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terça-feira, 17 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5286: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (27): As pescarias em Buba

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 27ª estória:

Camaradas,

Do meu baú lá tirei mais um texto cheio de poeira, que, depois de lhe ter sacudido o pó, deu origem a este conto ainda bem vivo na minha memória, a que dei o título:

AS PESCARIAS EM BUBA

Quem de LDG, ou outro tipo de embarcação, subia o rio grande de Buba, encontrava o aquartelamento local, sobe uma pequena encosta, com a sua ponte de madeira (a que chamávamos cais).

Este local, que parecia calmo e bem situado aos "Piras" que ali chegavam para cumprir as suas comissões, não passava de uma ilusão já que, como vinham a constatar ao longo do tempo, por amargas experiências de guerra, se tornou numa armadilha feroz.

O quartel de Buba era sede do COP4, onde o mítico Major Carlos Fabião era o seu comandante.

Era, por isso, a fonte dos abastecimentos de todo o tipo de equipamentos, combustíveis, munições e alimentos, aos aquartelamentos de Nhala, Mampatá e Aldeia Formosa, que, periodicamente, organizavam colunas a Buba para esse fim.

Era nessas idas a Buba, em colunas para reabastecimento, que eu e outros camaradas, aproveitávamos para nos dedicarmos à pesca e nos deliciarmos com uns peixinhos grelhados daquele imenso rio.

Tínhamos formas de pesca inauditas, uma delas era percorrer a margem do rio à procura de cardumes e lançar granadas de sopro ofensivas, para o meio dos pegos, onde se concentrava o maior número de peixes.

Do resultado das explosões, surgiam manga deles mortos à tona da água. Depois era só escolher os maiores e apanhá-los.

Seguíamos para o aquartelamento, onde preparávamos deliciosos banquetes com a restante malta da coluna.

Às vezes tínhamos o Major Carlos Fabião á perna, que não queria o pessoal exposto fora do arame, mas o pessoal lá contornava a situação e como ele gostava muito de peixe, tínhamos o cuidado de lhe guardar o maior exemplar que apanhávamos.

Pena, era não termos meios e condições para levar as pescarias para Mampatá, porque seria um ronco chegarmos lá com tais petiscos.

Buba tinha grande riqueza natural naquele braço de mar, que era muito rico em peixe e marisco; camarão, ostras, peixe-gato, tainhas, pargos e outros, de que eu apanhei variadíssimos e bons exemplares.

Como sempre fui adepto da pesca, às vezes dedicava-me a pescar à linha e, era com este processo, que conseguia peixes de maiores dimensões.

Assim ocupávamos o nosso descanso e passávamos o tempo livre, nos dias em que tínhamos de permanecer em Buba, para os necessários e habituais reabastecimentos.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

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domingo, 18 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5124: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (26): Lágrimas de uma mãe


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 26ª estória:

Camaradas,

Ao rever as minhas memórias, encontrei este texto no meu baú, que pretende ser uma homenagem às Mães deste país, que tiveram os seus filhos na Guerra do Ultramar.

LÁGRIMAS DE UMA MÃE

Nunca julguei que era tão difícil separar-me de minha mãe.

Na hora da despedida, senti as suas lágrimas e pensei: “Sente uma mãe, um filho na sua barriga, seu corpo mudar de forma e esperar a boa hora.”

Para quê?

Ver o seu filho crescer e ser a razão do seu viver.

Por mim chorou, sorriu, sofreu e lutou.

Quantas vezes me levou á escola, me viu jogar á bola, me levou ao médico e me amparou na doença.

Noites sem dormir, com febres e cólicas, quantos sustos lhe dei.

Então cresci e um dia fui-me embora, não para estudar ou trabalhar, não para constituir família. Mas sim, para o serviço militar.

Fiz as sortes, fui incorporado, mobilizado e parti para a guerra… na Guiné.

Vi as lágrimas de minha mãe derramadas na hora da partida!

Minha mãe pediu a Deus, que voltasse são e salvo, para o seu regaço.

Lembrou-se de uma amiga que enterrou seu filho morto em África, tinha vinte e dois anos e morreu vítima da guerra.

Chorou lágrimas de desespero quando seu filho foi ferido.

Toda a mãe chora quando vê partir um filho e só volta a ter alegria, quando o torna a ver, a ter perto de si outra vez.

