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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Guiné 63/74 - P8857: Estórias do Juvenal Amado (39): O meu Avô Juvenal, o Benjamim e Eu

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado*, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), com data de 3 de Outubro de 2011:

Caros Carlos, Luís, Magalhães, Briote e restantes camarada da Tabanca Grande

Com a proximidade do 5 de Outubro não podia deixar de evocar o meu avô do qual a minha avó me contou muitas estórias. Ele morreu quando a minha mãe tinha nove anos,  sendo ela a oitava dos nove filhos que deixou. 

Os seus ideais foi a única coisa que nos deixou, a mim também deixou o nome. Só um homem de grande estatura cívica poderia deixar a admiração que todos nutriam por ele.

Se acharem que o tema não se desvia muito do sentir do blogue ficou grato por esta pequena homenagem.

Juvenal Amado


ESTÓRIAS DO JUVENAL AMADO (39) > O MEU AVÔ JUVENAL, O BENJAMIM E EU

Mosteiro de Alcobaça - Ala Norte

Quem vinha de Caldas na direcção Norte passava por esta rua

A ala Norte do Mosteiro de Alcobaça foi durante bastantes anos ocupada pela instituição denominada Asilo da Mendicidade de Lisboa.

Dizem que para cá veio como castigo pelos constantes assaltos ao quartel, que então aí esteve instalado.
Eu conheci bem o seu interior, uma vez que um tio meu lá trabalhou e eu ia lá com o meu primo, quando ele levava alguma coisa ao pai ou simplesmente quando ele queria lá ir sabendo que aqueles muros, escadarias, corredores e salas de pedra gasta, repletas de homens muitos deles andrajosos, onde a humidade escorria das paredes na maior parte dos sítios de pedra nua, me incomodava até à beira do terror. Eu fazia-me forte mas por dentro todo tremia.

Como o nome indicava era um asilo para desvalidos, aí se misturavam velhos, loucos, atrasados mentais e deficientes de toda a espécie. Vários casos de tuberculose, uma grande percentagem de alcoólicos e doenças várias numa população que andou perto dos 2000 internados se é que não chegou a ultrapassar. Bem de ver que controlar a sobrelotação das instalações não era tarefa fácil. Assim os castigos frequentes passavam por privação das saídas e de outros se falou, pois se ouvia contar que aquele guarda agredia os internados, vangloriando-se disso.

Mas meu avô Juvenal,  homem de grande coração, foi também lá guarda. Depois de muitas noites na serra de Monsanto, fugas e prisões, ralações para a minha avó, defendendo os seus ideais republicanos, veio de Lisboa para Alcobaça com a saúde completamente arruinada. De tal forma que,  passado pouco tempo,  só se deslocava para o trabalho acompanhado do meu tio, que assim ficava com ele para o ajudar a fazer as rondas bem como a regressar a casa.

Um dia prendeu-se-lhe a atenção num internado muito jovem, que tinha ido para o asilo como moço de cego. Assim que o cego faleceu, o meu avô requereu o jovem Benjamim para seu serviço pessoal. como era uso. Assim o Benjamim que nada tinha passou a ser figura presente em casa de quem tinha pouco.

O meu avô faleceu 26 anos antes de eu ter nascido e o Benjamim manteve-se fiel à casa, viu crescer a minha mãe bem como dois irmãos que eram crianças de escola. Também foi testemunha da violência da separação da minha avó dos filhos mais novos, que foram para instituições para órfãos.

Ele ali estava todo o dia,  fazendo recados, indo buscar água à fonte Estalaças ou à Fonte Nova, ora ajudando a minha avó a tratar das galinhas, ou mesmo sentado numa cadeira à beira da minha cama quando eu dormia a sesta.

Comia as vezes que lhe oferecessem. A visão dele a comer uma grossa fatia de pão, que molhava na tigela de café açucarado, só é suplantada pelo estrebuchar do corpo dele no chão de pedra do pátio, com os ataques epilépticos de que padecia. Ele pressentia-os e metia a manga do casaco na boca para não se morder todo.

Passaram-se os anos quando eu fui mobilizado []para a Guiné] e fui despedir-me da minha avó, também me despedi do Benjamim. Veio até mim,  quando para ele olhei, e aceitou o meu abraço, sem perceber muito bem a razão do mesmo.

A minha avó faleceu quando eu estava na Guiné. Não imagino a dor que o Benjamim sentiu e sofreu daí em diante com a sua falta.

Quando regressei, fui no dia seguir visitar a minha tia, que vivia agora sozinha na mesma casa. Lá estava o Benjamim que,  sabedor do meu regresso,  desde manhã bem cedo me esperava na rua.
Veio direito a mim e abraçou-me e,  no seu jeito simples e meio demente, perguntou-me porque me demorei tanto. Percebi que ele não sabia ao certo onde eu tinha estado. Trazia num bolso de um casaco um bolo de arroz sem qualquer prazo, para me oferecer como prenda de anos. Possivelmente já o trazia desde Junho do ano anterior.

Morreu algum tempo depois, tinha uma tuberculose,  há muitos anos crónica.

Na rua Miguel Bombarda, também conhecida pela rua da Estrada, a casa da minha avó já não existe como a conheci. Quando lá passo,  lembro-me dos jogos da bola na rua, da queima do Judas, dos altares dos Santos Populares, das corridas de arco e dele deitado no pátio, com o corpo dolorosamente percorrido por espasmos incontroláveis, babando-se, revirando os olhos sem ajuda possível.
Descansa em paz,  Benjamim.

Juvenal Amado
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Notas de CV:


domingo, 15 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8276: Estórias do Juvenal Amado (38): Nunca até li tinha visto tantas mamas ao léu e tão bonitas (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 14 de Maio de 2011:

Luis, Carlos, Virgínio, Magalhães e restantes atabancados
Nada como falar numa mulher bonita para que se gaste rios de tinta. Neste caso será um gasto digital por isso fica um pouco mais económico.
Elas desencadeiam paixões das mais variadas maneiras e pelo que se vê já vai numa série de postes. Eu também não quero deixar passar a oportunidade de enaltecer a beleza delas e ao mesmo tempo, dizer algo sobre a utilização das mesmas como material decorativo.

Um abraço
Juvenal Amado


Estórias do Juvenal (38)

Nunca até ali tinha visto tantas mamas ao léu e tão bonitas

Também eu vim de uma pequena vila, onde tirando alguma namorada, onde víamos mamas era na praia e só parcialmente. Naquele tempo até em revistas era coisa rara. Lembro-me de um filme que veio a Lisboa onde a Romy Scheneider mostrava o peito. O filme era A Piscina e a fila para as bilheteiras no cinema S. Jorge dava a volta ao quarteirão, tal era a avidez dos portugueses, em matéria do visionamento dos atributos femininos, tão longe dos nossos olhares e censurados pelos bons costumes vigentes por cá. Vi o filme bastantes anos depois e achei caricato, que visão de uma nesga da beleza de uma mulher, tivesse provocado tal romaria, bem como as medidas apertadas à volta da sua exibição.

Neste país uma mãe de 20 anos não podia ver filmes como Helga e o Segredo da Maternidade que era para maiores de 21. Podia casar e ser mãe mas não podia ver no cinema o milagre da vida. Já os homens podiam alistar-se na tropa aos 16 anos, para além de também poderem já ser casados, ter filhos, mas não tinham 21 anos e por isso não podiam ver.

Nos países livres por essa Europa fora o filme era utilizado para educação nas escolas.

No caso de jovens operários como eu, podem-se contar pelos os dedos das mãos, os que não tiveram a primeira experiência sexual na borda da estrada, com uma profissional e sempre prontos a fugir caso aparecesse a GNR. Na minha zona era a Espinheira o local de eleição.

Bem triste e por vezes inibidor pela vida fora, o nosso baptismo em matéria de sexo.

Juvenal com uma PPSH

Quando cheguei à Guiné fiquei, como a maioria, de olhos em bico, com a beleza e perfeição das ditas que as bajudas ostentavam. Quem é que não cedeu à tentação de se encostar e de se fotografar com elas, como se fôssemos donos de harém e depois mostrarmos essas fotos, vangloriarmo-nos possivelmente de feitos que não cometemos? É um bocado como aquela fotografia, que fizemos fila para tirar com uma arma capturada, mas que nunca utilizamos.

Também tenho algumas, mas não tenho hoje a coragem das expor.

Não tínhamos em conta a idade delas, para que os seios ostentassem aquela firmeza. No blogue o aparecimento do álbum fotográfico, onde aquelas nativas aparecem na sua máxima beleza, faz-nos voltar a trás e lembrarmo-nos das dádivas e dos excessos.

 Namoricos ocasionais

A educação de cada um ditou muitos dos relacionamentos.

Um pequeno senão será uma ou duas fotos dignas de revista da especialidade, onde se ganhou em sofisticação e se perdeu a beleza que tem a naturalidade.

