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segunda-feira, 16 de junho de 2014

Guiné 63/74 - P13295: IX Encontro Nacional da Tabanca Grande (35): A missa celebrada na igreja de Monte Real, por intenção de todos os nossos camaradas já falecidos, incluindo o António Rebelo (1950-2014), vítima de morte súbita na véspera do nosso convívio (Fotos de Manuel Resende e Rui Silva)



IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Missa na igreja paroquial de Monte Real, às 11h30, conforme o programa.


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Missa na igreja paroquial de Monte Real, celebrada pelo padre Patrício Oliveira, vigário paroquial da Marinha Grande.



IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Missa na igreja paroquial de Monte Real >  O Manuel  dos Santos Gonçalves (Carcavelos / Cascais).


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Missa na igreja paroquial de Monte Real >  O Joaquim Mexia Alves (Monte Real / Leiria), membro da Comissão Organizadora


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Missa na igreja paroquial de Monte Real > O celebrante, vigário paroquial da Marinha Grande 


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Missa na igreja paroquial de Monte Real > O Joaquim Luís Fernandes (Maceira / Leiria).



IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Missa na igreja paroquial de Monte Real >  Aspeto parcial da assistência > Em primeiro plano, a Isaura Serra, mulher do Manuel Resende, e a sua mãe Palmira Serra, de 95 anos. Em segundo plano, à esquerda, o nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (Maceira / Leiria). E à direita  na ponta, o Joaquuim Mexia Alves.


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Missa na igreja paroquial de Monte Real > À saída da igreja, dois camaradas da 3ª CART /BART 6520/72 (Fulacunda, 1072/74), o Jorge Pinto (ao meio, de camisola vermelha, entre o Joaquim Jorge e o Eduardo Jorge Ferreira), e o José Louro (de perfil, no lado direito) que deveriam ter trazer com eles o António Rebelo,  também da mesma companhia, e que infelizmente foi vítima de morte súbita, no passado dia 10 do corrente.

Fotos: © Manuel Resende  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]



IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Missa na igreja paroquial de Monte Real >  Aspeto geral da assistência (1).


IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 14 de junho de 2014 > Missa na igreja paroquial de Monte Real >  Aspeto geral da assistência (2).

Fotos: © Rui Silva  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


1. Um dos momentos de grande recolhimento, espiritualidade e solidariedade,  neste  nosso encontro, foi a missa celebrada às 11h30 na igreja paroquial de Monte Real,  pelo jovem vigário paroquial  da Marinha Grande, padre Patrício Oliveira, de 29 anos, e amigo do Joaquim Mexia Alves, da comissão organizadora, e que é também seu paroquiano.

Devemos ao padre Patrício e ao Joaquim o privilégio deste momento. O ato religioso teve a assistência de numerosos camaradas nossos e seus acompanhantes. Publica-se a seguir dois textos, da autoria do Joaquim Mexia Alves, e que foram lidos no decorrer da celebração litúrgica.


INTENÇÕES DA MISSA

Esta Eucaristia é celebrada pelas seguintes intenções:

(i)  por todos aqueles nossos camaradas de armas que faleceram na guerra do Ultramar:

(ii) por todos aqueles que lutaram contra nós e faleceram na mesma guerra;

(iii) por todos os civis inocentes que morreram nessa guerra; 

(iv) por todos aqueles nossos camaradas de armas que faleceram já depois do seu regresso a casa; 

(v) por todos aqueles que de alguma maneira ainda sofrem por causa da guerra; 

(vi) pelas nossas famílias, e as famílias de todos aqueles que combateram na guerra do Ultramar;

(vii) muito especialmente ainda pelo nosso camarigo António Rebelo e sua família, que, estando inscrito para este nosso encontro, faleceu repentinamente no dia 10 de Junho.


ACÇÃO DE GRAÇAS

Senhor, somos ex-combatentes que serviram a sua Pátria.

O que fizemos de bem e o que fizemos de mal, colocamos nas tuas mãos, agradecendo-te pelo bem e pedindo-te perdão pelo mal.

Nós Te damos graças, Senhor, pelo dom da amizade, que colocas em todos nós, irmanados num mesmo sentir, porque vivemos as mesmas experiências.

Nós Te damos graças, Senhor, pelas famílias que nos deste e nos sabem acolher no dia a dia, às vezes com dificuldades, por causa das marcas de guerra que alguns de nós ainda vivem.

Nós Te damos graças, Senhor, porque ao fazermos a guerra percebemos bem melhor a importância do dom da paz.

Nós Te damos graças, Senhor, porque hoje “tocaste a reunir” e nós aqui estamos, reunidos à tua volta, pedindo-te que nos ensines e ajudes a sermos sempre testemunhas e proclamadores da paz, para que os homens se amem, como Tu, Senhor, nos amas.

Amen.

2. Comentário de L.G.:

Joaquim: tive pena de não ter conhecido pessoalmente o teu jovem vigário paroquial, mas fica aqui, no blogue, uma palavra de apreço pela sua preciosa colaboração neste evento, em que celebrámos também 10 anos de camarigagem (como tu gostas de dizer, usando um palavra nova, da tua autoria, e que nós já grafámos no léxico da Tabanca Grande).  Dá-lhe um alfabravo nosso, dos grandes, e diz-que eu, pessoalmente,  lhe desejo as melhores venturas para a sua carreira sacerdotal e para sua missão espiritual.

Obrigado também pela  oração que me mandaste, que, não tendo estado presente na missa,  li agora com emoção e que te agradeço do fundo do coração. Obrigado também em nome dos camaradas do António Rebelo, da 3ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74), presentes no nosso encontro e na missa, o Jorge Pinto e o José Miguel Louro. Obrigado em nome de todos nós, grã-tabanqueiros, membros da Tabanca Grande. 
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Nota do editor:

sábado, 26 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13047: 10º aniversário do nosso blogue (22): Mensagens de parabéns (Parte I): Virgílio Valente (Macau, China), Albano Costa (Guifões, Matosinhos), Joaquim Luís Fernandes (Maceira, Leiria) e Felismina Costa (Agualva, Sintra)

1. Seleção de mensagens enviadas para a caixa do correio da Tabanca Grande ou comentários a postes anteriores (*):

(i) Virgílio Valente [Wai Tchi Lone, em chinês], Macau [ ex- alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74.] [, foto atual à esquerda]

Parabéns à Tabanca Grande pelo 10.º Aniversário.

Parabéns também aos seus mentores e um grande abraço pelo trabalho que vêm fazendo.

É de facto uma Tabanca Grande onde cabem todos os que vêm por bem.

Diariamente acedo ao blogue e diariamente me culpo por ainda não ter contribuído com algo.

Mas tudo virá a seu tempo.

Daqui, de Macau, do longe Oriente, vai um abraço muito especial, neste 10.º Aniversário da Tabanca Grande, para todos os que diariamente constroem e mantém vivo este ponto de encontro.

Para todos os que passaram, viveram e sentiram a Guiné-Bissau um grande abraço.

Para os camaradas da minha CCaç 4142, que estiveram em Gampará, de 1972 a 1974, que lá viveram o 25 de Abril e o primeiro 1.º de Maio, que lá tiveram os primeiros encontros, em paz, com os camaradas do PAIGC e para aqueles que sendo da Guiné se lembram ou estiveram também nesses momentos, um grande Abraço.

Força, ainda há muito para escrever nesse blogue.

Obrigado Luís Graça e restantes Camaradas.
Virgílio Valente
Macau, China.

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(ii) Albano Costa [ ex-1.º Cabo da CCAÇ 4150, Bigene e Guidaje, 1973/74] [., foto à direita  no nosso II Encontro Nacional, Pombal, 2007]

Caros amigos

Não queria deixar passar este dia sem vos agradecer a todos o prazer que me têm dado de vos acompanhar ao longo destes anos todos.