Com lágrimas nos olhos recebeu-me quando regressei e agradeceu a Deus, pelo seu filho estar de volta com vida.

Foram muitas as lágrimas de… minha Mãe.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
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Nota de M.R.:

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segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5098: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (25): As armas proibidas que nós utilizámos


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 25ª estória:

Camaradas,

Rebuscando os fundos do meu baú de memórias, vou-o esvaziando das memórias minhas boas e más recordações do antigamente, retirando o pó aos textos e dando-lhes apenas alguns retoques, editorialmente falando, pois as ideias neles expressas, mantenho-as inalteráveis, por, ainda hoje, as perfilho convictamente.

A matéria de hoje é problemática e controversa, mas penso que vale a pena ser exposta.

O presente texto havia dado, e mantenho, o título:

AS ARMAS PROIBIDAS QUE NÓS UTILIZÁMOS

Na guerra em que nós portugueses fomos protagonistas, nem sempre usamos de métodos “cavalheireicos”, convencionais, éticos, ou clássicos (como queiram chamar-lhe), nas estratégias adoptadas contra o IN, na mata.

Além do equipamento militar normal e regular que o exército nos fornecia e usávamos no terreno, e era do conhecimento geral, também utilizámos material bélico que era proibido pelas leis e regulamentos da Convenção de Genebra.

O Direito de Intervenção Humanitária, órgão das ONU, impedia o emprego em combate de um determinado número de armas que, pela sua natureza pouco leal e traiçoeiro, foram declaradas desumanas, por causarem mais tortura e sofrimento físico, que o necessário e indispensável, para inutilizar um combatente (deixá-lo fora de combate).

Tudo tretas para nós, porque, como é sabido pela experiência, a lei na guerra, é olho por olho, dente por dente, ou “com ferro matas com ferro morres”, cada um usa as armas que tem e quando desesperado, ou por motivos de ódio e, ou, vingança, as que não devia.

Nós usamos, por exemplo, a bala Dum-Dum, proibida desde o século 19, por uma das ditas convenções internacionais, que regulamenta a utilização de armas de Guerra. Esta bala foi criada pelo Exército Britânico, no final do século 19, para ser usada em distúrbios na Índia (então Colónia Inglesa).

A bala Dum-Dum é uma bala com a ponta oca, que tem um poder destrutivo superior a todas as outras, porque expande-se pelo corpo humano em vários estilhaços após o impacto na carne, ou osso.

Utilizamos também balas de penetração maciça de fragmentação tracejante.

Chegámos a rebordar (ranhurar) as pontas das balas comuns da G3, com as nossas facas de mato, ou com navalhas, para que o seu efeito penetrante provocasse um maior rombo no local de entrada.

Utilizamos granadas de fósforo e bombas de napalme, que eram proibidas Internacionalmente, pela ONU.

O napalme foi um armamento militar que chegou a ser utilizado (embora pontualmente), pela nossa aviação em alguns locais da Guiné, em bombardeamentos a bases do IN. É constituído por um conjunto de líquidos inflamáveis (à base de gasolina gelificada) e sais de alumínio e, pela sua especificidade de, no momento da sua detonação, para maior eficácia e rendimento destrutivo, e mortífero, através de um maior raio de expansão explosivo, requerer uma grande e instantânea absorção de oxigénio, tornou-se um meio pouco apropriado na nossa guerra de “guerrilha”, já que as características do terreno em África (selva por vezes muita cerrada e, ou muito lodosa), não permitiam assim o seu pleno desenvolvimento.

Em armadilhas, truques e alçapões, como eram conhecidos, os nossos camaradas de Minas e Armadilhas, quantas vezes não utilizou material incendiário (fósforo) e outros produtos de teor proibido.

Com o decorrer da comissão e a “bestalização” da guerra ia-se instalando e dominando o nosso discernimento psíquico. Quem não utilizou estes artefactos?

Estou convicto que, naquele tempo, se houvesse material de destruição maciça, nós, em casos pontuais, em desespero de causa, por motivos de ódio, ou vingança pelos nossos mortos em combate, tínhamo-lo utilizado.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Imagens: Wikipédia, enciclopédia livre (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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sábado, 10 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5087: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (24): A camaradagem em tempo de guerra


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 24ª estória:

Camaradas,

Do meu baú de memórias lá retirei mais um texto, que com uns retoques consegui, creio eu, actualizá-lo, deixando-o à vossa consideração como uma Homenagem minha, pessoal, à nossa camaradagem de ex-Combatentes.

