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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15252: Recortes de imprensa (75): "Guiné-Bissau, um dia de cada vez", fotorreportagem de Adriano Miranda, Público -Multimédia, 11/10/2015... Quatro dezenas de fotos, a preto e branco, que nos emocionam e interpelam (António Duarte, ex-fur mil at, CART 3493 e CCAÇ 12, dez 1971/jan 1974)


"Guiné-Bissau, um dia de cada vez", uma fotorreportagem de Adriano Miranda, publicada no jornal Público... São 4 dezenas de fotos, a preto e branco, do duríssimo quotidiano dos guineenses, fotos que nos emocionam e interpelam, a nós,  ex-combatentes da guerra colonial, que conhecemos aquela terra, verde e vermelha, e as suas gentes fantásticas e generosas, há 50 anos atrás... Quod vadis, Guiné ?"... Para onde vais, Guiné ?... "Um dia de cada vez", respondem os nossos amigos, guineenses... Uma oportuna sugestão de leitura do nosso grã-tabanqueiro António Duarte.

1. Mensagem do nosso camarada António Duarte:

Data: 14 de outubro de 2015 às 11:40
Assunto: Link com fotos do "Público" sobre a Guiné-Bissaiu


Bom dia,  Camaradas

Na leitura do "Público", feita em suporte digital, deparei com um conjunto de fotografias, de autoria do Adriano Miranda, sobre a "nossa" Guiné-Bissau. 

Na minha opinião trata-se de uma pequena obra de arte, que nos leva de novo aquela terra, sentindo-se até os cheiros, que por certo todos ainda sentimos quando pensamos nas situações por nós vividas, seja a atravessar uma bolanha, seca ou molhada, seja a fazer aquelas intermináveis picagens, para garantir a segurança possível às colunas.

Assim segue o link para consulta de quem tiver curiosidade, visitando a atual Guiné, mas refrescando os nossos pensamentos de quando por lá andámos. 

http://www.publico.pt/multimedia/fotogaleria/guine-353898

Abraços para todos

António Duarte
Ex-Fur Mil Atirador - CART 3493 e CCAÇ 12
Dez 71 a Jan 74


2. Comentário do editor:

Adriano Miranda (n. Aveiro, 1966) é fotojornalista do Público e professor de fotografia. Expõe regularmente.

"Adriano Miranda é um fotógrafo de pessoas que só se sente bem a fotografar no meio delas. Admite que valoriza mais a estética do que a técnica. E diz que nunca pensou em ser fotógrafo. Ah, e deixa um conselho: nunca apaguem nada!" (entrevista à revista Zoom - Fotografia Prática, 28/7/2011).

Não podendo inserir aqui as fotos do Adriano Miranda, por respeito (ético e legal) à propriedade intelectual, permito-me contudo, e com a devida vénia, reproduzir as suas palavras que servem de preâmbulo à sua notável fotorreportagem:

"Guiné-Bissau, um dia de cada vez", por Adriano Miranda

"Saímos do aeroporto Osvaldo Vieira, em Bissau, e sentimos o bafo quente que nos faz transpirar. Há malas, caixotes, caixas, sacos, homens, mulheres, polícias, militares. E há uma explosão de cores e de um cheiro doce. O trânsito é feito ao som da buzina, sempre a fugir do próximo buraco. Gente e mais gente num labirinto desorganizado. Muitos sentados nas soleiras das portas, outros correndo, outros vagueando. 

"No Mercado de Bandim, no centro da capital e um dos maiores mercados a céu aberto do país, tudo se mistura e de tudo se vende. Camas, espumas, bananas, panos, detergentes, telemóveis, peixe, cadernos, tijolos, ferros, martelos, sapatos, pomadas, água pura, ovos, ventoinhas, jornais e até carneiros. O fim do Ramadão é uma ocasião especial e a comunidade muçulmana termina o jejum com uma grande festa. Depois da reza é tempo de compensar o estômago. Nada melhor que um inofensivo animal. Chamam-lhe a Morte do Carneiro. Todos de todas as etnias se embelezam com uma vaidade cuidada: muçulmanos, papéis, balantas, mandingas, manjacos e fulas. Na cidade, todas as ruas são picadeiros para mostrar a camisa branca ou o vestido colorido. E o Monumento ao Esforço da Raça, inspirado na art déco e que fica mesmo em frente ao Palácio Presidencial, é local de eleição para namorar quando não há luar.

"Quase tudo é decadente. Os prédios, as ruas, a limpeza, os carros, os táxis, as lojas. Tudo menos as pessoas. Orgulhosos do que é seu, do que têm e não têm. A Guiné-Bissau é um país sempre em convulsões. Desde o dia 12 de Agosto que não tem Governo. Voltou a faltar a luz. A escola ainda não começou. As poucas obras públicas pararam. O dinheiro falta e os funcionários públicos podem não receber o salário. Mas enquanto as cúpulas discutem o futuro do Governo e da nação, os guineenses constroem um dia de cada vez." 

(Fonte: Público - Multimédia, 11/10/2015. Com a devida vénia).

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14931: Recortes de imprensa (74): Informação Oficial, publicada no jornal "A Província de Angola", sobre o desastre do Cheche aquando da travessia do Rio Corubal em 6 de Fevereiro de 1969 (José Teixeira / José Marcelino Martins)

sábado, 20 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14774: Filhos do vento (38): O caso do António da Graça Bento que foi a Angola, 40 anos depois, conhecer o seu filho. Reporatgem "on line" e em papel, no jornal Público: texto de Catarina Gomes e imagem e som de Ricardo Rezende



Dois fotogramas do vídeo (31' 17'') publicado pelo Público "on line": "Quero que ele sabe que tem um pai".  Ricardo Rezende (imagem e som). Reproduzidos com a devida vénia.



O encontro do pai (António Graça Bento, 63 anos) e do filho (Jorge Paulo Bento, conhecido por o "Pula", na Unidade de Intervenção Rápida, de Luena, a que pertence; tem agora 40 anos e 4 filhos; a mãe, Esperança, já morreu em 2005). (*)

Foto de Manuel Roberto, fotojornalista do Público, reproduzida com a devida vénia.

O António Bento, natural de Nisa, que trabalha em Montemor-o-Novo e vive em Vendas Novas, foi fur mil da 1ª C/ BART  6321/73 (1973/75), mobilizada pelo RAL 3 (Évora). Este batalhão esteve no leste de Angola (Lucusse, Luvuei, Cassamba e Lutembo). A 1ª companhia esteve no Luvuei. Eis aqui a sua história. 

A reportagem "Quem é o filho que António deixou na guerra?" é uma magnífica peça jornalística de Catarina Gomes (texto), Manuel Roberto (fotografia) e Ricardo Resende  (vídeo em Luanda e Luena).

"Esta é a história de um furriel português que foi viver para a sanzala e que foi feliz na guerra. E de um filho angolano que sempre viveu incompleto. Afinal, o pai de Jorge existe e foi ao seu encontro."

Vd. na edição em papel, domingo, dia 21, a reportagem completa (Público | Revista) (**)

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14764: Filhos do vento (36): SIC, Jornal da Noite, hoje, 4ª feira, 18, 20h00-21h30; e revista do jornal "Público", domingo, 21: "Tivemos a felicidade de acompanhar o António Bento, que esteve em Angola entre 1973 e 1975, e era furriel, e ir com ele ao encontro do filho que ele nunca conheceu, deixou a mulher com quem viveu durante um ano grávida" (Catarina Gomes, jornalista)

1. Mensagem da nossa amiga Catarina Gomes,  jornalista do "Público", coautora da reportagem sobre os "Filhos do Vento" e "O Meu Filho Ficou lá"; filha de ex-combatente da guerra colonial (em Angola), escreveu o livro "Pai, tiveste medo ?" (Lisboa, Matéria Prima Edições, 2014):

Data: 16 de junho de 2015 às 10:19
Assunto: Reportagem Angola

Caro professor,

Tal como lhe tinha dito, desde a ida à Guiné a a reportagem dos "filhos do vento",  fiquei com vontade de contar uma história ao contrário, pelo lado de um pai de um "filho do vento". Tivemos a felicidade de acompanhar o António Bento, que esteve em Angola entre 1973 e 1975,  e era furriel, e ir com ele ao encontro do filho que ele nunca conheceu, deixou a mulher com quem viveu durante um ano grávida.

