidentado percurso do alferes Marcelino da Mata, ver a narração pessoal da sua participação nesta guerra em Rui Rodrigues, coord., "Os Últimos Guerreiros do Império", Editora Erasmos, Amadora, 1995, pp. 195-213.

[Revisão / fixação de texto para efeitos de publicação neste blogue: LG]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21888: In Memoriam (393): Marcelino da Mata (1940 -2021), ingloriamente morto por tiro traiçoeiro da Covid-19 (Ramiro Jesus, ex-fur mil 'comando', 35ª CCmds, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73; Manuel Resende, régulo de A Magnífica Tabanca da Linha)

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21868: Memórias cruzadas da Região de Tombali: Factos relativos a três baixas da CCAÇ 1427 na mata de Catesse, em 20/3/1966: o caso do corpo não recuperado do Albino Martins (Jorge Araújo)





Foto 1 > Região de Tombali > Cabedú - CCAÇ 1427 (1965-1967) – Vista aérea do Aquartelamento e pista de aviação. Foto do álbum de Manuel Janes "O Violas" - P17336, com a devida vénia.




Foto 2 > Guiné >  Região de Tombali > Cabedú - CCAÇ 1427 (1965-1967) – Vista aérea do Aquartelamento. Foto do álbum de Manuel Janes "O Violas", com a devida vénia.




Foto 3 > Guiné > Região de Tombali > Cabedú >  O contingente da CCAÇ 1427 (1965-1967) - Foto do álbum de Manuel Janes "O Violas", com a devida vénia.














O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, ainda no ativo; tem cerca de 270 referências no nosso blogue.



MEMÓRIAS CRUZADAS DA REGIÃO DE TOMBALI:

I - FACTOS RELATIVOS ÀS TRÊS BAIXAS DA CCAÇ 1427,
NA MATA DE CATESSE, EM 20 DE MARÇO DE 1966:

O CASO DO CORPO NÃO RECUPERADO DE ALBINO MARTINS 



1. – INTRODUÇÃO


Sei que já transcorreu muito tempo sobre os milhares de ocorrências que, independentemente da época, do lugar e do contexto, influenciaram as crenças, as expectativas, os comportamentos e os desempenhos de todos os actores, de ambos os lados, daquela a que chamaram «Guerra do Ultramar» ou «Guerra Colonial», de que a do «CTIGuiné» não é excepção. Sei que sobre todas elas nada podemos fazer para as alterar, pois são factos da História, de um passado cada vez mais longínquo.


Sei que alguns dos registos que constam nas narrativas históricas, quer de fonte Oficial ou de outras, deverão continuar a merecer a nossa atenção no sentido de as melhorar ou, se for caso disso, de lhes adicionarmos o que está menos explícito ou, simplesmente, omisso. 


Sei que a investigação historiográfica é, intrinsecamente, um processo em aberto, e em movimento, à qual é sempre possível juntar-lhe mais uma "peça do puzzle", uma linha ou um detalhe.


Dito isto, este meu presente contributo emerge do quadro teórico supra, onde o objecto de investigação (em título) nasceu do interesse pessoal em encontrar respostas (razões) ao facto de, durante os «Doze anos da Guerra», a literatura nos dar a conhecer casos de "camaradas mortos em campanha", onde os seus "corpos não foram recuperados" (ou "resgatados"), omitindo os fundamentos para que tal acontecesse, ou seja: o porquê (ou porquês)?


O exemplo do camarada Albino Teixeira Martins, da CCAÇ 1427, que hoje decidi partilhar convosco no fórum, será o primeiro "caso" de um conjunto de outros já identificados, na certeza de que aquilo que não foi possível saber/encontrar poderá muito bem ser de maior relevância.


2. – SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1427

         = BISSAU E CABEDÚ (1965-1967)


Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 16 [RI16], de Évora, a Companhia de Caçadores 1427 [CCAÇ 1427], embarcou no Cais da Rocha do Conde de Óbidos, em Lisboa, a 16 de Agosto de 1965, 2.ª feira, a bordo do N/M «Niassa», sob o comando do Capitão de Infantaria Fernando António Pereira dos Santos, tendo chegado a Bissau a 24 do mesmo mês.

 

2.1 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1427


Após a sua chegada à capital da província da Guiné, a Companhia Independente «CCAÇ 1427» ficou instalada na dependência do BCAÇ 1857 [06Ago65-03Mai67; do TCor Inf José Manuel Ferreira de Lemos] a fim de colaborar na segurança e protecção das instalações e das populações e efectuar, simultaneamente, a instrução de aperfeiçoamento operacional (IAO).

 De 25Set65 a 11Out65, rendeu por troca a CCAÇ 555 [03Nov63-28Out65; do Cap Inf António José Brites Leitão Rito], assumindo então a responsabilidade do Subsector de Cabedú, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 619 [15Jan64-09Fev66; do TCor Inf Narsélio Fernandes Matias] e depois do BCAÇ 1858 [24Ago65-03Mai67, do TCor Inf Manuel Ferreira Nobre Silva], tendo tomado parte em diversas operações realizadas naquela área. 

Em 31Mar67, foi rendida no Subsector de Cabedú pela CART 1614 [18Nov66-18Ago68; do Cap Mil Art Luís João Ferreira Marques Jorge] e recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso ao continente, o qual teve lugar a 16Abr67, a bordo do N/M «Uge». 

Não tem História da Unidade (CECA; 7.º Vol; p. 347).


