1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2022:
Queridos amigos,
A vida ensina-nos, no campo da investigação e noutros domínios, que é salutar para a consistência das ideias revermos textos importantes, e no caso vertente a entrevista que Carlos de Matos Gomes concedeu a 2 investigadores do Centro de Estudos de História Contemporânea, do Instituto Universitário de Lisboa, revela-se como uma das peças indispensáveis para o estudo da descolonização da Guiné, que pensaram e como agiram aqueles oficiais na génese da sublevação, como se constituiu o Movimento dos Capitães e o MFA, como foi possível, ato inédito, o grosso dos escol das Forças Armadas na Guiné terem feito o que fizeram; e como é indispensável o seu olhar para se entender o que foi a desmobilização das poderosas forças do Batalhão de Comandos Africanos, como se verificará no próximo texto.
Um abraço do
Mário
Uma nova leitura da incontornável entrevista de Carlos de Matos Gomes sobre a descolonização da Guiné (1)
Mário Beja Santos
Li pela primeira vez este texto que vem integrado na obra Vozes de Abril na Descolonização, com organização de Ana Mouta Faria e Jorge Martins, uma edição do CEHC – IUL, 2014, provavelmente no ano seguinte e fiz texto para o nosso blogue.
Correu muita água debaixo das pontes, não se podia imaginar que a questão tivesse arrumada, é obrigatório que haja outras perspetivas sobre a descolonização da Guiné, mas o facto é que esta entrevista se mantém modelar e de indiscutível historicidade. Primeiro, porque este oficial do Exército não foi desmentido minimamente quanto ao processo organizativo na Guiné do Movimento dos Capitães/MFA; nenhuma opinião veio contrariar o que ele escreve sobre os acontecimentos do dia 26 de abril, fenómeno inédito comparativamente ao que se passou em Angola e Moçambique; e numa altura em que se retoma a questão polémica dos Comandos Africanos, com alardes de mentira descarada e de escamoteamento do rigor dos factos, até em pretensas teses de doutoramento, este oficial do Exército relembra tudo quanto se passou ao nível da desmobilização do Batalhão de Comandos Africanos e das duas unidades de Fuzileiros Africanos, preto no branco. Razões, parece-me, que justificam voltar ao texto da entrevista de Carlos de Matos Gomes.
Para os autores deste projeto, o móbil subjacente era o de contribuir para o conhecimento sobre a descolonização portuguesa na parte final, olhando-a sobretudo a partir das dinâmicas locais das três colónias africanas em guerra.
Antes de se referir propriamente ao seu itinerário militar e à forma como se associou, a partir de 1972, à análise da evolução da guerra e as possíveis soluções admissíveis, é recordado nas colónias, tal como em Portugal, o processo da mobilização política foi desencadeado no anúncio da realização do Congresso dos Combatentes, a decorrer no Porto no início de junho de 1973, um elevado número de oficiais prontamente detetou que aí se ia procurar legitimar a continuação da guerra.
Para os autores deste projeto, o móbil subjacente era o de contribuir para o conhecimento sobre a descolonização portuguesa na parte final, olhando-a sobretudo a partir das dinâmicas locais das três colónias africanas em guerra.
Antes de se referir propriamente ao seu itinerário militar e à forma como se associou, a partir de 1972, à análise da evolução da guerra e as possíveis soluções admissíveis, é recordado nas colónias, tal como em Portugal, o processo da mobilização política foi desencadeado no anúncio da realização do Congresso dos Combatentes, a decorrer no Porto no início de junho de 1973, um elevado número de oficiais prontamente detetou que aí se ia procurar legitimar a continuação da guerra.
O protesto a partir da Guiné reuniu mais de 400 assinaturas. Estava esta contestação em curso e apareceu outra, face à legislação que procurava suprir a carência de oficiais profissionais através do acesso a uma rápida carreira proporcionada a milicianos com serviço de guerra. Há entendimento de que a campanha contra os decretos deve ser considerada como o acontecimento fundador do Movimento dos Capitães do Exército. Constituiu-se uma rede onde passaram a circular informações, comunicados, cartas de discussão política.
Lá para os finais de 1973 a rede do Movimento dos Capitães encontrava-se organizada em núcleos implantados nos 3 teatros de operações. O entrevistado observa que na Guiné, onde o núcleo dinamizador da discussão política se encontrava em funcionamento desde o segundo semestre de 1972, a fase do movimento organizado começou no verão de 1973. E dá notas precisas. A Comissão Coordenadora formou-se em Bissau com major Almeida Coimbra, os capitães Matos Gomes, Duran Clemente e António Caetano. O núcleo da Guiné do MFA estabeleceu-se em 15 de maio de 1974, possuía uma assembleia de representantes dos 3 ramos das forças armadas, uma comissão central, e haveria uma organização formada depois do 25 de abril, o Movimento Alargado de Oficiais, Sargentos e Praças. Foi nesse contexto que se publicou em 24 de maio a circular do chefe de Estado-Maior das Forças Armadas integrando representantes deste movimento na cadeia de comando das Forças Armadas.