É dessa aventura que dá conta a reportagem que sairá publicada na revista do "Público", no domingo dia 21 de Junho, e no Jornal da Noite da SIC,  esta quinta-feira dia 18 de Junho.

Espero que a reportagem possa inspirar muitos pais a olharem para o passado e talvez a lembrarem-se que deixaram um filho para trás.

Aqui lhe deixo  os dados da conta  bancária da:

Associação da Solidariedade dos Filhos e Amigos dos Ex-Combatentes Portugueses na Guiné-Bissau (Fidju di Tuga)
Banco da África Ocidental em ligação à conta do Montepio em Lisboa.


114011010114

Um abraço
Catarina


2. Quinta-feira, dia 18 de junho, no 'Jornal da Noite', SIC [20h00-21h30], 

Grande Reportagem SIC: "O meu filho ficou lá" 


Sinopse:

A Guerra Colonial levou milhares de soldados portugueses para África e deixou por lá muitas crianças sem pai, filhos de militares portugueses que acabaram as suas comissões de serviço e regressaram a Portugal. Há quem desconheça que por lá deixou um filho, há quem o esconda porque construiu uma nova família após o regresso e há quem nunca esqueça o que se passou.

Já na parte final do conflito, António Bento foi enviado, por dois anos, para Angola onde prestou serviço militar entre 1973 e 1975. Foi colocado no interior de Angola, na província de Luena, perto da fronteira com a Zambia.

Durante a comissão de serviço, António Bento apaixonou-se pela angolana Esperança. O soldado chegou mesmo a mudar-se e a ir viver para casa de Esperança, numa aldeia perto do quartel. Mas no início de 1975, a comissão de serviço termina e António Bento regressa a Lisboa pouco antes do filho de ambos nascer. O ex-combatente nunca esqueceu que se tinha despedido de uma mulher grávida.

A longa guerra civil em Angola e as dificuldades de comunicação com o interior do país foram algumas das barreiras que impediram António Bento de descobrir o paradeiro do filho. Mas nunca desistiu.

Hoje "Zito", o filho de António e de Esperança, tem 40 anos, a mesma idade de Angola independente. E só ao fim de 4 décadas pai e filho encararam-se, pela primeira vez, olhos nos olhos.

"O Meu Filho Ficou Lá " é a história de uma viagem ao interior de Angola e à emoção do primeiro encontro entre um pai e um filho. Uma 'Grande Reportagem' em parceria jornal Público /SIC.

Reportagem : Catarina Gomes
Ricardo Rezende (imagem e som)
Montagem: Ricardo Rezende | Rui Berton
Uma parceria jornal Público / SIC
Coordenação: Cândida Pinto
Direcção: Alcides Vieira | Rodrigo Guedes de Carvalho

Fonte: Cortesia de:

SIC | Ana Margarida Morais
Assistente Gabinete de Comunicação e Relações Externas

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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Guiné 63/74 - P12235: Filhos do vento (21): Apelo da jornalista do Público, Catarina Gomes, para a ajudar a descobrir uma "história de reencontro" (de um pai ex-combatente que tenha encontrado ou ido à procura de um destes filhos da guerra, ou de um destes filhos que tenha encontrado o seu pai)


1. Mensagem da jornalista Catarina Gomes, com data de hoje, 19h01:

Professor Luís Graça, como está?

Eu continuo a tentar escrever sobre os filhos do vento (*), penso que o tema não se pode esgotar naquele meu artigo (**). Estou a tentar escrever um outro artigo e precisava da sua ajuda. Será que poderia pôr no vosso blogue o apelo que também estamos a divulgar no Público:

http://www.publico.pt/sociedade/noticia/a-procura-de-um-reencontro-entre-excombatente-e-filho-do-vento-1611074

Entretanto os ditos filhos criaram uma associação e hoje deixaram uma coroa de flores no cemitério de Bissau “ao pai desconhecido”.

Mando-lhe também o link: 


[Foto à esquerdas, o José Saúde com a menina do Gabu que, em vida,  nunca chegou a conhecer o pai branco]


2. Recorte de imprensa > À procura de um reencontro entre ex-combatente e “filho do vento”

Catarina Gomes, Publico, 01/11/2013, 17h39

[Reproduzido com a devida vénia]

Para esta segunda parte do trabalho, gostávamos muito que nos ajudassem a descobrir uma história de reencontro: de um pai ex-combatente que tenha encontrado ou ido à procura de um destes filhos da guerra, ou de um destes filhos que tenha encontrado o seu pai.

Já contámos a história de alguns dos “filhos do vento” que ficaram pela Guiné, crianças que nasceram durante e depois da guerra colonial (1961-1975), fruto de relações entre ex-combatentes portugueses e mulheres guineenses, e que procuram pais que não conhecem. O PÚBLICO está a fazer um novo trabalho sobre esta realidade, mas agora procura uma história de reencontro.

Durante a guerra colonial foram mobilizados cerca de um milhão de homens. Do conflito, acabou por nascer um número indeterminado de crianças, fruto das relações de ex-combatentes com mulheres africanas. O PÚBLICO fez uma grande reportagem sobre esta realidade na Guiné, intitulada Em busca do pai tuga, com vídeos e uma página especial, a que chamámos Filhos do Vento, onde estão algumas das histórias de filhos que andam à procura dos seus pais portugueses que nunca conheceram. Na sequência da reportagem, recebemos dezenas de e-mails de pessoas que continuam à procura, de filhos que vieram para Portugal mas continuam a não encontrar o pai, mas também de irmãos que sabem que os pais deixaram um filho em África e dizem que gostavam muito de o conhecer.

Para esta segunda parte do trabalho gostávamos muito que nos ajudassem a descobrir uma história de reencontro: de um pai ex-combatente que tenha encontrado ou ido à procura de um destes filhos da guerra, ou de um destes filhos que tenha encontrado o seu pai. Para que se continue a falar de um tema que foi demasiado tempo tabu. Se tiverem alguma informação que possa ser útil para este projecto, o e-mail é filhosdovento@publico.pt.

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Notas do editor:


domingo, 14 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11838: Os filhos do vento (13): Em busca do pai tuga: um reportagem, 3 vídeos, 19 histórias, 19 rostos, 19 nomes à procura do apelido paterno... Hoje no "Público", domingo, dia 14. A não perder.


Capa da página do Público 'on lin', de hoje  > "Filhos do vento: guerra colonial; as histórias dos filhos que os portugueses deixaram para trás". Vale a pena compar a  edição a papel (1€60), ler, comentar e guardar a resportagem "Em busca do pai tuga" (Revista 2, pp. 10-19)  e depois ver os três vídeos disponíveis. (Motivo adicional para comprar a edição em papel: o nosso Jorge Cabral queixa-se de que é vítima de "idadismo"... Vd. Revista 2 > "Velhos ? Não. Somos todos contemporâneos", reportagem de Catarina Fernandes Martins, pp.26-27. De facto, este país já não é para velhos) (LG)


1. Como já fora  anunciado (*), saiu no jornal "Público", de hoje, domingo dia 14, na Revista 2, a reportagem dos enviados especiais à Guiné Bissau Catarina Gomes, Manuel Roberto e Ricardo Rezende sobre os "filhos do vento"... 19 histórias, 19 nomes, 19 dramas...de "restos de tugas"...

 "No tempo da guerra colonial havia quem lhes chamasse 'portugueses suaves', agora, há entre os ex-combatentes quem prefira 'filhos do vento'. A maioria dos filhos de ex-militares portugueses com mulheres guineenses guarda pedaços de história incompletos, com a ambição de que um dia esses poucos dados os venham a reunir aos pais.  A expressão que dá título a esta página foi usada pela primeira vez, para se referir aos filhos de ex-militares portugueses com mulheres guineenses, pelo ex-furriel José Saúde, no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné".

Três vídeos (cada um com cerca de 10 minutos casa) contam estas histórias dos "filhos de vento"...