3. – AS TRÊS BAIXAS DA CCAÇ 1427, EM 20 DE MARÇO DE 1966, NA MATA DE CATESSE, REGIÃO DE TOMBALI


Ao sétimo mês da sua Comissão Ultramarina, a CCAÇ 1427 perde em combate, na mesma missão, três dos seus efectivos, ocorrência registada em 20Mar66, domingo.

Porque nada consta no 6.º Volume da CECA (Aspectos da Actividade Operacional), nem tampouco na História da Unidade, que não existe, partimos do óbito do Soldado Albino Teixeira Martins, natural de Cachopo, Tavira, localizado no 8.º Volume (mortos em campanha, p. 182), e que abaixo se reproduz, cujo "corpo não foi recuperado", para procedermos à competente investigação sobre esta ocorrência.








3.1 – FACTOS APURADOS

3.1.1 - DE TONY GRILO, APONTADOR DE OBÚS 8,8 EM CABEDÚ, CACINE E CAMECONDE (1966/1968)


Segundo Tony Grilo, em comentário enviado do Canadá em Abril de 2009 – P4220, é referido que ele, quando chegou a Cabedú, no início de Julho de 1966, "estava lá a CCAÇ 1427, uma companhia velha [ia fazer onze meses], com bastante experiência, e com algumas operações no Cantanhez, onde numa delas tiveram 2 mortos [?] e vários feridos, um deles com uma bazucada na cabeça. Por sinal tiveram que deixar o corpo na mata e fugir, pois os turras caíram-lhes em cima". 


Será que era desta ocorrência que se estava a referir, uma vez que ainda lá não tinha chegado?


Será que, porventura, quis associar as duas baixas acima ao facto de ter encontrado  igual número de sepulturas no cemitério de Catió que, segundo ele, se reportam a dois militares da CCAÇ 1427, conforme se demonstra na imagem abaixo?

 


Região de Tombali > Catió > Cemitério de Catió > Duas sepulturas de militares pertencentes à CCAÇ 1427 (1965/67), segundo informação e foto do Tony Grilo – P4220, com a devida vénia.


3.1.2 - NO TOMO II - GUINÉ - LIVRO I - DO ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO


Na Resenha da CECA, 8.º Volume, "mortos em campanha", pp 182/183, constam três mortos (óbitos) em combate da Companhia de Caçadores 1427, todos eles registados com data de 20 de Março de 1966, como consequência de uma operação realizada na "floresta de Catesse", conforme infografia abaixo, e que são:


  • Albino Teixeira Martins (Soldado) – natural de Cachopo / Tavira:  Corpo não recuperado
  • Adolfo do Nascimento Piçarra (Soldado) – natural de Ferradosa / Alfândega da Fé: Corpo sepultado no cemitério de Catió;
  • António Joaquim Carvalho (Soldado) – natural de Viana do Alentejo: Corpo sepultado no cemitério de Viana do Alentejo

 


Imagem de satélite da região de Tombali, com infografia da localização do Aquartelamento da CCAÇ 1427 (Cabedú) e da mata de Catesse, onde terá falecido o Albino Teixeira Martins, cujo corpo não foi recuperado.

 

3.1.3 - D(O) OUTRO LADO DO COMBATE > COMUNICADO ASSINADO PELO CMDT INÁCIO SOARES DA GAMA COM DATA DE 20-3-1966


Com a expectativa de podermos encerrar esta investigação de modo satisfatório, procedemos à consulta nos Arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), existentes na CasaComum, Fundação Mário Soares, de algo relacionado com a questão de partida.


Depois de algumas leituras documentais, aí encontrámos um comunicado manuscrito, assinado por Inácio Soares da Gama, datado de 20 de Março de 1966, domingo, e que, tudo leva a crer, deverá estar relacionado com o episódio supra.


No documento, manuscrito num português macarrónico, ainda assim foi possível retirar as seguintes ideias:


Comunicado


Tombali, 20-3-966


No dia 13-3-66 [lapso de memória] os grupos do local Cabaceira [base de Cabaceira; Tombali] dirigido pelo camarada Sússa [?] atacaram uma companhia de soldados inimigos [CCAÇ 1427/?] das 11 horas da manhã até às 3 da tarde, donde conseguiram fazer o inimigo regressar sem tocar [entrar] no entroncamento [acampamento ou base].


  


Durante o ataque utilizaram as Bazookas que contribuíram para a fuga do inimigo, deixando ficar 7 cadáveres [?]. 6 Foram queimados [?] pelas balas incendiárias que queimaram os corpos [?]. O seu enfermeiro [?] foi apanhado à mão [ferido/?]. Tirámos-lhe o relógio, que é o que se encontra no envelope. Poucas horas depois o "enfermeiro" não resistiu, e faleceu. Peço-lhe que o manda arranjar porque ficou danificado.


Peço-lhe desculpa porque estou muito preocupado por não poder escrever bem a carta.


Do teu Inácio S. [Soares] da Gama [Comissário Político].   


 


Citação:
(1966), "Comunicado - Tombali", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40687 

 

4. – CONSIDERAÇÕES FINAIS


Para finalizar a presente narrativa podemos concluir:


1. - Confirma-se que a CCAÇ 1427 realizou uma actividade operacional, com contacto, na zona da Mata de Catesse, região de Tombali, no dia 20 de Março de 1966, domingo, durante a qual registaram três baixas, uma delas o "corpo não foi recuperado".


2. - Desconhece-se o número de efectivos que estiveram envolvidos nesta missão.