Parece fácil mas não o é, só com pessoas empenhadas como todos os que fazem mover este blogue, desde já os meus agradecimentos, e que Deus vos dê saúde e paciência para continuarem nesta luta que tem feito muitos bem aos ex-combatentes, que os aproximou e fez com que nós todos tenhamos sacudido o pó e que ainda possamos continuar a fazer despertar as nossas mentes para mais estórias.

Um bem haja para todos,
Albano Costa

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(iii) Joaquim Luís Fernandes, Maceira, Leiria [ex-alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974] [, foto à direita]

Caro Luis Graça, Caros Camarigos

24 de abril de 2014; De manhã visitei o blogue e deparei-me com este Post 13030. Apressado li o poema (que já tinha lido noutro post) "Hoje tenho pena de nunca ter escrito a uma madrinha de guerra". Então, senti um tremor e comovi-me até às lágrimas. Senti o impulso de logo comentar e enviar o meu abraço fraterno e os parabéns ao Luís, mas as obrigações profissionais exigiam de mim que saísse do blogue e adiasse o comentário, como tantas vezes acontece.

Foi um dia intenso, exigente. A minha sensibilidade esteve à flor da pele, pelo poema, pelo que me fez sentir, pelo dia em que estava, no muito que me recordava e me fazia reviver em fortes emoções.

Agora já é dia 25, 40 anos depois desse outro dia 25 de abril que me apanhou na Guiné. Apetecia-me escrever muito, exteriorizar os meus sentimentos, registar os meus pensamentos e reflexões sobre esta data e o que ela encerra e me diz, neste confronto de esperanças e desilusões, de interrogações e conclusões, mas não é este o lugar apropriado e também já estou cansado, pelo que vou ser breve.

Quero dizer-te Luís, que gostei muito deste teu poema, em que dizes tanto, naquilo que sentes e expressas e de que comungo. Nesta confissão, vejo a grandeza da tua alma e o teu grande talento. Mas permite-me que te diga: Não tenhas medo do Sagrado. Ele está perto de ti. Ele está em ti e nada te rouba, apenas te engrandece e te devolve em ti, a plenitude do teu Ser.

Postal de aniversário. Autor: Miguel Pessoa
Eu também nunca tive uma madrinha de guerra, mas tinha uma namorada/noiva/mulher. Tinha deixado também a rezar por mim, mãe, pai, futura sogra, irmãs, irmãos. Escrevi e recebi centenas de cartas e aerogramas. Eles foram para mim um bálsamo. Ler e escrever era o meu momento de encontro comigo próprio, livrando-me da alienação da guerra. Momento de interiorização e de equilíbrio emocional.

Por fim quero manifestar mais uma vez o meu apreço pelo Blogue. Endereçar-te os parabéns pelo seu 10º aniversário, que torno extensivos aos camaradas co-editores a a todos os camarigos de tertúlia. Peço compreensão pela minha parca participação. Quando tiver mais tempo disponível, escreverei mais. Há muitas reflexões e vivências que gostaria de partilhar e perguntas a fazer. Há enormes hiatos na minha compreensão do que foi aquela guerra, que gostaria de esclarecer. Haja tempo para isso.

E por aqui me fico por hoje.

Um forte abraço
JLFernandes

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(iv) Da nossa amiga tertuliana Felismina Costa de Agualva, Sintra

Ao seu criador Luís Graça,
Aos Editores Carlos Vinhal e Eduardo Magalhães Ribeiro, e à tertúlia em geral.

É com muita amizade que saúdo o Décimo Aniversário da existência deste Blogue, seu criador e editores, e bem assim quantos que, com o seu testemunho, fazem com que o propósito da sua criação tenha atingido um nível tão alto e tão diverso, tal como foram as vivências aqui relatadas, suas ideias, suas convicções, suas dores, mágoas e alegrias...

Ele, é a página que relata, treze anos de vida da Juventude Portuguesa, perdida numa luta sem sentido, por terras da Guiné entre 1961/1974, e onde os participantes sobreviventes dão testemunho da sua experiência, do seu crescimento e amadurecimento, e o palco do reencontro de velhos camaradas e amigos!

Ele, o Blogue, reuniu uma grande família, que cresceu e se multiplicou nos anos de ausência, na análise do passado, do vivido e aprendido, nos valores da fraternidade que toda a vivência produz!

Aqui, eu mesma, reencontro o tempo, a ligação ao passado, a amizade coexistente num tempo em que também fui "espectadora" ausente e preocupada. Com ele, julgo, também tenho crescido um pouco na compreensão do tema uno.

Ganhei amigos que fazem parte do meu presente, que preenchem as minhas horas, que são tema das minhas referências, com quem partilho vivências, ideias, alegrias e tristezas, pois que é de tudo isso que a vida se faz!

Felicito o tempo de vida desta Página, a Grande Obra, onde se regista muito do vivido "Naquele Tempo"! 

Felicito o seu Criador na Pessoa do Dr. Luís Graça.

Felicito os seus editores, nas Pessoas de Carlos Vinhal e Eduardo Magalhães Ribeiro.

Todos os seus Colaboradores, todos os que participam com o testemunho da sua vivência e da sua amizade e suas respectivas famílias. Eu, sou-vos devedora, da vossa amizade e do orgulho que sinto por tudo o que atrás refiro.

Desejo a continuação deste Diário, desta Obra-Prima de Organização e testemunho, por muitos anos, que é o relato em primeira mão de uma grande página da História dos Povos.

Bem-hajam Amigos! Obrigada!
Felismina Mealha

sábado, 22 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12883: Blogpoesia (385): O Dia Mundial da Poesia, 21 de Março de 2014, na nossa Tabanca Grande (XVI): Écloga em tempo de guerra, de David Mourão Ferreira, com anotações de Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974)

1. Mensagem, com data de ontem, do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):

Caro amigo e camarada Luís Graça

Não sendo poeta mas gostando de poesia, não posso deixar de responder positivamente ao desafio que nos lanças.

Assim, valendo-me de um dos livros de poesia, dos que me acompanharam durante a minha comissão na Guiné e nos quais procurava afogar as minhas mágoas, escolhi um poema para partilhar com a Tertúlia, se assim o entenderes, que lia com frequência, como desabafo, protesto e consolo, chegando ao ponto de modificar algumas palavras para melhor se enquadrarem com a flora local e melhor o sentir.


O livro é: "A Arte de Amar, 1948/1962",  de David Mourão Ferreira. Lisboa Editoral Verbo 1973, 271 pp. O poema é: Écloga em Tempo de Guerra , que ele dedicou a Jos]e Regio

As palavras entre parenteses [, retos, em itálico], junto a outras similares dos versos, eram as que trocava, não alteravam o sentido nem a rima do poema e assentavam melhor na minha situação.

Em anexo envio o poema, com essas adulterações. Faz dele o que julgares melhor.

Um abraço

JLFernandes


2.  ÉCLOGA EM TEMPO DE GUERRA,

de David Mourão Ferrerira

A José Régio


Só grilos desafinados
povoam a solidão.
Pastor de almas de soldados,
sigo nos campos lavrados,
sem ouvir o coração.
Se o ouvisse, que ouviria?
Alegria?
Certo, não.

Sem palavras e sem gestos,
pisando estevas e trigo [capim],
nestes caminhos funestos
alimento-me dos restos
do passado que persigo [há em mim].
(E nem sequer receamos,
entre os ramos,
o inimigo.)

Sob céus de Primavera,
por entre olivais [palmeirais] de prata,
seguimos... e quem nos dera
que a nossa febre esquecera
quem de nós nos arrebata!
Não são ’stranhos que tememos.
Bem sabemos
quem nos mata.

Que destino tão errado,
o que haviam de me impor!
Pastor a soldo forçado
de um gado que não é gado,
nem precisa de pastor!
E vamos!, vidas marcadas
p’las espadas
do terror.