Restos de tugas (11' 52'')


TESTEMUNHOS ( a recolher pelo Público)

"Este é um espaço de debate. Qualquer testemunho que inclua dados pessoais não será publicado. A identidade dos pais não é divulgada por motivos de reserva da vida privada. O envio de informações que julgue relevantes para a busca destes filhos de ex-militares portugueses deverá ser feito para o email filhosdovento@publico.pt"

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2137: Antologia (62): Guileje, 22 de Maio de 1973: Coutinho e Lima, herói ou traidor ? (Eduardo Dâmaso / Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > 2005 > Restos do monumento mandado erigir pelos Gringos de Guileje, em 1972, à Nossa Senhora de Fátima e ao Senhor Santo Cristo (vd. foto a seguir). Foto do Xico Allen, tirada na sua viagem de 2005. Ele é o mais andarilho de todos nós, em matéria de Guiné (desde que lá voltou em 1998, tem lá ido com frequência). Está a organizar uma próxima viagem em Fevereiro de 2008. Na foto pode ler-se a oração em verso: "Santo Cristo dos Milagres / Nesta capelinha oramos / Para sempre sorte dares / Aos Gringos Açorianos". Foto: Xico Allen (2005). Direitos reservados. Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3477 (Nov 1971/Dez 72) > 1972 > Oráculo, com a imagem de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo dos Milagres... Na imagem, o Amaro Munhoz Samúdio, ex-1º cabo enfermeiro, está a pegar ao colo um bébé de chimpazé (ou dari, como se diz localmente). Os Gringos Açorianos antecederam os Piratas de Guileje (CCAV 8350, Dez 1972/Mai 1973). Segundo amável informação do Samúdio, o monumento foi contruido pelos Gringos e inaugurado pelo então Ministro da Defesa Nacional, general Sá Rebelo e também pelo então governador, general Spínola, em 12 de Junho de 1972. Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1972 > Brasão da CCAÇ 3477 (Gringos de Guileje), 1971/72. Foto: © José Casimiro Carvalho (2006). Direitos reservados. Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2006 > Restos arqueológicos: o brasão da CCAV 8350 (Os Piratas de Guileje), novinho em folha... Foram a última a lá estar, tendo abandonado o aquartelamento, juntamente com a população da tabanca, por ordem do major Coutinho e Lima, comandante do COP 5. Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2006). Direitos reservados. 1. Nota do editor L.G.: O texto que a seguir se publica, da autoria do jornalista Eduardo Dâmaso, foi reproduzido originalmente no Blogue-fora-nada > vd. post de 11 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLVI: Antologia (33): os 'gringos açorianos' de Guileje (CCAV 8350, 1972/73). Há (ou melhor, houve) aqui um erro nosso (e do jornalista Eduardo Dâmaso) confundindo a CCAV 8350- Os Piratas de Guileje (Dez 1972 / Mai 1973) - com os Gringos de Guileje, a CCAÇ 3477 (Dez 1971/Dez 1972). Pirata de Guileje é(foi) o nosso camarada José Casimiro Carvalho (1). Gringo de Guileje é (foi) o nosso camarada Amaro Samúdio (2). De facto, a CCAÇ 3477 (Nov 1971/ Dez 73) é a companhia de açorianos que ficou conhecida como Os Gringos de Guileje: estiveram em Guileje entre Novembro de 1971 e Dezembro de 1972); foram a penúltima unidade de quadrícula de Guileje, sendo rendidos pela CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) - Piratas de Guileje, a que pertencia o nosso camarada José Casimiro Carvalho, ex-fur mil de operações especiais (3). Há ainda outro erro (grosseiro) no que respeita ao calibre das peças de artilharia: o jornalista fala em morteiros de 11,4, em obuses de 14 milímetros... Quando queria dizer, muito possivelmente, peças de artilharia de 11,4 (centímetros) e obuses, de 14 centímetros... Já alguém, em comentário ao post, nos chamou a atenção para este erro, grosseiro (Anónimo, 9 de Agosto de 2007): "É lamentável que, num texto com redacção geralmente muito aceitável, o autor não tenha a mínima noção dos calibres das bocas de fogo da Artilharia. Escreve morteiros de 11,4 milímetros quando, certamente deveria escrever peças de 11,4 centímetros e atribui aos obuses um calibre pouco superior ao de uma arma caçadeira...Estas faltas de rigor maculam, em meu entender, a credibilidade do texto". Bem, não exageremos, o Eduardo Dâmaso é um paisano que não tem que saber de artilharia em profundiade. Como jornalista, tem-se interessado em pesquisar e escrever sobre a guerra colonial... Merece, só por isso, a nossa gratidão. De qualquer modo, também houve aqui outras pequenas imprecisões como a de chamar miliciano ao milícia Aliu Bari... Por tudo isto voltamos a publicar a excelente peça do ex-jornalista do Público, actualmente director-adjunto do Correio da Manhã.

  2. Em 11 de Dezembro de 2005, eu escrevia: Guileje continua a estar rodeado de mistério e de polémica. Faltam-nos trabalhos de investigação historiográfica séria, tanto de um lado como de outro. Por enquanto temos só ouvido o testemunho de alguns dos seus (poucos) protagonistas. É urgente que apareçam testemunhos (escritos) de guerrilheiros do PAIGC que estiveram no cerco de Guileje. A geração que fez a guerrilha está a envelhecer e a desaparecer. Segundo creio saber, o Pepito tem sobretudo contactos com antigas milícias, provavelmente de etnia fula, que estiveram do nosso lado. Não sei se há guineenses a tentar preservar essa memória. O Pepito que não foi combatente, será uma das poucas excepções na Guiné-Bissau, com o Projecto Guiledje, da sua ONG (AD - Acção para o Desenvolvimento). Por outro lado, estamos a aguardar, com curiosidade, a divulgação ou publicação da tese de doutoramento do nosso amigo guineense Leopoldo Amado, defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Um dos testemunhos sobre os acontecimentos de Guileje, entre 18 e 22 de Maio de 1973, é o de Alexandre Coutinho e Lima, na altura major, à frente do Comando Operacional 5 (COP 5), baseado em Cacine. Foi este oficial quem, à revelia de Spínola, seu comandante-chefe, decidiu, de motu proprio, abandonar Guileje, retirando a CCAV 8350 e mais dois pelotões, para Gadamael-Porto, mais as milícias locais e mais meio milhar de civis. Essa decisão (corajosa, para uns; cobarde, para outros) custou-lhe a carreira militar. Essa história foi há tempos contada pelo jornalista Eduardo Dâmaso, no suplemento dominical do Público, de 21 de Maio de 2004. Vale a pena divulgar esse texto, pelo seu valor documental, já que muitos dos nossos tertulianos e outros visitantes o não conhecem. 

A versão que encontrámos disponível na Net vem no Blogue Moçambique para Todos, e em particular numa secção dedicada ao 25 de Abril - O antes e o agora. Agradecemos a estas duas fontes (O Público e o Blogue Moçambique para Todos) a possibilidade de fazer chegar aos membros da nossa tertúlia e a outros cibernautas a versão dos factos na pessoa do entrevistado, o hoje coronel na reforma Alexandre Coutinho e Lima. Parece que esta questão ainda hoje incomoda as chefias militares do Exército e até os homens que fizeram o 25 de Abril. O abandono de Guileje, sem honra nem glória, foi sempre considerado inaceitável por Spínola e os spinolistas. O velho general, metido no atoleiro da Guiné, quereria muito provavelmente que Coutinho e Lima e os homens defendessem Guileje até ao último cartucho de G-3... À semelhança de Salazar, em relação ao pobre do General Vassalo e Silva, que comandava as NT aquando da invasão indiana de Goa, Damão e Diu, em 18/19 de Dezembro de 1961. ________ 

  2. Republicação da peça jornalística, com as necessárias correcções: 

  Coronel Coutinho e Lima: Salvou 600 vidas mas foi castigado por Spínola PÚBLICO, Domingo, 16 de Maio de 2004 Eduardo Dâmaso 

  Auto de corpo de delito 

Acusação: ordenou a retirada de forças sob o seu comando do quartel de Guileje para Gadamael sem que para tal estivesse autorizado; mandou destruir edifícios e inutilizar obras de defesa do referido quartel, bem como material de guerra e munições; não cumpriu a missão que lhe foi atribuída. Nessa luminosa madrugada de 22 de Maio de 1973, a sorte dava ares de voltar a sorrir aos gringos açorianos e a todos os outros gringos que faziam a guerra em Guileje, Sul da Guiné, contra o PAIGC (Partido Africano pela Independência da Guiné-Bissau e Cabo-Verde). 