Um abraço a todos.
Juvenal Amado

Notas do editor:  
- Romy Schneider, nome artístico de Rosemarie Magdalena Albach (Viena, 23 de Setembro de 1938 — Paris, 29 de Maio de 1982).
Elementos retirados da Wikipédia com a devida vénia

- E já agora um apontamento pessoal. Vi numa sessão dupla, no dia 6 de Dezembro de 1969 no Chiado Terrasse, os filmes A Piscina e Quarto Interdito.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8203: Estórias do Juvenal Amado (37): Quando macaco passou por gazela

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8203: Estórias do Juvenal Amado (37): Quando macaco passou por gazela

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 13 de Abril de 2011:

Caro Luís, Carlos, Magalhães, Briote e restante Tabanca Grande.
É uma estória que já esteve várias vezes para ser contada, mas porque os factos me incomodam hoje um bocadinho, tem ficado para trás no sótão da minha memória.
E incomoda-me porquê? Porque o que fizemos foi só por malandragem. Galomaro não sendo um hotel com estrelas, comia-se relativamente bem e com abundância, pois o nosso Coronel era bastante exigente em tudo e nesse caso particular também.
Fica aqui a estória em que num dia comemos um parente afastado.


Estórias do Juvenal (37)

QUANDO MACACO PASSOU POR GAZELA

- Um dos alferes periquito é moço do bairro e já lhe prometi uma patuscada daquelas que não se esquecem.

Quem falava assim era o Caramba, dando logo a entender que uma partida bem pregada vinha a calhar.

Na Guiné durante aquele tempo comi coisas que possivelmente nunca comeria noutra situação. Cogumelos do tamanho de pratos, que eram parecidos com os de cá mas várias vezes maiores, cobra, crocodilo (comi em Bambadinca), carne de porco do mato ou gazela, cheias de larvas da mosca varejeira, que depois de lavada, era cozinhada sem mais e despachada a acompanhar umas cervejas.

Quando comemos a primeira vez os cogumelos, ninguém tinha a certeza se eles eram bons. O Lourenço dizia que eram iguais e lá arriscámos. O Aljustrel ainda disse em jeito de gozo:

- Amanhã acordamos todos mortos.

Esse mau pressagio não se confirmou felizmente e nos dias a seguir, o Lourenço e o Caramba que eram os que conheciam fizeram uma razia nos ditos cujos.

Juvenal e um primo afastado

Mas voltemos à patuscada, com que íamos honrar os oficiais piras. Em Assembleia Geral da Sacanagem, resolvemos fazer um petisco à base de macaco. Assim foi combinado, quando fôssemos à lenha, suficientemente afastado do quartel, mataríamos um macaco, com que confeccionaríamos o pitéu . O Caramba ficou encarregue de combinar com o Alferes Esperança e ele que estivesse à vontade para convidar os camaradas dele, que é bom de ver, ficavam com a bebida ao seu encargo, sim porque a velhice era um posto.

Assim foi, na padaria cozinhou-se o macaco dizendo que era gazela. Cheirava bem e estava bom que se fartava. A cerveja corria a jorros, e estávamos já todos muito bem bebidos quando um dos piras presente perguntou como é que nós arranjávamos aquela carne? A risota foi geral e quando dissemos o que era, alguns empalideceram e ficaram notoriamente enojados, incomodados a olhar para os restos nos pratos.

Bem, a festa continuou no Regala onde os nossos convidados continuaram a pagar as bebidas, o que não lhes ficou barato pois nós não éramos gente de meias medidas. Nós bebíamos como de costume muito e alguns deles já bebiam para esquecer o que tinham comido.

Passada uma semana ou mais, estávamos a petiscar umas galinhas quando passa o Alferes Esperança. O Caramba diz-lhe:

- Oh meu alferes não vai um bocadinho de galinha?

A resposta o alferes não se fez esperar:

- Porra! Porra! Não quero nada, vocês são capazes de estar a comer abutre.

Pois é foi giro, mas quis repetir. Fiquei com algum sentimento de culpa em relação aos macacos, que não desapareceu, e é talvez uma das coisas, que me arrependo de ter feito.

Um abraço
Juvenal
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8159: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (16): Que a História não esqueça o que o blogue Luís Graça manteve vivo (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 1 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8027: Estórias do Juvenal Amado (36): Um domingo de futebol em Galomaro

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8027: Estórias do Juvenal Amado (36): Um domingo de futebol em Galomaro


1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 28 de Março de 2011:

Caros Luís, Vinhal, Magalhães, Briote e restante atabancados.
Mais uma pequena estória sobre Galomaro e o periodo que lá estacionou o BCaç. 3872

Um abraço e boa semana
Juvenal Amado





Galomaro > Juvenal Amado > Vista do campo de futebol

Estórias do Juvenal (36)

UM DOMINGO DE FUTEBOL EM GALOMARO

Lembro-me ainda criança, quando o meu pai organizava excursões a Lisboa para irem ver o Sporting e o Benfica.
Adeptos desses dois clubes conviviam em sã camaradagem na mesma camioneta e partilhavam os farnéis, bem como as «as máquinas de filmar de 5 litros tinto». Fosse qual  fosse o resultado, os petiscos e os vapores da boa pinga da região de Alcobaça, (trincadeira, touriga, Fernão Pires e João de Santarém) faziam esquecer os resultados num tempo em que os dois clubes, mais ao menos dividiam os títulos entre si.

A minha habilidade para o desporto rei foi pouca e limitei-me a alinhar com o Jero e Nobre, membros do blogue no Futebol Clube do Cabeço, onde reinava uma camaradagem sem paixões clubistas, categorias sociais nem partidárias.

Mas isto serve de introdução a uma pequena estória passada em Galomaro entre 72 e 74, a qual me vem de vez enquanto à memória, quando na televisão vejo cenas em que os próprios jogadores como profissionais do mesmo ramo, não se respeitam nem respeitam a integridade física dos colegas de profissão. Está claro hoje o dinheiro substituiu o amor às camisolas e jogadores portugueses contam-se pelos os dedos de uma mão, os que actuam nos jogos dos principais clubes da nossa liga.

Mas passemos à estória daquele Domingo, onde os adeptos do Sporting, do Benfica e do Porto resolveram fazer um torneio.

À boa maneira portuguesa, quando o patrão está fora é dia santo na loja, também desta vez o nosso Comandante estava ausente e quando ele não estava parecia que o ar era mais leve, não fazia tanto calor, mercê dessa boa disposição geral formaram-se assim três equipas.

Do torneio lembro o aparatoso golo marcado pelo Furriel Vito, que equipava com todo o rigor as cores do Sporting e das cenas menos edificantes entre dois jogadores no jogo Benfica e Porto.

O problema é que na tropa, os jogadores são de várias categorias e graduações. O caso deu-se quando o Santos de Grijó (camarada infelizmente já falecido) fez uma entrada à margem das leis ao furriel (X), tendo este respondido com uma chapada.

No calor da disputa, o Santos esqueceu-se da sua condição de soldado básico e virou-se ao seu superior, tendo havido lugar à distribuição de tabefes de parte a parte .

Estava eu a ver o jogo bem perto do nosso Segundo Comandante, que se virou para não ver o que estava a acontecer, dizendo à boca pequena que assim não podia ser e que tinham estragado tudo, abandonando de seguida o recinto.

Os beligerantes foram separados e aquilo, acabou sanado sem males de maior importância.

O futebol é um desporto de massas, os clubes transformaram-se em empresas, os jogadores mudam de camisolas pela melhor oferta, as claques organizadas dão um triste espectáculo de violência, dando a impressão que para eles o jogo é o que menos importa.

A violência tem destas coisas, lembro-me dela, mas não me lembro quem ganhou o jogo ou o torneio.

Naquele Domingo os jogadores jogavam só por amor às equipas do seu coração e por vezes com o coração perde-se a razão.

Boa semana desportiva para todos
Juvenal Amado

Estádio de Futebol de Galomaro > Furriéis Claudino, Santos, Aurélio; Op Cripto Gomes, e Passos à esquerda de costas
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Notas de CV:

(*) Vd. Poste de 8 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7911: As nossas mulheres (19): O tempo passa depressa - Homenagem à Mulher, à Mãe (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 28 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7690: Estórias do Juvenal Amado (35): Rodéro, o corneteiro com falta de embocadura

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7690: Estórias do Juvenal Amado (35): Rodéro, o corneteiro com falta de embocadura

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 26 de Janeiro de 2011:

Caros Luís, Carlos, Magalhães, Briote e restante atabancados
Esta é mais uma pequena estória mas que também tem importância, pois com o povo diz, também as pedras pequenas ajudam a fazer o muro.

Juvenal Amado


Estórias do Juvenal (35)

O RODÉRO CORNETEIRO E A FALTA DE EMBOCADURA

O Rodéro era um daqueles casos, que só tinha sido apurado para o serviço militar porque naquele tempo, só escapavam poucos e muito aleijados. Alentejano extremamente magríssimo com cara, que fosse a situação que fosse, era sempre de outra dimensão, de quem recorria ao barril do tintol constantemente, mesmo que fosse mais martelado que outra coisa. De vinho só tinha o nome e vagas parecenças, o líquido que vinha nos bidões de 200 litros.