3. - A ser verdade que o "corpo não recuperado" é o mesmo que é citado no comunicado assinado por Inácio Soares da Gama, então estamos perante o "caso" do Albino Teixeira Martins, identificado como sendo "enfermeiro", uma vez que no texto não consta a captura de qualquer arma, sendo o relógio o único objecto apreendido.


4. - Aceitando-se, como verdadeiras, as informações obtidas por Tony Grilo e narradas no ponto 3.1.1, então o Albino Teixeira Martins estaria a ser assistido, por se encontrar ferido, onde junto dele, provavelmente, existiria uma sacola de primeiros socorros, daí o terem classificado de "enfermeiro". É que, face às dificuldades sentidas no decurso dos combates, "tiveram que deixar o corpo na mata e fugir"…


5. - Quanto às duas sepulturas existentes no cemitério de Catió, que o Tony Grilo afirma serem de militares da CCAÇ 1427, não foi possível confirmar, por dificuldade de identificar os nomes gravados nas respectivas lápides.


Fontes consultadas:


Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).


Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).


Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07200.170.093. Título: Comunicado – Tombali. Assunto: Comunicado assinado por Inácio [Soares da Gama] sobre o ataque dos "grupos do local Cabaceira" a uma companhia de soldados portugueses, no Sector de Cufar. Data: Domingo, 20 de Março de 1966. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Diversos. Guias de Marcha. Relatórios. Cartas dactilografadas e manuscritas, 1960-1971. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


Outras: as referidas em cada caso.

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

05Fev2021

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Guiné 61/74 - P19668: José Matos: A guerra das antiaéreas na Guiné (1965/1970) (artigo original publicado na Revista Militar, nº 2601, outubro de 2018)



Um caça Fiat G.91 R/4 dos “Tigres" da Guiné. Crédito: Paulo Alegria


1. Mensagem de José Matos, com data de 31 de março p.p.:

Olá, Luís

Vinha pedir-te mais uma vez para divulgares no blogue um artigo dos meus, que julgo que os leitores vão gostar.


Ab, José Matos.


A GUERRA DAS ANTIAÉREAS NA GUINÉ (1965/1970)

Por José Matos


[Publicado originalmente na Revista Militar, nº 2601, outubro de 2018; cortesia do autor e e do editor]




José Matos [, foto à direita]: Investigador independente em História Militar, tem feito investigação sobre as operações da Força Aérea na Guerra Colonial portuguesa, principalmente na Guiné. É colaborador regular em revistas europeias de aviação militar e de temas navais. Colaborou no livro “A Força Aérea no Fim do Império” (Âncora Editora, 2018)]. É membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de setembro de 2015, tendo mais de 3 dezenas referências no nosso blogue]


No início da guerra na Guiné, em 1963, a fraca ameaça antiaérea permitiu que a Força Aérea Portuguesa (FAP) atuasse livremente em todo o espectro de missões aéreas, sem oposição digna de registo. 

Nessa altura, os guerrilheiros do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) atacavam os aviões portugueses com tudo o que tinham à mão, desde armas ligeiras até lança foguetes RPG 2. A falta de armamento antiaéreo específico era um dos grandes problemas da guerrilha e a situação só começaria a mudar ligeiramente em 1964, com a chegada das primeiras metralhadoras pesadas Degtyarev de 12,7 mm. 

Duas armas destas foram capturadas pelas tropas portuguesas nesse ano [1]. Na mesma altura, a guerrilha também usa uma arma mais leve, a metralhadora SG43 Goryunov de 7,62 mm, montada num suporte móvel, que pode ser usada como arma antiaérea [2], Esta arma tinha um alcance eficaz de 1000 metros na horizontal e 500 metros na vertical e uma cadência de tiro de 600 a 700 tiros por minuto sendo alimentada por uma fita de 250 cartuchos. [3]

No entanto, durante o primeiro ano da guerra, o PAIGC não consegue infligir nenhuma perda à FAP. Todas as perdas que a Força Aérea sofre na Guiné no período 1962/63 são devidas a acidentes ou então a outras causas não relacionadas com fogo antiaéreo. 

Porém, em janeiro de 1964, durante a “Operação Tridente”, na ilha do Como, um T-6 pilotado pelo Alferes Santos Pité é atingido por fogo de terra e despenha-se. Durante esta operação, outros seis aviões são atingidos por fogo da guerrilha, mas sem grandes consequências. Os combatentes do PAIGC mostram-se, no entanto, cada vez mais aguerridos contra a aviação portuguesa. Basta dizer que, nos primeiros noves meses de 1964, são atingidos 44 aviões por fogo inimigo, embora sem consequências e só por duas vezes se observam vestígios possíveis de munições de 12,7 mm. [4] 

Porém, é no litoral sul da Guiné, que a aviação portuguesa vai encontrar a sua maior ameaça na forma de um sistema de defesa antiaérea preparado para defender as chamadas “zonas libertadas”.


Os primeiros ataques à antiaérea do PAIGC

A Força Aérea apercebe-se do problema em finais de 1965 e, rapidamente, o Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (ZACVG) lança uma operação de ataque para eliminar a ameaça. Em dezembro de 1965, são mobilizados vários meios aéreos para a execução da Operação Resgate. Dois aviões de patrulhamento marítimo P2V5 Neptune vindos da ilha do Sal juntam-se, em Bissalanca, na Base Aérea n.º 12 (BA12), a um C-47 Dakota adaptado para bombardeamentos nocturnos, doze T-6G, um Dornier Do-27 e a um Alouette III [5].