Eram quase seis da manhã e os gringos iam carregados que nem burros pelo trilho do mato que ligava o quartel de Guileje ao de Gadamael, uns oito ou nove quilómetros bem medidos na retaguarda do primeiro, mas a manhã levava-os para longe daquele buraco que já viam como cemitério dos seus próprios cadáveres trespassados pela metralha do inimigo. Os soldados sedentos, famintos e, alguns, doentes, abandonavam Guileje em passo lento e levavam malas de viagem, sacos militares, armas, mochilas. Transportavam tudo o que era imprescindível para refazer a vida da tropa noutro quartel qualquer. Entre eles marchavam 600 guineenses, igualmente cheios de fome, sede e doenças, que recuavam também para a zona do aquartelamento de Gadamael, alguns dos quais já muito idosos e um deles paralítico, que teve de ser transportado às costas por soldados. A população da tabanca de Guileje levava a casa na trouxa e a família pela mão sem olhar para trás. 

Na retaguarda, num qualquer ponto fixo no horizonte da densa mata do Sul, só ficavam os canhões do PAIGC que, por aqueles dias, não escolhiam entre soldados portugueses e civis guineenses. Uns e outros compunham uma coluna de gente que protagonizava um episódio histórico na guerra colonial portuguesa: as Forças Armadas comandadas na Guiné por António Spínola batiam em retirada do quartel de Guileje, o único que a tropa portuguesa deixou livre à ocupação pelo inimigo em toda a guerra colonial. 

O PAIGC, tolhido pela surpresa, só viria a ocupar a guarnição militar três dias depois da retirada. A retirada de Guileje foi o culminar de um complexo processo político-militar que começou a desenhar-se na Guiné após o assassinato de Amílcar Cabral, em Janeiro de 1973. O PAIGC desencadeou então uma ofensiva simultânea no Norte e no Sul da Guiné cercando os quartéis de Guidaje, junto à fronteira com o Senegal, e de Guileje, encostado à Guiné-Conacri. 

 Essa operação, a que chamaram Amílcar Cabral, foi um momento decisivo na guerra que coincidiu com a utilização dos mísseis Strella, de fabrico soviético, que abateram pela primeira vez um Fiat G-91 da Força Aérea a 25 de Março desse ano. Nessa semana a "arma desconhecida, tipo foguete", como foi qualificada no relatório da ocorrência, atingiu seis aeronaves portuguesas e num dos casos morreu mesmo o piloto, tenente-coronel Brito (4). A maior parte destas acções aconteceu precisamente na zona de Guileje, área do Comando Operacional 5 (COP5) criado menos de seis meses antes para fazer face ao previsível agravamento da guerra na frente sul, mas para onde não foram enviados mais do que 108 homens. A partir deste novo dado da guerra, os mísseis terra-ar, ficou muito condicionada a utilização de meios aéreos no apoio de fogo às tropas terrestres, na deslocação de feridos, no transporte logístico e na regulação de tiro da artilharia. Os efeitos do conflito passaram a ser devastadores nas fileiras portuguesas. 

Segundo números oficiais das Forças Armadas, só entre 13 e 27 de Maio morreram 38 soldados e 155 foram feridos na frente sul da guerra. Em todo o primeiro semestre de 1973 registaram-se 135 mortes de militares portugueses em todo o território guineense. Foram as semanas da viragem da guerra a favor de um inimigo mais numeroso, mais bem armado e preparado. Nesse Maio de chumbo, Bissau não evacuava feridos há semanas lá das bandas do Sul. Os aviões não se arriscavam a um voo que podia ser o último. Em Guileje, com a moral arrasada, os soldados não tinham nem água, nem comida, nem munições, o inimigo atacava a 500 metros, ou menos, do quartel. Ficar ali para cativeiro ou morte certa nem pensar, antes marchar em retirada. Ainda por cima, naquela época do ano, o Sul da Guiné submergia com a intensidade das chuvas e uma parte do território estava intransitável. Nos dias anteriores à retirada, as bombas do inimigo abatiam-se sobre o quartel e dele quase nada restou de pé. Ficaram as orações dos gringos açorianos inscritas nas poucas pedras que sobravam: "Santo Cristo dos Milagres nesta capelinha oramos para sempre sorte dares aos gringos açorianos." (5). Ou as dos Piratas de Guileje, uns e outros da companhia de cavalaria 8350, estacionada no Sul entre 72 e 74. Os RPG 7 da guerrilha rebentavam no ar e caíam em chuveiro sobre o quartel, deixando marcas de destruição em todo o lado. Nos seis abrigos amontoavam-se soldados e população. Do dia 18 em diante, até à evacuação, muita fome ali se passou porque os flagelamentos do PAIGC foram praticamente incessantes. 

  Minhas declarações em 28 de Maio de 1973 

 "Durante a manhã [21 de Maio] tinha havido um ataque próximo em que predominaram os rebentamentos de RPG. Ao princípio da tarde, as mulheres, desesperadas com falta de água, foram à bolanha (cerca de 500 metros do quartel), tendo sido flageladas pelo IN com RPG e imediatamente recolhidas pelas NT que foram em seu socorro. A Força Aérea que apareceu a apoiar, após o ataque das 15h15 às 16h30, o mais intenso de todos e o que provocou um morto e muitos danos materiais, foi informada que o quartel estava sem transmissões, tendo prometido ir lá de noite, se possível, e no dia seguinte, logo de manhã." A base dos guerrilheiros era em Canjifara, Conacri, o que permitia ao PAIGC uma grande actividade na região, que se intensificou a partir do momento em que a artilharia portuguesa, até aí a utilizar [peças de artilharia] de 11,4 , mudou para os obuses de 14 [centímetros]. A regulação de tiro com os de 11,4 tinha sido comprovadamente mais eficaz, mas estas [peças] acabaram e não foram substituídas por outras de características idênticas. Portanto, para lá do fogo de artilharia dos RPG 7, os guerrilheiros passaram a fazer emboscadas nas proximidades do quartel. O que foi uma machadada no moral das tropas, que andavam há meses a acumular a realização de obras imprescindíveis no aquartelamento - criado em 1964, mas nunca chegou a ter sequer uma segunda protecção de arame farpado - com a actividade operacional, acabando esta por se ressentir. É neste cenário que o então major Alexandre Coutinho e Lima decide bater em retirada, depois de intensas movimentações nos últimos dias a pedir reforços de tropas especiais que nunca chegaram. Assim que chegou a Gadamael, nessa manhã de 22 de Maio, foi imediatamente preso e acusado de ter cometido um crime militar ao ordenar a retirada de forças sob o seu comando sem autorização superior. 

Também mandou destruir edifícios e inutilizar obras de defesa do quartel que comandava, material de guerra e munições. A justiça militar imputou ao major uma falta grave: não ter cumprido a missão que lhe foi atribuída pelo comandante-chefe das tropas portuguesas na Guiné, António Spínola, e pagou por isso com um ano de prisão, que só viria a ser interrompido por uma amnistia nos primeiros dias a seguir ao 25 de Abril de 1974. 

 Na versão seca do formalismo da linguagem militar, o major não cumpriu a missão que lhe foi atribuída. Mas, para as mais de 600 pessoas cercadas pelo fogo dos guerrilheiros independentistas, a decisão do agora coronel reformado Coutinho e Lima salvou-os de morrer no inferno de Guileje. Para essas pessoas e para milhares de soldados que viam a derrota e a morte a aproximar-se nas frentes de guerra da Guiné, o coronel Coutinho e Lima foi um herói, que teve a coragem de decidir de acordo com a sua consciência. Mas ainda hoje é um homem perplexo com a actuação de Spínola neste processo e, em concreto, pela diferença de tratamento que deu às duas situações mais dramáticas naquela guerra. Ao cerco de Guidaje, a norte, Spínola respondeu com reforços imediatos e um ataque de comandos à base do PAIGC em Kumbamory, em território senegalês, uma acção que veio aliviar a pressão do PAIGC sobre Guidaje (6). Já em relação a Guileje, Spínola nunca autorizou um reforço de homens e meios operacionais, deixando a guarnição abandonada à sua sorte, acabando também por não conseguir evitar a desgraça de Gadamael, onde o PAIGC atacou entre as 14h00 e as 18h00 do dia 31 de Maio, bombardeando o quartel com mais de 700 granadas e provocando cinco mortos e 14 feridos, numa acção que foi apenas o início de intensos flagelamentos que prosseguiram nos dias seguintes, causando um total de 24 mortos e 147 feridos. Trinta e um anos depois da retirada do quartel de Guileje, as Forças Armadas ainda lidam mal com o episódio. 