A CAMARADAGEM EM TEMPO DE GUERRA

A camaradagem na minha Companhia não foi diferente das outras. Formaram-se entre nós laços de amizade para o resto das nossas vidas, as más e as boas horas que nós passámos juntos, teriam que ter uma repercussão de irmandade e amizade para todo o sempre.

A recruta é apontada, por muitos, como a época mais difícil da vida militar. As novas rotinas militares e o rigor castrense traziam alterações profundas aos nossos hábitos, dificultam-nos a adaptação à nova vida como soldados.
Mancebos de todas as Províncias deste nosso país, chegavam aos quartéis com sacos às costas, onde levavam apenas utilidades essenciais ao uso rotineiro do dia-a-dia. Mostravam as suas guias e convocatórias, e iniciam a assim a incorporação.

A primeira semana era a pior de todas (digo eu). Tínhamos que nos habituar a tudo o que era novidade para nós. Os horários a cumprir, o uso do uniforme, as botas em vez de sapatos, novos Camaradas e Amigos, muitas bolhas nos pés, pernas cansadas de marchar e correr… enfim tudo era diferente.

Para recrutas com 20 anos, vindos a maior parte dos meios rurais e do operariado fabril, a grande maioria “sacados” às escolas, aos amigos e às namoradas, estas bruscas mudanças de “modo de viver”, eram, para muitos, cruéis e desumanas.

Valia-lhes o “desenrascanço” e a entreajuda dos seus novos Camaradas (que horas jamais haviam visto nas suas vidas), para superarem as suas ignorâncias, insuficiências e incapacidades.

Era nesta ajuda mútua que se iniciava a camaradagem militar, e se vincavam os laços de amizade que ficaram para a eternidade.

A disciplina militar que lhes era imposta pelos seus superiores, mais os conseguia unir e tornarem-se num espírito de corpo único, que, ainda hoje, é a maior virtude do Exército.

Acabadas as recrutas, juravam bandeira, e, seguiam para outras unidades especializando-se em várias “artes” castrenses, acabando, salvo raras excepções, em Unidades de Mobilização, onde lhe traçavam novos destinos para África, em rendições individuais, ou em formações de Pelotões, Companhias e Batalhões, e… Guerra do Ultramar.

Sempre conhecendo novos Camaradas e Superiores Hierárquicos, que com eles constituíam a sua “família” militar. Aprendiam a conviver e a depender exclusivamente deles próprios e do grupo (os seus Camaradas da Unidade), e a sobreviver, combater, rir, chorar, sofrer, dividir, comer, etc., em grupos de acção colectiva.

Quantas vezes, não estiveram os seus Camaradas, ali ao seu lado, para os confortar de desgostos, ferimentos, desânimos, cansaços, etc., sofrendo com eles os seus azares e infortúnios.

Marchavam para a guerra, imberbes e inexperientes, com uma única certeza, os seus Camaradas e Irmãos-de-Armas, eram a única “ilha” de salvação psíquica naquele “mar imenso e agitado de tempestades” traumáticas que lhes eram proporcionadas na Guiné.

Conheceram de perto as agruras da guerra, a sede, o suor, a lama, o pó, os estropiados, os feridos, a morte... Tudo isto viram, sentiram e sofreram.

Mas a camaradagem, essa ficou. Continua hoje imaculada nas suas mentes, sabendo que é graças a ela, com parte da sua sanidade e equilíbrio mental, vão sobrevivendo nesta outra “guerra”, não menos dura, que “eles” (aqueles que nós bem sabemos infelizmente), não compreendem, nem querem compreender, por total desinteresse pessoal, as suas razões.

As comissões eram cumpridas e compridas, mas eles mesmo assim conseguiram superá-las e regressar, não todos infelizmente, mas todos os que sobreviveram mantêm-se solidários e amigos, como nunca deixaram de o ser.

Ainda hoje essas manifestações de amizade se mantêm, entre os ex-Combatentes, comprovadamente pelos sucessivos momentos das inúmeras confraternizações e encontros, que são levadas a efeito pelo país fora, todos os anos.

