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terça-feira, 2 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24276: Notas de leitura (1578). Lançamento do livro do ten gen ref Garcia Leandro, "O Balanço de Uma Geração" (Lisboa, Gradiva, 2023, 360 pp.)...Vídeo com a recensão crítica do Presidente da República

 


O Presidente da República faz, de improviso, uma recensão crítica do recente livro do ten gen ref Leandro Garcia, "O Balanço de uma Geração" (Lisboa, Gradiva, 2023, 360 pp.), Cortesia do autor. O vídeo (que não está na página oficial da Presidència da República) chegou-nos, com pedido de divulgação,  por mão do Virgínio Briote, antigo alf mil 'comando' que esteve na Guiné com o então cap 'cmd' Garcia Leandro (tem 1o referências no nosso blogue mas não faz parte da nossa Tabanca Grande).





1. Mensagem do Virginio Briote, nosso coeditor jubilado, um histórico do nosso blogue (nascido em Cascais, frequentou a Academia Militar, e foi alf mil em Cuntima, CCAV 489 / BCAV 490 (Jan-Mai 1965); fez o 2º curso de Comandos do CTIG, comandou o Grupo Diabólicos (Set 1965 / Set 1966); regressou em Jan 1967; casado com a Maria Irene; foi quadro superior da indústria farmacêutica; editor literário do livro de memórias do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Portuguès", publicado em 2010, sob a chancela da Associação de Comandos):

Data - segunda, 24/04, 20:17 (há 2 dias)
Assunto - Vídeo com o Presidente da República por ocasião do lançamento do livro do ten gen ref Garcia Leandro

Luis Graça e Carlos Vinhal, Caros Camaradas

O  meu antigo Cmdt CCmds, Garcia Leandro,  acabou de publicar o livro “O Balanço de uma Geração” (Lisboa, Gradiva, 2023, 360 pp). 

Não pude estar presente (no dia 17 do corrente, na Fundação Calouste Gulbenlian) mas o general Garcia Leandro enviou-me a declaração do PR sobre a referida obra. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa aborda o tema da obra de forma interessante.

O vídeo, reproduzido acima, aqui disponível,  na conta You Tube / Luís Graça. Cortesia de Garcia Landro (8' 01")


Abraço do Virgínio Briote

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2. Mais  informação sobre o livro e o autor:



Neste livro dedicado à sua geração, o autor faz uma análise integrada de Portugal, no passado e no presente, com particular foco nos séculos XIX e XX e sobretudo nos consulados de Salazar e Caetano e da III República. Além disso, perspectiva o futuro possível, com base na sua vivência e testemunho.

De um modo articulado e objectivo, procura explicar a situação de Portugal a partir da década de 1950 e, nesse contexto, o comportamento de Salazar e de Caetano até 1974. Mas vai além desse período, pois faz o enquadramento internacional desde o século XIX, numa contribuição para interpretar a nossa História e como chegámos ao Estado Novo, depois de décadas muito difíceis e com grandes fragilidades.

Para o século XX, a sua análise, assente em dados concretos e factos vividos, aborda a questão ultramarina, os problemas, como foram encarados a partir do início da guerrilha em Angola e o que antecedeu o 25 de Abril de 1974. Que significou esse pedaço da História para a geração nascida durante a II Guerra Mundial e para as populações do então Ultramar?

Além de reflectir sobre esta questão e o funcionamento da III República, o autor analisa a reconstrução das Forças Armadas e das Forças e Serviços de Segurança, a sua modernização e a internacionalização. Ajudando a compreender este mundo em mudança, Garcia Leandro antevê como poderá ser o futuro do país a curto prazo, os problemas que se podem pôr a Portugal e a nossa viabilidade.

Este é um livro que faltava para uma compreensão melhor e independente de Portugal e das hipóteses que se porão para o futuro mundial.


Autor > 
José Eduardo Garcia Leandro


(i) nasceu em Luanda (1940):

(ii)  foi tenente-general do Exército desde 1998;

(iii) a sua vida profissional dividiu-se:

(iii a) entre o antigo Ultramar (Angola, 1962-1964 e 1970-1972; Guiné, 1965-1967;  e Timor, 1968-1970;

(iii b) tendo sido governador de Macau entre 1974- 1979);

(iii c) as funções de comando, a nível nacional e internacional (conselheiro militar da Delegação de Portugal junto da NATO entre 1987-1990, comandante da Componente Militar da Missão das Nações Unidas para o Referendo no Sahara Ocidental da ONU em 1996, diretor do Instituto de Altos Estudos Militares e do Instituto de Defesa Nacional, e vice-chefe do Estado-Maior do Exército);

(iii d) e o ensino superior (no Instituto de Altos Estudos Militares, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa);

(iv) teve participação ativa em várias entidades ligadas à cidadania, foi membro do Conselho Geral da Universidade Aberta e presidente da Fundação Jorge Álvares, de 2016 a 2021, onde se mantém como curador;

(v) é académico,  correspondente da Academia Internacional da Cultura Portuguesa e membro do Conselho Supremo da Sociedade Histórica da Independência de Portugal;

(vi) publicou, em 2011, o livro "Macau nos Anos da Revolução Portuguesa - 1974/1979" e coordenou o livro "Portugal e os 50 anos da Aliança Atlântica", lançado em 1999 pelo Ministério da Defesa Nacional.

Fonte: Wook (com a devida vénia)

[Seleção, revisão e fixação de texto, negritos e itálicos: L.G.]
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Nota do editor;

Último poste da série > 1 de maio de 2023 > Guiné 61/74 - P24274: Notas de leitura (1577): "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", por José Matos e Zélia Oliveira; Guerra e Paz, Editores, 2023 (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 23 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24245: In Memoriam (476): João B. Serra (1949 - 2023), historiador, professor, programador cultural, biógrafo do escritor e militar Manuel Ferreira(1917-1992) (que esteve com os pais de alguns de nós, no Mindelo, ilha de São Vicente, Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial)



João B. Serra > s/l > s/d >  "Almoço dos primos"... Era primo do nosso camarada Manuel Resende pelo lado da esposa deste, a nossa amiga Isaura Serra Resende... Os primos Serra reuniam-se anualmente. O João B. Serra, nascido nas Caldas da Rainha em 22 de abril de 1949,  morreu no passado dia 19, de cancro, doença que lhe fora diagnosticada há 10 anos.



Caldas da Rainha > 9 de maio de 2019 > Última aula do Professor João B. Serra, aqui na foto com Jorge Sampaio (1939-2012).



Lisboa > Centro Cultural de Belém (CCB) > 16 de dezembro de 2017 > O João B. Serra discursando no encerramento das comemorações do centenário de Manuel Ferreira.


Fotos (e legendas): © Manuel Resende (2023). [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Faleceu passado dia 19, aos 73 anos, o historiador, programador cultural e professor do ensino superior João Bonifácio Serra, natural das Caldas da Rainha. Tem no nosso blogue cerca de uma dezena de referências.

O funeral realizou-se no sábado, dia 22, no Centro Funerário de Cascais, em Alcabideche, onde o corpo foi cremado. justamente no dia em que completaria 74 anos. (*)

A notícia foi-nos dada, logo na quarta feira,  pelo João Rodrigues Lobo , membro da nossa Tabanca Grande, também ele, como o falecido, antigo aluno do ERO (Externato Ramalho Ortigão), das Caldas da Rainha. Sendo uma figura pública, de projeção não apenas regional como também nacional, a notícia do seu falecimento teve ampla cobertura pela comunicação social, nomeadamente na imprensa de referência como o Expresso e o Público. Foi também notícia no jornal Região de Leiria e Gazeta das Caldas, e ainda na imprensa de Guimarães.

Era professor coordenador jubilado do Politécnico de Leiria, Foi também investigador e docente no ISCTE e na Universidade NOVA de Lisboa. Para além do percu
rso académico,  foi programador e presidente da Fundação Cidade de Guimarães, responsável pelo projecto Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. Foi igualmente presidente do Conselho Estratégico Rede Cultura 2027, entidade responsável pela candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura 2027.

Mas já antes, de 1996 e 2006, trabalharia com o Presidente da República Jorge Sampaio,desde o primeiro até ao último dia nos seus dois mandatos, na qualidade de consultor, assessor e depois chefe da Casa Civil.

Licenciado em história pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, iniciaria a atividade profissional como professor do ensino secundário em 1970. Ajudou a criar a Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha, tendo sido ainda titular, nessa Escola, da cátedra Unesco em Gestão das Artes da Cultura, Cidades e Criatividade.

Autor de diversos estudos sobre temas de história política e social portuguesa dos séculos XIX e XX, e  designadamente sobre a História da República e o republicanismo, integrou ainda a equipa de investigadores encarregada de elaborar uma História do Parlamento Português. Teve um especial carinho pela sua terra natal, Caldas da Rainha. 

Tinha página no Facebook. Era primo do Manuel Resende, pelo da esposa deste. AS fotos que publoicamos são deste nosso amigo e camarada, régulo da ;Magnífica Tabanca da Linha.



2. A sua ligação com o nosso blogue remonta a 3 de abril de 2017, quando nos escreveu o seguinte mail:

Professor Luís Graça,

Através do seu blogue, onde tem publicado informação muito relevante e inédita sobre campanhas africanas efectuadas pelas forças armadas portuguesas, colhi indicações úteis para um trabalho de investigação que estou a realizar.Trata-se de uma biografia do escritor capitão Manuel Ferreira, nascido em 1917, com o propósito de participar nas comemorações do seu centenário que passa em Julho próximo.