O único quartel português abandonado pelas tropas coloniais é um episódio que representa uma espécie de pedra no sapato do Exército e das Forças Armadas em geral, que transformou o seu principal protagonista num rosto incómodo tanto para as hierarquias como, aparentemente, para os próprios militares do Movimento das Forças Armadas (MFA). Para os militares de Guileje, o pesadelo começou a desenhar-se a partir do dia 10 de Maio, ainda sem o perceberem. A melhor descrição da situação militar ali vivida é feita pelo próprio Spínola, que a 11 de Maio se desloca de helicóptero a Guileje e, numa comunicação às tropas, fez saber que se esperava um agravamento da situação. Ficou claro que a Força Aérea não faria operações de rotina como até aí. Deixou, porém, a garantia de que, em momentos de combate mais sérios, os aviões voariam mais alto e utilizariam bombas mais potentes no apoio de fogo. 

O transporte de feridos muito graves seria também assegurado. Palavras vãs, tal nunca aconteceu. Um dia antes da visita, a vida corria com alguma normalidade no aquartelamento de Guileje. O único facto anormal era dado pelo desaparecimento do [milícia] Aliu Bari, que saíra de espingarda às costas dizendo que ia à caça, mas não voltou mais. Ao fim de um par de horas, começaram a sair grupos de patrulhamento na estrada de Mejo com o objectivo de tentar encontrar o [milícia] Bari, que, admitia-se, podia ter-se perdido ou sido mordido por uma cobra. Alguns patrulhamentos depois, já a 12 de Maio, porém, uma mina rebenta na estrada do Mejo e morrem dois comandantes de secção da milícia, o que afecta as tropas, sobretudo do contingente guineense e da população, onde os dois homens eram vistos como líderes. 

 No dia 18, dois grupos de combate que realizavam trabalhos de detecção de minas e instalação de um sistema de segurança para uma nova operação de reabastecimento, junto ao cruzamento da estrada Guileje-Gadamael, foram atacados por mais de 100 guerrilheiros emboscados. Das sete às oito da manhã os soldados portugueses e os milicianos [milícias] guineenses ao seu serviço estiveram debaixo de intenso fogo de metralhadora, armas automáticas e morteiros RPG. O balanço final foi dramático: dois mortos, nove feridos graves. 

Mais tarde, um destes feridos, um cabo, veio a morrer. Tinha sido pedido apoio de fogo aéreo a Bissau, que não foi concedido por falta de condições meteorológicas. Aos pedidos de deslocação dos feridos foi respondido que as baixas deveriam ser levadas para Gadamael e daí para Cacine por via fluvial, o que não aconteceu por já não haver maré que permitisse o transporte. Adivinhava-se um mortícinio. Os soldados começaram a perceber que estavam entregues à sua sorte. O major Coutinho Lima enviou uma mensagem para Bissau a pedir a deslocação de um delegado a Guileje para analisar o problema dos apoios e efectivos para as colunas de reabastecimento. A resposta é negativa. Às 16h00 ainda do dia 18 colocou-se a necessidade de reabastecer a unidade de água, num local situado a quatro quilómetros do quartel. 

O grupo de combate que habitualmente fazia segurança a esta saída manifestou-se relutante em sair do quartel. Só o fez quando o próprio Coutinho e Lima saiu à frente do grupo. A operação decorreu sem problemas mas durante essa noite regressou o fogo inimigo. O quartel foi bombardeado pela noite dentro, em oito momentos diferentes; todos os rebentamentos de obuses ocorreram dentro zona de arame farpado. Compreenderam então que a regulação de tiro da artilharia do PAIGC era feita a partir de informações prestadas pelo miliciano [milícia] Bari, que tinha desertado para o inimigo. Era a primeira vez que o inimigo acertava no quartel. 

 Na manhã seguinte, os militares portugueses contaram 85 rebentamentos no interior do quartel. Coutinho Lima parte nessa manhã com um grupo de combate para Gadamael e daí para Cacine, para assegurar o transporte dos feridos e do morto, mas também na esperança de "encontrar alguém" do Comando-Chefe a quem pudesse expor a situação. Ao mesmo tempo, o drama adensava-se em Guileje: o inimigo passou todo o dia 19 a bombardear o quartel. Coutinho Lima só consegue falar com a Repartição Operacional na madrugada de 20 e pede que Bissau envie para Guileje uma companhia de tropa especial (comandos ou pára-quedistas), viaturas e estivadores para assegurar o reabastecimento. Volta a pedir autorização para se deslocar a Bissau, o que acontece no dia 21. 

Aí, expõe a situação a Spínola e pede, de novo, reforços. O comandante-chefe dá-lhe uma resposta negativa quanto ao reforço de uma companhia de tropas especiais, retira-lhe o comando e entrega-o ao coronel Rafael Durão (7). Coutinho e Lima é mandado de regresso a Guileje na qualidade de 2º comandante do COP5. Chega a Guileje ao fim da tarde do dia 21 e o quadro com que se depara é devastador: um furriel morto, depósitos alimentares destruídos, celeiros de arroz a arder, população refugiada dentro do quartel, falta de água e medicamentos, antenas de transmissões de rádio destruídas, poucas munições, abrigos e valas de defesa atingidos, centenas de rebentamentos dentro do quartel. Minhas declarações em 24 de Agosto de 1973 "A estadia nos abrigos era praticamente insuportável, pois neles se encontravam, além das NT, toda a população (homens, mulheres e crianças, cerca de 500 pessoas). 

Houve vários desmaios, onde o calor era imenso e o cheiro nauseabundo. Após as saídas do fogo IN [Inimigo], os rebentamentos demoravam cerca de 3 segundos só dando tempo ao pessoal para se deitar. De algumas vezes não se ouviram as saídas e houve vários rebentamentos no ar, que não eram de RPG; muitas granadas eram também perfurantes, devendo ter sido uma destas que provocou a morte do furriel, bem como outra que abriu uma brecha, de lado, num dos abrigos, ficando a armação de ferro à mostra. Todo o pessoal estava arrasadíssimo, não só física como psiquicamente, pois há cerca de 72 horas que o quartel estava a ser continuamente flagelado. 

Com a deserção do miliciano [milícia] Aliu Bari, a população estava alarmadíssima porque até aí o Inimigo não sabia onde eram os campos de arroz do pessoal de Guileje, não conhecia o trilho da população entre Gadamael e Guileje, nem tão-pouco sabia onde era o poço da água onde se fazia o reabastecimento, mas agora passava a ter conhecimento, através do referido desertor, de tudo isto." O medo estava instalado nos abrigos de Guileje. Mas também a fome, a sede, a doença. O inimigo estava a menos de 500 metros do quartel a acertar o fogo com homens empoleirados nas árvores. A descrença era total e já ninguém esperava reforços de lado nenhum. Batiam as 21 horas do dia 21 de Maio quando Coutinho e Lima mandou reunir todos os oficiais e, depois de analisada a situação, decidiu retirar de madrugada para Gadamael pelo trilho da população. 

De imediato elaborou uma mensagem em que pedia autorização para retirar. Foram improvisadas umas antenas, mas a mensagem nunca chegou a seguir, apesar das tentativas que duraram toda a noite. A última que seguira fora no dia 21, às 14h15, a dizer "Estamos cercados por todos os lados." Três décadas depois, Coutinho e Lima pergunta-se a si próprio que outra coisa poderia fazer: "Tinha-se perdido muito tempo. Mesmo que tivéssemos conseguido comunicar para Bissau naquele dia e tivessem decidido enviar reforços, as tropas não chegariam antes de três ou quatro dias, espaço de tempo que nunca conseguiríamos aguentar naquelas condições. 

Antes disso, o inimigo completaria o cerco poderosíssimo que estava a fazer com a consequente captura ou aniquilamento de toda a guarnição militar e população." Ou ficava e a sua companhia era chacinada e o que restasse dela apanhado à mão pelo PAIGC ou, pelo contrário, recuava para Gadamael de imediato, jogando no efeito surpresa.Tomada a decisão de partir, foi elaborado um plano de destruições e inutilizações de material que não pudesse ser utilizado pelo PAIGC: minas Claymore, material de criptografia, incluindo as máquinas, arquivos, equipamento de transmissões, obuses, viaturas e armamento pesado. "Não fui pressionado por ninguém para retirar e parti do princípio que a minha vida militar acabava ali", diz Coutinho e Lima. 

  Minhas declarações em 24 de Agosto de 1973 

 "Entre todos os factores que me levaram a decidir pela retirada, avulta a missão de defesa da população, cerca de 500 pessoas (...) [que] aceitou de bom grado a ordem para se preparar para seguir para Gadamael, não tendo havido nenhuma manifestação de pesar - 'choro' -, quer quando foi iniciada a retirada, quer na chegada a Gadamael." Deviam ser umas quatro da tarde quando a coluna entrou na parada do quartel de Gadamael-Porto. Coutinho e Lima é preso e enviado para Bissau, para a fortaleza de Amura, comando militar da Guiné. 