A operação começa na noite de 17 de dezembro, com o sobrevoo das posições da guerrilha na zona de Cafine pelo C-47 e o lançamento de granadas iluminantes. A guerrilha responde de imediato com fogo antiaéreo, sendo então bombardeada pelos P2V5 equipados com bombas de 750 libras (325 kg). Os bombardeamentos continuam ao longo da noite em mais 3 vagas de ataque e prolongam-se na noite de 19 de dezembro, embora aí já sem resposta da guerrilha, tendo a operação terminado a 20 de dezembro [6]

Embora a reacção antiaérea tenha sido significativa, há apenas a registar, durante a operação, dois impactos em dois T-6G e um impacto num P2V5, em ambos os casos sem consequências [7]. No entanto, a operação terrestre que deveria complementar esta ofensiva aérea (“Operação Safari”) corre mal. A operação é lançada nos primeiros dias de janeiro de 1966, com forças do Exército apoiadas por pára-quedistas e fuzileiros, na zona de Cafine, onde a Força Aérea tinha actuado antes. Porém, as forças portuguesas são repelidas pela guerrilha, que se mostra bem implantada nessa zona [8]. 

O próprio Do-27 que fazia de PCV (Posto de Comando Volante) é atingido pelo fogo dos guerrilheiros, ficando ferido o oficial que estava a bordo. No rescaldo da operação, o comando militar em Bissau reconhece que os meios existentes na Guiné não são suficientes para controlar o Cantanhez e que o PAIGC domina a região [9]. Mesmo assim, a Força Aérea desenvolve, em março desse ano, mais uma operação no Cantanhez (Operação Mercúrio), aproveitando a ausência de fogo antiaéreo [10]. Durante o resto do ano, o objectivo de grande parte das operações continuará a ser o litoral sul da Guiné, tanto a zona do Cantanhez e Quitafine, como os corredores de abastecimento, sendo o de Guileje o mais importante.



A chegada dos Fiat


Em meados de 1966, a BA12 recebe um reforço importante: os primeiros jactos Fiat G.91 R/4 [. Com a chegada do pequeno caça italiano, a Força Aérea Portuguesa (FAP) na Guiné passa a dispor de um novo meio de combate capaz de actuar rapidamente em qualquer parte da colónia. Além disso, os novos caças, devido à rapidez e ao poder de fogo, podem actuar mais eficazmente contra posições antiaéreas da guerrilha, reduzindo assim a ameaça antiaérea. Os novos jactos são recebidos com grande entusiasmo pelas chefias militares.


São atribuídos oito jactos Fiat à BA12 (números de série 5401-4, 5406-7 e 5417-8) e nomeados os respectivos pilotos e, no começo de maio de 1966, os G.91 5402 e 5406 fazem o primeiro voo de teste na Guiné. No entanto, serão precisos sete meses até o oitavo avião (5418) ficar pronto para voar, o que acontece em novembro desse ano. 

Os primeiros sobressalentes chegam a Bissalanca apenas a 30 de agosto, sendo o seu fluxo tão fraco que o G.91 5406 tem de ser canibalizado em benefício dos outros aviões. Mesmo assim, os primeiros Fiat aptos a voar têm já o tempo limite de inspecção da cadeira Martin-Baker expirado e enfrentam também a falta de porta-bombas e de lançadores de foguetes, assim como um baixo quantitativo de bombas no paiol da base, o que restringe a actividade dos aviões praticamente ao metralhamento.


Figura 1 – Um caça Fiat G.91 R/4 dos “Tigres” da Guiné.
Crédito: Paulo Alegria


A actividade operacional dos G.91 na Guiné é assim fortemente limitada por uma série de problemas de ordem logística e também de armamento[12]. Apesar destes problemas, os jactos começam imediatamente a ser empregues em missões ofensivas, sendo a “Operação Estoque”, a primeira onde participam activamente. Esta operação começa a 9 de agosto, no Quitafine, com bombardeamentos nocturnos usando o C-47 adaptado e prossegue, durante o dia, com os Fiat a atacarem posições antiaéreas. 

Nessa altura, a guerrilha tinha já ao serviço a ZPU-4 de 14,5 mm e dois Fiat são atingidos no dia 11 de agosto. A operação continua no dia 12 de agosto com mais bombardeamento nocturno pelo C-47, acabando nesse dia[13].


Outra zona que continua a preocupar o Quartel-general em Bissau é o Cantanhez, onde o PAIGC continua activo, atacando a navegação no rio Cumbijã, entre Cafine e Cadique. Para acabar com esses ataques, a Força Aérea lança mais uma operação na zona, a “Operação Valquíria”[14]. Esta operação foi desencadeada a partir de 19 de dezembro de 1966 e envolveu o C-47 (6155) em operações nocturnas, além dos Fiat e dos T-6, em bombardeamentos diurnos. A operação durou dois dias e duas noites, tendo a aviação envolvida efectuado 25 missões e 74 horas de voo[15].

Desta forma, ao longo de 1966, a zona de maior empenhamento da FAP é, sem dúvida, o sul da Guiné com operações na ilha do Como, Cantanhez e Quitafine. Destas três zonas, o Quitafine era onde a guerrilha estava mais fortemente implantada e oferecia maior resistência à acção da Força Aérea[16].



A 12 de janeiro de 1967, o Comando da ZACVG muda de mãos. O Coronel Krus de Abecasis termina a sua comissão e é substituído pelo Coronel Rui da Costa Cesário. O novo comandante segue a política do seu antecessor, apostando em operações de curta duração com recurso à aviação e a forças especiais (pára-quedistas).