O meu pedido de ajuda respeita a imagens que tem publicado no seu blogue sobre a presença militar em Cabo Verde dos expedicionários de 1941. Essas imagens abarcam a cidade do Mindelo, as instalações militares em São Vicente e Sal, dispositivos e operações militares.

Gostaria de poder utilizar algumas delas na exposição que estou a organizar e no respectivo catálogo. Para tal pretendia aceder aos originais, de modo a tentar obter a melhor qualidade de reprodução possível. Se me autorizar, farei a digitalização dos positivos ou negativos que me puder disponibilizar, devolvendo de imediato os originais.

Poderá ajudar-me neste meu projecto?
Fico-lhe muito grato.

João Serra
Prof. Coordenador do Insitituto Politécnico de Leiria



Caldas da Rainha > Museu José Malhoa > 22 de julho de 2017 > Exposição temporária "Manuel Ferreira: capitão de longo curso" > Imagem do RI 5,  cuja secretaria Manuel Ferreira (1917-1992) chefiou, entre 1954 e 1958, e por onde muitos de nós passámos, antes de ir parar à Guiné, durante a guerra colonial (1961/74)...Escritor e investigador, e mais tarde capitão SGE Manuel Ferreira (Leiria, 1917 - Oeiras, 1983) passou por aqui, já depois de ter estado no Mindelo, São Vicente, Cabo Verde (e 1941-1946), e na Índia Portuguesa (1948-1954).

Foi neste quartel, em 1957, quando chefiava a secretaria regimental, e nesta cidade onde viveu 4 anos, que ele escreveu o seu livro de contos, "Morabeza" (publicado no ano seguinte, em 1958).  Será depois  ser transferido para Lisboa. Em 1962, sai o seu primeiro romance de temática cabo-verdiana, o "Hora di Bai". E em 1965 é mobilizado para Angola. como tenente SGE, tendo feito parte até então da direção da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores.




T/T Vera Cruz > A caminho de Angola > Em primeiro plano, o ten SGE Manuel Ferreira (Gândra dos Olivais, Leiria, 1917- Oeiras, 1992) a bordo do paquete Vera Cruz em agosto de 1965 a caminho de Luanda. Cortesia de João B. Serra.

Foto (e legenda): © João B. Serra (2017). Todos os direitos reservados.  [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


3. À volta da figura do escritor Manuel Ferreira (1917-1992) e dos militares expedicionários em Cabo Verde, e nomeadamente no Mindelo, Ilha de São Vicente, durante a II Guerra Mundial, trocámos umas dezenas de emails.  Uns meses depois ele agradeceu, publicamente, no seu blogue a colaboração
que lhe prestámos (nomeadamente, cedência de fotografias mas também contactos, na Gândara dos Olivais, Leiria, terra natal do militar  e escritor).(**)

18 de Dezembro de 2017 ·

(...) Um ano depois. Chegou anteontem ao fim, no CCB, o programa de comemoração do centenário de Manuel Ferreira. Tudo começou há um ano, quando, ocasionalmente, me encontrei com a primeira edição de uma uma obra sua, que desconhecia. (...)

Foi uma sessão de homenagem digna a que anteontem se efectivou. Amigos, antigos alunos, admiradores e familiares encheram a sala "Almada Negreiros" para lembrar as múltiplas dimensões daquele que perfaria este ano o seu centenário. Ouvimos os testemunhos de historiadores, escritores, professores de hoje sobre o percurso de vida e a obra imensa, generosa e pioneira de um militar que José Saramago equiparou a um Pêro Vaz de Caminha. Alguém que se aplicou em dar a conhecer a descoberta de novos países - através das suas criações literárias -, num processo em que ele próprio se descobriu como outro.

Não me cruzei no passado com Manuel Ferreira. A biografia que dele fui traçando ao longo deste ano não teve outro antecedente que o da curiosidade em preencher lacunas sobre a produção do livro com o qual me deparei em Dezembro de 2016. O empenho colocado nesta investigação não resultou de nenhum apelo ou solicitação externa. Repito: não me foi pedido nem encomendado.
 
O livro foi “A Casa dos Motas”, publicado em 1956. Esta edição, a primeira, de autor, foi impressa no Bombarral e tem ilustrações de Ferreira da Silva, um ceramista cuja obra tenho estudado e sobre o qual estava a preparar um ensaio (aliás, inserido num volume coordenado por Isabel Xavier, que viria a ser editado em princípios de 2017). A relação entre Ferreira da Silva e Manuel Ferreira, intrigante para mim, constituiu o ponto de partida da investigação.

Falei com pessoas que o tinham conhecido e coloquei a possibilidade de Manuel Ferreira ter sido professor na Escola Comercial e Industrial das Caldas da Rainha. Nenhuma destas diligências foi frutuosa. Manuel Ferreira militar? Essa passou a ser a melhor hipótese. Tentei o Arquivo Histórico Militar. Existia um processo, sim, mas estava ainda no Arquivo Geral do Exército, e para o consultar eu teria de me munir de uma autorização de um herdeiro legalmente habilitado. Fui à procura de um descendente, o Eng. Hernâni Ferreira, e foi assim, e aí, que tudo principiou.

Os elementos que a consulta do Arquivo Geral do Exército me facultou eram fascinantes. Excediam tudo o que entretanto tinha apurado sobre a trajectória de Manuel Ferreira, constante quer das notas biográficas divulgadas nas suas publicações, quer das memórias que o próprio filho e amigos retiveram. Pareceu-me justificado que a celebração do centenário de Manuel Ferreira, em Julho de 2017, pudesse ir além de uma cerimónia protocolar e constituísse uma oportunidade para conhecer a sua biografia. Propus a diversas instituições nacionais que o assumissem e elaborei, com vista a fundamentar essa proposta, um texto com informação relevante inédita sobre Manuel Ferreira, que fiz chegar aos seus responsáveis. (...)

O que me motiva hoje é referir e agradecer a todos aqueles que se entusiasmaram com o projecto de aprofundar o conhecimento sobre Manuel Ferreira e a sua acção, que acompanharam o desenvolvimento da pesquisa, que colaboraram no esclarecimento de alguns dos respectivos passos, que acolheram ou participaram na sua divulgação, que, enfim, manifestaram solidariedade com os meus propósitos e corresponderam com empenho ao que lhes foi solicitado.

Agradeço em primeiro lugar às direcções do Instituto Politécnico de Leiria e da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha a liberdade de, em sobreposição aos meus deveres profissionais de professor e investigador, desenvolver este projecto de cariz cívico. Senti a presença reconfortante de Rui Pedrosa e de João Santos.

 (...) Agradeço (...) a Adriano Miranda Lima que me dispensou elementos da sua própria investigação.  (...)

 Agradeço a Luis Graça (...), Augusto Silva Santos e Helder Sousa que me proporcionaram elementos dos seus arquivos pessoais. (...)

Num mail de 26 de junho de 2017, 12:35, escreveu-me:

(...) Fui ontem a Gândara dos Olivais. Tive uma cicerone excelente, no trato e no conhecimento, a tua prima Glória Gordalina. O encontro e a conversa com a Dra. Piedade, sobrinha de Manuel Ferreira, foi muito proveitoso. Esclareci melhor ambientes, referências e circunstâncias familiares e fundamentei algumas pistas pelo que ouvi e pelos silêncios que também escutei. Obrigado, Luis. (...)

As fotos do João B. Serra que publicamos acima,  são da autoria do Manuel Resende, nosso camarada e amigo, primo do falecido, pelo lado da esposa do Manuel, a nossa querida amiga Isaura Serra Resende.

Guardo dele a imagem de um homem de trato agradável e afável. E enquanto meu vizinho da Estremadura, sinto que é uma perda difícil de reparar na área da educação, da cultura, e da preservação da nossa memória coletiva. 

 família e aos amigos mais próximos do falecido, bem como ao Instituto Politécnico de Leiria, apresentamos as condolências da Tabanca Grande.

______________

Notas do editor:

(`) Último poste da série > 10 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24216: In Memoriam (475): Coronel de Infantaria Reformado, Ângelo Augusto da Cunha Ribeiro (1926-2023), ex-Major Inf, 2.º Comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)

terça-feira, 28 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24173: Manuscrito(s) (Luís Graça) (220): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles ? - Parte IIIA: Hospital, o triunfo da hospitalidade e da caridade... mas "o peixe e o hóspede ao fim de três dias fedem"


Lisboa, vista em perspectiva. Gravura em cobre, meados do Séc. XVI (Pormenor) (in G. Braun - Civitates Orbis Terrarum.., vol. V, 1593) (Fonte: Museu da Cidade).

Em meados do Séc. XVI, a cidade de Lisboa não sofrera grandes alterações desde o reinado de D. Manuel. Destaque, ao centro, para a representação do Terreiro do Paço e, mais a norte, a Praça do Rossio, com os edifícios do Paço dos Estaus (tribunal da  Santa Inquisição ), ao fundo, e do Hospital Real de Todos os Santos, do lado direito. O hospital ocupava grande parte do que é hoje a Praça da Figueira


1. Estamos a publicar uma série de textos, da autoria do nosso editor Luís Graça, sobre as lições que se podem tirar dos provérbios populares portugueses, nomeadamente sobre a saúde, a doença, os hospitais, os prestadores de cuidados de saúde (médicos, cirurgiões, farmacêuticos, enfermeiros, terapeutas, etc.),  mas também sobre a proteção e a promoção da saúde, incluindo a vida, o trabalho, o envelhecimento ativo e a "arte de bem morrer" (*)...