Não iria esperar muito até sentir a ira de Spínola, que o transfere para o Depósito de Adidos no aquartelamento de Brá com ordens inabaláveis: encerramento num quarto em regime de incomunicabilidade total e o vencimento reduzido a metade. Ali fica um mês e só uma consulta de psiquiatria altera as condições da sua prisão: passa a receber visitas, tem licença para se entreter na horta da guarnição e ler jornais. Todos os requerimentos que fez para poder dar explicações e aulas de Educação Física foram indeferidos pelo punho do próprio Spínola. Nessa fase, lia, fazia paciências com cartas, escrevia. Começou a perceber então que a sua situação gerava entre os militares um grande movimento de solidariedade. 

Não tinha dinheiro para contratar um advogado e houve uma quotização entre os oficiais, que asseguraram os 50 contos necessários para pagar a sua defesa ao advogado Manuel João da Palma Carlos, como é assegurado o subestabelecimento da causa num conjunto de mais quatro advogados, todos eles oficiais milicianos a prestar serviço na Guiné: Barros Moura, Correia Pinto, Sacadura Bote e Maia Costa. Estes oficiais chegaram a ser ameaçados por Spínola com o envio para a frente de combate por se terem disponibilizado a defender o "presumido delinquente". 

 Depois de libertado em Maio de 1974 é colocado na Academia Militar, no gabinete de estudos, e recebeu a metade do vencimento que lhe tinha sido retirado. Nunca chegou a ser julgado, mas não requereu qualquer reparação por danos morais, já que era sua profunda convicção a inutilidade da acção enquanto Spínola liderasse a JSN [Junta de Salvação Nacional]. "Acho que nunca fui prejudicado na progressão militar, mas na parte final, quando tinha de fazer um ano de comando para a promoção - devia comandar uma unidade de artilharia -, fiquei com a sensação de que andaram a passar a bola de um lado para outro", diz hoje, passados 30 anos. 

  Minhas declarações em 24 de Agosto de 1973 

"Relativamente à acusação de não ter cumprido a missão que me foi atribuída, solicito informação sobre qual parte da missão deixou de ser cumprida. Se se pretende referir à alínea 'garante a defesa eficiente dos aglomerados populacionais e o socorro em tempo oportuno dos reordenamentos da sua zona', declaro que defendi o estacionamento de Guileje até à altura da retirada, por considerar a posição absolutamente insustentável." O tempo foi passando na vida de Alexandre Coutinho e Lima e as más memórias desvanecendo-se. Mas o mistério da recusa de conceder um reforço militar a Guileje permanece. "Nunca mais falei com Spínola sobre isso!" De há 31 anos para cá só ficou o silêncio (8). Recordo-me de me terem perguntado num dos interrogatórios se tinha pensado nas consequências do meu acto para a Pátria. Limitei-me a responder que a minha preocupação era mais com a vida dos meus homens e da população do que com os altos valores da Pátria. 

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 Notas de L.G.: 



 Vd. também post de 14 de Dezembro de 2005 > 14 Dezembro 2005 Guiné 63/74 - CCCLXVII: Guileje, terra de fé e de coragem (Luís Graça) 

 (3) Vd. post de 11 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P864: Unidades aquarteladas em Guileje até 1973 (Nuno Rubim / Pepito) 

 Vd. ainda a correspondência do J. Casimiro Carvalho: 






 (4) Sobre as areonaves (Fiat) abatidas na Guiné, ver: 21 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1867: Força Aérea Portuguesa: Seis Fiat G.91 abatidos pelo PAIGC entre 1968 e 1974 (Arnaldo Sousa) 

 (5) Vd. posts de:



 (6) Vd. posts de: 

 16 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXXV: Antologia (16): Op Ametista Real (Senegal, 1973) (João Almeida Bruno) 


 (7) Vd. posts e: 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCI: Antologia (6): A batalha de Guileje e Gadamael (Afonso M.F. Sousa / Serafim Lobato) 



 (8) Aguarda-se a comunicação do hoje Coronel Coutinho e Lima no Simpósio Internacional sobre Guileje (1 a 7 de Março de 2008) . Eu próprio estou, ando já há uns tempos, para o contactar telefonicamente. Também já lhe ofereci, publicamente, este espaço para nos poder dar o seu depoimento sobre a decisão de abandonar Guileje e as duras consequências que isso teve para a sua carreira militar e a sua dignidade como homem e cidadão. 

Não o conheço pessoalmente, mas confesso que apoiaria a sua atitude humanitária e pacifista, se lá estivesse, em Guileje, no dia 22 de Maio de 1973.



quinta-feira, 15 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P878: Antologia (42): Os heróis desconhecidos de Gadamael (Parte I) (Luís Graça)


Guiné > Região do Cacheu > Rio Cacheu > A LFG Orion a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967. 

Foto: © Lema Santos (2006)

A revolta do navio Orion, da Marinha portuguesa, no dia 2 de Junho de 1973 foi decisiva para salvar a vida de centenas de soldados e população que fugiram dos bombardeamentos do PAIGC na batalha de Gadamael. 

Este episódio de desobediência a ordens de Spínola, desconhecido até hoje, é indissociável da resistência travada por meia dúzia de soldados no interior do aquartelamento de Gadamael. As suas histórias são aqui contadas por alguns dos seus protagonistas, como o comandante da Marinha Pedro Lauret, o coronel dos comandos Manuel Ferreira da Silva, e o grumete Ulisses Faria Pereira. Eles são, com outros, os heróis desconhecidos de Gadamael. (Público, 26 de Junho de 2005)


A nave dos feridos, mortos, desaparecidos e enlouquecidos

Uma investigação de Eduardo Dâmaso

Fonte: Público, nº 5571, 26 de Junho de 2005 (com a devida vénia).

[ Notas de L.G. Agradece-se ao Pedro Lauret, ao Carlos Fortunato e ao A. Marques Lopes o envio de ficheiros, em diferentes formatos, com cópia deste notável e original trabalho do jornalista Eduardo Dâmaso que merece especial destaque na nossa secção antológica, reservada a textos já publicados e que, em princípio, não são da autoria de membros da nossa tertúlia].

Passaram 32 anos desse dia 1 de Junho de 1973 mas o comandante Pedro Lauret ainda se recorda do arroz de tomate com peixe que estava a comer e que era também o jantar da guarnição da fragata Orion (1) em missão no rio Cumbijã (2). Ali estavam, estacionados nas águas de um dos muitos rios da Guiné, a comer a tomatada de peixe e a beber cerveja gelada enquanto a noite começava a deitar-se sobre a mata de Cantanhez, tão bela quanto sinistra para os milhares de soldados portugueses que a olhavam como um santuário dos guerrilheiros do PAIGC. Foi à hora do jantar que o comandante, então imediato da embarcação, Pedro Lauret, recebeu a indicação de que estava a chegar uma mensagem de “alto grau de precedência”, ou seja, de António Spínola, comandante-chefe do contingente militar português na Guiné.

O jantar acabou e começava uma inesperada e marcante aventura na vida de todos os homens embarcados na Orion. Pedro Lauret entra na cabine onde a mensagem estava a ser descodificada e percebe logo que têm de preparar-se para levantar ferro. A mensagem trazia ordens do Comando Geral a determinar que a Orion subisse o rio e embarcasse uma companhia de paraquedistas que deveria conduzir para o porto de Cacine.

“Não eram dadas explicações mas de imediato nos apercebemos que algo de muito grave se passava. Embarcar de noite uma companhia de paraquedistas sem qualquer tipo de protecção, naquele local, era muito arriscado”, afirma Pedro Lauret.

A missão secreta chegou à hora de jantar

As ordens destapavam uma outra face da moeda: tirar uma companhia de paraquedistas da região iria diminuir a capacidade militar num local problemático. As missões da Marinha no rio Cumbijã tinham recomeçado em 1972 quando Spínola decidira reactivar cinco aquartelamentos na região de Cantanhez mas a operação não estava a dar resultados. O dispositivo militar tinha sido reforçado com companhias de tropas especiais, paraquedistas e fuzileiros, bem como com diversas unidades do Exército mas mal punham o pé fora do arame farpado dos quartéis eram de imediato atacados.