Figura simpática, trabalhava na messe dos oficiais e sargentos, respondia sempre com um sorriso, dizendo que estava tudo em forma, fosse o que fosse que se lhe perguntasse, assim entre um bocadinho de pão e uma tala quina de chouriço, que lhe tinham enviado da terra.

Com uma navalhinha cortava as rodelinhas do dito e pequenos pedaços de pão, com precisão quase cirúrgica. Saboreava as duas coisas com uma reverência como se estivesse na missa. De uma forma ancestral honrava o alimento, por vezes tão difícil de conseguir do povo alentejano.

A sua especialidade era a de corneteiro, mas tendo em vista a sua fraca figura, cedo deixou de exercer. Com um peito daqueles, os sons eram pois os mais disformes e dificilmente se descortinava o toque do rancho, do de reunir, ou mesmo para a Bandeira.

Um dia já para o fim da comissão, estando o 2.º Comandante no Comando do Batalhão, foi necessário recorrer ao Rodéro como corneteiro, pois os outros estavam impedidos, não sei porque razão.

Foi de manhã no içar da Bandeira que a coisa se deu.

Estava uma Secção formada junto ao mastro, às ordem de sentido e apresentar armas, vai o Rodéro dar inicio ao respectivo toque.

Bem os sons que saíram do cornetim eram mais parecido com um saco cheios de gatos que se pretende abandonar num balseiro.
O soldado encarregue de hastear a Bandeira não sabia o que fazer, até que olhou para Oficial de Dia que ele lhe fez sinal para avançar. Não se percebeu onde começou e acabou o toque, pouco faltou para a guarda de honra se desmanchasse a rir.

Findo o acto, lá vem o Rodéro com aquele ar inocente, pensando para os seus botões, que eram todos uns maldizentes e que até nem tinha tocado nada mal.

- Estão-se a queixar! Eu queria ver-vos era a vocês!

Quem não tinha assistido mas ouvido, juntou-se aos que tinham presenciado a vivo e a cores.
Pela parada fora toda a gente arreganhava os dentes.

O nosso 2.º Comandante que tinha presenciado tudo, quando o Rodéro ia a passar por ele, perguntou-lhe com um ar meio divertido:

- Óh Rodéro o que é que foi aquilo? - Responde o nosso afamado corneteiro:

– O quê que quer que lhe faça mê Major? Foi o que se pode arranjar.

Foi uma gargalhada geral, e o acontecimento ficou para a história, que é bom de ver que nunca mais se repetiu.

A nós disse-nos com o ar mais natural do mundo, que tinha sido falta de embocadura.
Passou ser palavra de ordem quando íamos beber uma cerveja, dizíamos que era para tratar da embocadura.

Há tempos tive notícias dele pelo Caramba. Estava bem na sua simplicidade de sempre.
Como eu gostaria de lhe dar um abraço e ouvir da boca dele, que aquele toque tinha saído assim por falta da embocadura.

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7634: Estórias do Juvenal Amado (34): Só o aprendiz sabe o que custa aprender

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7634: Estórias do Juvenal Amado (34): Só o aprendiz sabe o que custa aprender

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 17 de Janeiro de 2011:

Caros Luís, Carlos, Briote, Magalhães e restantes atabancados.
Quando pensamos na infância e percurso dos miúdos que mal saíam da escola tinham que ir trabalhar, vimos a diferença com o dias de hoje.
Os filhos eram os servos baratos nos campos da família, iam para as fábricas, para as lojas como marçanos, todo dia com a cesta a fazer entregas, e muitos os pais pagavam do seu bolso a aprendizagem nas oficinas.
Foram mais estes, dos que tiveram condições de estudar e quando chegaram à idade do serviço militar, lá foram lendo mal e escrevendo pior.
É para esses meninos esta estória.

Um Abraço
Juvenal Amado

Mosteiro de Sta. Maria de Alcobaça. Foto com mais de 40 anos, mas este traçado existiu até há pouco tempo. Agora é só pedra e saibro.



SÓ O APRENDIZ SABE O QUE CUSTA APRENDER

- Jorge… Vá acorda filho…

A voz vem de muito longe e aproxima-se lentamente, até que toma consciência de que é a mãe a chamar de mansinho, como que a pedir desculpa de o estar a acordar tão cedo.
Está frio. Ao passar as mãos sobre o cobertor, vulgarmente chamado de papo, nota que este está húmido da condensação do calor do corpo.

Ainda não são 7 horas e o Janeiro de 1963 vai frio.
Está escuro.

A mãe avia-lhe o almoço. Acaba de tomar o café da manhã já passa das 7 horas, tem de andar depressa para chegar a tempo à paragem, onde apanha a carreira que o levará à localidade de Valado dos Frades.

A avenida João de Deus está escura, escuro e silencioso está o Rossio, onde o Mosteiro, indiferente ao frio da geada, o vê passar rumo à rua de Baixo, passa pelo o posto da GNR e as suas grandes portas verdes, que está todo escuro, salvo a lanterna eléctrica por cima da porta e segue mais cinquenta metros até à paragem dos transportes públicos junto ao cruzamento da Sevena.

A passagem pelo posto fá-lo lembrar que acontecimentos sombrios como a invasão da Índia Portuguesa, o assalto ao paquete Santa Maria, o começo da guerra primeiro em Angola, depois Moçambique e agora na Guiné, tinham crispado a sociedade parda e cinzenta, abanando as convicções ganhas na escola ainda de memória fresca, de país inatingível, que só o nome afastava os inimigos. Enfim a propaganda do regime lá nos bombardeava com razões e vitórias no campo militar, mas que escondia o facto, de estarmos sós no contexto Internacional e justificavam a falta de liberdade com segurança da Pátria.

Está à espera há pouco tempo, mas o calor que ganhou pelo caminhar apressado, rapidamente saiu através do casaco onde está embrulhado.
Passam vultos silenciosos nem dão por ele. Todos carregam algum fatalismo e não esperam outra coisa que um dia a seguir ao outro. O magro salário deles fará os seus filhos engrossar a legião de trabalhadores, que a própria vida se encarregará de ensinar com dureza, que as oportunidades nunca serão iguais para todos.

A camioneta está a chegar. O homem ao volante bem como o revisor olham para ele, passageiro único, como que a censurá-lo de não ir apanhar o transporte numa paragem onde houvesse mais passageiros.

A roupa gelada é comprimida contra o corpo ao sentar-se. Olha para as janelas das casas ainda às escuras e tenta evitar um sentimento de inveja, pelo conforto que os seus ocupantes sentem ainda.

O rádio debita músicas da época, mais tarde chamadas de nacional-cançonetismo.

Nisto algo quebra o status e ouvem-se os primeiros acordes do "Twist And Shout" dos Beatles.
Fica mais atento.
O condutor da camioneta apressa-se a desligar o rádio, como se de um censor de lápis azul se tratasse. Decidir o que os outros devem ouvir ou ler, bem como a cor do lápis, é um problema da época.
Como ele está enganado ao pensar, que pode parar a marcha dos tempos, com um simples premir de um botão.

Já é dia mas o tom é pardo e húmido, talvez a proximidade do rio Alcobaça, que corre paralelamente à estrada, seja a razão. O mesmo rio no Verão serve em alguns pontos para dar uns mergulhos ou pescar uns barbos.

Pararam na localidade chamada Fervença descem uns e entram outros. Deita um olhar à casa onde nasceu, os pomares em redor estão todos brancos de geada e o frio que entra pela porta, fá-lo pensar que próxima vez tem de escolher outro lugar mais abrigado.

A Praça Central já em Valado dos Frades é a última paragem.

É uma povoação onde as pessoas do mar se encontram com os de terra e resulta na metamorfose de pescadores com agricultores. Depois mercê da quantidade de empresas de cerâmica, porcelanas e vidro, rapidamente passam a operários, que trabalham a terra antes e após o horário de trabalho das fábricas.

Jorge vai a correr daí até à fábrica de cerâmica "Os Pereiras", onde é aprendiz.

Chega esbaforido depois de correr mais de um quilómetro, com o frio a entrar pela boca e pelo nariz. São quase oito horas. A camioneta segue para a Nazaré e ultrapassou-o no caminho.

O chefe da secção do gesso é um grande artista na arte de modelar bem como pintor. Das suas mãos nascem cães, gatos, pássaros, jarras e terrinas como por magia. Fez um candeeiro em forma de dragão com uns 25cm de altura que motivou uma autêntica romaria dos trabalhadores da fábrica para o apreciarem.

Depois de esbanjar talento por todas as fábricas da região, foi mais tarde para Angola, onde montou uma bem sucedida empresa.

Escusado será dizer que ninguém se torna artista só por privar com um.
Infelizmente a habilidade não se pega como a gripe. Pode-se aprender alguma técnica, mas as mãos que são capazes de executar o que o cérebro cria, é só para alguns.

Assim o Jorge aprendeu a dar e a tirar sabão, das madres para fazer formas. Mexer o gesso com um piaçá que é a tecnologia da época.