Retomando ao itinerário curricular de Carlos de Matos Gomes, depois da Academia Militar enveredou na arma de Cavalaria, esteve em Moçambique e Angola, aqui frequentou o Centro de Instrução de Comandos, voltou a Moçambique, foi instrutor na Academia Militar, seguiu-se a comissão da Guiné. Foi duas vezes agraciado com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe.
Lá para os finais de 1973 a rede do Movimento dos Capitães encontrava-se organizada em núcleos implantados nos 3 teatros de operações. O entrevistado observa que na Guiné, onde o núcleo dinamizador da discussão política se encontrava em funcionamento desde o segundo semestre de 1972, a fase do movimento organizado começou no verão de 1973. E dá notas precisas. A Comissão Coordenadora formou-se em Bissau com major Almeida Coimbra, os capitães Matos Gomes, Duran Clemente e António Caetano. O núcleo da Guiné do MFA estabeleceu-se em 15 de maio de 1974, possuía uma assembleia de representantes dos 3 ramos das forças armadas, uma comissão central, e haveria uma organização formada depois do 25 de abril, o Movimento Alargado de Oficiais, Sargentos e Praças. Foi nesse contexto que se publicou em 24 de maio a circular do chefe de Estado-Maior das Forças Armadas integrando representantes deste movimento na cadeia de comando das Forças Armadas.
Retomando ao itinerário curricular de Carlos de Matos Gomes, depois da Academia Militar enveredou na arma de Cavalaria, esteve em Moçambique e Angola, aqui frequentou o Centro de Instrução de Comandos, voltou a Moçambique, foi instrutor na Academia Militar, seguiu-se a comissão da Guiné. Foi duas vezes agraciado com a Cruz de Guerra de 1.ª Classe.
O seu percurso depois de 25 de abril: comandante do Batalhão de Comandos, na Guiné, em Portugal participou nas campanhas de dinamização cultural; em 20 de novembro de 1975 subscreveu o Manifesto dos Dezoito, documento que congregava militares defensores do poder popular de base. É do domínio público todo o seu intenso percurso literário, tanto na ficção como em obras de História Militar.
“Ofereci-me como voluntário para os Comandos Africanos da Guiné na medida em que entendia que a guerra só por si não tinha nenhuma saída. Queria participar, observar a solução que o general Spínola estava a ensaiar na Guiné então como assessor. Spínola procurava a solução político-militar para a Guiné isto enquanto o PAIGC, após o assassínio do seu líder produzia operações de grande envergadura, o chamado Inferno dos 3 Gs”.
“Ofereci-me como voluntário para os Comandos Africanos da Guiné na medida em que entendia que a guerra só por si não tinha nenhuma saída. Queria participar, observar a solução que o general Spínola estava a ensaiar na Guiné então como assessor. Spínola procurava a solução político-militar para a Guiné isto enquanto o PAIGC, após o assassínio do seu líder produzia operações de grande envergadura, o chamado Inferno dos 3 Gs”.
E considera que a partir daí a situação entrara numa fase de grande degradação. “A Guiné foi o ninho ou embrião de tudo aquilo que veio a ocorrer aqui em Portugal”. Não deixou de aludir à sua consciencialização política e aos contactos que estabeleceu em Bissau com José Manuel Barroso e Jorge Sales Golias.
Refere-se depois à génese e estruturação do MFA no território. Tudo começou com um grupo que integrava o entrevistado, Sales Golias, José Manuel Barroso, Duran Clemente, um oficial da Força Aérea e um engenheiro do Exército, reuniam-se regularmente no Agrupamento de Transmissões. Este grupo irá contestar o Congresso dos Combatentes e fará aliança com os spinolistas. Não deixa de mencionar fatores contextuais que lhe parecem relevantes: o aparecimento do jornal Expresso e as diligências de Spínola à procura de negociação com Cabral. Tem uma palavra sobre a reocupação do Cantanhez, no final de 1972:
Refere-se depois à génese e estruturação do MFA no território. Tudo começou com um grupo que integrava o entrevistado, Sales Golias, José Manuel Barroso, Duran Clemente, um oficial da Força Aérea e um engenheiro do Exército, reuniam-se regularmente no Agrupamento de Transmissões. Este grupo irá contestar o Congresso dos Combatentes e fará aliança com os spinolistas. Não deixa de mencionar fatores contextuais que lhe parecem relevantes: o aparecimento do jornal Expresso e as diligências de Spínola à procura de negociação com Cabral. Tem uma palavra sobre a reocupação do Cantanhez, no final de 1972:
“Nós percebemos que essa operação tinha para o general Spínola, como objetivo explícito, marcar uma presença. Para nós isso significava que ele queria apenas dizer que ia deixar a Guiné mais ou menos como a tinha encontrado, e é isso que irá acontecer”.