“Nunca se percebeu muito bem o objectivo desta reocupação”, declara Pedro Lauret que recorda os meios navais envolvidos nessas missões no Cumbijã: a Orion, duas lanchas de desembarque médias (LDM), oito botes zebro, uma companhia de fuzos.

O jantar acabou de imediato para toda a tripulação. O soldado Ulisses Faria Pereira, grumete electricista e moço da botica, foi um dos que perdeu a refeição. “Ao entardecer já a tripulação comia arroz de tomate com peixe frito. Lembro-me que estava de ‘quarto’ e, por isso, só iria jantar depois da rendição. Jantar é uma forma de dizer... O arroz já estava feito em cimento e comi, à boa maneira portuguesa, uns peixinhos fritos com pão e umas cervejas”.

Foram dadas instruções aos patrões das LDM para seguirem em direcção a Cacine pelo canal do Melo (2), um pequeno braço de rio que liga os Cumbijã e Cacine, curto e seguro mas não navegável para embarcações maiores.

A Orion seguiu rio acima e embarcou os paras no local combinado. Foi uma operação morosa pois não havia nenhum ponto para acostar. Os soldados foram transportados em botes depois de montada uma linha de segurança.

Seriam uma oito da manhã de 2 de Junho [de 1973] quando a Orion chegou ao largo de Cacine. Foi a essa hora que também chegaram as notícias dos acontecimentos que tinham estado na origem daquela missão.

Spínola proíbe auxílio a ‘cobardes’

O major Pessoa, do batalhão de paraquedistas que se encontrava em Cacine, subiu a bordo da Orion e explicou o que se estava a passar: a guarnição de Guileje (3), um quartel situado numa zona próxima da fronteira com a Guiné-Conakri, tinha sido alvo de ataques fortíssimos e o comandante da unidade, coronel Coutinho e Lima, sem reforços, sem apoio de tropas especiais, sem meios de evacuação de feridos e mortos, decidira retirar do quartel e evacuar todo o pessoal para Gadamael (4). Foi imediatamente preso e enviado para Bissau às ordens de Spínola. Gadamael estava agora debaixo de fogo intenso e de alta precisão.

O retrato da situação em Gadamael feita pelo major Pessoa era caótico. “As últimas indicações indicavam que de um conjunto de efectivos de quase três companhias, só se encontravam no quartel a defender aquela posição cerca de 30 homens. Os restantes e a população encontravam-se em fuga pelas margens do rio”, recorda Pedro Lauret.

A reacção de Spínola à deserção anunciava-se tremenda. O major Pessoa informou então os comandantes do Orion que tinha estado de manhã em Cacine e Gadamael por brevíssimos instantes e tinha proibido o socorro a quaisquer militares em fuga, considerando-os “uns cobardes”.

“Vou buscá-los nem que seja de canoa”

Apesar das ordens de Spínola, a disposição do major Pessoa era outra. “Informou-nos da urgência de ir socorrer esse pessoal devido ao elevadíssimo risco em que se encontravam. Frisou-nos que se não estivéssemos dispostos a ir contra a determinação do general ele próprio tentaria recuperar os militares, nem que fosse em canoas”, afirma Lauret.

A determinação do major Pessoa, que volvidos trinta e dois anos não quer falar sobre os acontecimentos de Gadamael, percorreu todo o navio. O Orion partiu de imediato em auxílio das tropas fugitivas e nada comunicou ao Comando da Defesa Marítima.

Avançaram as LDM porque havia muitos anos que as LFG não subiam o Cacine para lá da marca da Lira, um sinal com reflector instalado no rio e já próximo de Gadamael (4). A verdade é que não eram conhecidas as condições de fundo para lá dessa marca, mas o navio aproximou-se do quartel o mais possível, sem problemas.

Do ponto onde estava a Orion podia avistar-se uma antena de grandes dimensões e era um evidente sinal da proximidade do inimigo que punha também a Orion na linha de fogo. De imediato foram desembarcados os paraquedistas nos zebros e as LDM começaram a percorrer as margens a recuperar os soldados que andavam perdidos.

“À noite, a coberta das praças estava repleta de feridos”

Havia feridos e mortos. Desaparecidos e enlouquecidos. No convés foi instalado o mais improvisado dos hospitais para assistir aos feridos ligeiros. Os que tinham ferimentos mais graves foram colocados na coberta dos praças. Dentro do possível foi servido pão e cerveja gelada. Lá fora, nas águas do rio, os zebros percorriam incessantemente as margens enquanto as LDM começavam a fazer uma ponte marítima em direcção a Cacine para levar os sobreviventes para um lugar mais seguro e os feridos para uma assistência mais eficaz.

“Penso que teremos recuperado cerca de 300 a 400 pessoas, entre militares e população”, diz Pedro Lauret, evocando uma imagem que nunca mais o abandonou: “À noite, a coberta das praças estava completamente repleta de feridos, não havendo lugar para as praças se deitarem”.

O relato do grumete Ulisses Faria Pereira é feito de rajada, como se quisesse deitar qualquer coisa cá para fora. De resto, isto foi um episódio silenciado ao longo de 32 anos. “Ao longo da manhã foi recebido a bordo um número elevado de feridos, a quem eram prestados os primeiros socorros, administrados pelo enfermeiro Abrantes, auxiliados pelo moço da botica, que por sinal era eu... e que, posteriormente, eram enviados para terra, para terem uma assistência melhor proceder à sua evacuação via aérea para o hospital e Bissau”, diz.

G3 ficaram abandonadas a bordo do Orion

Nessa noite de 2 de Junho de 1973, o cenário não podia ser pior. A maré baixa criou uma massa de lodo que dificultava o desembarque dos feridos. Dentro do barco estavam esgotadas todas as reservas de soro, compressas, desinfectantes. Foi então enviada uma mensagem para Bissau pedindo reabastecimentos mas temendo o pior face ao conhecimento que havia das ordens de Spínola. Na manhã seguinte, porém, um avião da Marinha largava em Cacine tudo o que tinha sido pedido.

O trabalho da Orion continuou nos dias seguintes, fazendo evacuações e começando a retirar do teatro de guerra os paraquedistas feridos. A bordo jaziam a um canto dezenas de espingardas G3: o princípio de nunca abandonar a própria arma já não tinha qualquer sentido. O moral daquela tropa estava abaixo de zero.

Para a história fica o silêncio da hierarquia. Nunca o Comando da Defesa Marítima da Guiné se referiu à desobediência do Orion, do seu comando e tripulação, nem estes sofreram qualquer punição. Na memória ficaram imagens que os protagonistas ainda hoje retêm: em Cacine, por aqueles dias, vivia um Exército enlouquecido, desarticulado, abandonado pela hierarquia, a deambular por entre os seus mortos.

O diário que nunca existiu

O soldado Ulisses Faria Pereira, grumete electricista, moço da botica no navio Orion e ex-seminarista, tinha a "mania da escrita". Todos os dias escrevinhava umas notas sobre a sua comissão militar. Todavia, nunca organizou as suas notas num diário e acabou por perdê-las. Mas se o tivesse feito ele começaria por rezar assim:

Maio de 1973

Já passaram 12 meses e a comissão decorre com toda a normalidade apesar de notar, conversa aqui, conversa ali, que a situação militar está a degradar-se. A nossa rotina é feita dos habituais 'cruzeiros' pelo Cacheu . O Cacheu merece redobrada atenção. É muito estreito, tem muitas clareiras e o navio torna-se um alvo fácil. A navegação do nosso barco é feita com a guarnição em 'bordadas', ou seja, através de equipas constituídas por metade do pessoal que cumpre um turno de seis horas comandada por um oficial e um sargento. A outra metade descansa.

Frequentemente fazemos a navegação em posto de combate devido a informações sobre a actividade do inimigo. E varremos as margens a tiro. Seis homens são destinados às peças de artilharia antiaérea, duas Bofors de 40 mm, uma a ré e outra avante. Nas missões de patrulhamento, quer de dia quer de noite, são colocadas na ponte, tanto a bombordo como a estibordo duas MG42. Na ponte há ainda um morteiro manobrado por um fuzileiro. Pois foi num destes 'cruzeiros', há dias, que já vimos como é má a situação.

A Norte, o PAIGC atacou Guidage (5) e pela primeira vez se sussurrou entre as tropas que usaram mísseis. E também que foi abatido um avião a hélice num dia e um helicóptero no dia seguinte. Nós estávamos aí perto. A tensão foi enorme. Batíamos o rio a toda a hora, noite e dia. À noite em ocultação de luzes. Chegaram, depois, notícias do sul também muito más.