“Maldito seja quem faz
profissão da nossa morte!
Quem ordena, lá de trás,
em segurança, na paz
que injustamente o conforte!”
(Mudos embora, este grito
fica dito
desta sorte.)

E vamos, como ciganos,
mas sem nenhuma aventura.
Seguem, atrás, os garranos,
pacientes, quase humanos,
a moer a terra dura.
– E segredam-nos os ventos
que estes tempos
são loucura.

À sombra de um castanheiro [mangueiro],
eis que paramos, cansados,
para instalar um morteiro
que faça fogo certeiro
sobre outros, sobre outros gados
– inocentes como o nosso,
mas que um fosso
fez danados!

Nenhuma ordem nos chega.
Ainda bem! Inda bem!
– E, cegos, na noite cega,
cada corpo é uma entrega
à calma que lhe convém.
Até o vento, mais brando,
vem sonhando
com alguém...

... E sonha então cada qual
com as pastoras distantes...
Uma zagala, um zagal...
No recanto de um pinhal [palmeiral],
promessas exuberantes...
(Anda sempre a mesma história
na memória
dos amantes!)

Se o dia há-de ser de luta,
que a noite não tenha fim!
Ao menos, quem quer desfruta
a placidez impoluta
de um primitivo jardim.
E se mais nos não concedem,
se é esse o preço que pedem,
seja assim!

David Mourão Ferreira / [Adapt. de Joaquim Luís Fernandes]

3. Comentário de L.G.:

Joaquim, a fechar esta longa maratona em que quisemos, à nossa maneira, celebrar o Dia Mundial da Poesia (*), que foi ontem, 21, deixa-me discorrer sobre este estranho fenómeno: dizem que Portugal é um país de poetas, mas não de leitores de poesia... É provável que se publiquem mais do que um livro de poesia por dia, sendo muitas as edições de autor. Estamos a falar de 3% de todos os títulos em língua portuguesa que, em 2012, atingido um total de 9473 (dos quais 73% são originais e os restantes 27% são traduções (Fonte: Pordata - Base de Dados Portugal Contemporâneo). 

Estamos a falar de monografias, ficam de fora desta estatística as publicações periódicas...Mais de 5% do total de originais (N=6892) devem ser livros de poesia...

No entanto, quando falamos de poetas e de poesia, é preciso mostrar alguma cautela com a palavras (i) "poeta" é o que escreve poesia, mas também o "idealista", o "sonhador", o que "é dado a devaneios",  o "o que anda sempre nas núvens", o até o "pateta"... A palavra tem, às vezes, em certas bocas, conotações pejorativas.. Por exemplo, diz o povo: "De poeta, médico  e louco, todos nós  temos um pouco"...E da poesia diz que é "a música da alma",,,

Quem, de nós, na adolescência e na juventude, não escreveu pelo menos uma quadra, uns versos, uns poemas com ou sem rima, à sua amada ? E na Guiné, nas horas de solidão e lassidão, nos diários, nas cartas e nos aerogramas, escreveram-se versos...  Não importa a qualidade literária, são documentos de uma época e de uma geração... Muitos ter-se-ão perdido... Outros foram destruídos.. Outros ainda estarão esquecidos algures, numa gaveta, mala ou baú...

Joaquim, fechas com chave de ouro esta nossa iniciativa, que mobilizou cerca de duas dezenas de autores, incluindo 3 amigas nossas, a Regina Gouveia, a Joana Graça e a Filiomena Sampaio. E, contrariamente, à ideia feita de que a poesia não se lê, o nosso blogue teve, ontem,  6ª sexta-feira, o melhor desempenho da semana, com um nº de visitas superior a 2600. Bem hajam a todos e todas!

Já agora, que fostes desencantar  (e adaptar)  o conhecido poema de David Mourão Ferreira (1927-1996), "Écogla em tempo de guerra", deixa-me, Joaquim, dar aos nossos leitores só uma pequena dica, para melhor interpretação dos versos do  poeta...

Este poema tornou-se conhecido quando, em 1971, foi musicado, em França, por Luís Cília, Mas o David Mourão Ferreira tê-lo-á escrito muito antes, na altura em que cumpria o serviço militar, e por sinal em Portalegre, onde foi reencontrar (e fez amizade  com) o grande poeta e esritor José Régio (1901-1969), natural de Vila de Conde. (Régio viveu praticamente toda a sua vida naquela cidade do Alto Alentejo, onde foi professor de liceu, e onde tem um museu, que é visita obrigatória, a Casa-Museu José Régio).

Este poema deve datar de 1952 quando o poeta foi aspirante, miliciano, em Portalegre, no BCA nº 1, presumo, e onde deve ter dado instrução a recrutas:

"(...) Pastor de almas de soldados, / sigo nos campos lavrados, / sem ouvir o coração. / Se o ouvisse, que ouviria? / Alegria? Certo, não.( (...) Que destino tão errado,/ o que haviam de me impor! Pastor a soldo forçado / de um gado que não é gado, / nem precisa de pastor! / E vamos!, vidas marcadas /p’las espadas do terror." (...) "E vamos, como ciganos,mas sem nenhuma aventura. / Seguem, atrás, os garranos, /pacientes, quase humanos,/ a moer a terra dura." (...).

Essses tempos já longínquos de 1952 foram evocados por David Mourão Ferreira no número especial de "A Cidade – Revista Cultural de Portalegre" (4/5, nova série, 1990), "integralmente dedicado aos 20 anos da morte do poeta José Régio e do pintor D’Assumpção, duas personalidades marcantes das letras e das artes ligadas à capital do Norte Alentejano" (, cito a págína Largo dos Correios, de António Martinó de Azevedo Coutinho, uma personalidade marcante da vida cultural e social de Portalegre, onde nasceu em 1935).

 (...) "Disso mesmo [da complexa personalidade de José Régio]  tive sobejas provas ao longo dos cinco meses - de Março a Agosto de 1952 - em que diariamente privei com ele aqui em Portalegre, para onde me tinham arrastado, como aspirante-miliciano [, de cavalaria, a deduzir pelas botas do futuro escritor, professor universitário e figura mediática, com o seu inseparável cachimbo, na foto à esquerda, cortesia do sítio Largos Correios...], as irrevogáveis obrigações do meu serviço militar. 

"Daí data efectivamente o auge do nosso convívio. Já por mais de uma vez aludi a essa experiência e, muito em particular, numa longa entrevista que me foi feita, em Abril de 1982, pela excelente revista A Cidade, que nesta cidade se publica. Não desejo pois repetir-me. Mas não posso deixar de rapidamente reevocar aqui o que tais cinco meses para mim significaram na companhia quotidiana de José Régio e do pequeno mas extraordinário grupo de seguros e provados amigos com que nessa altura ele aqui contava: Feliciano Falcão, Arsénio da Ressureição, Lauro Corado, Firmino Crespo, João Tavares, Adelino Santos. Rara a tarde ou a noite em que pelo menos com alguns deles nos não reuníssemos no Café Central. Mais raro ainda o fim de tarde que eu não passasse com Régio no seu pequeno gabinete de trabalho desta ‘casa velha’ -’velha, grande, tosca e bela’- em que decorreram muito para cima de trinta anos da sua existência.

"E dávamos grandes passeios aos domingos… Ora a pé, pelo interior da cidade e pelos seus mais próximos arredores, ora no automóvel de Senhor Adelino Santos, que desempenhava, na ocasião, as funções de secretário-geral do Governo Civil. E eram então improvisadas excursões até Marvão, Castelo de Vide, os Olhos de Água…” [cit por Largo dos Correios > 17 de março de 2013 > David e José II].

