Mostrar mensagens com a etiqueta Geografia. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Geografia. Mostrar todas as mensagens

sábado, 21 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20755: Memórias das geografias ultramarinas na toponímia da cidade de Lisboa: histórias cruzadas (Jorge Araújo)



Fotos das placas toponímicas do "Bairro das Novas Nações": Jorge Araújo, Jan2020


Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); um homem das Arábias... doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; autor da série "(D)o outro lado do combate"; nosso coeditor.



MEMÓRIAS DAS GEOGRAFIAS ULTRAMARINAS
NA TOPONÍMIA DA CIDADE DE LISBOA
- HISTÓRIAS CRUZADAS -


Planta dos terrenos da antiga Quinta da Mineira ou da Charca onde nasceu, no início dos anos vinte do século passado (faz um século), o "Bairro das Colónias". A construção dos edifícios começaria na década seguinte (1930), criando um dos melhores e mais coerentes conjuntos Art Déco e modernistas de Lisboa. Inicialmente foi proposto que a toponímia do bairro homenageasse colonialistas famosos, optando-se, em lugar disso, pelos nomes das ex-colónias portuguesas.  
  

1.   - INTRODUÇÃO
No último trânsito de avião de "regresso a casa", realizado por ocasião da quadra natalícia de 2019, as rodas da minha mala de viagem foram-se desintegrando ao longo dos diferentes caminhos, ocorrência sempre desagradável pelas dificuldades que daí resultaram, nomeadamente no seu controlo e condução. É certo que este facto só sucede a quem anda nestas "vidas", mas, no geral, pode acontecer a qualquer um de nós, independentemente do lugar e do contexto.


Perante esta realidade, impunha-se a sua reparação imediata, de modo a ficar operacional para nova viagem, cumprindo a função para que foi criada/concebida. Nesse sentido, iniciei os primeiros contactos, na zona de residência, com especialistas do ramo, mas sem sucesso, na medida em que ninguém estava preparado para o fazer. 

Seguiu-se a pesquisa em Lisboa. De todas as empresas contactadas, ficámos na última cujo gerente – Sr. Romero ["Casa Romero", passe a publicidade] nos informou que: "sim, senhor; pode trazer a sua mala, pois temos uma secção de reparação de malas de todas as marcas, incluindo rodas". A sua localização ficava (e fica) na Rua Maria da Fonte, perto de duas estações do Metro: "Anjos" (antigo Bairro das Colónias) ou "Intendente".

Entregue a mala (trolley) para consertar, ficou combinado com o Sr. Romero que este me telefonaria após a conclusão do mesmo. Reservei o sábado seguinte ao contacto para a recolha da 'dita cuja' mala.

Passavam poucos minutos do meio-dia quando lá cheguei. A loja fechava às 13h00. Durante a nossa presença, tivemos a oportunidade de conversar sobre este negócio e das dificuldades que tive em encontrar uma solução para o meu caso. A dada altura disse-me que tinha sido combatente em Moçambique, onde ficou por lá mais alguns anos, como civil. No regresso ao Continente, escolheu este ramo para aquela que continua a ser a sua actividade profissional e a sua ocupação de vida.

Ele, de Moçambique, e eu, da Guiné, cruzámos, então, histórias das duas geografias coloniais/ultramarinas: A "Física" e a "Humana", onde estivéramos, mas em épocas diferentes. Já muito perto da hora de fecho, chega um seu familiar (já esperado, pois tinham combinado ir almoçar) que, ao aperceber-se do tema da conversa, alargou o âmbito das "geografias", ao cruzar mais algumas histórias, agora de Angola, onde fora, também ele, combatente. Eram quase 14h00 quando decidimos suspender os diálogos.

Das diferentes experiências individuais, que deram lugar ao cruzamento de histórias vividas nas três geografias ultramarinas, surge o facto de estarmos a paredes meias com o "Bairro das Colónias" (1933); depois "Bairro do Ultramar" (1933) e, na sequência do "25 de Abril", passou a ser denominado por "Bairro das Novas Nações" (1975) (ver planta acima).