Os dias passavam entre fazer pesados moldes e acartá-los para dentro dos fornos por vezes com um saco de serapilheira pela cabeça. Aproveita-se assim o calor secando-as mais rapidamente. De vez em quando a visita dos fiscais de trabalho, fornecem assim uma folga ainda que de uma hora ou duas, mas sempre bem vinda. Vêm à procura de trabalhadores menores e não inscritos na Segurança Social, que verdade seja dito são vários de ambos os sexos. Sendo assim, quando algum carro dos referidos serviços pára à porta da fábrica, é uma correria para os pinhais próximos.

Os fiscais por ali andam a cheirar bastante tempo e, quando finalmente se vão embora, vão à procura deles como de gado tresmalhado se tratasse.

Está quase na hora, vai limpar as ferramentas de toda a gente e arrumá-las. Toca o sinal das 18 horas, lava as mãos, tira a roupa de trabalho e corre para a Praça Central, onde a camioneta dos Claras não esperará por ele para o levar para casa.

Já está na paragem quando o transporte chega, o caminho parece mais curto.
Sobe, vai direito a um lugar vago, senta-se e pensa nos 42 escudos que ganha e nos 48 escudos que gasta em transportes por semana.

Talvez o condutor o deixe ouvir desta vez o Twist and Shout dos Beatles.

Juvenal Amado
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7565: Estórias do Juvenal Amado (33): O Léo e a macaca Chita

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Guiné 63/74 - P7565: Estórias do Juvenal Amado (33): O Léo e a macaca Chita

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 5 de Janeiro de 2011:

Caros Luís, Carlos, Magalhães, Briote e restantes atabancados.
A minha ligação ao pessoal do Pel Rec, acaba por aparecer nas minhas estórias por causa de minha relação especial com eles, desde de a viagem do Porto para Abrantes.
Ainda não sabíamos que eu ia com eles para a Guiné. Aliás de todos os Condutores que vieram do RI6 comigo só eu fui para a Guiné.

Um abraço para todos
Juvenal Amado




Estórias do Juvenal (33)

O LÉO E A MACACA CHITA

Soldado Pel Rec e carteiro dos CTT na vida civil, não sei como foi parar a padeiro da CCS do 3872.
Não sei mas foi um bom padeiro.

Após a chegada a Galomaro, não tenho ideia que de lá tenha saído alguma vez, nem para ir a Bafatá. Era afável e amigo de praticamente toda a gente, digo praticamente, pois só o ouro agrada a todos e ele era como nós de carne e osso.

No trabalho diário de pôr na mesa dos camaradas o pão nosso de cada dia, estava dispensado de formaturas, reforços, ou qualquer outro serviço para além do seu.
Fardado sempre a rigor em calções e tronco nu, ficou barato ao Exército no que diz respeito ao fardamento.

Nunca negava um pãozinho a quem lho pedisse.

Por ordem do Comando, fazia uns pães pequenos individuais na vez do famoso casqueiro onde era normal retirar o miolo, que depois de amassado servia de arma de arremesso a um camarada para chatear.

O pão era pois saboroso, praticamente todo consumível e era também o ideal para levar nas rações de combate. Também na nossa cantina havia umas sandes de queijo ou fiambre, para nosso prazer e lucro da instituição. Isto era para quem tinha dinheiro vivo, pois ao contrário de outros quartéis do nosso batalhão, ali não havia fiado.

Penso que foi uma forma de poupar uns bons quilos de farinha e em vez de desagradar, como acontece quando os nossos superiores decidem economizar nalguma coisa, esta ordem foi de agrado geral.

Está claro que o Léo beneficiava de um estatuto que o fazia presente em tudo o que fosse petisco, que muita vez era cozinhado na própria padaria.
Com os seus ajudantes de padeiro, recrutados nos garotos da população assim ele de forma bem económica poupava o esforço físico para além do estritamente necessário.

Enfim ele estava feliz com a ajuda e os garotos, que comiam no quartel, recolhiam os restos que levavam para as suas casas também eram felizes.

Talvez o único aborrecimento sério tenha sido provocado pela sua macaco-cão Chita de seu nome. Tinha-lhe sido deixada pelo padeiro velhinho do 2912, ainda pequena, mas na altura desta estória já ela era adulta e grande, pois já foi para o final da comissão.

A Chita gostava de cerveja tanto como nós. Assim nós deixávamos no fundo da garrafa sempre um restinho, que ela bebia depositando depois a garrafa no fundo do bidão.

Está claro que ela apanhava monumentais bebedeiras e andava depois aos guinchos, agarrava a cabeça, ia de um lado ao outro da cantina para nosso regozijo.

Certo dia a Chita com os copos, decidiu pendurar-se nas árvores ainda jovens, que tinham sido plantadas na parada do quartel e que eram o desvelo do nosso Comandante Tenente Coronel J.M. Castro e Lemos.

Escusado será dizer que as pequenas árvores ficaram como se tivesse passado por elas um tufão. Braças partidas, desfolhadas e meio arrancadas eram a visão de um autêntico desastre.

Quem foi? De quem é a macaca?

Logo chegaram os nomes ao nosso Comandante. O castigo foi sem apelo. O Léo tinha que se livrar da sua Chita.

Abatê-la estava fora de caso. Ninguém era capaz de o fazer.
A única solução à vista foi enviá-la para Cassamba, onde estava um pelotão na altura que se não estou em erro do Dulombi, que tomaram conta dela e a traziam sempre que vinham a Galomaro.

Era ver o Léo com a macaca abraçada a ele e vice versa. Mais tarde trouxeram-na às escondidas para Galomaro, onde passou a ser vigiada e estando presa a maior parte do tempo.

Quando havia revista, lá um dos ajudantes de padeiro se escapava com ela para a tabanca.

Penso que o Léo a deixou ao seu substituto na padaria.

Infelizmente o nosso camarada veio a falecer pouco tempo depois do nosso regresso. Foi atropelado em Lisboa quando exercia a sua profissão de carteiro.
Recordo-o com saudade hoje.

Há 37 anos por esta altura, só pensávamos no regresso não sabendo, que ele nos deixaria pouco tempo depois.

Paz à sua Alma
Juvenal Amado
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 31 de Dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7534: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (29): Não falarei de mal-entendidos (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 11 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7265: Estórias do Juvenal Amado (32): Carne para o quartel

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7265: Estórias do Juvenal Amado (32): Carne para o quartel

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 10 de Novembro de 2010:

Caros Luís, Carlos, Briote, Maglhães e restantes atabancados
Uma pequena estória sobre as qualidades alimentares de Galomaro.

Até ali nunca tinha visto o bife ainda com patas.
Juvenal Amado


Estórias do Juvenal Amado (32)

A CARNE PARA O QUARTEL

Ao serem içados, os touros urravam, em pânico, abrindo muito as unhas e pondo-se a nadar no ar, por cima das nossas cabeças.
Nunca a vida lhe mostrara uma tão perfeita imagem do terror, sobre o abismo: os bois esticavam as patas, ameaçavam alar-se e sacudiam o corpo. E os olhos já de si globulosos, luziam dum volume metálico, ainda mais frios que dantes.
Trecho do Livro GENTE FELIZ COM LÁGRIMAS de João Melo

O camarada José da Câmara falou de um episódio motivado pela necessidade de comprar gado de abate para o quartel. Nesse seu poste fala da pena, que os donos do gado sentiam quando o viam partir, traçando um paralelo entre ali e o que se passava na sua ilha, onde muitas vezes viu o gado ser exportado para Lisboa. Eram visíveis os mesmos sentimentos de perda nos olhos da pobre gente, que via assim o produto do seu trabalho, partir para um destino inexorável e sem outro possível futuro.

Também me lembrei de um tio meu, grande amante de carne de vaca, que resolveu criar uma para abater, encher a arca e assim saciar-se desse pitéu, quando lhe apetecesse.

Criou o animal, que se habituou a que ele fosse ao pé dele coçá-lo quando vinha da fazenda. O animal chamava-o e ele ia ao pé dele coçava-o e falava com ele. O resultado desta relação foi ter que o vender, pois não podia pensar em matá-lo e comê-lo.
Quem o conhecia, dificilmente esperaria uma atitude como a que tomou.

Mas a respeito de vacas, fui uma vez encarregue de ir buscar carne para o quartel de Galomaro.
Cheguei cedo ao local e comigo ia o Esteves e o Risinho*, cozinheiros, especialistas em Estilhaços com Bianda ao Chef, que eram servidos no restaurante Morte Lenta, senão ao almoço decerto ao jantar. Um prato tão afamado, que me fez estar muito tempo sem comer arroz fosse com o que fosse.

Era enorme a azáfama onde se misturavam as vestes tradicionais fulas com panos de cores várias, onde pontificavam rostos como o do Sekoturé e outros nacionalistas africanos, denunciando assim a proveniência dos tecidos como sendo da Guiné Conakri.

Pensava eu que já estaria a carne à nossa espera.
Engano meu, pois a vaca ou boi, pormenor que não me recordo agora, estava em pé aparentemente não desconfiando do que a esperava ainda.

De repente, num grande alarido o animal é deitado ao chão, atam-lhe as quatro patas num feixe e os olhos quase lhe saem das órbitas com o terror.
Seguidamente a cabeça, é lhe torcida até ficar com os cornos espetados no chão, obrigando o pescoço do animal a arquear sobre a pressão que um ajudante em peso, exerce sobre o queixo.
Não quero olhar mas não consigo desviar os olhos.