Figura 2 – Foto de reconhecimento aéreo tirada pelo Fiat G.91 na “Operação Barracuda”. As marcas no solo são os covis de alojamento dos cunhetes da arma antiaérea.
Crédito: Arquivo da Defesa Nacional - ADN/F2/102/326/11



Neste âmbito, podemos destacar a “Operação Barracuda”, em fevereiro de 1967, na zona envolvente da mata Gã Formoso, executada por forças pára-quedistas com o apoio da aviação. A zona em questão era usada pela guerrilha para atacar aeronaves em aproximação a Bissalanca, o que afectava a utilização do espaço aéreo pela aviação portuguesa[17].




Figura 3 – Uma metralhadora antiaérea Degtyarev de 12,7 mm capturada durante a “Operação Barracuda”, em 1967.
Crédito: Arquivo da Defesa Nacional - ADN/F2/102/326/11


Para resolver o problema, a ZACVG lança uma operação de heli-assalto às posições da guerrilha. Esta operação é antecedida por voos de reconhecimento efectuados pelo Fiat G.91 a baixa altitude, que permitem identificar a posição da arma antiaérea usada pelos guerrilheiros junto a uma pequena tabanca. Neste caso, as fotos realizadas pelos aviões são tão pormenorizadas que chegam ao ponto de exibir as marcas do apoio do tripé da arma no solo, bem como os covis de alojamento dos cunhetes da antiaérea (ver figura 2). 

Com as posições antiaéreas devidamente identificadas é então desencadeada uma forte ofensiva aérea com aviões Fiat e T-6G de forma a paralisar a reacção antiaérea (AA), permitindo depois o assalto dos pára-quedistas[18]. O ataque mobilizou seis Fiat G.91, onze T-6G, sete helicópteros Alouette III e um avião ligeiro Do-27. Nas fotos estavam referenciadas duas posições com antiaéreas que são atacadas directamente pelos Fiat, enquanto os T-6 atacam as áreas adjacentes à mata com o objectivo de destruir as instalações de apoio aos guerrilheiros. A operação é bem-sucedida, provocando a fuga dos guerrilheiros e a captura de algum armamento ligeiro, além de uma metralhadora pesada instalada nas margens do rio Geba[19]. 

A acção mostrou também a utilidade dos voos de reconhecimento fotográfico efectuados pelo Fiat que vão ser úteis ao longo da guerra para identificar muitas das posições antiaéreas do PAIGC.


A primeira perda

Pouco dias depois do êxito obtido nesta operação, a Força Aérea perde o primeiro G.91 na Guiné, quando, a 22 de fevereiro, durante um ataque a uma posição antiaérea na região de Gã Pedro, um Fiat (5407) pilotado pelo Major Santos Moreira é atingido por estilhaços de uma das bombas de 200 kg que explode prematuramente. O piloto não consegue ejectar-se imediatamente e tenta regressar à base com o avião danificado, com o apoio do seu asa, o Tenente Egídio Lopes, mas é obrigado a ejectar-se antes de alcançar Bissalanca[20]. 

Nesta altura, é evidente que a principal ameaça aos aviões portugueses é o dispositivo antiaéreo no Cantanhez e no Quitafine, embora a guerrilha tenha também capacidade antiaérea noutras zonas da Guiné. A 28 de maio, por exemplo, um G.91 é atingido na zona de Cafale, a norte de Bissau, por fogo antiaéreo, mas sem grandes consequências. O mesmo acontece a dois T-6, que são alvejados pelas mesmas armas, mas sem consequências[21]. 

No início de agosto, o Capitão Fernando de Jesus Vasquez substitui o Capitão Costa Pereira no Comando da Esquadra 121 (Fiat e T-6) e acumula, também temporariamente, o comando do Grupo Operacional 1201 (GO1201), até à chegada, no final do mês, do Tenente-coronel Costa Gomes.



Os novos comandantes vão concentrar a sua acção na península do Quitafine, na altura classificada como Zona Livre de Intervenção da Força Aérea do Quitafine (ZLIFAQ), pois não existiam operações terrestres na zona, o que permitia a livre acção dos meios aéreos. A 10 de outubro de 1967, um Fiat pilotado pelo Capitão Vasquez é atingido por uma arma de 12,7 mm em Cassumba (Quitafine), quando fazia um passe de metralhamento. O jacto é atingido por dois projécteis, no entanto, consegue voltar à base. A posição AA é então atacada por outros aviões Fiat com bombas de 200 kg e bombas incendiárias, sofrendo o impacto directo das bombas[22].




Falta de caças


A eliminação da ameaça antiaérea no Quitafine torna-se assim uma prioridade para a Força Aérea, que vai empenhar-se fortemente nesse objectivo, nos meses seguintes, embora tenha falta de caças Fiat. 

O problema é apresentado em outubro de 1967, ao Secretariado-Geral da Defesa Nacional, depois de Amílcar Cabral ter dito que o Quitafine era uma região completamente libertada. O ministro da Defesa, o General Gomes de Araújo, considera que o problema tem de ser resolvido pela Força Aérea[23].  A FAP na Guiné defende-se dizendo que prepara frequentemente missões do Fiat para aquela zona, mas que precisa de mais caças para manter uma acção eficiente no Quitafine.