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 22 de março de  2014 >ãManuel Sampaio / Artur Conceição / Rui Vieira Coelho

sexta-feira, 21 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12872: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (6): Porto do Carro, a minha aldeia, e Canchungo (ex-Teixeira Pinto), ontem e hoje

1. Sexto episódio da série "Acordar memórias" do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):


ACORDAR MEMÓRIAS

6 - Porto do Carro, a minha aldeia, e Canchungo (ex-Teixeira Pinto), ontem e hoje

A figura do ancião, da estória do porco abusivamente extorquido, com o seu olhar penetrante, tem-me acompanhado ao longo dos anos, fazendo-me lembrar pela semelhança, a figura de um outro ancião, da minha aldeia natal, Porto do Carro, quando ainda garoto de 7, 8, 9, 10 anos, me juntava com os outros garotos vizinhos, no largo do Casal das Pombas, palco de todas as brincadeiras e que confinava com o arneiro (quintal) pertença do “Ti Bajona”, o “homem grande daquela tabanca”. Parecia-me um gigante, com os seus pés sempre descalços e negros, as calças de cotim, que tinham sido cinzentas, com uns atilhos nos tornozelos e na cintura, camisa e colete escuros, barrete tão velho quanto desbotado, barba grande e pigarça. Uma figura que inspirava medo e respeito e que a garotada, evitava desafiar ou melindrar, não invadindo o seu espaço. Uma figura singular e tradicional nos usos e costumes, que ainda hoje, povoa as memórias dos garotos desse tempo.

Rapazinhos “djubis” no seu espaço e tempo de todas as brincadeiras, a lembrarem-me que poucos anos antes eu brincava como eles. Era só trocar a vaquita pela burrita e um pouco mais de roupa. (zona próxima do quartel)

Cais do rio Baboque em maré alta, próximo do quartel. Propiciava mergulhos aos “Djubis” e aos soldados algumas pescarias com o recurso do rebentar de uma granada. A recordar os meus tempos, na minha aldeia.

Há 55 anos, as ruas da minha aldeia, assim como o largo do Casal das Pombas, eram de terra batida. Não havia água canalizada, nem esgotos, nem tão pouco eletricidade, tal como ainda hoje nas tabancas de Canchungo. Também como ainda hoje em Canchungo, havia muitos meninos que brincavam na rua até noite dentro, em segurança, descalços, na terra batida, do largo do Casal das Pombas. (No meu ano, entrámos 22 para a primeira classe).

Hoje, as ruas e o largo do Casal das Pombas da minha aldeia estão asfaltados e limpos, têm água canalizada e esgotos, eletricidade e iluminação pública noturna, mas escasseiam os meninos. Algumas famílias continuam carenciadas mesmo que alguns calcem ténis de marca. Mas já não brincam na rua em segurança. E a escola, um dia destes fecha por falta de meninos.

Esta constatação, a par de outras, causa-me tristeza: ver o meu país a definhar, a envelhecer sem esperança. E não tinha que ser assim! Não foi com este futuro precário que a minha geração sonhou! Não foi para um país, com o presente e o futuro comprometido, adiado, como se afigura hoje, que trabalhámos, sofremos e lutámos!...

Mas... e os meninos de Canchungo?... Os que sobrevivem à subnutrição e à doença?...

Continuam a brincar descalços, na terra batida dos largos das suas tabancas, às escuras, tal como há 40 anos, quando eu me fazia criança e brincava com eles, nas suas rodas e eles me chamavam de manta, que eu usava como indumentária, a tiracolo e com que me agasalhava, nas frias noites e madrugadas, em voltas, nas proximidades de Canchungo, que penava, quando palmilhava ou me acoitava, mas sempre em vigilância, para que nenhum mal acontecesse.

Rapazinho que vinha recolher ao arame farpado, junto dos postos de sentinela, as sobras (restos) da comida que os soldados lhe davam. Perante a realidade que observava questionava-me: O que andamos nós aqui a fazer? Que guerra é esta? Como se não deve sentir revoltado este povo?... A nossa presença deverá ser uma afronta!...

Eu revivia e recordava os meus tempos de garoto, no largo do Casal das Pombas, brincando com os meus vizinhos, a correr atrás da bola... e dos sonhos... que quando fosse um homem haveria de ajudar a construir um mundo melhor, mais justo e fraterno. E aonde vão os sonhos?... Continua quase tudo do essencial por fazer: a justiça, a solidariedade...

A fotografia do Ioró Jaló, pela sua parecença com a do ancião da estória do porco, interpelou-me. Quem era este homem? Poderia ser seu filho, sobrinho... Só que no seu olhar não via o ódio e rancor que vi no do outro. Tão só súplica e complacência. Penso nele e em todos os outros na sua situação. Que herança madrasta, nós portugueses lhes legámos! E agora quem os ajuda e auxilia na sua penúria e sofrimento?...

Foto do Ioró Jaló, ex-milicia no Pelundo, (Vd. Postes P2451 ou P5414) 
(Com a devida vénia ao Dr. António A. Alves)

Fotos de: Mama Samba; José Ussumane Injai; Demba Injai; Joaquim Gomes; Bondon Monteiro. (Vd. P2451 ou P5414)
Com a devida vénia ao Dr. António Alberto Alves pelas fotos e bem haja pela iniciativa. Bem hajam todos os que têm ajudado, de algum modo, a minorar o seu sofrimento.

Portugal, enquanto país ocupante daqueles territórios durante 5 séculos, deveria e poderia ter feito mais e melhor do que fez! Será que ainda há condições, espaço de manobra e tempo, para ajudar aqueles povos a saírem da situação em que se encontram e alcançarem uma vida melhor, com paz, desenvolvimento e prosperidade? Assim o desejo e espero.

Gostaria de ter vida, saúde e alguns recursos económicos para poder fazer algo também. Tenho algumas ideias, mas sozinho pouco poderei fazer. Juntando-me a outros e organizados, poderíamos fazer mais. Por que não a “Tabanca Grande” ousar ir mais além? Ser mais interventiva na “coisa pública”; dar mais consequência e visibilidade aos afetos e que estes se concretizem em ações possíveis. Juntos e organizados, poderíamos fazer muito mais a favor do sofredor Povo da Guiné, que nos pede e espera ajuda. E de nós próprios.

Sei que o Blogue não é uma ONG, que há várias a trabalhar e a fazer bem o que podem e onde nos podemos inserir. A ação que preconizo para a “Tabanca Grande” seria de outro nível: vamos chamar-lhe “Grupo de Sensibilização e de Pressão” do maior alcance possível, ao nível político, diplomático... nas esferas nacional e internacional. Será sonhar muito alto?...

Imagem do “Google Maps” da Guiné Bissau, com especial incidência no Chão Manjaco por onde andei, das Ilhas de Pecixe e Jeta até ao Cacheu, que de algum modo conheci e criei laços. Tiveram nestes últimos 40 anos alguma expansão e transformação urbanística, mas continuam tão carentes como então, de desenvolvimento económico autossustentado. Têm alguns recursos, mas há tanto para fazer! Tenho algumas ideias e penso que não deveria deixá-las morrer ou enterrá-las comigo. Mas são tão grandes e eu sou tão limitado, que não sei! Veremos.
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Nota do editor:

Vd. postes da série de:

6 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12802: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (1): Monte Real, 8 de Junho de 2013, o primeiro contacto com a Tertúlia

9 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12812: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (2): O primeiro contacto com a bibliografia da guerra colonial

12 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12828: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (3) : As minhas pesquisas sobre Teixeira Pinto e o "Chão Manjaco"

15 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12841: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (4): Teixeira Pinto, adaptação às pessoas e ao terreno

18 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12851: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (5): O porco que não consegui comer

terça-feira, 18 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12851: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (5): O porco que não consegui comer

1. Quinto episódio da série "Acordar memórias" do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):


ACORDAR MEMÓRIAS

5 - O SEGREDO DE...