O magarefe aproxima-se com uma catana e o pescoço do animal é serrado em movimentos horizontais, primeiro a pele, depois a carne, as artérias, as goelas, tudo isto acompanhado de um sofrimento atroz, onde o corpo se contrai e pula de forma violenta mas sem apelo.

Por fim o animal resfolga já completamente degolado, cumpre-se assim a lei Islâmica em que se obriga à degola e sangramento total.
Se ao menos fosse de um golpe só!

Escondo-me atrás da Berliet, estou quase a vomitar.
Nunca mais voltei a presenciar semelhante sacrifício, mas tão depressa não comi carne de vaca e ainda hoje a como com alguma relutância, faço por não me lembrar deste episódio.

(*) O cozinheiro de alcunha o Risinho devia-a ao seu permanente riso causado por uma paralisia facial. Não tenho bem a certeza mas a deficiência adquiriu-a num acidente.
Natural de Setúbal, falava com paixão das caldeiradas de enguias de certa qualidade a que chamava eroses, que se encontram na região.
Faleceu depois do nosso regresso e sendo assim, o seu sorriso permanece eterno na minha memória.
Que esteja em paz.

Juvenal Amado

Na enfermaria com paludismo: o Aljustrel em primeiro plano; Esteves, o afamado cozinheiro, à direita. Eu estou ao fundo.

Mantimentos frescos

Mantimentos frescos prestes a esborracharem-se no chão
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7242: Blogpoesia (84): Por vezes... Regresso lá (Juvenal Amado)

Vd. último poste da série de 18 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7005: Estórias do Juvenal Amado (31): Desse amor ficou só a nostalgia daquela idade

sábado, 18 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7005: Estórias do Juvenal Amado (31): Desse amor ficou só a nostalgia daquela idade

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 17 de Setembro de 2010:

Caros Luís, Carlos, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca Grande.
As nossas mulheres acompanharam-nos durante aqueles anos e quando regressámos, de muitos aturaram e trataram as feridas da alma que carregámos.
O alcoolismo, os traumas de muitos, foram duras batalhas que para as quais só elas disseram presente.
Primeiro ficaram chocadas, incrédulas com a agressividade e maus tratos, vinda de quem o regresso tanto tinham desejado.
O seu sofrimento deu lugar à resignação ao abandono.
A História tinha-as usado e deitado fora.
Também elas estiveram na guerra e muitas nunca alcançaram a Paz.
É para elas esta estória, também a dedico à minha mulher que há trinta e um anos me atura e equilibra a minha vida.

Um abraço para todos
Juvenal Amado


Estórias do Juvenal Amado (31)

DESSE AMOR FICOU SÓ A NOSTALGIA DAQUELA IDADE

O Unimog da escolta aparece e desaparece entre as nuvens de pó que a coluna formada por Berliets, Chaimites e Whites levantam quando se dirige ao Saltinho. Serve a dita também para reabastecer Mansambo e Xitole dois destacamentos do Batalhão de Bambadinca.

No Saltinho e a pescaria

Mansambo, Xitole e Saltinho fazem segurança nas respectivas zonas de influência e o aspecto barbudo, os cabelos demasiado grandes bem com o fardamento descuidado dos homens, quase faz o nosso Comandante ter um ataque de «caspa».
O ar reprovador que nós bem lhe conhecemos, deve ter chegado aos ouvidos dos graduados e posteriormente ao próprio Comandante na sede do Batalhão, a que as duas Companhias pertencem.

Viaja normalmente entre os homens da escolta sem galões e de espingarda como qualquer soldado, não vá o diabo tecê-las e ele ser referenciado como alvo importante que é.

Não foi pois de admirar um alferes ou o furriel, ver-se interpelado por um militar cheio de pó, que salta de uma viatura da escolta e grita com ar bem azedo:

- Oh nosso alferes não há barbeiros nesta Companhia?

Escusado será dizer-se que o homem quando chegou ao Saltinho, bem tentou apanhar alguém com o cabelo ou a barba fora dos regulamentos, para descarregar assim a fúria contida.

Estavam os nossos camaradas do Saltinho bem avisados!
Os que não estariam nas melhores condições desviaram-se do seu caminho e evitaram assim algumas chatices.

Mas voltando ao caminho, o pó cobria-me todo. Valem-me os óculos e o lenço no nariz e na boca para me proteger.

Os meus pensamentos voavam para casa, porque a Maria vai chegar depois de sete anos de ausência e eu não a vou poder ver nem estar com ela.
Foi uma paixão tímida de adolescente, pois sendo ela amiga da minha irmã e eu querendo escapar à troça, desmentia a evidência da minha paixoneta que todos conheciam.

Ela era mais velha e eu pensava não estar ao meu alcance essa relação.
Tinha eu dezassete anos quando ela emigrou para outro continente. Passamos a escrevermo-nos, mas a distância e os anos, fizeram esfriar os sentimentos tão pouco amadurecidos.

O rosto dela, a sua recordação e dos bailaricos onde tudo fazia para poder dançar com ela, fizeram-me companhia muitas noites, quando aguardava a rendição no posto de sentinela.
Fazia planos e sonhava acordado.
Pensava no que lhe iria dizer finalmente quando a voltasse a ver.
O que é que haveria afinal entre nós?
Será que recuperaria os sete anos de afastamento onde outros relacionamentos tinham eclodido e esmorecido, como os dias naquelas paragens, onde o dia nasce e morre rapidamente?

Estamos a atravessar uma ponte. Temos de passar com as rodas em cima de travessas de madeira.
Só passa uma viatura de cada vez.

E se nos atacassem agora lá do fundo da bolanha quando eu vou a meio da ponte?

A viagem é lenta por razões de segurança, mas também por causa da picada. Quando chegar ao Saltinho, vou logo tomar um banho no rio. Não estou habituado a ter abundância de água como ali há.

As estações das chuvas estão à porta e eu só regressarei depois quando as picadas ficarem novamente transitáveis.

A vontade de rever a Maria tinha-me levado quase a pedir aos meus pais, que me arranjassem o dinheiro da passagem. Seria um pedido irracional sabendo eu, que eles não têm dinheiro para isso. Irão pedi-lo, se eu levar as minhas pretensões em frente.

Lá está o Saltinho com a sua ponte de arcos em cimento, que parece deslocada na paisagem.
Moderna de mais para as necessidades, parece um monumento ao absurdo, pois começava e acabava em trilhos de terra batida por onde pouco trânsito se faz.
Quando a mandaram construir viram com certeza outro futuro para ela.

No Saltinho a banhos

O rio Corubal corre abundante debaixo dela. A água tão racionada praticamente em toda a zona Leste é ali um bem à mão.

O meu reencontro com a Maria está definitivamente adiado, mas aquelas paragens, iram ajudar a suportar a impossibilidade de a abraçar e regressar ao passado, quando a sua presença me punha o coração aos saltos.
Talvez um dia quando regressar e a encontrar, lhe diga o que foi para mim a sua recordação, as suas cartas bem como as cassetes com a sua voz, nos anos em que estivemos separados, especialmente nos dias e noites do Leste da Guiné.

Voltei a vê-la 12 anos depois.
O passado não se repetiu quando a encontrei.
O meu coração tinha outra dona, que conheci depois de regressar e com quem dividi a vida e os anseios futuros.

Ficou assim por se cumprir uma vida, a certa altura sem queres ou por opção, ou porque fomos empurrados, tomamos caminhos diferentes, que não tiveram retorno.
Restou assim a nostalgia de um amor não concretizado e para sempre perdido na voragem dos dias e anos.

Juvenal Amado

Catroga e a Ponte do Saltinho
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6931: Estórias do Juvenal Amado (30): Quando o passado vem ao nosso encontro

sábado, 4 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6931: Estórias do Juvenal Amado (30): Quando o passado vem ao nosso encontro



1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 24 de Agosto de 2010:

Caros Luis, Carlos, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca grande
Uma pequena estória que traz à luz a verdade sobre o sr. Regala, que aquí já foi falado por diversas.

Um abraço
Juvanal Amado



Estórias do Juvenal Amado (30)

Quando o passado vem ao nosso encontro em forma de abraço é uma experiência única

Assim aconteceu há dias quando me encontrei com o meu camarada do 3972, que foi meu comandante de pelotão.
O ex-Alferes Amadeu foi evacuado com hepatite aos vinte e um meses de comissão.

Alf Mil Luís Amadeu

Lembrei-me dele logo. Recordei o momento da sua evacuação e contei-lhe que tinha corrido o boato da sua morte felizmente mentira.
Falamos de Galomaro, dos nossos camaradas, dos lugares e acontecimentos que nos marcaram com é natural.
Veio à conversa o sr. Regala e sobre isso ele enviou-me posteriormente a estória, que segue em anexo tal como a mandou.

Um abraço a todos os tabanqueiros.
Juvenal Amado


O sr. Regala I

Juvenal:
Como sei que gostas de contar estórias, certamente também gostas de as ler. Aqui vai uma que se passou comigo. Começa em Galomaro e termina em Lisboa alguns anos depois em meados da década de 80.