São textos que ele foi buscar ao seu "baú", à sua antiga página na ENSP/NOVA onde ensinou e investigou, durante quase quatro décadas, ajudando a formar médicos de saúde pública, médicos do trabalho, médicos de clinica geral e familiar, administradores hospitalares, gestores de serviços de saúde, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, técnicos de higiene e segurança no trabalho, educadores e promotores de saúde, engenheiros, mestres, doutores, etc.... 

A págima foi recuperada pelo Arquivo.pt: Saúde e Trabalho - Luís Graça (página pessoal e profissional cuja criação remonta a 1999).

O nosso editor, que está no Norte até à Páscoa por motivos de força maior, manda dizer que " espera, ao menos, que a leitura destes textos desperte algum interesse, tenha algum proveito para os nossos leitores e suscite alguns comentários (críticos)"...




Parte IIIA: Hospital, o triunfo da hospitalidade e da caridade... mas "o peixe e o hóspede ao fim de très dias fedem"

4. Hospital, pobreza e caridade

4.1. "Mal por mal antes cadeia que hospital"


Hospital e prisão estão sempre associados a lugares tenebrosos onde mais tarde ou mais cedo se vai parar e onde, aparentemente, se apagam as diferenças sociais:

  • "Na cadeia e no hospital todos tempos um lugar";
  • "Quem de puta faz cabedal vai acabar na cadeia ou no hospital";
  • "Quem vive em palácios sem poder no hospital vai morrer".

Mas mesmo assim, "mal por mal, antes cadeia que hospital" (Quadro X). Mas o que é o hospital ?

Historicamente, é uma criação da cristandade da Alta Idade Média;

Etimologicamente, é um termo que vem do baixo latim hospitale (lugar onde se recebem pessoas que necessitam de cuidados, alojamento, hospedaria), do latim hospitalis (relativo a hospites ou hospes, hóspedes ou convidados) (Graça, 1996).

Na Europa medieval, que irá ser profundamente marcada pela:

 (i) terrível fragilidade da condição humana,;

 (ii) pobreza absoluta e  

(iii) escatologia cristã, 

esses hóspedes eram originariamente não só os doentes pobres mas qualquer pessoa necessitada de qualquer outro tipo de cuidados (alojamento, alimentação, abrigo, protecção, ajuda, conforto, assistência, etc.): não só os enfermos, os incapacitados, os deficientes, os velhos, os pobres, os vagabundos como também os peregrinos e os viajantes.

Na Alta Idade Média, o hospital confundia-se com a albergaria ou o hospício (do latim hospitiu, alojamento, hospitalidade, também derivado de hospes). Em geral, ficava junto às catedrais ou aos mosteiros, em conformidade com as instruções dos concílios ecuménicos de Niceia (325) e de Cartago (398).

Com;

(i)  a progressiva cristianização do império romano (édito de Milão, em 313, que concede liberdade de culto aos cristãos);

(iii)  transformação do cristianismo em religião de Estado (em 380);

(iii) e  sobretudo a divisão do império (em 395), as invasões dos bárbaros e o fim do império romano do Ocidente (em 476),

 irão surgir, em Constantinopla, diferentes tipos de estabelecimentos com funções assistenciais, que depois se generalizam a toda a cristandade do Ocidente, na Alta Idade Média, com o desenvolvimento do monaquismo, o movimento das Cruzadas e as peregrinações, com particular destaque para a peregrinação a Santiago de Compostela (Rosen, 1960; Graça, 1996):

  • Xenodochia (albergarias para os estrangeiros, os peregrinos, os viajantes e todos aqueles que, em trânsito ou viagem, necessitassem de alojamento ou assistência);
  • Nosocomia (hospitais ou enfermarias que prestavam cuidados aos doentes ou enfermos pobres);
  • Gerontochia (estabelecimentos geriátricos, ou , pelo menos, destinados ao acolhimento de idosos);
  • Ptochia (hospícios ou albergues para os pobres que não fossem doentes);
  • Lobotrophia (locais destinados aos leprosos ou doentes vítimas de epidemias);
  • Orphanotrophia (orfanatos);
  • Brephotrophia (locais destinados a receber e a criar as crianças abandonadas ou sem família).
De um modo geral, as instituições de assistência criadas pelo império romano do Oriente, sob o impulso do cristianismo, tinham regulamentos próprios, além de um corpo de pessoal com funções de administração e de direcção técnica. O código justiniano, publicado em 534, contem já uma série de cláusulas sobre a administração hospitalar:

  • em termos jurídicos, os estabelecimentos hospitalares são vistos como uma parte distinta do património geral da Igreja, estando sob a tutela administrativa e religiosa do bispo;
  • a responsabilidade pela manutenção e conservação do seu património é, entretanto, atribuída à figura de um provedor, em geral nomeado pelo bispo, pelo fundador do estabelecimento ou pelos seus herdeiros (Imbert, 1958).

Além disso, o hospital bizantino estava já organizado por serviços, em função do sexo e da patologia e, seguramente, melhor equipado em termos de pessoal (médico e de apoio) que o seu sucedâneo do Ocidente cristão medieval (Rosen, 1963).


4.2 A doença como 'punição e expiação' e o hospital como 'instituição totalitária'


Curiosamente, há um ditado (provavelmente velho... e "os ditados velhos são evangelhos"!) que nos vem lembrar que, apesar do dever de caridade e de hospitalidade, "o hóspede e o peixe aos três dias fedem", isto é, cheiram mal, estão a mais, tornam-se um fardo.

Não haverá porventura nada de mais cruel, na literatura da administração hospitalar, do que esta insinuação de que, sendo o doente um "hóspede", ele é sempre um encargo e, em última análise, é indesejável. E também não há discurso sobre a humanização do hospital que possa resistir ao efeito corrosivo e perverso desta ideia da doença como punição e expiação.

Médicos e enfermeiros falam muito da atitude regressiva do doente, em geral, e do doente hospitalizado, em particular. A infantilização seria um dos traços característicos da chamada psicologia do doente. Ora, a regressão foi, desde sempre, um mito criado e alimentado pelo próprio sistema hospitalar. Sabemos que nem todos os doentes são infantilizantes, nem todos os doentes se deixam infantilizar. Há doentes "difíceis", "reivindicativos", que exigem ser informados, no dia-a-dia, sobre o seu estado de saúde e o tratamento que lhe está a ser administrado, etc. Trata-se de um atitude que tem muito a ver com o status (social, económico e cultural) do doente.

A relação material de dependência, provocada pela doença, não deve ser confundido com regressão. Esta, sim, seria um produto do sistema hospitalar: 

"A desapossessão do doente em relação à sua identidade, a expropriação do seu corpo entregue à ciência e aos médicos, o mito do saber ao serviço do doente, o mito da solidariedade social fazem do doente um ser submisso, infantil e em estado de regressão" (Grasset, 1975: 217).

Tais noções (regressão e infantilização) serviriam, sobretudo, para ocultar a imposição de um modelo de comportamento, o da submissão do doente ao pessoal e à instituição hospitalares, o que põe o problema da permanência, mesmo no hospital dos nossos dias, de traços da total institution (Goffman, 1967; Walton, 1988).

Segundo Goffman (1975), as instituições totalitárias vêm quebrar as fronteiras que separam habitualmente os três campos de actividade fundamentais do indivíduo, a casa, o trabalho e o lazer:

  • em primeiro lugar, as pessoas estão colocadas sob uma única e mesma autoridade (por ex., o director do hospital psiquiátrico, o capitão do navio da marinha mercante, o comandante do aquartelamento militar, a madre superiora do convento, o reitor do seminário, o director do estabelecimento prisional);
  • em segundo lugar, cada fase da actividade quotidiana desenrola-se, para cada indivíduo, numa relação de grande promiscuidade com um elevado número de outros indivíduos, submetidos às mesmas regras, procedimentos, deveres e obrigações (caso do recluso no estabelecimento prisional, do recruta na unidade militar, do idoso no lar de terceira idade, ou do doente crónico, moribundo ou terminal, acamado no hospital de retaguarda ou na ´clínica da morte’);
  • em terceiro lugar, todos os períodos de actividade são regulados segundo um programa estrito, isto é, todas as tarefas estão "encadeadas", obedecem a um plano imposto "de cima" por um sistema explícito de regulamentos cuja aplicação é assegurada por pessoal técnico ou administrativo (guardas prisionais, prefeitos, vigilantes, médicos, enfermeiros, sargentos e oficiais, etc.);
  • finalmente, as diferentes actividades assim impostas são por fim reagrupadas segundo um plano único e racional, concebido expressamente para responder ao fim ou missão oficial da instituição (custódia dos doentes mentais inimputáveis, tratamento psiquiátrico do doente esquisofrénico, reinserção social do jovem delinquente, recuperação do doente acamado, formação militar do recruta).

O traço essencial destas "instituições totalitárias" seria a aplicação ao indivíduo dum tratamento colectivo (e, nalguns casos, coercivo) de acordo com um sistema burocrático que cuida de todas as suas necessidades

Para a generalidade dos doentes, a hospitalização é sentida com um misto de culpa e de obrigação:
  • culpa, por um lado, de estar doente, representando um encargo para os outros (a família, a empresa, a sociedade, o Estado, os médicos e os outros profissionais de saúde, etc.);
  • obrigação, por outro, de se curar o mais rapidamente possível, de ser um doente colaborante, complacente, bem comportado, etc.