O PORCO QUE NÃO CONSEGUI COMER

Nesse mês de Junho, iria começar uma nova função, que acumularia com as já habituais; passaria a desempenhar a função de gerente da messe de oficiais. Na necessidade de, mais uma vez, me afirmar responsável e competente, quase como a ter que ganhar o direito a existir, eu que me sentia de fora, pouco "militar", deslocado na classe privilegiada, assumi mais esse encargo como um desafio. Iria empenhar-me para melhorar a qualidade das refeições servidas na messe, dentro dos estabelecidos 30 escudos por pessoa e por dia. Ganharia melhor alimentação e evitaria as duras críticas e acusações que tinha ouvido, dirigidas ao camarada que me antecedera nessas funções.

Uma profícua papaeira do horto do batalhão. Ou uma prova de que com querer, algum trabalho, organização e técnica, a Guiné seria uma terra produtiva e próspera.

Depois de me inteirar do serviço a desempenhar, reuni com o Cabo Vagomestre transmitindo-lhe os meus propósitos visando ganhá-lo para a minha causa. Diariamente, procurava acompanhar as contas dos gastos e as ementas planeadas, incentivando-o a que se melhorasse a confeção das refeições e se variasse, quanto possível. Mas tinha uma circunstância a contrariar os meus intentos: a horta do batalhão, que nos meses anteriores tinha sido generosa e farta em verduras, alguns legumes e leguminosas, estava em final de ciclo produtivo; estava quase tudo seco e já pouco se poderia colher.

Ficaríamos dependentes dos reabastecimentos vindos de Bissau, em coluna, uma vez por semana, com poucos frescos. Era o recurso ao arroz, às massas, aos enlatados e ao peixe da bolanha. Nem com muita imaginação e boa vontade se conseguiriam ementas que agradassem. Por repetitivas, tornar-se-iam enjoativas.

O Mamadú, (?) auxiliar do soldado hortelão. Diariamente prestava serviço no quartel, ou no horto ou no corte da lenha para a cozinha e para o forno do pão. Sempre descalço e de cachimbo na boca.

Perante a marcação que fazia ao cabo vagomestre para que não se caísse na rotina e desmazelo de ementas contestadas, coloquei-me a jeito para que ele me lançasse o repto: “Se o meu alferes quer que se melhore a alimentação, só temos uma solução: ir às tabancas comprar víveres.” E eu aceitei o repto. Segundo o vagomestre (e disso deveria ele saber), as populações das tabancas tinham a obrigação, imposta pela administração civil, de fornecer alguns animais ao batalhão, para a alimentação da tropa.

Depois de me informar melhor, e tomar as providências necessárias, lá fomos, acompanhados de um Cipaio, que serviria de intérprete nas “negociações” e representava a Administração Civil.

Acompanhavam-me, para além do vagomestre, que faria de tesoureiro, alguns soldados do meu grupo e pessoal adstrito à cozinha da messe, em duas viaturas, creio que uma unimog e uma mercedes.

Chegados à tabanca escolhida, não sei se Beniche, se Bajope, se Chulame, que eram ladeadas de férteis bolanhas, iniciou-se o “jogo da apanhada” às galinhas, aos cabritos e aos porcos, que por ali andavam em liberdade, em volta das moranças e das cercas. E o “negócio” lá se ia fazendo, com a intermediação do cipaio e o pagamento feito em espécime (sem fatura e sem recibo).

As férteis bolanhas ao redor das tabancas da zona de Teixeira Pinto. Um grupo de homens (poucos) a preparar a terra para as sementeiras/plantações, virando a leivas com os seus arados. Alguns são ainda meninos outros já velhos. Os jovens adultos faziam a guerra, dos dois lados da contenda. E eu pensava: como seriam produtivos estes campos, se fossem introduzidas outras técnicas e mecanização. Mas o esforço ia todo para a guerra.

As mulheres manjacas, mulheres de trabalho, nos viveiros do arroz, procedem à repicagem para o transplante.

Aspeto exterior das moranças das muitas tabancas dos arredores de Teixeira Pinto; onde pessoas e animais viviam em harmonia e liberdade. Só a guerra e os militares levavam o desassossego.

Já com uma boa “caçada” consolidada, surge à vista um esmerado e bem nutrido leitão. A rapaziada entusiasmada com o “jogo,” enceta uma perseguição ao bicho, que lá se ia esquivando, ensarilhando entre as cercas e as moranças. Mas perante a determinação dos bravos pegadores, não foi longe. Amarrado e transportado para a viatura, grunhia e guinchava que nem um desalmado.

Surge então um ancião, que tomei como sendo o dono do animal, com modos pouco amistosos. Tentou-se a conversação e a negociação, mas o homem estava irredutível. Não percebi uma palavra do que disse, mas entendi que ele não queria vender o porco. Perante os factos, disse ao cabo vagomestre que seria melhor libertar o bicho, mas ele replicou que não o devíamos fazer, que o homem tinha a obrigação de vender o porco e que se não quisesse receber ali o dinheiro, que o fosse levantar à Administração, que era esse o procedimento habitual.

Não me agradava aquela situação, mas perante esta argumentação e as circunstâncias (novamente a minha condição de “pira”, inseguro e pouco firme, a vir ao de cima) cedi e viemos embora com o porco, sem o pagarmos, deixando para trás o ancião furioso, que com o seu olhar agressivo parecia querer fuzilar-nos. Se não era já afeto ao IN, após esse dia passou a sê-lo, com certeza.

Durante a viagem de regresso, autocensurava-me pelo que se tinha passado; deveria ter sido mais firme e não ter consentido em trazer o porco sem o pagar, mas também não tive iniciativa de voltar atrás e devolvê-lo ao dono. Achava que isso me deixaria diminuído na minha autoridade para com o vagomestre, para continuar a pedir-lhe todo o empenho para melhorar o serviço na messe. Mas pensava também no risco que corria, se o ancião, que eu desconhecia quem era, fosse fazer queixa ao Régulo e se este fizesse chegar a queixa até Bissau, ao Com-Chefe, talvez não me livrasse de uma “porrada”; e isso era a última coisa que eu queria; lá se iriam os meus 35 dias de licença, tão desejados. Se isso acontecesse, não sei como me iria aguentar.

Quando passados alguns dias o leitão foi servido na messe, não consegui comer dele. Ou porque estava mal cozinhado, pareceu-me só gordura, ou por remorso. E lá fui, mais uma vez, compensar-me no bar com uma lata de fruta enlatada e uma garrafa de leite achocolatado. Eu tratava-me e cuidava-me bem, para me manter com saúde e em forma.

Durante estes 40 anos esqueci muita coisa, quase tudo, nomes de pessoas e de locais, episódios, etc. Até o número da companhia e do batalhão eu tinha esquecido, mas este acontecimento nunca o esqueci e considero-o uma nódoa no meu comportamento, que desejei impoluto e pautado pelos elevados valores éticos, que tinha levado na mente e no coração, que procurei preservar, cultivar e ser fiel, não o tendo conseguido. A par de outros atos incorretos, confessados a quem de direito na devida altura, este, de caráter mais público, fica bem aqui retratado, nesta série “O segredo de:”. Dele peço desculpa, pelo que representa, a quantos se sintam por ele, atingidos e prejudicados.

Foto tirada da pista que ficava próxima do quartel. Ao fundo, o aspeto exterior das muitas tabancas de Teixeira Pinto. Uma área arborizada com as moranças circulares feitas de barro e cobertas de colmo. Arquitetura ancestral, bem adaptada às gentes e ao clima. Bem melhores que os reordenamentos que a tropa fazia, em áreas descampadas, retangulares, com blocos de barro cozidos ao sol e cobertura de zinco. Na zona havia alguns, mas pouco habitados. O objetivo principal não era servir as populações a quem se destinavam, mas sim controlá-las.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12841: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (4): Teixeira Pinto, adaptação às pessoas e ao terreno

sábado, 15 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12841: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (4): Teixeira Pinto, adaptação às pessoas e ao terreno

1. Quarto episódio da série "Acordar memórias" do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):


ACORDAR MEMÓRIAS

4 - TEIXEIRA PINTO, ADAPTAÇÃO ÀS PESSOAS E AO TERRENO


Edifício Sede da Administração Civil em Teixeira Pinto. Estava situado em frente à porta de armas, no início da avenida principal. A casa do administrador já ficava dentro do retângulo do quartel e era uma boa casa com um belo jardim.