Da esquerda para a direita: Fur Mil Claudino, 2.º Srgt Silva e Alf Mil Amadeu

Poucas vezes estive na esplanada do Sr. Regala. Talvez duas ou três. Mas lembro-me que uma vez, penso que a convite dele, estive com outros camaradas a comer um frango a cafreal e a beber umas Super Bocks.

O Sr. Regala estava sentado ao meu lado. Enquanto saboreava uma tíbia do frango, vejo passar à minha frente um rapaz talvez com 14 ou 15 anos impecavelmente vestido com umas calças pretas e uma engomada camisa branca. Acompanhei com o olhar a sua deslocação até ao balcão e a sua saída por uma porta que ficava por trás. A minha observação não passou despercebida ao Sr. Regala, que me disse de seguida:

- É o meu sobrinho. Está cá a passar as férias. Vive em Bissau com a minha… (já não me lembro)

Pensei em que altura do ano estávamos e não creio que fossem férias escolares. Mas decididamente não quis saturar mais os meus neurónios e resolvi atacar outra tíbia do animal.

Passados cerca de 15 anos, estava eu a trabalhar na EDP em Lisboa quando fui informado que vinha estagiar para o meu departamento alguém dos PALOP durante uma semana.

Como tinha uma secretária livre no meu gabinete disse que podia ficar directamente comigo que eu o apoiaria no que ele necessitasse.

Apareceu-me então o indivíduo novo de raça negra que era guineense.

Conversamos sobre o seu curso de engenharia tirado na Bulgária. Procurei saber pormenores do curso, matérias, programas e sinceramente pareceu-me bastante fraco o curso de engenharia, mas certamente suficiente para a Guiné. Como até conhecia aquele ambiente, sabia o que lhe poderia fazer alguma falta e prontifiquei-me a mandar tirar umas cópias de alguns projectos-tipo e outra documentação que o pudesse ajudar. Qualquer dos casos iria ficar uma semana comigo.

Resolvi então dizer-lhe que já tinha estado na Guiné durante a tropa. Ao que ele me perguntou.

- Onde?
- Em Galomaro.
- Então conheceu o Sr. Regala.
- Sim.
- Era o meu tio.

Ainda não refeito do que estava a ouvir. Como o mundo é pequeno. Indaguei mais.

- Houve uma vez que eu vi lá um jovem com umas calças pretas e uma camisa branca e o Sr. Regala disse-me que era o seu sobrinho.

Resposta pronta do rapaz.

- Era eu.

Então já refeito do acontecimento, devo ter olhado para ele com uma cara de inquiridor e sem mais, disse-me:

- É que o meu tio era um alto quadro do PAIGC, e depois da independência arranjou maneira de eu ir estudar para o estrangeiro.

No dia seguinte tinha um monte de fotocópias para lhe entregar conforme estava combinado. Mas ele não apareceu naquele dia nem apareceu mais.

Caro Juvenal, gostava de te ver a escrever outras histórias que não fossem sobre a Guiné. Acredita, acho que tens muito talento.

Um Abraço,
Luís Amadeu


O sr. Regala II

O sr Regala era homem de certa idade, baixinho e de origem cabo-verdiana.

Tinha se não estou em erro duas camionetas, com elas para além fazer transportes e comércio entre várias povoações na Zona Leste, era frequentemente contratado para fazer colunas de abastecimentos integrado nas colunas de Galomaro.

Dizia-se que nas colunas em que ele participava podíamos estar descansados, tal era as boas relações que entre ele e a guerrilha existiam. Facto que não me custa acreditar.

Assim falei muitas boas horas com ele onde era fácil adivinhar, que comércio era uma coisa, ideais quanto ao futuro da Guiné era outra.

Também tinha um posto de venda em que vendia umas “bazucas” bem fresquinhas, servia uns bifes com batatas fritas e ovo a cavalo, bem ao jeito de “bitoque” que era uma delícia.

Bem quero isto dizer que este pequeno posto fazia parte do imensa cantina, que era formada à volta dos soldados por toda a Guiné.

Uma terra com agricultura de subsistência, sem industria, sem bens minerais, era pois à volta dos soldados que a economia fervilhava.
Lavadeiras, vendedoras de mancarra, de caju e frutas várias, todas se juntavam perto do arame.

Nas aldeias também comprávamos umas galinhas e a carne para o quartel, também era adquirida por nós a fornecedores junto dos Homens Grandes.

Ao vinho de palma e aguardente de cana, juntavam-se vendedoras de prazer nas ruelas das tabancas, que também dividiam embora por breves momentos o leito os favores e o patacão, que custava essa também transacção.

Em Bafatá lá estavam os restaurantes portugueses e libaneses, a escola de condução, que o artesanato, que bonito era o de filigrana de prata, que os nossos furriéis e alferes mais endinheirados mandavam fazer de encomenda. Não esquecer os vendedores ambulantes que normalmente nada sabiam de português.

Éramos por assim dizer o motivo e fonte de subsistência em todas áreas daquela terra.

Quero eu dizer com isto tudo que o que para lá levamos, trouxemos mais a saudade que tende a crescer.

Comecei por falar no Regala.
Se calhar se comesse hoje o tal bife, diria que não era nada de especial e naquele tempo longe de casa, qualquer coisa nos satisfazia desde que saíssemos da ração de combate ou do rancho, que era servido no Restaurante da Morte Lenta e outros locais com “gerência” parecida.

Mas o que eu não daria por voltar lá, sentar-me e comer para ver se era verdade ou não.

Um abraço
Juvenal Amado
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 – P6798: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (25): Fátima Amado, filha do nosso camarada João Amado, encontra no nosso Blogue notícias sobre a morte de seu pai (Juvenal Amado / Carlos Vinhal)

Vd. último poste da série de 11 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6716: Estórias do Juvenal Amado (29): Depois do meu regresso, ou o homem que num certo dia teve três mães

domingo, 11 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6716: Estórias do Juvenal Amado (29): Depois do meu regresso, ou o homem que num certo dia teve três mães

1. Mensagem de Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 8 de Julho de 2010: 

Meus caros Luis, Carlos, Magalhães, Virginio e restante Tabanca Grande
É um estória que escapa ao que se entende por relatos da nossa passagem pela Guiné e os caminhos que lá nos levaram.
Qualquer dos factos podem com alguma alteração de redacção serem comprovados.

É a minha vida após o regresso, são os lugares que passei a frequentar e as pessoas que para além de alguns odores desconfortáveis, me acabaram por enriquecer.
Na aldeia de Boavista casei e morei mais de vinte anos, mas entenderei como legitimo a não publicação no blogue desta estória.

Um abraço
Juvenal Amado



DEPOIS DO MEU REGRESSO OU HOMEM QUE NUM CERTO DIA TEVE TRÊS MÃES

O Zé Lourenço quando regressou de Angola, foi a casa dos meus pais e admirou-se de eu ainda não ter regressado, uma vez que tinha embarcado para a Guiné primeiro. Penso que o meu atraso deu azo a que se fizesse conjecturas sobre algum castigo que eu tivesse por lá levado. Os vinte e sete meses custavam a engolir pelas pessoas conhecidas, não sendo poucas as vezes que a minha mãe, vislumbrou alguma dúvida nos olhos de quem por mim perguntava.

– Oh Dona Nita parece impossível tanto tempo! - pois é Dona X não sei porquê este atraso – primeiro diziam que eram 21 meses depois 24 e agora já ultrapassou os 25 e não há forma de saber com certeza, quando o mandam embora.

Não sabiam na verdade, que as rendições dos Batalhões se tinham atrasado a partir do momento em que o comando militar, tinha criado novos destacamentos na mata do Morés. Um Batalhão novinho em folha, foi pois atirado aos «bichos» e segundo se dizia só saíam das valas às vezes, tal foi a recepção que tiveram por parte do IN, que não gostou da intromissão. O meu amigo de infância José Eduardo, foi um desses felizardos mas a verdade, por nosso afastamento social e profissional, nunca com ele comentei esses episódios.

Mas voltando ao Zé Lourenço, que com quem andei na escola primária da Vestiaria, mais tarde fizemos a recruta e especialidade juntos, acabou por vir a casar com uma moça da mesma terra que a minha futura esposa. Por uma daquelas bocas que se querem engraçadas, acabei por não ir ao seu casamento.


O que não teve graça nenhuma

Quando regressei, fui convidado para todos os casamentos de jovens conhecidos. Ia eu já no 4.º ou 5.º disse em ar de gozo ao Zé, que deixava de falar ao próximo gajo que se casasse e me convidasse. Resultado ele não percebeu a brincadeira e não me convidou. No entanto a amizade manteve-se, as nossas filhas foram amigas, andaram na mesma escola, até também elas rumarem para os seus curso e suas vidas profissionais.

Nos bailes da Boavista, onde era local de namoro obrigatório e consentido, depois da série dançante com as respectivas namoradas, bebíamos uma cerveja e dávamos dois dedos de conversa, até que éramos interrompidos por aquelas personagens que existem em todos os lugares, que com o buxo sempre atestado de tinto, não tendo a quem pregar as secas, facilmente se aproximavam de nós, novos na terra a não querer causar má impressão.