Estes dois sentimentos variam também em função da classe social e do sistema de saúde: quando o doente se sente, se reconhece e se assume como um utente, consumidor ou cliente, naturalmente que ele está em melhores condições para negociar, numa base mais equitativa. 

 De qualquer modo, o poder dos profissionais assenta, históica e culturalmente, sobretudo neste duplo sentimento de obrigação e de dependência (Graça, 1996).


Quadro X— Provérbios e outros lugares comuns da língua portuguesa sobre o hospital, a loucura, a misericórdia e a caridade

 

Objecto

Provérbio

Albergaria Hospital

  • "A mandar nunca ninguém foi ao hospital"

  • "Demandar e urinar levam o homem ao hospital"

  • "Doente que inspirra, fora do hospital"

  • "Mal por mal, antes na cadeia do que no hospital"

  • "Mal por mal antes cadeia que hospital e antes justiça que misericórdia"

  • "Na cadeia e no hospital só os amigos verás"

  • "Na cadeia e no hospital todos temos um lugar"

  • "Na cadeia, no jogo e na doença se conhecem os amigos"

  • "Na prisão e no hospital vês quem te quer bem e quem te quer mal"

  • "O homem que vive na taberna acaba por morrer no hospital"

  • "O hóspede e o peixe aos três dias fedem"

  • "Obra meninal põe o patrão na cadeia e o mestre no hospital"

  • "Os hóspedes  duas alegrias dão: quando chegam e quando se vão"

  • "Peregrinos, muitas pousadas, poucos amigos"

  • "Quando pobre come frango, um dos dois está doente"

  • "Quem de puta faz cabedal vai acabar na cadeia ou no hospital"

  • "Quem quiser comer arroz sem sal vá para o hospital"

  • "Quem vive em palácios sem poder no hospital vai morrer"

Caridade Misericórdia

  • "A caridade bem entendida começa por nós"

  • "A caridade dos outros connosco é gostosa; a nossa para os outros é custosa"

  • "A misericórdia dada é duas vezes abençoada"

  • "Caridade de rico é mania de dinheiro"

  • "Dar esmola não empobrece"

  • "Deus manda ser bom, mas não manda ser parvo"

  • "É preciso cuidar dos pobres, antes que eles cuidem de nós"

  • "Esmola a Mateus, esmola aos teus"

  • "Foi-se embora a caridade e ficou a carestia"

  • "Irmandade de Nossa Senhora Não-te-rales"

  • "Ir com alguém às obras de misericórdia"

  • "Junta-se o Hospital com a Misericórdia"

  • "Mais vale ser invejado do que misericordiado"

  • "Mãos generosas, mãos poderosas"

  • "Misericórdia não deve negar-se a quem pede" (Séc. XVI)

  • "Não dá quem tem dá quem quer bem"

  • "O que cair da mão dá-o a teu irmão"

  • "Os pobres têm tempo"

  • "Ouvir missa não gasta tempo, dar esmola não empobrece"

  • "Quem dá aos pobres, empresta a Deus"

  • "Quem  e reparte e não fica com a maior parte ou é burro ou no partir não tem arte"

  • "Quem  e torna a tirar ao Inferno vai parar"

  • "Quem deu dará, quem pediu pedirá"

Louco Loucura

  • "Ao doido doideiras digo"

  • "Ao doido e ao toiro dá-lhe o curro"

  • "Com o Diabo no corpo"

  • "Com mulher louca, andem as mãos e cale-se a boca"

  • "Cristo curou cegos e aleijados mas não malucos"

  • "De doido,  pedrada ou palavrada"

  • "De poeta e de  louco, todos têm um pouco"

  • "É preciso ser doido para trabalhar aqui"

  • "Quem de doidice adoece tarde ou nunca guaresce"

  • "Mal que não tem cura chama-se loucura"

  • "Não há louco sem acerto, nem sábio sem loucura"

  • Nem todos os doidos estão nas palhas"

  • "O tempo tudo cura, menos velhice e loucura"

  • "Para maluco maluco e meio"

  • "Três coisas se querem atadas: loucos, negócios e papéis"

    

4.3. "Dar aos pobres é emprestar a Deus"


Não havia, no entanto, uma clara distinção entre o cuidar dos corpos e o cuidar das almas. Segundo a mentalidade cristã da época, a doença, o sofrimento, a pobreza e a morte estavam submetidas à vontade divina (como já vimos anteriormente, na
Parte I):

A assistência aos enfermos e aos demais "pobres de Cristo" era, por sua vez, considerada como uma virtude cristã e como uma manifestação da misericórdia de Deus. Em termos metafóricos, diríamos que a caridade era vista então como uma espécie de certificado de alforro: "Dar aos pobres é emprestar a Deus" (Quadro X), ou seja, quantas mais boas obras amealhasse na terra, mais garantias tinha um cristão de alcançar o céu e, com ele, a salvação eterna.

A caridade (sob a forma da esmola) representava um investimento seguro que não punha em causa a "ordem natural das coisas":


Por fim, é bom não esquecer que - mesmo se às vezes "caridade de rico é mania de dinheiro" - Deus nosso senhor "manda ser bom, mas não manda ser parvo". Ou por outras palavras: "Quem dá e reparte e não fica com a maior parte ou é burro ou no partir não tem arte".

É com base neste ethos cristão, que se vão fundar milhares de hospitais e outros estabelecimentos similares, ao longo de séculos, de Constantinopla a Lisboa. Não admira, por isso, que o hospital cristão medieval vá ser estruturado, até na sua própria arquitectura e na sua organização espacio-emporal, como a casa de Deus, um lugar onde, mais do que curar a doença, se cuida sobretudo da salvação da alma. Daí os primitivos hospitais em França adoptarem a designação de Hôtel-Dieu, como o de Paris, fundado no Séc. VII (Imbert, 1958).

Nos finais do Séc.XV, surgem entretanto as primeiras misericórdias portuguesas Esta designação advém do facto de serem instituições, com o estatuto de confrarias e irmandades, que se propunham realizar as obras de misericórdia. De acordo com a tradição cristã e a interpretação do Evangelho segundo São Mateus, essas obras eram em número de catorze: sete espirituais e sete corporais, incluindo o curar dos enfermos (Graça, 1997)(Quadro XI).




Quadro XI - As catorze obras de misericórdia

(i) Sete espirituais

  • A primeira he ensinar os simprezes
  • A segunda he dar bom conselho a quem o ped
  • A terceira he castigar cô caridade os que erram
  • A quarta he cõsolar os tristes descõsolados
  • A quinta he perdoar a quem nos errou
  • A sexta he sofrer as jnjurias cõ paciençia
  • A setima he Rogar a ds pellos viuos e pellos mortos

(ii) Sete corporais
  • A primeira he remir captiuos e visitar os presos
  • A segunda he curar os enfermos
  • A terceira he cubrir os nus
  • A quarta he daar de comer aos famintos
  • A quinta he daar de beber aos que ham sede
  • A sexta he daar pousada aos peregrinos e pobres
  • A setima he enterrar os finados
_________

Fonte: 
Compromisso da Misericórdia de Évora (1516), cit. por Graça (1997)


A partir do início do Século XVI, assiste-se em Portugal a um movimento de concentração dos hospitais e demais estabelecimento assistenciais até então existentes, tendo o poder real um papel absolutamente decisivo nesse movimento.

É sobretudo a partir de D. João II (1455-1495) e, portanto, já em plena época dos Descobrimentos, que surgem as grandes instituições de assistência, sob a forma de hospitais gerais: Lisboa (1492-1504), Coimbra (1508), Évora (1515), Braga (1520), Goa (1520-1542), etc. em resultado da própria concentração do poder político e económico na figura do rei.

O Hospital Real de Todos os Santos, em Lisboa, é o exemplo mais paradigmático dos grandes hospitais que se constroem na época.

Contrariamente ao seu congénere medieval, o hospital dos Séculos XVI e seguintes é monumental e sobretudo urbano, reflectindo as novas necessidades e problemas de saúde de uma população que tende a concentrar-se nas cidades com o declínio do feudalismo, o desenvolvimento do modo de produção artesanal, a expansão do comércio marítimo e a complexificação do tecido social (em particular, das camadas populares).

A arquitectura do hospital renascentista, por outro lado, reflecte a ideia de magnificência do príncipe e de ostentação da caridade.

Às misericórdias caberá, posteriormente, a responsabilidade pela administração hospitalar, durante um período de mais de quatrocentos anos (desde meados do Séc. XVI até ao período de 1974/76). Daí talvez o sentido de provérbios como estes:

(Continua)

Referèncias bibliográficas a publicar no fim da série

___________

Nota do editor:

(*) Vd. postes de:



Último poste da série Manuscrito(s) (Luís Graça):

26de março de  2023 > Guiné 61/74 - P24170 : Manuscrito(s) (Luís Graça) (219): Na despedida da Terra da Alegria: à minha querida 'mana' Nitas, Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, 1947 - Porto, 2023)

quinta-feira, 23 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24164: Manuscrito(s) (Luís Graça) (218): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles ? - Parte IIB: "Com malvas e água fria faz-se um boticário num dia"



Luís Graça (2014)
1. Continuação da publicação de uma série de textos, da autoria do nosso editor Luís Graça, sobre as lições que podemos tirar dos provérbios populares portugueses, nomeadamente sobre a saúde, a doença e os prestadores de cuidados de saúde (médicos, cirurgiões, farmacêuticos, enfermeiros, terapeutas, etc.), mas também sobre a proteção e a promoção da saúde, incluindo a vida, o trabalho, o envelhecimento ativo e a "arte de bem morrer"...