Teixeira Pinto, Junho de 1973

Ia entrar no 6.º mês da minha comissão na Guiné, e desde a primeira semana a sonhar com os 35 dias de licença regulamentar, que cheguei a sentir em perigo com a ameaça de uma “porrada”, quando ainda estava na terceira semana.

Já tinha superado muitas dificuldades de adaptação e de funções – adaptação ao clima, a um ambiente pouco hospitaleiro e corrosivo, os perigos e os medos, as saudades torturantes. Já conhecia as tabancas das redondezas de Teixeira Pinto, onde patrulhava de noite e de madrugada em patrulhas de proximidade e segurança, por vezes com emboscadas faz-de-conta (tipo guarda noturno) e durante o dia, em visitas de “A. Psico”.

Já conhecia alguns dos usos e costumes dos manjacos, da sua cultura e religião, tendo assistido a algumas das suas manifestações. Já tinha sentido e vivido o encanto das suas paisagens e dos sons das suas noites, das suas festas e dos seus choros. Tinham sido meses de intensa aprendizagem e atividades diversificadas.

Foto tirada em Caió, em passagem para uma visita a uma das Ilhas, Pecixe ou Jeta. Fazia “escolta” e companhia ao Alf. Médico Mário Bravo (ao centro). Ao meu lado, o Alf. Mil. Teixeira (?) da CCS. Era o responsável pelo parque-auto e pelos mecânicos do batalhão. À direita do Mário Bravo, o Alf. Mil. Moreira, que estava na sede da companhia em Carenque. Era pacífica esta zona do chão manjaco; Só os mosquitos atacavam. Apetece lá voltar.

E também já tinha muitos quilómetros de estrada, em escoltas a colunas, ao Cacheu e a João Landim. Já levava 2 meses de mata, do Balenguerez a Ponta Costa. Muitas horas de mil perigos e sofrimentos e algumas noites no “hotel estrela da mata”, entregues a nós próprios e aos mosquitos. E sentia ter conquistado a confiança e a amizade dos homens do meu grupo, por quem me via respeitado como chefe e protegido como se fosse o irmão mais novo...

Deslocação por via fluvial, por um dos canais do rio Costa-Pelundo. Partindo de Bassarel, seriamos lançados na margem sul da Península do Balenguerez. Era a primeira vez que o meu grupo fazia esta ação e o homem da lancha não conhecia o canal. Consultando a carta militar, eu descortinava entre tantos canais que o rio tinha na zona, qual era o que deveríamos seguir. E acertei. Mas não me livrava do receio de termos o IN à nossa espera, escondido no mangal, no tarrafo, ou na orla da mata, para a macabra receção. E sentia grande vulnerabilidade. Mas tudo correu bem.

Mas continuava a sentir-me tratado por alguns dos meus pares e por alguns superiores como o sempre alf. “pira” e algumas vezes senti-me hostilizado. Talvez que inicialmente, para eles, eu fosse um tipo um pouco estranho, que não alinhava em todas as suas borgas, antes se isolava, meditativo e até melancólico, a afirmar ideais humanistas e princípios com forte convicção, a questionar as razões daquela guerra, a expor valores em desuso entre a tropa local e diferente dos da sua classe, pondo-os em causa, já “velhinhos” e “apanhados” do clima. Naturalmente eu seria suspeito e era necessário manter debaixo de vigilância e ameaça. (Com o tempo fomo-nos conhecendo e ganhando confiança, respeito e camaradagem).

O meu quarto era o meu refúgio principal. Aí purgava com lágrimas a dor da saudade, na mágoa e na súplica e encontrava a Paz. Aí rezava, escrevia à minha noiva e à família, lia e ouvia música. (Belas músicas que eu ouvia). Mas algumas vezes saía e ia passear sozinho. Um dos locais para onde ia era este que a foto documenta: Nas traseiras do quartel, perto do cais, no limite do rio Baboque. Apreciava a paisagem, meditava e dava largas aos sonhos e conjeturas. Pensava naquele povo, que sofria as consequências da guerra e do subdesenvolvimento e como tudo poderia ser diferente, se uma boa parte dos recursos materiais e humanos gastos na guerra, fossem aplicados no desenvolvimento. E lembrava e meditava as palavras do Papa Paulo VI: - ”O Desenvolvimento é o novo nome da Paz”. (Vd. Carta Enciclica Populorum Progressio – PP87, Março de 1967)

Valia-me a boa relação com os homens do meu grupo, que dia a dia vinha ganhando em confiança e camaradagem. Com eles me identificava e com eles sofria e confraternizava. Sentia também o apoio e confiança do comandante da minha companhia, Cap. Mil. Gouveia.

Confraternizando com o meu grupo, após uma caçada clandestina a 2 javalis em Babol, próximo de Ponta Teixeira. O convívio foi fora do quartel (tinha que ser) num tasco de um senhor libanês de quem não recordo o nome. Fomos visitados por convite, pelo Comandante de Companhia, Cap. Mil. Aires da Silva Gouveia, que estava de Oficial-dia. À sua direita, o Fur. Mil. Op. Esp. Louro, que era da zona de Santarém. Um destemido guerreiro. Gostaria de saber dele para o contactar. Deixo o apelo a alguém que o conheça e queira fazer o favor de me informar.

E tinha um amigo, confidente e confessor, o Alf. Capelão Padre João (de quem gostaria de saber para contactar). Também tinha um grupo de jovens adolescentes, nativos, rapazes e raparigas, dos doze aos dezassete anos, para quem veiculava a minha amizade, quando me reunia com eles, lhes expressava os meus sentimentos fraternos, falando-lhes de Jesus Cristo e do Amor de Deus Pai, que nos tornava irmãos. Eu sentia-os como a minha família local, sendo eu o irmão mais velho. Como eu gostaria de voltar a encontrá-los, estar com eles e saber do rumo que levaram as suas vidas!

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12828: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (3) : As minhas pesquisas sobre Teixeira Pinto e o "Chão Manjaco"

quarta-feira, 12 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12828: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (3) : As minhas pesquisas sobre Teixeira Pinto e o "Chão Manjaco"

1. Terceiro episódio da série "Acordar memórias" do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):


ACORDAR MEMÓRIAS

3 - As minhas pesquisa sobre Teixeira Pinto e o "Chão Manjaco"

E onde é que eu ia? Ah! Já sei! Tinha deixado para trás o VIII Convívio do Blogue – Tabanca Grande, com o sentimento de alguma deceção.
Não tinha encontrado nenhum ex-camarada conhecido de Teixeira Pinto. Em contrapartida, tinha trazido comigo seis livros sobre a guerra da Guiné, escritos por ex-combatentes, que iria ler com interesse nos dias que se seguiriam. Porém, o foco principal do meu interesse estava em Teixeira Pinto.

Tinha que continuar a pesquisar e decerto iria encontrar alguns dos meus ex-camaradas, dos quais desgraçadamente até os nomes esquecera. Também me ocorreu que tinha mais de 200 cartas que tinha escrito à minha namorada/noiva/mulher e que iria passar a ler, na busca de reviver o que a memória tinha escondido .