E foi assim, a pretexto do "conserto da mala", que nasceu mais esta narrativa, onde se cruzaram memórias/histórias das duas geografias acima identificadas.
Uma vez que todos os factos históricos são passado, é através do conhecimento específico e aprofundado desse passado que se entende melhor o presente. Por isso, eis alguns apontamentos sobre a origem da toponímia do "Bairro das Colónias", na antiga Freguesia dos Anjos, agora Freguesia de Arroios, em Lisboa, no ano de 1930.



Foto da "Praça das Colónias" (1933), depois "Praça do Ultramar" (1933) e, agora, "Praça das Novas Nações" (1975), da autoria de Ana Luída Alvim; com a devida vénia.


2.   ANTECEDENTES HISTÓRICOS NA ORIGEM DA TOPONÍMIA DO "BAIRRO DAS COLÓNIAS", EM LISBOA
De acordo com a literatura disponibilizada pela Junta de Freguesia de Arroios, a construção dos primeiros edifícios do "Bairro das Colónias", assim como dos respectivos arruamentos, dão-se início nos anos trinta do século passado (1930).

No que concerne à sua Toponímia, o Edital da Câmara Municipal de Lisboa, de 19 de Junho de 1933, atribui à praça aí existente o nome de "Praça das Colónias". Três semanas depois, em 06 de Julho de 1933, em nova deliberação camarária, a denominação da "Praça das Colónias" é alterada para "Praça do Ultramar", onde se referem também os seguintes topónimos, segundo a ordem do Edital: Rua de Angola, Rua de Moçambique, Rua da Guiné, Rua do Zaire, Rua da Ilha do Príncipe, Rua de Cabo Verde, Rua da Ilha de São Tomé, Rua de Macau e Rua de Timor.


Identificação das cinco ex-colónias portuguesas do continente africano e a data da sua independência 

 (Fonte: adapt. de www.elo.pro.br/cloud/aluno/atividade.php?id=2062&etapa=0), com a devida vénia.)

Após o "25 de Abril de 1974" a "Praça do Ultramar", cuja nomenclatura remetia para o Estado Novo o domínio colonial, voltou a ter uma nova designação: "Praça das Novas Nações", atribuída pelo Edital de 17 de Fevereiro de 1975, tomando o Bairro o mesmo nome de "Novas Nações". 

Esta alteração da toponímia de Lisboa foi a forma que o Município da Capital escolheu, na sequência do fim da Guerra Colonial, para homenagear as cinco novas nações no continente africano (ex-colónias) identificadas na infografia acima: Guiné (independência declarada unilateralmente em 24 de Setembro de 1973 e reconhecida em 10 de Setembro de 1974), Moçambique (25 de Junho de 1975), Cabo Verde (5 de Julho de 1975), São Tomé e Príncipe (12 de Julho de 1975) e Angola (11 de Novembro de 1975).





Foto da "Praça das Colónias" (1933), depois "Praça do Ultramar" (1933) e, agora, "Praça das Novas Nações" (1975), da autoria de Sérgio Dias; com a devida vénia.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
10MAR2020
____________

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15437: Os manuais escolares que nos forma(ta)ram (3): Geografia, Portugal e Colónias, 3ª e 4ª classes, de A. de Vasconcelos, c. 1940 - Parte III: "Amemos o Brasil, nação irmã muito amiga, onde temos muitos e muitos milhares de compatriotas que a essa abençoada terra foram procurar meios de viver com honra para nossa linda e querida pátria " (p. 34)



VASCONCELOS. A[ugusto Pinto Duarte] de - Geografia Portugal e Colónias, 3ª e 4ª classes, nova edição. Porto: Editorial Domingos Barreira, [1940], 118 + 1 pp., ilustrado, 18 cm.