Por razões de força maior (doença terminal de uma pessoa, familiar,  que lhe é muito querida), o nosso editor está temporariamente com menos disponibilidade (física e mental) para editar o blogue, encontrando-se desde há uma semana no Norte (Madalena, Vila Nova de Gaia). Conta com os outros coeditores, 
 nomeamente com o sempre fiel, atento , discreto e incansável Carlos Vinhal, para ir mantendo todos os dias a "montra do blogue" devidamentee atualizada e renovada. 

São textos que ele foi buscar ao seu "baú", a sua antiga página na ENSP/NOVA onde ensinou e investigou, durante quase quatro décadas, ajudando a formar médicos de saúde pública, médicos do trabalho, medicos de clinica geral e familiar, administradores hospitalares, gestores de serviços de saúde, enfermeiros, técnicos de diagnóstico e terapêutica, técnicos de higiene e segurança, educadores e promotores de saúde, engenheiros, mestres, doutores, etc.... A págima foi recuperada pelo Arquivo.pt: Saúde e Trabalho - Luís Graça, (página pessoal e profissional cuja criação remonta a 1999).

Ele espera, ao menos, que a leitura destes textos desperte algum interesse, tenha algum proveito para os nossos leitores e suscite alguns comentários (críticos)...  LG.


Graça, L. (2000) - Representações Sociais da Saúde, da Doença e dos Praticantes da Arte Médica nos Provérbios em Língua Portuguesa. Parte II : 'Deus Cura os Doentes e o Médico Recebe o Dinheiro'

Publicado, numa outra versão, no Médico de Família, III Série, 7 (Julho de 2000), pp. 40-44.

(Continuação) (*)


3. Estereótipos em relação aos médicos e à medicina



Na Europa cristã medieval, a medicina (do latim medicina, que também deu origem à palavra mezinha) — enquanto teoria da doença e prática terapêutica — tinha claramente retrocedido em relação ao legado greco-romano e árabe.

De facto, imperavam o dogmatismo e a superstição. O prognóstico era regulado pela astrologia, tal como na Babilónia (Lafaille e Hiemstra, 1990). O diagnóstico era praticamente limitado à observação das "águas" (urina) e, depois da Renascença, à tomada dos pulsos. A observação clínica estava posta de lado. O conhecimento da anatomia e da fisiologia do corpo humano era grosseiro, já que a dissecação de cadáveres era expressamente proibida pela Igreja. Daí o provérbio " Se queres conhecer o teu corpo, mata o teu corpo"... 

Quanto à terapêutica, resumia-se à magia e às orações, com algumas ervas pelo meio e sobretudo com muitas purgas e sangrias.

A par disso, não existiam hábitos de higiene pessoal nem de salubridade pública.  As condições sanitárias ambientais eram péssimas. As cidades medievais não tinham sistemas de abastecimento de água potável e  saneamento básico. Os despejos domésticos eram feitos para a via pública.

Quanto à tradição romana dos banhos públicos, de algum modo valorizada pela medicina judaica e árabe na península ibérica, sabemos como ela foi duramente combatida pelo cristianismo: por exemplo, homens da Igreja como São Jerónimo (c.343-420) não viam razões válidas para um cristão tomar banho depois do baptismo... se bem que na planta arquitectónica do célebre mosteiro de Sankt Gallen (Séc. IX) estivessem previstas latrinas e balneários (Graça, 1996).

Refira-se que este preconceito teológico em relação aos cuidados de higiene corporal vai ter consequências nefastas na saúde da população europeia (por exemplo, no caso da peste negra de 1347-1353).

Além disso, a teoria demoníaca da doença tinha então muito ascendente e, no caso das devastadoras epidemias que assolavam a Europa (sob o nome comum de "peste"), o bode expiatório eram geralmente os judeus ou outras minorias como as "bruxas" (ou sejam,  as mulheres com "poderes" terapêuticoss, mágicos ou maléficos). Ou até os próprios médicos, os comerciantes ricos, a nobreza, o alto clero e a corte real que sempre tinham mais meios de fugir, "depressa e para longe", dos sítios atingidos pela peste ou outras epidemis, de acordo com a aforismo da Escola de Salerno: Cito, longe, tardo, fuge, recedde, reddi (Mira, 1947. 415), ou seja, Foge depressa, vai para longe e volta devagar...

O ensino da medicina, por sua vez, era escolástico, ou seja, dominado pelo espartilho filosófico-teológico apesar de se ter assistido à criação e a um certo florescimento de algumas escolas médicas, umas absolutamente pioneiras e pluralistas (como foi o caso da Escola de Salerno, a civitas hippocratica onde, no virar do 1º milénio, se cruzavam as culturas judaica, cristã e muçulmana), outras já na sequência do desenvolvimento da universidade a partir de finais do Séc. XII (por ex., Bolonha em 1188, Valência em 1209, Oxford em 1214, Paris em 1215, Montpellier em 1220, Salamanca em 1230, Coimbra em 1279).

O ensino da medicina também beneficia da redescoberta dos autores gregos, por via da sua tradução para o latim na Escola de Salerno e sobretudo para o siríaco e para árabe, nomeadamente através da seita cristã dos nestorianos que se instalaram na Pérsia, a partir de 489.

Entre os seguidores de Nestório, patriarca de Constantinopla, condenado como herege no Concílio de Éfeso (431), há médicos e outros letrados que levam consigo numerosas obras de autores gregos (Hipócrates, Aristóteles, Dioscórides, Galeno, etc.). O contacto com os nestorianos foi decisivo para o desenvolvimento da medicina árabe.

Mais importante ainda é a tradução de dezenas de obras da medicina árabe para o latim medieval, graças nomeadamente a:

  • Constantino, o Africano (c. 1020-1087), em Itália (Salerno e Montecasssino);
  • Gerardo de Cremona (c. 1114-1187) em Espanha (Toledo, reconquistada pelos cristão em 1085); entre as muitas obras traduzidas por Gerardo conta-se o Cânone de Avicena, por volta de 1150).

No essencial, o ensino da medicina irá limitar-se, durante séculos, mais à reprodução (sucessivamente deformada) dos clássicos (sobretudo Galeno e Avicena) do que à aprendizagem dos seus métodos empíricos de diagnóstico e terapêutica, baseados na observação e até na experimentação.

Hipócrates e muitos outros autores gregos só serão redescobertos e lidos no original a partir da Renascença. Muitos manuscritos chegam então ao Ocidente com a queda de Constantinopla em 1453 e o fim do império bizantino.

Na antiguidade clássica greco-romana, a medicina era inseparável da filosofia, tal como o será da teologia entre os povos de religião monoteísta (os judeus, os cristãos e os muçulmanos). A ruptura epistemológica da medicina com o pensamento teológico e filosófico só se fará, muitos séculos depois, com o triunfo do positivismo em meados do Século XIX (e nomeadamente graças aos trabalhos de três figuras fundamentais: Bernard, Pasteur e Koch), sem esquecer obviamente toda uma plêiade de precursores, da Renascença ao Século das Luzes, que nas mais diversas áreas do conhecimento foram construindo as bases da moderna cultura científica (Goff e Sournia, 1985; Lyons e Petrucelli, 1991; Sournia, 1995) (vd. Caixa 1).




Quadro VIII— Provérbios e outros lugares comuns da língua portuguesa sobre o corpo, a anatomia,  a cirurgia e o cirurgião

Objecto

Provérbio

Anatomia Corpo

  • "Chegou a hora de pôr o cu na seringa"

  • "Homem e porco só depois de morto"

  • "Homem morto, cu de porco"

  • "Mais vale uma perna sã do que duas muletas"

  • "Mata o teu urso se queres ver o teu corpo"

  • "Naturalia non turpa" (1)

  • "O mal do olho coça-se com o cotovelo"

  • "Pôr as tripas ao sol"

  • "Se queres conhecer o teu corpo, abre o teu porco"

Cirurgia

  • "A pequeno mal, grande trapo" (Séc. XVII)

  • "Barriga que não leva dois jantares, facada nela"

  • "Mais vale um pé que duas muletas"

  • "Não mata mas dói"

  • "Por uma besta dar um coice, não se lhe há-de cortar a perna"

  • "Uma facada tem cura, mas a má palavra sempre dura"

Cirur-gião Mestre

  • "Deus é que sara e o mestre é que leva a prata"

  • "Dos feridos se fazem os mestres"

  • "Mão de mestre é unguento"

  • "Médico velho, cirurgião novo, boticário coxo"

  • "Não há melhor cirurgião que o bem acutilado"

  • "O vinagre e o limão são meio cirurgião"

  • "Pratica e serás mestre"

  • "Quem se cura com benesses não vai à mão de mestres".


(1) Aforismo latino: "O que é natural [por exemplo, o corpo, os sues órgãos, 
a sua anatomia e a sua fisiologia] não envergonha"


Lentamente, e depois do gesto iconoclasta de Paracelso que, em 1520, queima publicamente as obras dos clássicos e passa a escrever em alemão, a medicina ocidental começa a afastar-se dum quadro teórico de referência que dominaria o ensino e a prática médicas durante quase milénio e meio. 