Uma análise da actividade dos G.91, na ZLIFA do Quitafine, de abril a meados de outubro de 1967, mostra uma média de dois a três aviões prontos por dia, afectados diversas vezes, durante esse período, por más condições meteorológicas devido à época das chuvas[24]. Contudo, mesmo com poucos caças prontos, a Força Aérea não desiste e desenvolve um programa de acção compreendendo missões de reconhecimento visual e fotográfico (RVIS e RFOT) da área do Quitafine para localização das posições AA, estudo das melhores rotas de aproximação aos alvos detectados, escolha do armamento a utilizar em função do tipo de ataque e concentração de armas AA, além das missões a desencadear para avaliar as condições dos alvos depois dos ataques e da escolha de áreas de ejecção e recuperação de tripulações[25]. 

Em finais de outubro, os Fiat fazem uma missão RFOT na zona, usando depois a informação recolhida para um ataque com bombas incendiárias contra uma posição AA, que é destruída[26]. Os alvejamentos continuam e, a 24 de novembro, três G.91 atacam outra posição AA em Canefaque (Quitafine) com bombas de 200 kg, conseguindo destruí-la[27]. 

O PAIGC não desiste e continua a tentar impedir o acesso da FAP ao extremo sul da Guiné, o que obriga os Fiat da BA12 a desencadearam uma série de ataques maciços, em janeiro e fevereiro de 1968, que desarticulam o dispositivo AA montado no Quitafine. Os guerrilheiros recuam então para a Guiné-Conakry e é partir daí que atacam aviões envolvidos em operações junto à fronteira.

Um Fiat abatido

No dia 28 de julho, os guerrilheiros conseguem, pela primeira vez, abater um Fiat (5411) usando armas de 12,7 mm. O caça, pilotado pelo comandante do grupo, o Tenente-coronel Costa Gomes, executava uma missão de RFOT na fronteira sul da Guiné para detectar posições AA, quando é atingido pelo fogo antiaéreo, obrigando o piloto a ejectar-se perto do aquartelamento de Gandembel, onde foi recuperado[28]. 

No entanto, apesar deste abate, os SITREPS (relatórios de situação) da ZACVG referem, constantemente, a partir de março de 1968, a ausência de reacção AA na zona do Quitafine. A região passou, então, a ser sobrevoada pelos caças portugueses sem qualquer restrição. Em setembro desse ano, o Comando da Zona Aérea passa para as mãos do Coronel Diogo Neto.


Porém, no final de 1968, em dezembro, a ameaça antiaérea voltaria ao Quitafine, mais concretamente a Cassebeche. De facto, em fins desse ano, é referenciada por uma parelha de Fiat G.91, uma ZPU-4 de 14,5 mm instalada no centro da antiga tabanca de Cassebeche. No entanto, o ataque contra esta posição AA é adiado com o intuito da guerrilha instalar mais meios na zona, para que um ataque futuro fosse mais rentável em termos de destruição e captura de armas, embora os Fiat continuem a actuar noutras zonas, como em Sangonhá, perto da fronteira com a Guiné-Conakry. A 6 de janeiro, uma parelha de caças é alvejada nesta zona por uma arma de 14,5 mm, que dava cobertura a um ataque diurno do PAIGC contra o quartel de Gadamael. 

Provavelmente, os guerrilheiros estariam a fazer um filme de propaganda usando o ataque a Gadamael para ilustrar a acção da guerrilha. Um erro que vão pagar caro. Nesse mesmo dia, quatro Fiat G.91 bombardeiam a posição com bombas de 200 kg e 50 kg, detectando, no decorrer da acção, a presença de dois canhões anticarro de 57 mm junto à arma AA. 

Três dias depois, tropas portuguesas de Gadamael dirigem-se ao local confirmando a destruição da arma antiaérea e danos nos canhões anticarro, além de várias baixas entre os guerrilheiros (16 mortes)[29].Durante os meses seguintes não se volta a verificar qualquer reacção AA da guerrilha, a não ser em março, no Cassebeche, durante a “Operação Vulcano”.




"Operação Vulcano"


Esta operação é desencadeada no início de março envolvendo, além dos meios aéreos da BA12, duas companhias de pára-quedistas, cada uma com cerca de 120 militares, que deviam executar um heli-assalto às posições do PAIGC em Cassebeche. 

No entanto, por opção do Comandante-Chefe, o General Spínola, foi decido empenhar inicialmente apenas uma companhia, comandada pelo Capitão Silva Pinto. Os pára-quedistas seriam transportados para o local da acção em Alouette III, em duas vagas de 40 elementos (5 em cada AL-III) mantendo-se em Catió, na retaguarda, uma reserva de mais 40 pronta a intervir, se necessário[30].

A operação começa a 6 de março, com o transporte dos pára-quedistas em C-47 de Bissalanca para Catió. No dia seguinte, três Fiat G.91 pilotados pelo Coronel Diogo Neto, pelo Capitão Jesus Vasquez e pelo Tenente Cruz, descolam da BA12, logo pela manhã, rumo ao Cassebeche. Um Do-27 armado com foguetes e dois helicópteros Alouette III com canhões de 20 mm também estão no ar para garantirem o apoio de fogo aos “páras”. 

São 11 minutos de voo até os Fiat chegarem aos alvos, onde encontram pelo menos sete posições AA activas, seis metralhadoras de 12,7 mm e uma ZPU-4 de 14,5 mm. O alvo principal é a ZPU que é destruída pelo Capitão Vasquez, sendo também atingida uma das metralhadoras de 12,7 mm. Pouco tempo depois, os helis colocam as duas vagas de pára-quedistas no terreno e uma parelha de Fiat efectua um segundo bombardeamento silenciando mais uma arma de 12,7 mm, no entanto, os pára-quedistas começam a encontrar forte resistência no terreno com metralhadoras pesadas e lança-foguetes RPG 2 e RPG 7. Perante a resistência encontrada, é decidido empenhar a reserva de prontidão em Catió.