E foram muitos os postes publicados que visitei, que me deram uma noção mais aproximada do que foi aquela guerra e apesar do desgosto que a sua memória me provocava, o meu respeito por aqueles que nela participaram aumentou. A par de alguns actos deploráveis, quiçá compreensíveis dadas as circunstâncias, encontrei descrições de grande humanidade, abnegação, lealdade, coragem, generosidade, amizade e valor. Alguns dos Postes visitados: todos os que julguei relacionados com o Chão Manjaco, os do José da Câmara, do Luís Faria, os relacionados com Teixeira Pinto, com o Bachile, com Capó, com o Balenguerez, com a Caboiana, com o Cacheu, com o Burné... com o Pelundo, mas também com os de outra zonas, Guidage, Guileje, Brá e muitos outros e de muitos autores.

Mas a minha atração era Teixeira Pinto e inicialmente pesquisei mais os postes que lhe julgava relacionados. E abri a carta militar disponível no blogue – deparei-me com mais uma coincidência inesperada: Teixeira Pinto, atual Canchungo, estava inserida numa zona (Regulado) chamada Costa de Baixo. Então... não é que eu morava no lugar de Costa de Baixo, de Leiria, de onde partira, para ir para uma zona na Guiné com o mesmo nome! Coincidências!... Já uma outra coincidência toponímica era a tabanca de Carenque, sede da CCaç 3461, ser homónima da localidade de onde partira e se constituíra (Carenque da Amadora), no RI 1, sua Unidade Mobilizadora. Mas o que mais me agradou ao analisar esta carta militar, foi reencontrar o nome das tabancas, que me soavam bem, quase musicais e me avivavam as memórias e os sentidos, sensíveis aos seus encantos e desencantos. - Binhante, Ucunhe, Bucol, Babanda, Petabe, Canobe, Beniche, Bajope, Chulame, Bechima, Caronca, Cachobar e as de Blequisse...

Imagem parcial da carta militar de Teixeira Pinto, atual Canchungo, (1953) – com a devida vénia ao Blogue e ao “cartógrafo- mor” Humberto Reis.

Nesta busca de notícias daquelas extensas e povoadas tabancas do Chão Manjaco, que tinha calcorreado e conhecido, desejei visitar e saber notícias dos então jovens adolescentes de quem fora catequista, preparando-os para o batismo cristão. E cheguei até à ONG “Bankada” – Andorinhas em Canchungo. Agradei-me de algumas notícias, de outras nem tanto e fiquei com o desejo de lá voltar. Na sequência destas procuras, abri o P2451 e deparei-me com isto: António Alberto Alves, sociólogo, português, a trabalhar na ONG “Bankada”- Andorinhas de Canchungo, a dar-nos conta que o livro “Diário da Guiné – Lama, Sangue e Água Pura” era lido entre os jovens de Canchungo. Curioso! Quem diria!...

Mas uma outra notícia me deixou perturbado: um grupo de ex-militares ou milícias Manjacos, do Pelundo, que tinham militado ao lado das tropas portuguesas, servindo e lutando do mesmo lado da barricada, debaixo da mesma bandeira e que agora viviam em dificuldades, na indigência. E para quem, em seu nome, era pedida ajuda aos ex-camaradas que os reconhecessem. Eu, que nunca tinha estado integrado com tropas ou milícias africanas, não me senti diretamente interpelado, mas fiquei sensibilizado e pesaroso com a sua situação. E, ao ver as suas fotografias, deparei-me com uma que me fez sentir um calafrio, um arrepio... A de Ioró Jaló.

Quem era este homem? De que tabanca? Seria mesmo do Pelundo? Ou de Beniche? Ou de Bajope? Ou de Chulame?...

Ioro Jaló
Com a devida vénia ao autor da foto Dr. António Alberto Alves e aos Editores do Blogue.

O que me fazia reviver esta foto de Ioró Jaló? Que sentimentos me despertava?

As feições deste homem, tornaram-me presente um episódio em que participei, de que não me orgulho, antes me envergonho e que, durante 40 anos, não apaguei da memória.

Um episódio que poderá não ter sido muito grave, dadas as circunstâncias, mas na minha consciência foi. Para quem pretendia ser fiel aos mais elevados ideais e princípios humanistas de coerência, justiça, respeito e solidariedade, o ato cometido foi infame. Cabe-me retratar-me dele, nesta série do Blogue: “O Segredo de...”

Mas para ganhar a compreensão e benevolência de quem o ler e me julgar, convém que faça uma introdução, que sirva de “circunstâncias atenuantes”. Até lá, não se ponham a adivinhar. Será um esforço em vão.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12812: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (2): O primeiro contacto com a bibliografia da guerra colonial

domingo, 9 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12812: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (2): O primeiro contacto com a bibliografia da guerra colonial

1. Segundo episódio da série "Acordar memórias" do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):


ACORDAR MEMÓRIAS

2 - O PRIMEIRO CONTACTO COM A  BIBLIOGRAFIA DA GUERRA COLONIAL

O meu regresso às minhas memórias da Guiné, iniciou-se quando um colaborador e companheiro de trabalho (que também escreve livros e com vários prémios literários, de pseudónimo Paulo Assim) me falou que tinha lido recentemente um livro sobre a guerra na Guiné e que referia um episódio, de que eu lhe falara, de um acidente com militares, que tinha provocado vários mortos e feridos, na sequência de uma desavença ocorrida num jogo de futebol; que deveria ser o mesmo episódio e que eu deveria conhecer o seu autor. Prontificou-se a adquirir-me o livro. “Diário da Guiné – Lama, Sangue e Água Pura”, de António Graça de Abreu. Li-o de seguida e com sofreguidão. Era a primeira vez que lia algo sobre a guerra da Guiné, onde também tinha estado e logo a falar-me dos lugares e de pessoas com quem tinha convivido, despertando-me assim para outros interesses...

Também, já há alguns meses me havia sentido “estranho”, ao constatar que a série televisiva “A Guerra”, de Joaquim Furtado, tinha mexido comigo, quando os episódios se referiam à Guiné. Dei comigo a discorrer sobre a condução política e militar de Portugal e da Guiné, a esse tempo, interrogando-me: como tinha sido possível que se tivesse deixado acontecer os “infernos” de Guidage e Guileje. Não era previsível o que aconteceu? Onde estavam os serviços militares de informação e reconhecimento? O que faziam? Por que é que não se actuou preventivamente? Porquê?... Onde estava a competência dos senhores da guerra? Se não havia capacidade para controlar, prever e contrariar a actividade do IN, o que andávamos a fazer? Eu, que não era militar nem guerreiro, via os erros que tinham sido cometidos, remediando tarde e em desespero de causa, com elevados custos humanos, morais e materiais, o que deveria ter sido prevenido e evitado. Mas logo, num ato de autocensura, abafei tais sentimentos, pensamentos e considerações. O que interessava agora pensar nisso? Para que serviria? Que parvoíce!... Os responsáveis já não estarão entre os vivos e ninguém responde pelas causas da guerra e pelos seus erros e consequências!


Sede do BCaç 3863 em Teixeira Pinto. Ao centro, edifício do Comando. À esquerda o das Transmissões.

Quanto ao Alf. Mil. António Graça Abreu, decerto que nos cruzámos em Teixeira Pinto, embora por pouco tempo. Teremos partilhado o mesmo bar ou até a mesma mesa, mas a minha memória não o acusava. Ou se apagara o registo, ou estava imperceptível. Lembrava-me sim do CAOP 1, da cena do simulacro de ataque ao quartel na minha primeira noite, dos acontecimentos do dia 1 de fevereiro de 1973, em que fazia pela primeira vez de Oficial-Dia; do Cor. Pára Rafael Durão e do seu porte e conduta militar, que até respeitava, dos seus frugais pequenos-almoços na messe de oficiais, em mesa separada, à base de frutas (grandes mangos da Índia).

O seu livro recordou-me o número de Batalhão a que eu pertencera, as Companhias que o constituíam, tornando-me possível acordar outras memórias. E agora estava disposto a libertar-me dos bloqueios que tinha montado, recordar e sentir a guerra da Guiné, pensar nos bons e maus momentos, poder analisá-la, criticá-la, não por saudosismo ou masoquismo, nem para condenar os envolvidos, governantes, políticos e militares, mas para reflectir sobre o que aconteceu durante esses anos: sobre a política que Portugal trilhou e as suas consequências, identificando os seus responsáveis, chamando os "bois" pelos nomes.