Dirá adiante que o mês de maio de 1973 foi revelador da incapacidade de sustentar uma situação apenas pelas forças militares. Spínola parte definitivamente, mas o grupo continuou a reunir-se, e manteve-se muito ativo na altura em que surgem os célebres decretos que agitaram a corporação. Adianta que as cartas enviadas para o governo iriam alimentar divisões dentro do regime, a situação revelou-se imparável, o 1.º decreto foi alterado por um novo decreto, aumentaram os vencimentos depois dessa mudança de ministro.
Dirá adiante que o mês de maio de 1973 foi revelador da incapacidade de sustentar uma situação apenas pelas forças militares. Spínola parte definitivamente, mas o grupo continuou a reunir-se, e manteve-se muito ativo na altura em que surgem os célebres decretos que agitaram a corporação. Adianta que as cartas enviadas para o governo iriam alimentar divisões dentro do regime, a situação revelou-se imparável, o 1.º decreto foi alterado por um novo decreto, aumentaram os vencimentos depois dessa mudança de ministro.
Volta a mencionar a degradação da situação militar e diz que as nossas unidades que chegavam à Guiné eram cada vez piores na preparação e que o potencial militar estava degradado. Tem uma palavra para reconhecer o papel importante de Diniz de Almeida na transmissão de informações na placa giratória entre Lisboa e as colónias em guerra. Em Lisboa reunia-se um grupo na Academia Militar.
Considera que os militares na Guiné eram levados a pensar muito politicamente.
Considera que os militares na Guiné eram levados a pensar muito politicamente.
“Ali era perfeitamente patente que Portugal tinha uma colónia que não tinham o mínimo de viabilidade. Ficava muito claro que a política colonial portuguesa era irracional! Irracional, porque os grupos que nós queríamos agregar numa entidade política, num Estado-Nação, não tinham nenhuma coerência entre eles, não se identificam com essa identidade que nós queríamos criar.
"No caso dos Fulas, eles eram inimigos dos povos dali e tinham ligações para o norte, com os Fulas do Senegal e para o interior, com os Fulas da Gâmbia e da zona da Guiné-Conacri. Daí que muitos dos nossos militares africanos tivessem famílias nos países vizinhos. Nós percebíamos que não havia nenhuma entidade política, nenhuma coesão política.
"A Guiné, por outro lado, tinha um outro aspeto evidente para toda a gente, não tinha nenhuma viabilidade económica. E também não se percebia muito bem o que o PAIGC ia fazer da Guiné, de um território que não tem nenhuma riqueza. E isso punha em causa todo o colonialismo. Volto atrás: na Guiné havia essa consciência da incapacidade de fazer uma argamassa cultural e política daquele conjunto de povos”.
E a sua observação recai sobre os Comandos Africanos:
E a sua observação recai sobre os Comandos Africanos:
“Eles faziam uma leitura como nós fazemos, como eu faço, de que a Guiné não tinha viabilidade como Nação. Eles, quando optaram por ficar com os portugueses, fizeram-no de uma forma muito consciente e, politicamente, muito informada, não por traição ao seu povo. Primeiro, eles não faziam bem a ideia de que povo eram, como, aliás, ninguém na Guiné fazia. Quem fala do ‘Povo Guinéu’, nem fala de guineenses, é o Spínola. Aquela gente que o vai procurar, e nomeadamente os Papéis, que são da ilha de Bissau, é fazer a ligação com aqueles que lhes podem dar alguma coisa e permitir que aquele espaço tenha alguma viabilidade. E era disto que nos falávamos, com franqueza, com o Saiegh e com o Sisseco e com alguns outros”.
(continua)
Nota do editor
Último poste da série de 30 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24807: Notas de leitura (1629): "Memórias de um Combatente na Guiné de 69/71", por Diogo Aloendro; 5livros.pt, 2021 (Mário Beja Santos)
(continua)
Carlos de Matos Gomes
Eu, Beja Santos, e o Zacarias Saiegh, ambos no Pel Caç Nat 52, Bolonha de Finete, 1968
____________Nota do editor
Último poste da série de 30 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24807: Notas de leitura (1629): "Memórias de um Combatente na Guiné de 69/71", por Diogo Aloendro; 5livros.pt, 2021 (Mário Beja Santos)