Esta personagem era de todos bem conhecida.

Lá ouvíamos por vezes sem saber bem o quê, pelo o meio dos vapores do vinho, que para este apreciador mesmo quando já quase vinagre dizia muito sério, que ainda só tinha um leve pique.

Mas este homem era também dono de uma vontade muito própria, manifestava um critério nas amizades verdadeiramente surpreendente.
Tinha uma lista de convidados para o seu próprio funeral.

Assim mercê de lhe ser negado um copo de vinho, logo o responsável pela negativa, era riscado da famosa lista de convidados para o seu funeral, que era por sua vontade como atrás narrei, só para convidados a quem ele dava a honra dessa deferência.

Quanto a borrachos estava a pequena aldeia bem recheada. Famosos como o Zé da Ribera, os irmãos Júlio e Mário auto-intitulados como artistas da enxada, bem como alguns mais comedidos e discretos no acto de emborcar copos de 3.

Também largamente falado foi o senhor Coelho que todos anos enchia o barril, que acompanharia o seu próprio funeral. Dizia ele que se passava muita sede a empurrar a carreta pelo carreiro de pedras soltas, com subidas de fazer recuar os mais afoitos, desde a Boavista até ao cemitério dos Prazeres de Aljubarrota e que ele não queria, que tal acontecesse no seu enterro.
Assim se fez quando ele faleceu, o cortejo parou por diversas vezes no caminho, para os acompanhantes beberem do falado pipo um copito e alguns deles acrescentaram ao Ahhhh de satisfação estalando a língua, que a pinga não era nada má naquele ano.

Os enterros também eram famosos, por o padre se queixar de que só as mulheres é que apareciam na igreja. O cortejo fúnebre quando chegava ao largo da igreja, os homens ia recuperar das agruras da caminhada, numa taberna mesmo ao lado e deixavam para as mulheres, o piedoso cerimonial do corpo presente.

Motivo de muitas falas, foi um dia o Júlio resolver trocar os ditos copos de vinho, por copos de leite a acompanhar invariavelmente uma fatia de torta.
O facto deixou a Maria Augusta dona da taberna, café, mini-mercado sem fala e digo já, que era coisa difícil se não quase impossível.

Ficaram assim para sempre gravados para a posteridade, os dois acontecimentos.

Algum valor teve a troca que o Júlio fez, pois os outros já marcharam pelo tal caminho hoje arranjado e o Júlio ainda cá bebia o seu copo de leite há pouco tempo.

Mas voltemos ao Mário Gomes, que me tinha mais uma vez apanhado numa ida ao bar para beber uma cerveja.

Muito chegado a mim, perfumando-me com aquele bafo acompanhado de perdigotos, lá ele entendeu dar-me mais uma palavrinha para mal dos meus pecados.

Juro que não percebia nada do que ele dizia e ao mesmo tempo levantava a cabeça, a ver se alguém me salvava. O Zé ria-se a ver a minha aflição. Nisto a minha namorada percebeu - mais esse favor lhe fiquei a dever - e vem em meu auxílio, dizendo que estava a dar uma música para nós dançarmos.
Ele olhou para ela, fez um ar entre o meio alcoolizado e meio maroto, deitou-me para cima um bafo, que se eu fosse escanção rapidamente separaria por anos mais de cinquenta colheitas, abraçando-me, disse-me:

- Sabe o meu amigo, que logo no dia do meu casamento tive um prenúncio de que ia ser muito feliz?

Perante o meu ar incrédulo acrescentou.

– É que eu tive três mães nesse dia.

-Uma foi a minha mãe, que a chorar me chamou querido filho, a outra foi a minha sogra que me também tratou por filho e por fim a minha mulher, que às tantas da noite, também me disse ai filho!

Fui dançar, mas não parei de rir toda a noite e ainda falo nisso com o Zé.

Não me lembro de ter ido ao seu funeral, embora estivesse convidado.

Juvenal Amado
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6668: Estórias do Juvenal Amado (28): Ele voltará a crescer, ou a entrada na vida militar

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6668: Estórias do Juvenal Amado (28): Ele voltará a crescer, ou a entrada na vida militar

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 19 de Junho de 2010:

Meu caros Luis, Carlos, Briote, Magalhães e restante Tabanca Grande
Foi bonita a festa pá mas há que voltar ao trabalho.

Assim uma pequena estória ligth que retrata a nossa entrada na vida militar.

O Zé Lourenço é meu amigo até hoje.
Encontro-o várias vezes quando vou buscar a minha mãe e ele está visitar um amigo comum, que inflizmente está muito doente.
Esse amigo trabalhou comigo na Crisal, mas hoje está agarrado a uma cadeira de rodas.
Práticamente só já mexe a cabeça, mas mesmo assim ditou estórias para crianças que uma funcionária do lar escreveu, e com elas, foi editado um livro muito bonito.

Vou pedir-lhe autorização para enviar à tertúlia uma das suas estórias
Também quero trazer o Zé ao nosso convívio.

Um abraço
Juvenal Amado


8.º Pelotão com o Asp. Of. Mil. Pimenta e o 1.º Cabo Miliciano Picado


ELE VOLTARÁ CRESCER

Cortei o cabelo num barbeiro perto da entrada do Convento de Sta. Clara, onde funcionava o CICA 4, onde naquele 9 de Junho de 1971 me apresentei para dar início à recruta e aos anos que se seguiram como militar.

Durante a viagem de comboio, o Zé Lourenço ria-se ao garantir aos outros recrutados, que eu entraria na porta de armas com o cabelo civil.

Foi visível o agrado com que o barbeiro já com alguma idade, meteu a máquina zero e cortou primeiro o lado esquerdo, para eu ver bem a diferença entre o antes e o depois. Sabe-se que os barbeiros nutriam alguma animosidade para com a malta que de longos cabelos lhes passava à porta e que nem para lá olhavam, por isso o natural regozijo dele.

Naquela cadeira para trás ficaram os longos cabelos, e a roupa também ao jeito do que se usava lá fora, que se vendia nos Porfírios em Lisboa. A mesma ficou no saco até que em Abrantes, o dito foi-me roubado por alguém que nessa mesma noite embarcou para Angola, no batalhão que eu ajudei a acarretar para o Rossio ao Sul do Tejo, em viagens sucessivas com uma Morris de toldo.

Voltando a Sta. Clara, foi um dia longo o da nossa chegada. Distribuição das fardas, botas, um talher, camas e caixas onde guardávamos as nossas coisas e era fechada com o famoso aloquete que se vendia na cantina e que eu até ali, sempre lhe tinha chamado cadeado. A caixa era arrumação para os nossos pertences e ficava debaixo do beliche.

Naquele dia os meus medos resumiam-se aos mais velhos, que viriam roubar-nos o que a eles já lhes faltava e ao não conseguir calçar e apertar as botas a tempo, para a formatura da manhã seguinte. Este facto para além do resto, contribuiu para que a nossa primeira noite fosse agitada, e ainda não tinha amanhecido, já eu estava à volta com os cordões das benditas botas.

Cedo aprendi que o talher para nada servia e passei a usar como os demais só a colher enfiada na bota. No bolso lateral das calças a caixa de pomada e escova, pois as botas ao fim da manhã e ao fim do dia, tinham que estar no mínimo pretas.
O resto das higienes eram mais difíceis como por exemplo tomar banho ou ao menos ter água para fazer a barba, que se queria irrepreensível. Só ao fim semana havia água com abundância e quando andávamos na instrução, para os faxineiros fazerem a limpeza da camaratas e retretes.
Rapidamente ganhamos a cor de terra e a lama depois de seca saía facilmente. Valha-nos isso.

O Zé Lourenço ficou no 6.º pelotão e eu no 8.º, éramos pois do 1.º subturno do 2.º turno de 71. O 1.º turno ficava na outra parede à esquerda de quem entrava na caserna, eram um mês mais velhos, por isso já considerados a «velhice».

Os beliches estavam encostados quatro a quatro e ainda hoje estou por saber o porquê de os percevejos atacaram violentamente o meu colega do lado, rapaz da Cálvaria, Porto de Mós, e nunca me tocaram a mim. As grandes batatas que ele apresentava, levaram-no várias vezes ao hospital militar.

Bem daí para a frente era extenuante o dia. Aulas de manhã em posição de descansar, mas nem na parede podíamos tocar. As flexões e abdominais, por castigo, sucediam-se por qualquer falha no código, ou por mudarmos o peso de uma perna para outra.
Ordem unida à tarde, mal por mal era por mim preferida. Marchas e marchas, pista de obstáculos, desarmar e armar a G3, bem como a instrução nocturna.
Saltávamos o fosso, a ponte interrompida, caminhávamos sobre o pórtico, rastejávamos debaixo do arame farpado, mas a minha maior tragédia foi a paliçada.

Saltar a paliçada tirou-me o sono durante as primeiras semanas, é verdade. Aquilo era digno de desenho animado quando eu ali chegava, todos desatavam a rir. Não era capaz, o que queriam que eu fizesse?