Mas essa ruptura epistemológica não vai ter efeitos imediatos nem na prática médica nem organização hospitalar. O hospital vai continuar tão fechado nos seus velhos regulamentos e hábitos como a própria universidade; esta, por sua vez, continuará de costas voltadas para o hospital até finais do Séc. XIX (1911, no caso português, ano da criação das Universidades de Lisboa e Porto e, portanto, das respetivas Faculdades de Medicina).

Os estudos sobre anatomia e fisiologia, nomeadamente a partir de A. Vesálio (1514-1564) e dos seus seguidores (Colombo, Fallopio, no Séc. XVI, Bonnet, no Séc. XVII, e Morgagni e Bichat, no Séc. XVIII), vão permitir o progressivo conhecimento do corpo humano (Quadro VIII), enquanto por outro lado surgem as primeiras técnicas de diagnóstico e terapêutica (auscultação, percussão, termómetro clínico, microscópio), lentamente aperfeiçoadas e divulgadas (Lyons e Petrucelli, 1991).

No Século XVIII, irá entretanto assistir-se ao desenvolvimento da prática e do ensino da medicina clínica, à cabeceira do doente, nomeadamente com H. Boerhaave (1668-1738), na universidade holandesa de Leiden, o qual introduz o termómetro e a lupa para uma observação clínica mais rigorosa. 

Por seu turno, a cirurgia, nomeadamente militar, faz progressos notáveis, apesar de ainda não poder contar com a anestesia, a antissepsia a assepsia e que só aparecerão em meados do Séc. XIX.


3.4. "Com malvas e água fria faz-se um boticário num dia"


No polo oposto do físico e do cirurgião, está o boticário: "Com malvas e água fria faz-se um boticário num dia", uma forma jocosa de ridicularizar a pobreza do arsenal terapêutico de que a medicina podia lançar mão, em contraste com o dinheiro que a botica arrecadava. Daí o aviso: "Foge do feio e do porcino, da botica e do remédio" (Quadro IX).

A arte farmacêutica é tão antiga como a arte médica, a ponto de se confundirem ou estarem intimamente relacionadas até à Alta Idade Média. A separação nítida entre a farmácia e a medicina, o seu ensino e a sua prática, dever-se-á aos árabes.

No entanto, a preparação de produtos de origem animal e vegetal, para prevenir as doenças, aliviar as dores ou curar as enfermidades, está documentada pelo menos desde o Egipto Antigo: por exemplo, o famoso papiro de Ebers (c. 1550 a. C.)  — do nome de Georg Ebers (1837-1898) a quem se deve o seu primeiro estudo, em 1875  — contém já uma lista de mais de 800 receitas, fórmulas ou prescrições terapêuticas e faz referência a mais de 7 mil substâncias medicinais (Lyons e Petrucelli, 1991; Dias, 1997).

Na Idade Média, o reconhecimento da actividade farmacêutica, como ofício, distinto da medicina, é atribuído à Escola de Salerno, fundada no Séc. IX, no sul da Itália.

Segundo leis promulgadas em 1240 pelo imperador Frederico II da Sicília e Nápoles, o médico estava proibido de ser proprietário de uma botica ou de preparar medicamentos, um princípio fundamental que irá influenciar toda a legislação posterior nesta matéria (Clément, 1995; Dias, 1997). E quanto à actividade farmacêutica, faz-se já a distinção entre os confectionnarii e os statunarii:

  • Os primeiros (confectionnarii) são produtores de mezinhas, percursores da indústria farmacêutica que se irá desenvolver na segunda metade do Séc. XIX: confeccionam por sua conta e risco, e de acordo com o estado da arte da sua época, os medicamentos que os médicos prescrevem para tratamento dos doentes;
  • Os statunarii, por seu turno, são meros comerciantes, limitando-se unicamente a vender as substâncias e os medicamentos simples, fornecidos pelos confectionnarii (Clément, 1995).

Não sabemos até que ponto havia, na época, acumulação dos dois ofícios. De qualquer modo, os statunarii estão mais próximos da figura do moderno farmacêutico do que do antigo boticário que, entre nós, também era um produtor de mezinhas.

Referindo-se à diferenciação técnica e social que já existia na Antiguidade Clássica entre a farmácia e a medicina, Dias (1997, Capº 4) diz o seguinte:

"Na Grécia eram várias as denominações utilizadas para os profissionais que lidavam com medicamentos, para além dos médicos (iatroi )":

  • Os mais comuns eram os pharmakopoloi (singular pharmakopolos), ou "vendedores de medicamentos (...) cujo estatuto social e cultura não seriam elevados";
  • Pelo contrário, os rhizotomoi (singular rhizotomos), ou cortadores de raízes, tinham outra importância e estatuto, sendo também maior a sua preparação e o seu nível de conhecimentos;
  • Outros grupos no campo farmacêutico incluíam os pharmakopoeoi (sing. pharmakopoeos), "preparadores de medicamentos", além dos preparadores de unguentos, os vendedores de misturas, os vendedores de especiarias e os vendedores de mirra;

Em Roma, vamos encontrar estas e outras categorias ligadas à produção e/ou comercialização de medicamentos, tais como os vendedores ambulantes e os vendedores fixos de medicamentos, os trituradores de drogas (pharmacotribae ou pharmacotritae ), os prepradores de cosméticos (pigmentari ) e os herbanários (herbarii ) (Dias, 1997).

Outra restrição imposta à actividade farmacêutica, em 1240, em Salerno, prendia-se com o prazo de validade dos produtos, armazenados na botica, e que passavam a estar sujeitos a inspecção: esses produtos não podiam ultrapassar o período de um ano após a data da sua aquisição (Dictionnaire médicale Dechambre, 1887, cit. por Clement 1995, p. 33).

Dias (1997, Cap. 6º) acrescenta que o édito de Melfi, promulgado por Frederico II em 1240, vinha também introduzir o princípio do "controlo dos preços dos medicamentos" bem como do "licenciamento e inspecção da actividade farmacêutica".

O boticário enquanto ofício, ou seja como corporação, é reconhecido em França, por alvará régio de 1514 (Clément, 1995). Mas já anos antes, em 1495, há notícia da criação da primeira botica hospitalar (no Hôtel-Dieu de Paris). Tratava-se, ao que parece, de uma medida de excepção, já que no hospital medieval eram o pessoal religioso que se ocupava da farmácia.

Depois da Revolução Francesa, o Estado vai regulamentar o exercício da actividade farmacêutica, através da lei de 21 de Germinal do Ano XI: a abertura de um estabelecimento farmacêutico bem como a preparação e a venda de medicamentos só são autorizadas aos farmacêuticos e desde que estes sejam, eles próprios, proprietários dos estabelecimentos.

A única excepção continuam a ser os hospitais que, sobretudo os menos importantes e com menos recursos, não tem farmacêuticos privativos, pagando uma avença ao boticário local para exercer a função a tempo parcial (o mesmo acontecendo em Portugal).

A partir do final do Séc. XVI, vamos já encontrar a figura do boticário hospitalar (e dos seus ajudantes), residindo no próprio estabelecimento e assistindo à visita médica dos doentes. No nosso país, esta inovação é bastante anterior, estando pelo menos consagrada no Regimento do Hospital Real de Todos os Santos (1504) e, mesmo anteriormente, no Hospital Termal das Caldas da Rainha (fundado em 1484).

Só no princípio do Séc. XIX, é que será criada em França a carreira dos farmacêuticos hospitalares (1802). As suas funções continuam a ser a preparação dos medicamentos, mas já de acordo com a farmacopeia em vigor.

Além disso, devem prestar contas anualmente, à comissão administrativa do estabelecimento hospitalar, da gestão da farmácia. De qualquer modo, durante muito tempo e até recentemente, o seu estatuto (admissão, nomeação, remuneração, incompatibilidades, competências, etc.) era técnica e socialmente inferior ao do médico (Graça, 1996).

No caso português, pode considerar-se como ponto de partida (histórico), para "a organização de serviços de saúde com diferenciação funcional" (Ferreira, 1990, p.85):

  • A separação das actividades do físico-mor e do cirurgião-mor (1460);
  • E o reconhecimento das funções dos boticários, os quais passaram, pelo menos, por lei, a substituir os médicos na preparação dos medicamentos (1461).

Mais especificamente, uma lei de 23 de Abril de 1461, de D. Afonso V, vem proibir aos físicos e cirurgiões a manufactura de mezinhas em suas casas, e aos boticários a administração de mezinhas aos doentes sem parecer do físico ou do cirurgião. 

Aquele diploma régio continha ainda importantes disposições sobre a produção, o comércio e o controlo dos fármacos, obrigando nomeadamente os boticários ao registo das receitas que aviavam, com o nome do prescritor e do cliente.

Merceeiros, especieiros e quaisquer outros ficavam igualmente proibidos de vender ao público medicamentos compostos nas localidades com boticário estabelecido. O mesmo se passava com os teriagueiros, em geral, judeus que vendiam de terra em terra a teriaga (um preparado utilizado como antítodo dos mais variados venenos, ou mais ou menos o equivalente à "banha da cobra" que ainda hoje se vende nas feiras das nossas vilas e aldeias) (Lemos, 1991; Mira, 1947).

Com o Regimento do Físico-Mor do Reino de 1521, os boticários passaram, por sua vez, a estar sujeitos à obrigação geral de exame de aprovação (Sobre a história da farmácia em Portugal, ver o excelente o site de J. P. Sousa Dias, alojado nas páginas da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa).