Geografia..., op cit., pp. 31-34. O Brasil era dado na 3ª classe... Em três páginas, num manual com, um total de 118 páginas... 



Para além de saber ler, escrever e contar, o português dos anos 30 do séc. XX deveria ter um mínimo de literacia geográfica, para poder e saber... emigrar. No início da década de 40, Portugal tinha 7,7 milhões de habitantes, e o Brasil... mais de 40 milhões. Hoje tem mais de 200 milhões e uma megacidade como São Paulo com quase 45 milhões (!)...

Informação histórica do supracitado manual: o Brasil foi "colónia portuguesa" (sic), leia-se: "pertenceu" a Portugal desde 1500 até 1822, ano "em que se tornou independente" ... Enfim, é o destino preferido dos "portugueses que emigram", leia-se: "que vão procurar fortuna ou os meios de viver fora da Pátria, por nesta os não poderem adquirir" (sic).

E a curta lição acaba com uma exortação patriótica: "Amemos o Brasil, nação irmã muito amiga, onde temos muitos e muitos milhares de compatriotas que a essa abençoada terra foram procurar meios de viver com honra para nossa linda e querida pátria" (p. 34)...

Na realidade, o Brasil foi durante um século o principal destino da emigração transcontinental portuguesa... Segundo o grande geógrafo Orlando Ribeiro (1911-1997), entre 1890 e 1940, terão saído de Portugal 1,2 milhões de emigrantes, 92% originários do norte, 83% destinados ao Brasil...

Nos dois primeiros séculos da colonização do Brasil (de 1500 a 1700), a emigração é baixa: estima-se que tenham "emigrado" para aquele território 100 mil portugueses (uma média anual de 500).  É uma imigração restrita. Este número contrasta com os que, neste período, saíram do pís, dirigindo-se para as possessões portuguesas na África e Ásia: cerca de 700 mil emigrantes, aproximadamente:

280 mil (entre 1500 e 1580) (média anual: 3500);
300 mil (entre 1581 e 1640) (idem, 5000):
120 mil (entre 1641 e 1700) (idem, 200).

 Há um salto muito significativo entre 1701 e 1760, na emigração para o Brasil: somam-se mais 600 mil portugueses, atraídos pela descoberta de ouro (em  1696) e pedras preciosas... Uma média anual de 10 mil...  O período entre 1701 e 1850 é considerado como o transição da imigração (Venâncio, 2000):

A imigração de massa vai de 1850 a 1930. A partir de 1960, há claramente um declínio.

Entre 1881 e 1967, calcula-se que mais de 1 milhão e meio o número de portugueses que terá emigrado para o Brasil, assim distribuídos por período:

1881/1900 > 316.204 (média anual; 15.810)

1901/1930 > 754.147 (idem, 25.138) (o maior pico da emigração portuguesa para o Brasil)

1931/1950 > 148.699 (idem, 7.434)

1951/1960 > 235.635 (idem, 23.563)

1961/1967 > 54.767 (idem, 7.823)


Fonte: Venâncio, R. P. - Presença portuguesa: de colonizadores a imigrantes. In: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro, 2000.


Já agora, e para completar esta informação sobre a demográfica histórica brasileira, cite-se o IBGE (2000):

"No continente americano, o Brasil foi o país que importou mais escravos africanos. Entre os séculos XVI e meados do XIX, vieram cerca de 4 milhões de homens, mulheres e crianças, o equivalente a mais de um terço de todo comércio negreiro. Uma contabilidade que não é exatamente para ser comemorada [, nos 500 anos do Brasil]".

O maior contributo para a formação da população brasileira, em 500 anos, foi portanto a imigração portuguesa,  imediatamenhte a seguir ao dos negros de África, levados como escravos.

Fonte: In: Instituto Brasileiro de Geografa e Estatística. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro, 2000.