Mesmo considerando que os erros do passado são irremediáveis, sempre poderemos aprender algo com eles, para o presente e para o futuro e se possível minorar os seus efeitos, pela palavra e pela acção.

Iria também permitir-me procurar e saber dos meus antigos camaradas e talvez um dia encontrar-me com eles; principalmente com os do meu Grupo, o 4.º Pelotão, “Os Americanos”. Espero que ainda estejam todos vivos e de saúde. Mas por onde andarão?


Guião do BCaç 3863. Constituiu-se no RI 1 – Amadora. Esteve na Guiné de 22 Set.1971 a 16 Dez. 1973. Dados que obtive nas minhas pesquisas no Blogue.

Aqui chegado, o passo seguinte foi ir ao encontro do desconhecido e a via seguida foi ir à internet ver o que conseguiria, eu, que até então, pouco ou nada tinha navegado. (Já me bastavam as longas horas que passava agarrado ao computador por razões profissionais, quanto mais desperdiçar o meu tempo livre nesses luxos).

Eis-me agora nisto: Google > Bat. Caç. 3863 e entretanto estava a entrar no Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Desde então tem sido quase um vício. Pena é a falta de tempo, pois é um mundo que nunca mais acaba. A corroborar a máxima: “O Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca é Grande”.

(Continua)
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 6 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12802: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (1): Monte Real, 8 de Junho de 2013, o primeiro contacto com a Tertúlia

quinta-feira, 6 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12802: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (1): Monte Real, 8 de Junho de 2013, o primeiro contacto com a Tertúlia

1. Em mensagem do dia 24 de Fevereiro de 2014, o nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974), enviou-nos o primeiro texto para a sua série Acordar memórias:


ACORDAR MEMÓRIAS

1 - O PRIMEIRO CONTACTO COM A TERTÚLIA

Depois de há quase 40 anos ter deixado para trás a Guiné e o serviço militar obrigatório, com o sentimento de um esforço inglório e vão (que me tinha sido exigido em favor da Pátria, por um regime político e um governo que deplorava), enlevado no sonho de um país renovado, livre, democrático e feliz, que a “Revolução de 25 de Abril” prometia e ter optado pelo afastamento e esquecimento de tudo o que se relacionasse com a tropa e me recordasse a minha condição de ex-combatente na Guiné, talvez porque as desilusões tenham chegado a um ponto nunca esperado, iria estar pela primeira vez num encontro convívio de ex-combatentes da Guiné, que faziam parte de um Blogue que descobrira recentemente.

Se, há alguns meses, me dissessem que isto iria acontecer, eu negaria. Não estava nos meus interesses e planos.
O que se passara entretanto para mudar de atitude? Mais à frente explicarei.


Bissau, Maio de 1974 – Zona dos edifícios comerciais da baixa, perto da UDIB. Após os acontecimentos de 26 de Abril de 1974 em Bissau, principalmente após a chegada do Brigadeiro Carlos Fabião, as manifestações anticoloniais começaram a tomar expressões bem visíveis, fazendo-nos sentir que estávamos a mais e deveríamos regressar quanto antes à nossa terra. Era um sentimento que se contagiava.


8 de Junho de 2013, aqui estava eu agora em Monte Real, timidamente, como é o meu padrão de comportamento quando entre estranhos. Para melhor me integrar, tinha decidido que iria participar na missa planeada para início do encontro na pequena capela das Termas. Neste ambiente não me iria sentir tão deslocado. Já conhecia duas das pessoas presentes: o Joaquim Mexia Alves e o jovem padre Manuel Henriques. Depois, havia o sentimento de que naquela Assembleia seriamos irmãos em Cristo, reunidos, para na comunhão da mesma fé, celebrarmos a Eucaristia de Ação de Graças pelo dom da vida, da nossa, da dos ausentes e sufragando a daqueles que já partiram. Foi uma boa opção. E foi um bom começo! 


Capela de Sta. Rita de Cássia –Termas de Monte Real – (Com a devida vénia ao seu autor, Joaquim Mexia Alves) 

Monte Real, 8 de Junho de 2013 - VIII Encontro da Tertúlia - Joaquim Luís Fernandes à direita da foto
Foto: Rui Silva

E mais uma surpreendente coincidência desse dia, veio adensar (ou iluminar) o meu espírito: - A Igreja celebrava, nessa data, o Memorial do Imaculado Coração de Maria, que relacionei com alguns dos postes lidos na véspera: (P7059 ; P8964; P10030), do camarada José da Câmara, que me impressionaram, recordando-me “A Senhora que nunca nos abandonou” e que, por sua vez, tinha relacionado com uma experiência sensorial/emotiva, vivida há uns 5 anos, que me “transportou” às matas do Balenguerez – um dia escreverei sobre isso.

(Quando as vivências pessoais se tornam quase evidências e sustentam o sentimento da Fé)

Maio de 1973- Orla sul da Península do Balenguerez, próximo de Bamoial, entre Teixeira Pinto e Cacheu. A intensa atividade operacional que nos era exigida, em perigosas e duríssimas missões, levou-nos algumas vezes ao quase limite das forças, próximos da exaustão e da loucura.

O que se seguiu não irei descrever com minúcia. Assisti a efusivos cumprimentos e abraços entre camaradas de tertúlia ou de armas, que deixavam transparecer boa disposição, grande camaradagem e amizade. Também me senti bem acolhido pela simpatia que me dispensavam, mas eu ainda não era daquela guerra; tinha caído ali um pouco de paraquedas e a razão principal que aí me levara estava a ser defraudada.
O que me tinha atraído a Monte Real era a possibilidade de poder encontrar algum ex-camarada, que me desse notícias daqueles rapazes com quem tinha partilhado, há 40 anos, medos e sacrifícios, nessas sofridas, perigosas e infindáveis caminhadas, nas matas da Guiné, da assombrosa Península do Balenguerez até às “barbas” da tenebrosa Caboiana.
Sentia e sinto a necessidade de saber deles, de os encontrar e estar com eles, para lhes manifestar o meu apreço e sentimento de gratidão, pela forma respeitosa com que me aceitaram no grupo (“os Americanos” 4.º Pel/CCaç 3461), se submeteram ao meu comando, sendo eu mais novo e inexperiente e me ajudaram a crescer. Tanto que haveria para falarmos e celebrarmos... Mas nem um encontrei.


Teixeira Pinto – 24 de Julho de 1973 – Desfile de continência aos ilustres Comandantes e Chefes na Tribuna de Honra, no dia da elevação da vila à categoria de cidade. (A função faz o órgão... e o figurão) – O meu Pelotão. 


Perante esta circunstância, limitei-me a indagar nos presentes os que tivessem estado em Teixeira Pinto e me falassem das suas vivências nesse local, mas também pouco consegui. Porém, o ambiente foi-me agradável. Boa comida e bebida, os convivas da mesa foram próximos, como se sempre nos conhecêssemos e tudo acabou bem. Este encontro foi para mim uma imersão e uma aprendizagem e vim carregado de livros.
Iria levar por diante uma nova etapa, depois de 40 anos de esquecimento. Iria acordar as minhas memórias e predispor-me a reviver a Guiné daquele tempo, onde muito sofrera, mas onde também fora feliz.

Depois de 10 meses de Teixeira Pinto, onde fui usado como carne para canhão e me atribuíram as mais perigosas missões, para as quais não tinha sido preparado, mas que “cumpri” bem, fui agraciado pela sorte e cumpri 10 meses em Bissau, como oficial de justiça, nos Adidos em Brá. Quase civil e com a companhias da minha mulher.

(Continua)