Um camarada ficava para trás para me ajudar a suprir este obstáculo.
Um dia saltei sozinho e que sabor a vitória, sim por eu não queria ser conhecido por pés ou cú de chumbo, que era pior.

Safei-me e passei ao anonimato depois de ter sido pelo o facto tristemente famoso.
Passei a dormir cada dez minutos, cada meia hora cada hora onde estivesse.

Já falei na estória anterior do famoso galho, mas não posso deixar de falar dele outra vez.

Depois de já termos saltado, caminhado, corrido, rastejado subido e descido cordas, saltado de carros em andamento, inexplicadamente continuávamos sem passar por ele.
Parecia uma sentinela firme e hirto.

O jornal da caserna já difundia que o referido obstáculo tinha sido proibido por ter caído lá um instruendo que partiu a coluna e mais não sei o quê. Ninguém sabia donde vinha semelhante noticia, mas à boa maneira da tropa, um dizia que tinha ouvido da boca de gajo a quem tinham contado, mas já não se lembrava quem.

Resultado, uma bela manhã, depois de já bem tratados de exercícios, pista de obstáculos, o nosso cabo miliciano Picado mandou ensarilhar as armas. Em bicha de pirilau, mandou-nos subir ao escadote de madeira tipo cadafalso, que já tinha tido melhores dias e por isso abanava por todos lados. Uma vez lá cima, à voz de comando do cabo Picado, - diga o seu nome e salte - lá saltei o galho. Bem só voltei a saltar quando me mandaram, outros houve, que o já desciam de cabeça para baixo, como o meu amigo Turquel, que dormia na cama por cima de mim.

No dia do juramento de Bandeira, eu e Zé Lourenço abraçamos as famílias, arrumamos as nossas coisas e rumamos ao RI6, na Estrada da Circunvalação, Porto.

Três anos mais tarde o cabelo voltou a crescer, só não voltaram os anos de alguma forma mal aproveitados, ainda que com muitas passagens saborosas.

Juvenal Amado

No dia do Juramento de Bandeira, e Juvenal Amado com o José Lourenço
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 17 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6606: Parabéns a você (121): Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor Auto da CCS/BCAÇ 3872 (Editores)

Vd. último poste da série de 15 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6595: Estórias do Juvenal Amado (27): Os lugares e os amenos fins de tarde da nossa terra

terça-feira, 15 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6595: Estórias do Juvenal Amado (27): Os lugares e os amenos fins de tarde da nossa terra

1. Mensagem de Juvenal Amado* (ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74), com data de 30 de Maio de 2010, com mais uma das suas estórias, sempre do agrado da tertúlia:

Caros Luis,Carlos,Magalhães, Briote e restante camaradas da Tabanca Grande
Esta estória é formada por retalhos de momentos vividos pelos jovens que se juntavam ali à volta das mesas, em cadeiras de chapa repintadas.

Contavam anedotas, faziam planos para os bailaricos ou jogatanas de matraquilhos.

Os lugares e os amenos fins de tarde da nossa terra

A tarde estava calma, uma ligeira brisa mexia as folhas novas dos enormes plátanos da praça D. Afonso Henriques, que fica junto ao lado Este do Mosteiro de Sta. Maria de Alcobaça. Muitos camaradas do Norte que estiveram nas Caldas da Rainha passaram na estrada entre a praça e o Monumento encimado pelo «Zé da Moca».* 1

Era um lugar aprazível em calçada portuguesa, havia bancas circulares onde se vendia a nossa famosa fruta aos turistas, a loja onde com sete anos vi pela primeira vez televisão através da montra e também a esplanada do café Trindade, local onde se tinha festejado euforicamente a vitória dos aliados sobre o nazismo.

Era assim anos depois lugar de encontro da malta mais jovem da vila hoje cidade.

Transformou-se num local por excelência para os abraços de quem chegava e as despedidas dos que partiam para o Ultramar.

Quase passava por momento solene diário, assim que saíamos das fábricas, das lojas de comércio, juntarmo-nos ali com que os que tinham continuado a estudar e os já tinham começado a sua vida militar.

Esses se encarregavam de contar aos que para lá iam, as suas peripécias com as marchas, com a pista de obstáculos e com o temível galho. Não sei porquê mas o galho inspirava-me um enorme respeito afinal infundado, pois era um pequeno Adamastor, que após passarmos por ele era como se não existisse.

Mas a verdade que as estórias mais ao menos trágicas, que se contavam à sua volta criavam uma áurea sinistra ao inerte e erecto obstáculo.

Mas as palavras do jovem piloto de helicópteros, regressado em gozo de férias, é que nos prendiam nessa tarde. Falava ele sobre a violência da guerra no Norte de Moçambique. Eu ouvia atentamente pois o meu irmão tinha de lá regressado em 1968 e muitos dos lugares conhecia de nome.

A dificuldade na evacuação dos feridos, o seu número e gravidade, tinham tirado a frescura juventude, aquele jovem que para lá tinha ido voluntário.

Seria difícil hoje recordar ou enumerar os relatos tantas vezes repetidos, por quem chegava com o rosto já envelhecido, passados que eram 10, 12 ou 24 meses sobre a partida.

Os relatos eram diferenciados entre excessivo e os quase contado em murmúrio. Esses eram mais fiáveis no meu entender.

Uma coisa ficou retida na minha memória, foi a sua afirmação de que os colonos em Moçambique não queriam enviar os seus filhos para zonas de guerra. Diziam eles que isso competia aos mancebos metropolitanos, pois o Estado Português ficava com riqueza do território suficiente, para arcar com essa responsabilidade.

Na altura fiquei apreensivo, pois estando eu a dias de me apresentar no CICA 4 em Coimbra, onde passaria o meu 21.º aniversário, e tendo morrido não há muito tempo em combate na Guiné, um dos gémeos se não estou em erro se chamava Luís, que não sendo de Alcobaça, eram por lá conhecidos por frequentarem a nossa vila amiúde, aquela observação foi como uma martelada*2.

Da malta da Guiné vinham relatos de violência e morte. Costureirinha era um nome tristemente famoso. Os que regressavam de Angola também traziam as suas estórias, mas por aquela que eu acabara de ouvir é que não esperava. Não queriam combater na terra onde muitos deles tinham nascido? Então porque razão teríamos nós que ir, que só conhecíamos as tais riquezas, praias, paraísos de marisco barato de nome e em nada, que eu soubesse, influíam no meu bem estar e qualidade de vida?

Isto para não falar noutras minhas razões, era coisa que fazia transbordar o copo já cheio.

Eu fui fazer a recruta, o meu amigo, findas as férias, voltou para lá cumprir o resto da comissão e acabou por seguir a vida militar.

Alguns como os gémeos José Eduardo e José Manuel, os irmãos José António e Joaquim António, frequentadores dessas reuniões informais, foram na mesma altura parar à Guiné tal e qual como eu, o Pedrosa foi para Moçambique, o outro Pedrosa foi para Timor e o Barrão para Angola, etc, etc.*3

Passados quase quarenta anos, por várias vezes pensei naquelas palavras quase queixume e comecei a duvidar tê-las ouvido.

No Domingo passado, tendo-me deslocado a Coimbra para assim assistir a uma cerimónia religiosa de um meu sobrinho neto de sete anos, em conversa com um antigo alferes que lá esteve, já perto do 25 de Abril, e por lá ficou muitos meses depois, vem ele confirmar-me, que afinal eu não tinha ouvido mal naquele ameno fim de tarde.

Juvenal Amado


1 - O Zé da Moca é uma alcunha dada a uma estátua de D. Afonso Henriques. Fica bem no cimo da lateral do Mosteiro. Quando eu era criança um raio atingiu essa parte do Mosteiro, tendo ficado com sequelas alguns frequentadores da antiga pensão Central, que ficava por cima do café Trindade, mas virada para a rua principal.
Trocaram a calçada portuguesa por um piso em saibro, e embora o café esteja no mesmo sítio, perdeu a mística daquele tempo.

2 - Os gémeos eram como duas gotas de água e de tal maneira, que vestindo de igual, um comprava bilhete para o cinema, entrava e a seguir enviava o mesmo por alguém para o irmão, para que ele entrasse também.

3 - Estes Pedrosas só tinham parentesco no nome. Uma particularidade mais os unia, era a o seu gosto pela poesia. Assim nas noitadas de bacalhau assado, no Quim do frangos em frente aos Bombeiros, eles ao despique, soltavam a sua veia e já com o tinto a fazer efeito, declamavam Camões ou Pessoa.
O que foi para Timor não regressou vivo pois suicidou-se lá.
As razões perderam-se no tempo e na distância. Descanse em Paz.

Esta foto é mais antiga, mas à esquerda está a entrada Arte Nova como era há 40 anos

Hoje a entrada é assim. Vá se lá saber porque tiraram as duas meias montras com a porta principal ao meio

Na esquina o café. Em frente, a rua alcunhada do Asilo, por onde passavam os militares para fim de semana e regresso à Escola Prática de Sargentos
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 4 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6532: Estórias do Juvenal Amado (26): Laura, ou as estórias da nossa terra