Nos manuais do Estado Novo, de história e de geografia, em que estudámos (a geração que orá fazer a guerra colonial), havia uma clara tendência para ignorar ou escamotear o problema da escravatura africana...e o "colapso" da população indígena no Brasil  (que em 1500 podia ser estimada entre 2,5 e 6 milhões, variando muito as estimativas conforme as fontes).

(...) "No primeiro censo demográfico realizado no Brasil, em 1872, a população brasileira atingia 9.930.478 habitantes, dos quais 3.787.289 brancos, 1.954.452 pretos, 3.380.172 pardos e 386.955 'caboclos'. 'Pardos', na época, era o termo utilizado sobretudo para mulatos; de fato, enquanto o censo classificava a população livre em quatro categorias, a população escrava se dividia apenas em pretos e pardos. 'Caboclos' é o termo tradicional para mestiços de índio e branco; contudo, incluía, neste censo, a população indígena aculturada (...) . A população indígena não aculturada não foi contada, mas sabemos que era bastante reduzida. No censo de 2000, 128 anos depois, a população total havia crescido para 169.872.856, dos quais 91.298.042 brancos, 10.554.336 pretos, 65.318.092 pardos, 761.583 'amarelos' e 734.127 indígenas." (..:) 

Fonte: Modelo de Evolução da População no Brasil Colonial. [Em linha]. Ideias. Wikidot.com. 2011. [Consultado em 2/12/2015]. Disponível em  http://ideias.wikidot.com/modelo-de-evolucao-da-populacao-no-brasil-colonial

sábado, 28 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15418: Os manuais escolares que nos forma(ta)ram (2): Geografia, Portugal e Colónias, 3ª e 4ª classes, de A. de Vasconcelos, c. 1940 - Parte II: Angola, com uma superfície 14,5 vezes maior que a de Portugal Continental, teria uma população que "regula(va) por uns 6 milhões de habitantes, a maior parte pretos (sic)"... Esta estimativa parece-nos grosseira... Oz densos aponmtavam para 3,7 (em 1940), 4,1 (em 1950), 4,8 (em 1960) e 5,7 milhões (e em 1970)...


VASCONCELOS. A[ugusto Pinto Duarte] de - Geografia Portugal e Colónias, 3ª e 4ª classes, nova edição. Porto: Editorial Domingos Barreira, [1940], 118 + 1 pp., ilustrado, 18 cm.





Geografia... op. cit. p. 103: vejam-se as fronteiras de Angola, de antes da II Guerra Mundial: Congo Francês, Congo Belga, Rodésia Inglesa e África do Sudoeste (Inglaterra) ou Botelândia (antiga África Ocidental alemã, perdida para os ingleses na sequência da I Grande Guerra, e hoje Namíbia)...




Geografia..., op cit., pp. 103-106


2. Comentário do editor:


Não sabemos onde o autor foi buscar um valor de 6 milhões de habitantes para a época [, 1940,] em Angola...

"A notícia da primeira tentativa para a contagem da população angolana data do último quartel do séc. XVIII, mais precisamente do tempo em que foi governador de Angola D. António de Lencastre (1777-1778), com a execução da ordem de 21 de maio de 1770, da autoria do então,ministro Martinho de Melo Castro. Foram contados, nessa altura, 1.581 brancos, 1.013 mestiços e168.493 pretos avassalados."

Por Carta de Lei de 17 de agosto de 1899, foi mandado proceder-se  ao recenseamento da da população no Ultramar de dez em dez anos

O primeiro censo, na realidade, só foi realizado em 1940.  A população total de Angola era então de 3.738.010 indivíduos.  

O censo de 1950 apontava para um total de  4.145.266  indivíduos e o de 1960 apurava um crescimento de 700 mil (Total; 4.840.719 pessoas).

Em 1970,  a população estimada de Angola era  de 5.673.064 habitantes.  [E já aaora acrescente-se que a população de origem europeia continuava a ser diminuta: cerca de 44 mil em 1940; 172.529 em 1960...].