Amizade e camaradagem não são palavras ocas, são também o espelho dos sentimentos de solidariedade e de lealdade que dedicamos ao próximo, resultantes da experiência da dobragem de vários conjuntos de dificuldades, que ultrapassamos em comum e nos permite actualmente comungarmos deste sentimento.

Passados mais de 40 anos deste conflito comum eis o que aprendemos:

O tempo passa,
A vida acontece,
A distância separa,
As crianças crescem,
Os empregos vão e vêem,
O amor fica mais frouxo,
As pessoas não fazem o que deveriam fazer,
O coração desgasta-se,
Os Pais morrem,
Os colegas de trabalho nos esquecem,
As carreiras terminam.

Mas, os verdadeiros amigos e Camaradas... estão aqui, não importa quanto tempo e quantos quilómetros nos separam… estão aqui… todos, ou quase, todos os dias.

Um Camarada nunca está mais distante do que ao alcance de uma… necessidade, torcendo por nós, intervindo em nosso favor, e esperando de braços abertos, abençoando a vida.

Nós sentimos e sabemos o que é precisarmos uns dos outros.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Legendas das fotos:
1 - J. Alberto - A banda de Mampatá
2 - O "comando" da CART 2519
3 - Camaradas até ao fim
4 - Até que a morte nos separe

Fotos: Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
Emblema de colecção: Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5051: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (23): Os malditos fornilhos

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 23ª estória:

Camaradas,

Sempre que os meus afazeres profissionais e familiares mo permitem, continuo a vasculhar o meu velho baú de recordações e vou passando, para o PC, alguns textos que rabisquei durante a minha comissão.
Como penso que são de interesse geral, dadas as matérias tratadas (por todos nós conhecidas), mas muitas delas já a caminho do esquecimento vou-oas enviando, com alguma nostalgia, para publicação no blogue.

Hoje abordo um dos nossos maiores pesadelos diários, a par com as assassinas minas, em cada uma das nossas saídas dos aquartelamentos:

OS MALDITOS FORNILHOS

Numa guerra traiçoeira, inúmeras vezes sem inimigo á vista, que procurava por todos os meios causar baixas às NT, tudo valia para levar adiante os seus fins.
Talvez a mais traiçoeira e eficaz de todas as armas utilizadas pelo IN, contra as nossas forças armadas, foram os amaldiçoados fornilhos.

Nas picadas e estradas, por nós percorridos, os nossos experientes picadores, descobriam imensas minas (A/C e A/P), mas os fornilhos poucos conseguiam detectar.

Os fornilhos eram montados em buracos feitos nas estradas, ou nas picadas, que eram preenchidos com material de guerra obsoleto e eram detonados á distância, semeando o pânico e o inferno entre o nosso pessoal.
Foram os causadores do maior número de mortes, estropiados e feridos nas NT, sofrendo alguns de nós, ainda hoje, de graves efeitos físicos e psíquicos dos mesmos.

Numa guerra cruel e desumana como foi a da frente da Guiné, nós também utilizamos fornilhos, nomeadamente em defesa dos nossos aquartelamentos. Em Mampatá haviam vários á volta do arame farpado.

No dia 17 de Agosto de 1970, aquando do grande ataque de surpresa do PAIGC, à Tabanca de Mampatá, o nosso principal meio de defesa foram os ditos fornilhos. O IN só retirou da sua acção agressiva que desenvolveu sobre nós, quando os mesmos rebentaram.

Constatou-se então que o inimigo tinha sofrido fortes baixas devido às explosões dos mesmos.
Também utilizamos fornilhos, em acções de emboscadas, mais precisamente no corredor de Missirã, tanto mais não tivessem servido, pelo menos foi uma forma psicológica de nos sentirmos mais seguros.

Era a lei de “quem com ferro mata… com ferro morre”. Na maior parte das vezes quem morria eram os carregadores dos equipamentos do IN, muitos deles obrigados pelo PAIGC a seguirem à frente das suas colunas.

De tanto picar estradas e trilhos, aqui deixo este verso da autoria do meu camarada Fur Mil Edmundo:

De pica na mão
lá ia a maralha
com toda a metralha
de olhos no chão
p’ra não haver falha
piquem bem o trilho
tomem atenção
sou de opinião
que se houver FORNILHO
ai que Deus nos valha


Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5044: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (22): A chapa de identificação


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 22ª estória:

Camaradas,

Continuo a vasculhar o meu baú de recordações, onde ainda retenho alguns textos escritos à muito tempo, e vou-os enviando, aos poucos, para eventual divulgação no blogue.