A intervenção régia neste domínio (complementada pela acção do município de Lisboa, por exemplo através do regimento de 26 de Agosto de 1497 que vem exigir a existência, nas boticas, de livros de registo das receitas aviadas, de tabela de preços, de pesos e medidas apropriados, etc. ) deixa adivinhar a natureza e a amplitude da indisciplina que continuava a reinar na época, tanto ao nível do exercício da prática médica (vd. Caixa 2) como da produção, distribuição, venda e consumo de medicamentos Daí provavelmente a origem e a razão de ser de provérbios como:

  • "Antes (gastar) aqui que na farmácia"
  • "Dourar a pílula";
  • "Em ferreiro não pegues, em farmácia não proves, em sapateiro não sentes";
  • "Há de tudo como na botica";
  • "Remédio caro faz sempre bem, se não ao doente, ao boticário" (Quadro IX).

Quadro IX — Provérbios e outros lugares comuns da língua portuguesa sobre a farmácia, o farmacêutico e a terapêutica

Objecto

Provérbio

Botica/

Farmácia

  • "Antes aqui que na farmácia"

  • "Com uma pipa de água fabrica o boticário um lagar de dinheiro"

  • "Em Agosto apanha macela que livra da botica o uso dela"

  • "Em ferreiro não pegues, em farmácia não proves, em sapateiro nem sentes"

  • "Foge do frio e do porcino, da botica e do remédio"

  • "Há de tudo como na botica" (Séc. XVIII)

  • "Não bebas em botica, nem pegues em ferreiro"

  • "Não há botica sem receitas"

  • "Por causa de titica ninguém vai à botica"

  • "Se a tua casa é húmida, abre conta na botica"

Boti-cário/ Farma-cêutico

  • "Com malvas e água fria faz-se um boticário num dia"

  • "Médico velho, cirurgião novo, boticário coxo"

  • "No boticário está a chave do médico e no escrivão a do peito"

  • "Remédio caro faz sempre bem, se não ao doente, ao boticário"

  • "Quem tem doença, abra a bolsa e tenha paciência"

  • "Saúde o come que não boca grande"

Medica-mento/ Remédio

  • "Com um horto e um malvar há medicina para o lugar"

  • "Dourar a pílula"

  • "O bom remédio amarga na boca"

  • " O que não tem remédio remediado está"

  • "O tempo cura o enfermo e não o unguento"

  • "O tempo dá o remédio onde me falta o conselho"

  • "Para grandes males, grandes remédios"

  • "Para tudo há remédio senão para a morte"

  • "Pilulas engolem-se e não se mastigam"

  • "Pouca peçonha não mata"

  • "Tempo é remédio"

  • "Se a pílula bem soubera, não se dourara por fora"

  • "Uma pílula a tempo poupa nove"

Cura/ Terapêu-tica

  • "A má chaga má erva" (Séc. XVI)

  • "Com tempo tudo se cura"

  • "Enquanto há vida há esperança"

  • "Mal com mal se cura"

  • "Mastigar marmelada para os tísicos"

  • "Não adianta fugir com o cu à seringa"

  • "O que arde cura, o que aperta segura"

  • "Pior a cura que o mal"

  • "Se não morre do mal, morre da cura"

(Continua)

Caixa 1 - O legado hipocrático e arábico-galénico


A medicina hipocrática tem de ser entendida no contexto do desenvolvimento da filosofia grega   (e sobretudo dos filósofos naturalistas). Neles foi  Hipócrates (c. 460 - c. 377 a.C.) basear-se para construir a sua famosa teoria dos quatro humores   e do seu indispensável equilíbrio para explicar a doença e manter a saúde (Mossé, 1885; Sournia, 1995). Em termos sintéticos:

  • O universo (e, portanto, o corpo humano) é composto o do universo  por quatro elementos fundamentais: o fogo, a água, a terra e o ar;

  • A estes quatro elementos estão associadas quatro qualidades: o quente (fogo), o frio (água), o seco (terra), o húmido (ar);

  • A vida é mantida pelo equilíbrio de quatro humores, cada um procedente de uma determinada parte do corpo humano e tendo diferentes qualidades e funções:  (i) o sangue (coração),  que é quente e húmido; (ii) a fleuma (cérebro), fria e húmida; (iii) a bílis amarela (fígado), quente e seca; e (iv) a bílis (baço), fria e seca;

  • Do predomínio de um destes humores na constituição do indivíduo, resulta um determinado tipo fisiológico ou carácter: o sanguíneo, o fleumático, o colérico ou o melancólico;

  • doença não seria mais do que desequilíbrio dos humores;

  • O papel do médico é ajudar a physis a seguir os seus processos normais ou naturais;

  • De acordo com o aforismo hipocrático II. 22, "as doenças que resultam da plenitude são curadas por evacuação, as provenientes da vacuidade por repleção e, em geral, os contrários pelos contrários" (cit. por Sournia, 1995. 47, itálicos meus);

  • Daí o uso (e o abuso até ao Séc. XVIII) dos cautérios, sangrias, purgantes e vomitivos; no entanto, Hipócrates e a sua escola recomendava prudência no seu uso; também não davam excessiva importância aos medicamentos; valorizavam sobretudo o regime alimentar, o exercício físico e os bons ares.

Hipócrates é mais conhecido pelo célebre juramento que lhe é atribuído, ao que parece indevidamente (pelo menos na redacção que chegou até nós). Também se sabe muito pouco sobre a sua  vida, a não ser que (i) nasceu na ilha de Cós, (ii) era descendente de uma família de médicos, (iii) viajou muito no seu tempo e (iv) teve inúmeros discípulos. 

Sabe-se também muito pouco da sua teoria e da sua prática clínica:

  • Por Corpus Hippocraticum é conhecido o conjunto dos escritos (seus e da sua escola e seguidores) sobre o conhecimento médico da Antiguidade Clássica, de que o greco-romano Galeno foi sobretudo o grande divulgado;

  • Trata-se de uma colecção de 60 obras (escritas em diferentes épocas, entre o Séc. V e Séc. III a.C., por diferentes autores); o juramento de Hipócrates, por exemplo, faz parte provavelmente das obras mais tardias desta colecção;

  • De todas estas obras, as mais conhecidas são os Aforismos: traduzidos em latim no Séc. VI e depois em árabe e em hebreu, serão profusamente divulgados ao longo de toda a Idade Média;

  • Só no Séc. XV é que serão descobertas e traduzidas, para latim, directamente do grego, outras obras atribuídas a Hipócrates; talvez o mais interessante ainda sejam os seus casos clínicos, que irão despertar grande interesse na Europa do Séc. XVII.

O contributo da escola hipocrática terá sido sobretudo o de elaborar uma medicina racional (e não propriamente científica), constitutiva do acto médico, em que a prognosis precedia a diagnosis, e esta a decisão terapêutica e o tratamento. 

No entanto, sendo a saúde um estado de equilíbrio dinâmico, as drogas tinham um papel limitado na medicina hipocrática. Aliás, o próprio livro dos Aforismos começa com estas palavras, evocando a especificade e os limites da própria medicina: 

"A vida é curta e a arte [ de curar, ou seja a medicina] é longa, a ocasião fugidia,  a experiência enganadora, o juízo difícil" (tr. para o francês de E. Littré, cit. por Sournia, 1995.47).

Mas o mais famoso dos médicos da Antiguidade Clássica não é   Hipócrates mas, sim, Galeno, do séc. II (c.129- c.n199). Os seus escritos irão constituir as bases essenciais do ensino médico medieval até à reforma da universidade, já em pleno Ancien Régime, tal como de resto a obra de Dioscórides (c. 60). Por exemplo, as prescrições constantes da obra mais conhecida de Dioscórides, De materia medica (donde constam numerosas aplicações terapêuticas, baseadas em produtos minerais, vegetais e animais), serão copiadas e recopiadas durante 18 séculos, ou seja, até ao Séc. XIX (!).

Aliás, a farmacologia enquanto disciplina autónoma entrará só muito tardiamente na universidade: em 1891 é nomeado o primeiro professor de farmacologia nos EUA (John Jakob Abel, Universidade de Ann Arbor) e em 1905 na Inglaterra (University College London, Artur Cushney)(Lyons e Petrucelli, 1991).

De Galeno sabe-se o seguinte:

  • Nasceu em Pérgamo, por volta de 129, na Ásia Menor, e estudou medicina em Alexandria, a mais famosa escola médica da Antiguidade; aqui teve contacto com a obra de Herófilo (c. 335-280 a. C), e de Erasistrato (c. 300 a.C.-260 a.C.), considerado como os pais da anatomia e da fisiologia, respectivamente;

  • Foi cirurgião dos gladiadores da sua terra natal, tendo partido para Roma em 162; tornar-se-ia depois médico da corte do imperador Marco Aurélio e, com isso, famoso e rico;

  • Para além da prática clínica, interessou-se pela anatomia e a fisiologia; dissecou porcos e macacos e demonstrou que as veias continham sangue e não ar (contrariamente aos ensinamentos de Aristóteles); transmitiria, no entanto, para a posteridade uma errónea descrição do sistema de circulação.