Figura 4 – Guerrilheiros do PAIGC com uma arma antiaérea ZPU-4 de 14,5 mm, de origem soviética.
Crédito – Arquivo Amílcar Cabral/Fundação Mário Soares


Durante o resto da manhã, os Fiat efectuam mais alguns ataques às posições AA ainda activas, sendo dois caças atingidos, mas sem consequências de maior. No entanto, dos sete caças disponíveis na BA12, restam agora cinco operacionais. Durante a tarde, mais ataques aéreos são efectuados, o último com bombas incendiárias, tentando neutralizar uma das metralhadoras de 12,7 mm, mas sem êxito. No solo, os pára-quedistas estão encurralados e em sérias dificuldades, devido ao fogo da guerrilha. Os helicópteros armados ficam impotentes perante as baterias antiaéreas do PAIGC. Face à impossibilidade de dominar as posições da guerrilha, sem um grande número de baixas, é decidido retirar os “páras” do terreno, o que acontece ao meio da tarde[31]. No rescaldo da operação, parece que Spínola reconhece o erro de não ter empenhado logo inicialmente as duas companhias de pára-quedistas na operação e Diogo Neto percebe que, no futuro, “em casos semelhantes, o melhor é atacar de imediato com os meios aéreos e só depois comunicar superiormente o facto” [32].

Figura 5 – Metralhadora pesada ZPU-4.

Crédito – Paulo Alegria



No saldo final da operação, há a registar três aviões atingidos (2 Fiat e 1 Do-27), embora tenham sido neutralizadas cinco armas AA (1 ZPU-4 e 4 AA de 12,7 mm) e isto sem nenhuma baixa do lado português. Os Fiat fizeram nove ataques ao longo do dia[33].Quanto aos sete pilotos de G.91, tinham efectuado vinte saídas. O armamento utilizado cifrava-se em 22 bombas de 200 kg, 44 bombas de 50 kg, 4 incendiárias de 350 litros, 48 foguetes FFAR de 2.75 pol. e alguns milhares de munições de 12,7 mm, o que representava um esforço considerável no magro arsenal da BA12[34].

No dia seguinte, a 7 de março, uma parelha de Fiat vai a Cassebeche e efectua um voo RVIS na zona e verifica que os guerrilheiros tinham retirado todas as armas. Mais tarde, foi possível perceber, pela intercepção de várias mensagens do PAIGC, de que as baixas da guerrilha tinham sido de 19 mortos e 32 feridos e que Amílcar Cabral tinha mandado abrir um inquérito para apurar o que se tinha passado “no desastre de Cassebeche”[35]. 


Durante o resto do ano, não se verifica praticamente reacção AA da guerrilha.



Canhões antiaéreos

Os guerrilheiros só voltam a aparecer no Cassebeche em janeiro de 1970, tendo, a 20 de janeiro, flagelado alguns caças Fiat, mas sem consequências. Em resposta, o Comando da Zona Aérea desencadeia a “Operação Cravo Azul”, que elimina as posições AA do PAIGC, no Cassebeche[36]. Ainda nesse ano, registam-se alguns alvejamentos da guerrilha contra os G.91, noutras zonas da Guiné, nomeadamente em março, maio, junho, setembro e novembro, mas nada de significativo. 


O único facto relevante é a introdução na Guiné, em finais de junho de 1970, de canhões antiaéreos de 37 mm, que são usados na região de Sare Morso, junto à fronteira da Guiné-Conakry, contra os Fiat, durante a “Operação Pérola Azul”. É então planeado um ataque para a eliminação destes canhões, que são destruídos pelos caças da BA12[37]. Estas armas só voltariam a surgir novamente, na fronteira sul da Guiné, em maio de 1972, alvejando então uma parelha de Fiat na zona da Cacoca, mas sem consequências para os caças[38] 

Num balanço global, podemos ver pelo gráfico da figura 6 que as acções contra aeronaves são expressivas até 1966, registando, a partir daí, um decréscimo significativo até 1970. Daí para a frente, a reacção antiaérea do PAIGC é pouco significativa senão mesmo residual, não estando representada no gráfico. O pico que observamos em 1964 deve-se, em grande parte, à “Operação Tridente”, no arquipélago do Como. Muitas destas acções acontecem no sul da Guiné, onde a guerrilha era mais activa[39].



Figura 6 – Distribuição das acções antiaéreas da guerrilha contra os aviões portugueses.


Em suma, podemos concluir que a eliminação sistemática das armas antiaéreas do PAIGC, durante a guerra das antiaéreas, tornou a guerrilha incapaz de restringir a liberdade de acção dos meios aéreos portugueses, que continuaram a actuar por toda a Guiné, sem grande oposição. Esta impotência perante a aviação portuguesa levaria Amílcar Cabral a procurar uma nova arma antiaérea junto dos soviéticos. Esta nova arma seria o míssil Strela 2-M, que chegaria à Guiné em março de 1973, já depois da morte do líder do PAIGC.

O autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional (ADN) as facilidades concedidas para esta investigação. Ao Tenente-general Fernando de Jesus Vasquez, ao Tenente-general José Nico e ao Comandante Egídio Lopes agradece a leitura e comentários. Ao Paulo Alegria as ilustrações para este trabalho. Ainda um agradecimento especial à Fundação Mário Soares pela cedência das fotos do Arquivo de Amílcar Cabral, disponíveis em casacomum.org.

Para efeitos de publicação no blogue, com a devida vénia ao autor, José Matos, e ao editor, a Revista Militar, procedeu-se a revisão e fixação do texto por parte do editor LG]
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Notas de rodapé:

[1] Anexo K do SUPINTREP n.º 35, Repartição de Informações do COMCHEFE/Guiné, Bissau, 20 de abril de 1971, Arquivo da Defesa Nacional ADN F2/SR007/SSR1/61/35.

[2]  Ibidem.

[3]  Nota n.º 79/NI/201.41 da 2ª Repartição do Estado-Maior do Exército, ADN/F2.2/100/393.

[4]  Estudo sobre as Possibilidades e Limitações do Apoio Aéreo na Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, setembro de 1964, Espólio do Tenente-general Barbeitos de Sousa, Cx. 183-7, Arquivo Histórico da Força Aérea (AHFA).

[5]  Sitrep nº 352/65 da ZAVERDEGUINE, 19 de dezembro de 1965, ADN/F2/105/347/13.

[6]  Abecassis, Krus José, Bordo de Ataque. Memórias de uma caderneta de voo e um contributo para a História, 2º volume, Coimbra Editora, 1985, pp. 487-494.

[7]  Sitreps n.º 354/65 e 355/65 da ZAVERDEGUINE, de 20 e 21 de dezembro de 1965, ADN/F2/105/347/13.<

[8]  Baêna, Luís Sanches de, Fuzileiros, Factos e Feitos na Guerra de África 1961/1974, Crónica dos Feitos na Guiné, Comissão Cultural da Marinha, Edições Inapa, 2006, pp. 63-64.

[9]  Abecasis, op. cit., pp. 502-507.

[10] Abecasis, op. cit., pp. 518-519.

[11] Abecasis, op. cit., p. 524.

[12] Relatório do Comando da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné para Estado-Maior da Força Aérea, Assunto Actividade Operacional dos G-91, 25 de março de 1967, Serviço de Documentação da Força Aérea/Arquivo Histórico SDFA/AHFA/SEA, Guiné 1964-1974/Fiat, Processo 430.121.

[13] Abecasis, op. cit., pp. 556-562.

[14] Abecasis, op. cit., pp. 608-609.

[15] Abecasis, op. cit., pp. 609-610.

[16] Abecasis, op. cit., p. 611.

[17] Directiva n.º 1/67 do COMZAVERDEGUINE, 3 de fevereiro de 1967, ADN/F2/102/326/11.

[18] Ibidem.

[19] Relatório da “Operação Barracuda” do COMZAVERDEGUINE, 7 de fevereiro de 1967, ADN/F2/102/326/11.

[20] Informação n.º 84 da 3ª Repartição do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Acidente com o avião Fiat G-91 n.º 5407 em 22 de fevereiro de 1967, Lisboa, 19 de junho de 1967, SDFA/AH.

[21] Sitrep Circunstanciado nº 4/67 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 31 de maio de 1967, ADN/F2/16/90.

[22] Sitrep Circunstanciado n.º 23/67 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 31 de maio de 1967, ADN/F2/16/90.

[23] Ofício n.º 3170/B do Secretariado-Geral da Defesa Nacional para o Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Guiné – Necessidade em aviões, s.d. ADN/F2/92/309/14.

[24] Ofício n.º 2977/C/67 do Comando-Chefe da Guiné para o Secretariado-Geral da Defesa Nacional, Assunto: PAIGC – Amílcar Cabral, 19 de outubro de 1967, ADN/F2/92/309/14.

[25] Informação prestada pelo Tenente-general Jesus Vasquez, em 1 de agosto de 2013.

[26] Sitrep Circunstanciado n.º 26/67 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 31 de maio de 1967, ADN/F2/16/90.

[27] Sitrep Circunstanciado n.º 31/67 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 31 de maio de 1967, ADN/F2/16/90.

[28] Sitrep Circunstanciado n.º 31/68 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 31 de maio de 1967, ADN/F2/16/90.

[29] Sitrep Circunstanciado n.º 01/69 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 8 de janeiro de 1969, ADN/F2/16/90.

[30] Neto, Manuel Diogo, Operação Vulcano, Cassebeche, 7 de Março de 1969, Revista Mais Alto nº 257, Jan/Fev. 1989, p. 16.

[31] Neto op. cit., pp. 16-18.

[32] Neto op. cit., p. 18.

[33] Sitrep Circunstanciado n.º 10/69 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 10 de março de 1969, ADN/F2/16/90.

[34] Neto, op. cit., p. 19.

[35] Neto, op. cit., p. 19.

[36] Sitrep Circunstanciado n.º 04/70 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, 26 de janeiro de 1970, ADN/F2/SSR.002/81.

[37] Sitrep Circunstanciado n.º 26/70 e 27/70 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, junho/julho de 1970, ADN/F2/SSR.002/85.

[38] Sitrep Circunstanciado n.º 22/72 do COMZAVERDEGUINE, Bissau, maio de 1972, ADN/F2/SSR.002/81.

[39] Anexo H do SUPINTREP n.º 35, Repartição de Informações do COMCHEFE/Guiné, Bissau, 20 de abril de 1971, ADN F2/SR007/SSR1/61/35.