Este tem o título de:

A CHAPA DE IDENTIFICAÇÃO

Todos nós transportámos ao pescoço este precioso colar, contendo a nossa chapa de identificação.

Um colar de metal, sem qualquer valor comercial, que nos tinha sido oferecido pelo nosso Exército. Era o nosso maior bem e riqueza pessoal, pois o mesmo representava a nossa presença entre os seres vivos daquela guerra.

Este foi o método encontrado pelos Serviços Mecanográficos do Exército, para mais facilmente identificarem os mortos, quer em combate, quer pelos mais diversos motivos.

Para qualquer um de nós era sempre um momento doloroso, quando tínhamos de tirar a chapa de identificação a um camarada nosso, porque, como é evidente, era sinónimo que já não regressava vivo connosco, quando regressássemos ao Continente.

Tive a infeliz tristeza, que me marcou indelevelmente e jamais esquecerei até ao resto dos meus dias, de ter realizado esse acto com um dos nossos Camaradas mortos em combate, o Victor Manuel Parreira Caetano, Soldado Atirador de Artilharia, com o Nº Mec. 17618068, segundo os elementos que constavam na sua chapa de identificação.

Para mim, e creio que para totalidade dos meus Camaradas, era a cena mais negra e dolorosa da guerra, tirar e partir a sua chapa de identificação.

Infelizmente, houve casos em que nem esse simples gesto foi possível fazer, devido ao grave estado de mutilação em que ficavam alguns dos corpos.
Um combatente que tivesse a infelicidade de ser atingido pelo sopro e pelos estilhaços de um fornilho, a sua identificação posterior, pela chapa que o mesmo transportava, era quase impossível.

Hoje, todos aqueles a quem tivemos o doloroso dever de retirar a sua chapa de identificação, por terem morrido no conflito do Ultramar, têm a sua memória perpetuada, nas pedras evocativas com os seus nomes no Monumento aos Combatentes do Ultramar, no Forte do Bom Sucesso, em Belém, Lisboa.

Deus permita que repousem eternamente em paz!

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Guiné 63/74 – P5035: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (21): A noz-de-cola


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 21ª estória:

Camaradas,

Arranjando sempre um bocadinho do meu super-ocupado tempo, nomeadamente nas minhas lides profissionais diárias, lá vou rebuscando no meu baú das memórias da guerra e, para minha surpresa, vou encontrando alguns dos meus velhos textos que há dava como esquecidos e, outros, que até já os julgava perdidos.

Este é mais um deles:

A NOZ-DE-COLA

Confesso que sempre me fez confusão os elementos da Milícia, ou os elementos do Pelotão de Nativos, que saíam connosco regularmente para o mato, estarem sempre a mascar uma semente parecida com uma noz, a que chamavam COLA.

Eram homens que não comiam e pouco bebiam durante o tempo que duravam as nossas missões. Sendo seres humanos como nós deviam naturalmente, no mínimo, terem necessidades idênticas como os restantes.

A desidratação provocada pelo calor, provocava-nos a inevitável sede e a consequente necessidade de água, que se tornavam era um tormento permanente e comum a todos.

Esta estranheza, fazia-me questionar sobre o comportamento dos elementos nativos, apesar de eu logicamente saber que eles estavam perfeitamente habituados às tão adversas condições climatéricas do território, nomeadamente nas temidas e indesejáveis épocas das chuvas.

Um dia, para meu espanto, os mesmos militares mostraram-me uma semente, a que chamavam Cola, muito parecida com uma noz de cor escura.

Eles não paravam de as mascar, e foram-me dizendo que a Cola, lhes dava força, tirava a sede e cortava a fome.

Pedi-lhes um bocado para experimentar o sabor e o efeito do produto.

Se quanto ao sabor conclui que era amargo, áspero e seco, já quanto ao efeito não retirei qualquer resultado prático.

Levado pela minha curiosidade, fui perguntar ao Furriel Enfermeiro Agostinho da minha Companhia, o que sabia sobre a Cola.

O mesmo por estar ocupado, ou não me querer aturar, deu-me um dicionário e disse-me: “Procura”.