Da sua vasta obra (cerca de 400 livros), resta cerca de um quarto. O seu ensino manteve-se praticamente intacto até à Renascença. O facto da sua autoridade ter sido reconhecida pela própria Igreja, fez com que se tornasse uma espécie de bíblica médica, para o melhor e para o pior. E todos aqueles que posteriormente ousaram contestar os seus ensinamentos de Galeno serão perseguidos, excomungados ou até mortos.

Não reconhecendo a força terapêutica que Hipócrates atribuía à natureza, o maior contributo de Galeno para o desenvolvimento da medicina ocidental terá sido a ideia de que os vários sintomas de doença podiam ser estudados e individualmente tratados, dependendo esse tratamento dos órgãos afectados pela doença. Esta concepção organicista da doença ainda constitui ainda hoje o essencial do paradigma biomédico da saúde/doença (Sournia, 1995). 

Há um provérbio popular que reflete a fama (mas também a divergência) entre os dois médicos mais famosos da Antiguidade Clássica: "Hipócrates diz que sim, Galeno diz que não".

Dos arabistas (mais do que dos árabes propriamente ditos, já que o termo se aplica a todos os autores que escreviam em árabe, incluindo os persas e os judeus), há que destacar Avicena (980-1037), o conhecido autor do Cânone da medicina.

Todavia, o mais famoso médico da Idade Média terá infelizmente sucumbido, na opinião de Sournia (1995. 89), à "embriaguez de um unicismo total": Para Avicena, "é o movimento dos astros que regula a data das sangrias e o prognóstico das doenças, a geometria dos polígonos determina a cicatrização das feridas, e o pulso, contado através da clépsidra de água, orienta o diagnóstico" .

  

Caixa 2 - Evolução do estatuto socioprofissional dos médicos e cirurgiões

Em princípio, poderiam exercer medicina todos aqueles que fossem diplomados (bacharéis) pela universidade portuguesa ou por universidade estrangeira, no respectivo curso. A prática abusiva da medicina por indivíduos sem a necessária qualificação levará, entretanto, D. João I (1357-1433) a ordenar, por carta real de 28 de Junho de 1392, que nenhum homem ou mulhercristão, mouro ou judeu, pratique a arte de curar sem primeiro se submeter a um exame de provas práticas feito perante o físico-mor (um cargo de nomeação régia que só será extinto em 1836).

Aqueles que eram aprovados no exame, obtinham uma carta autenticada com o selo real que lhes conferia o direito de exercer legalmente a prática da medicina. Previam-se já pesadas sanções pelo exercício ilegal da medicina, muito embora essa disposição não tivesse provavelmente grandes efeitos práticos. Esta carta real é considerada "a primeira disposição legislativa em relação ao exercício da medicina", segundo Lemos (1991, Vol. I. 73).

No Regimento do Físico-Mor, de 15 de Outubro de 1476, esse exame passa a estender-se aos próprios diplomados pela universidade, portuguesa ou estrangeira, o que não deixa de ser sintomático (Graça, 1996):

  • Estamos provavelmente perante a primeira tentativa de controlo do exercício da medicina pelos próprios médicos, sob a figura do físico-mor e, portanto, sob protecção do próprio poder régio;

  • Por outro lado, tudo indica que o número de diplomados em medicina por universidades estrangeiras tenha aumentado no Século XV.

Nesta época, a cirurgia era um simples ofício que se aprendia com a prática e experiência dos mais velhos, não estando o seu exercício regulamentado. Era, aliás, uma arte considerada menor, que exigia sobretudo força e destreza manuais, e como tal desprezada pelos médicos diplomados. Era praticada sobretudo pelos barbeiros (até a meados do Século XVIII).

Recorde-se que, segundo o Juramento de Hipócrates (vd. tradução de Littré, cit.por Sournia, 1995. 47-48), ao médico estava interdito o uso da faca (ou do bisturi): "Não praticarei a operação de corte, mas deixá-la-ei para as pessoas que dela se ocupam".

Só com o Regimento do Cirurgião-Mor, datado de 25 de Outubro de 1448, no tempo de D. Afonso V, é que passa igualmente a ser obrigatória a prestação de provas de habilitação para a prática da cirurgia. O exercício indevido da cirurgia passava também a ser punido com prisão.

O ofício de cirurgião só a partir do Século XVI é que começa a ser técnica e socialmente valorizado . Por exemplo, um alvará de 26 de Julho de 1559 vem restringir o seu exercício aos que fizessem ou tirassem o curso de dois anos do Hospital Real de Todos os Santos (HRTS), com excepção dos diplomados pelas Universidades de Coimbra, Salamanca ou Guadalupe. Esta disposição não é, no entanto, confirmada  pelo Regimento do Cirurgião-Mor, de 12 de Dezembro de 1631.

Entretanto, no final do Séc. XVII, irão ser tomadas algumas providências relativas ao curso de cirurgia do HRTS:

  • Em 1693 exigia-se aos praticantes de cirurgia ou barbeiros, como habilitação mínima para frequentar o curso, o saber ler e escrever;

  • Por sua vez, o regimento de 1 de Julho de 1694 impõe já um numerus clausus (noventa alunos) e um internato de cinco anos (!).

Em 1758, o cirurgião-mor Soares Brandão volta a reiterar as exigências para admissão ao curso de cirurgia, ministrado naquele hospital: Saber ler e escrever, ter conhecimentos de ortografia e gramática da língua portuguesa, entre  outros requisitos (Mira, 1947).

Recorde-se que, contrariamente aos tratados médicos que eram obrigatoriamente escritos em latim, as obras sobre cirurgia e anatomia eram publicadas nas línguas vernáculas. Daí o professor de anatomia P. Dufau, no HRTS, ter aconselhado o seu brilhante aluno Manuel Constâncio, por volta de 1750, a estudar a "língua francesa para se aproveitar das excelentes obras que nela havia escritas" (Lemos, 1991, Vol. II.77).

Uma das saídas profissionais dos diplomados com o curso de cirurgia do HRTS era a marinha mercante, alistando-se como facultativos da tripulação, ou então o exército e a marinha de guerra, como facultativos militares.

Além Pirinéus, em França, a evolução do estatuto dos cirurgiões irá ser mais célere e, portanto,  mais favorável à reunificação da profissão médica (o que em Portugal só acontece tardiamente, muito depois da criação, em 1836, das Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto):

  • Um passo importante no sentido do reconhecimento dos cirurgiões foi a criação, em França, da Academia Real de Cirurgia (em 1737);

  • Por outro lado, e não obstante a feroz oposição da conservadora Faculdade de Medicina de Paris, os cirurgiões passam inclusivamente a ter assento na Société Royale de Médecine, criada em 1778.

Aliás, já meio século antes, por decreto real de 23 de Abril de 1723, era reconhecida, em França,  a profissão de cirurgião. Em pleno Século das Luzes, P.-J. Desault (1738-1795) irá depois desenvolver o ensino da cirurgia à cabeceira do doente hospitalizado, podendo ser considerado o Boherhaave da cirurgia setecentista (Sournia, 1995).

Não obstante os progressos da prática clínica,  e  continuará a persistir, até ao final do Antigo Regime, uma dicotomia entre teoria e prática no campo da medicina. A maior parte da prática médica não era, de resto, controlada pelos próprios médicos, mesmo em país como a Inglaterra e a França onde  o associativisno médico estava mais desenvolvido.

Num texto significativo, L' Anarchie médicinale, publicado por um médico de Lyon, em 1772, pode ler-se: "La plus grande branche de la médecine pratique est entre les mains de gens nés hors du sein de l'art; les femmelettes, les dames de miséricorde, les charlatans, les mages, les rhabilleurs, les hospitalières, les moines, les religieuses, les droguistes, les herboristes, les chirurgiens, les apothicaires, traitent beaucoup plus de maladies, donnent beaucoup plus de remèdes que les medecins" (cit. por Foucault, 1972. 325. Itálicos nossos).

Entretanto, com a revolução francesa vão operar-se algumas mudanças decisivas no ensino e na prática da medicina e da cirurgia:

  • Em primeiro lugar, o ensino médico e cirúrgico é unificado;

  • Em segundo lugar, o latim cede o lugar ao francês;

  • Depois, são criadas cadeiras de prática clínica;

  • A atribuição de diplomas passa a depender da presença efectiva dos estudantes nas aulas de anatomia e nas enfermarias;

  • O hospital torna-se um verdadeiro local de aprendizagem;

  • E, last but not the leastIgreja perde a sua secular autoridade sobre o funcionamento das faculdades e dos hospitais.

Com o laicismo abre-se o caminho à inovação, à investigação e à independência científica. A pouco e pouco os ventos revolucionários acabam por chegar a toda a Europa, mesmo com um atraso de décadas, como acontecerá entre nós. Recorde-se nomeadamente o papel das Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto (Mira, 1947):

  • À margem da Universidade de Coimbra, estas escolas  (e sobretudo a de Lisboa) irão dar um decisivo contributo para a unificação e afirmação da profissão médica;

  • Delas sairá a elite médica portuguesa da segunda metade do Século XIX.

Por outro lado, em 1841 ainda continuava o lento processo de secularização da Universidade de Coimbra, com a nomeação do seu primeiro reitor não eclesiástico...

 

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Nota do editor:

(*) ~Ultimo poste da série  > 20 de março de  2023  Guiné 61/74 - P24155: Manuscrito(s) (Luís Graça) (217): Provérbios populares sobre a doença, a medicina, a saúde, a vida e a morte: o que podemos aprender com eles ? - Parte IIA: 'Deus Cura os Doentes e o Médico Recebe o Dinheiro"