Não me fiz rogado e com uma bojeca a acompanhar lá fui procurando naquelas páginas o eventual “segredo” da coisa.

Encontrei, Noz-de-cola, que estava assim descrita: (É um forte estimulante, antioxidante, melhora a concentração, aumenta o poder de resistência e diminui o apetite. Afrodisíaco ligeiro.).

Fiquei esclarecido, numa época em que os narcóticos eram desconhecidos e tabu, já os nativos os usavam para fins de subsistência física e psíquica.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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sábado, 26 de setembro de 2009

Guiné 63/74 – P5014: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (20): Os códigos secretos da guerra

1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 20ª estória:


Camaradas,

Ao vasculhar o meu baú de memórias, dei com este texto que, em outros tempos, escrevi sobre os nossos camaradas Operadores de Cripto.

Penso que, com a sua publicação no blogue, prestar-lhes-ei o meu pequeno e modesto, mas mais que justo contributo.

O Titulo que dei ao texto foi:

"CÓDIGOS SECRETOS DE GUERRA"

As trocas de transmissões de mensagens entre os diversos elementos das diversas Unidades espalhadas pelo território, bem como entre os operacionais no terreno, tornavam-se indispensáveis e cruciais à realização de toda e qualquer acção militar e ao melhor êxito na sua concretização.

Em inúmeras situações, além do intercâmbio de informações vitais acerca de todas as matérias em jogo nas nossas movimentações, em acções de combate, pedidos de dicas sobre orientação, apoio de fogo com armas pesadas, pedidos de socorro, etc. permitiam-nos, essencialmente e acima de tudo, actuar com prontidão e eficácia na evacuação dos nossos feridos.

Os operadores de Cripto, eram então os militares que cifravam e decifravam as mensagens classificadas, a que eram atribuídos os seguintes graus de segurança: RESERVADO, CONFIDENCIAL, SECRETO ou MUITO SECRETO.

Além do envio e recepção de mensagens, também escutavam, interceptavam e, ou, interferiam nas transmissões efectuadas entre os guerrilheiros do IN.

Para proteger as nossas trocas de informações (mensagens faladas via rádio), de modo a evitar a eventual decifração pelo IN das mesmas, foi imaginado e criado o uso de Códigos Secretos.

Os referidos códigos eram constituídos por dígitos e símbolos, que dispostos numa mensagem, aparentemente, não demonstravam qualquer nexo a um qualquer leitor, e estavam, geralmente, compilados em pequenos manuais, de acesso muitíssimo restrito.

A sua distribuição era feita de maneira muito específica e cuidadosa, apenas a determinadas e seleccionadas hierarquias superiores e, do mesmo modo, a militares seleccionados e de altíssima e insuspeita confiança.

Qualquer suspeita de fuga de informação, ou de desconfiança que o IN, por qualquer motivo, descodificara os códigos em uso, implicava a sua imediata alteração.

Os Operadores de Cripto tinham os códigos secretos de decifração das mensagens, que circulavam nos Comandos da Guiné.

Como é óbvio dominando soberbamente esta matéria, os nossos criptos tornavam-se “apetitosos” elementos a capturar pelo IN, pelo que eram sempre homens muito bem guardados.

Nos aquartelamentos do mato, zelávamos atentamente pela sua segurança, para que nada lhes acontecesse e muito menos deixá-los ser apanhados.

Lembro-me de um “Top Secret” chegar a Mampatá, e nos ter alertado para este precioso e importante facto.

Haviam informações de que o IN, procurava por todos os meios capturar pelo menos um dos nossos criptos.

Estes especialistas, devido ao seu estatuto de “secretismo”, tinham todos fichas de caracterização pessoal na PIDE/DGS, e após as suas desmobilizações da tropa, eram vigiados/controlados, durante longos períodos da suas vidas, por aquela polícia política, visto que, mantinham nos seu cérebros o domínio dos segredos utilizados na codificação, que tinham aprendido e empregue ao longo das suas comissões de serviço.

Lembro-me do Ramos um desses Operadores Criptos da minha Companhia dizer, num dos nossos encontros anuais, que depois de passar à “peluda” ainda tinha sido abordado pela PIDE/DGS.

Naquele tempo haviam especialidades, que nós do mato julgávamos que eram privilegiadas, mas afinal não passavam de um grande bico-de-obra.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: José Félix (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:

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