Guidage, Guileje e Gadamael começaram a ser os nomes da morte entre a tropa. O que mais depressa chega aos ouvidos dos soldados é a dificuldade de evacuação de feridos. Recebemos então a missão de embarcar uma companhia de paraquedistas na zona de Bolama e deslocá-los para Gadamael com o objectivo de prestar auxílio às unidades que flageladas pelo inimigo.

Percebemos logo que aquela não iria ser mais uma missão de rotina quando soubemos da possibilidade de o massacre ser de tal ordem que havia militares a fugir para as bolanhas em redor de Gadamael. Após o embarque, as forças especiais foram-se acomodando no convés. Apagámos as luzes e fizemos rumo para Cacine.

Ao longo das primeiras horas da manhã foram recebidas a bordo dezenas de homens feridos. Nestes dias, o Orion funcionou não como lancha de fiscalização mas como um navio hospital, de primeira linha, mas sem médico e apenas com um enfermeiro e um 'curioso' que era eu.

Trinta e um anos depois sobram as memórias de uns tempos de chumbo mas também de uma experiência decisiva na vida de Ulisses, natural de Alboritel, concelho de Ourém, há muito instalado em Almada onde é funcionário da inspecção tributária. Hoje até é capaz de se rir quando se lembra dos truques que a sua imaginação criou para não ser incorporado para a Guiné – como responder tudo mal nos testes do curso da Marinha – e de como o tiro lhe saiu pela culatra. Logo a ele que ficou com a especialidade de electricista sem que tivesse qualquer vocação para tratar de fusíveis e tomadas. Foi excluído do curso mas acabou incorporado no navio S. Roque, embarcação dos mergulhadores da Marinha. Daí até à Guiné foi o tempo de um fósforo a arder. Quando pôs o pé em Bissau era um recruta em prontidão para combater sem que alguma vez tivesse tido contacto sério com armas de fogo...

Jorge Amado e Gorki no navio que atacou Conakri

Quando Pedro Lauret, então um jovem guarda-marinha de 22 anos, chegou ao Orion, em Setembro de 1971, ainda por ali pairava a memória fresca de uma operação secreta. O navio tinha comandado a incursão militar contra a Guiné-Conakri sob a mão de ferro do comandante Alpoim Galvão (7), na mais polémica acção de guerra da campanha colonial portuguesa. Nos porões ainda havia umas boas caixas de champanhe francês e de whisky velho.

O ambiente a bordo era, por assim dizer, agressivo, no sentido em que era profundamente marcado pela lógica pura da guerra. "Foi minha primeira preocupação modificar o ambiente e, dentro das limitações de quem vive em teatro de operações, criar dinâmicas antifascistas e anticoloniais", recorda aquele que em breve seria imediato.

Na bagagem Lauret levava uma formação política na linha das actividades conspirativas de sectores da Marinha contra o regime. Desde 1968 que se organizavam na Marinha movimentos com finalidades políticas e que estavam centrados nas actividades associativas, culturais e técnico-profissionais do Clube Militar Naval (8). Um desses movimentos foi o que pretendia instituir um curso de natureza associativa e sindical que acabou proibido por despacho governamental em 1972. Outro, mais importante, foi o que fomentou clandestinamente uma plataforma política contra o regime e a guerra. Havia debates sobre o marxismo e o estruturalismo com convidados como Maria Lamas e Augusto Abelaira.

Eram dinamizadas actividades culturais nas unidades, como jornais de bordo, bibliotecas e convívios desportivos. Foram ainda criadas comissões de bem-estar, órgãos previstos na Ordenança do Serviço Naval e que juntavam na mesma unidade oficiais, sargentos e praças, servindo de conselho do comandante em vários domínios da vida nas embarcações. Uma das estratégias de aproximação entre oficiais e praças assentava em actividades lectivas para estes. Assim, foram criadas em algumas unidades pequenos núcleos escolares adquirindo maior importância os que se constituíram no próprio Ministério da Marinha e numa colectividade recreativa da Cova da Piedade.

Pedro Lauret, enquanto jovem cadete, relacionou-se mais com este mundo clandestino o que teve uma influência decisiva na sua formação política. Quando chega ao Orion leva já no espírito esta necessidade de trabalhar para tentar mudar alguma coisa no rumo que a presença militar portuguesa em África levava.

Numa curta passagem por Lisboa, em licença, recebe no aeroporto uma biblioteca de bordo. A entrega é feita pelo seu filho da Escola, mais tarde comandante Cambraia Duarte, a quem pedira para que lhe comprasse os livros. Os títulos são sugestivos quanto aos objectivos: "Os subterrâneos da Liberdade", "A Mãe", de Gorki, e "Esteiros", de Soeiro Pereira Gomes. Começam, assim, as leituras a bordo do Orion e também as aulas a alguns praças, que terminaram com sucesso exames do 2ºano do liceu. "Aos poucos o ambiente foi-se tornando muito diferente do que encontrara. Era um equilíbrio difícil para quem tem de manter a sua unidade em muito elevada prontidão para combate mas contei com apoio total do meu comandante de então, Coelho Rita,", declara Pedro Lauret. Em sua opinião, aliás, a mudança de ambiente no navio acabou mesmo por ser um factor decisivo para a tripulação viesse a ter a capacidade moral para desobedecer às ordens do Comandante-chefe, Spínola, quando o que estava em causa era tão só a solidariedade com aquilo a que chama "o povo português fardado".

(Continua)
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Notas de L.G.

(1) Sobre a Lancha de Fiscalização Grande (LFG) Orion - e não "fragata" -, vd. os seguintes posts:

21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos

(...) "Depois, já promovido a Subtenente, o destacamento para uma unidade naval na Guiné, o NRP Orion - P362 (LFG - Lancha de Fiscalização Grande) onde fui oficial Imediato de Maio de 1966 a Abril de 1968; uma unidade naval de 42 metros, com 2 oficiais, 4 sargentos e 22 praças entre outras 6 idênticas (Argos, Dragão, Hidra, Lira, Cassiopeia e Sagitário).

"Seguiram-se inúmeras operações, apoios à navegação (LDG, LDM, LDP, TT, embarcações e batelões) e oceanografia, escoltas, fiscalização, transportes, ataques e respostas, evacuação de feridos, prisioneiros e até transporte de agentes da PIDE" (...).

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)

(...) "Naquela altura, as LFG (Hidra, Lira, Orion, Cassiopeia e Sagitário) tal como as LDG (Alfange e Montante), tinham comando autónomo, estavam atribuídos operacionalmente ao CDMG e incluiam na guarnição dois oficiais: (i) comandante, em princípio um primeiro tenente dos QP [Quadros Permanentes] da classe de Marinha, era nomeado pelo CEMA com publicação em OA; apenas conhecido um único caso de comando, durante algum tempo, por oficial da Reserva Naval - a Cassiopeia; e (ii) imediato, em princípio um oficial da Reserva Naval, igualmente da classe de Marinha, nomeado em OA e que, por inerência do cargo, substituia sempre o comandante em caso de ausência ou impedimento daquele; alguns deles também foram oficiais dos QP" (...).

25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)

(...) "Limitando-me apenas às LFG e especificamente à Orion, refiro alguns aspectos genéricos:

"O aspecto visual do perfil era claramente o de um patrulha. Em profundidade, havia navio até 2,20 m abaixo da linha de água o que lhes vedava, em alguns rios, o acesso parcial ou, noutros casos, total. O risco corrido da não observação deste princípio náutico, a respeitar na informação dada pela sonda, era o encalhe pura e simples, como sucedeu algumas vezes.

"Estas unidades navais efectuavam inicialmente a docagem de conservação (alagem) nos estaleiros navais de S. Vicente, em Cabo Verde e, mais tarde em Bissau. Significava que, com alguma dificuldade e amargos diversos de estômago, efectuavam navegação oceânica.

"Tinham a base naval em Bissau, na ponte cais em T, frente ao Comando de Defesa Marítima na parte interior da ponte-cais em T onde, na parte exterior atracavam também os comerciais e alguns TT. Estou a lembrar-me do Rita Maria, Ana Mafalda e até mesmo o Funchal.

"Para lá de toda a zona costeira da Guiné, incluindo os Bijagós, eram navegáveis, para as LFG, os cursos do rio Cacheu (até Farim), do Mansoa, do Geba até ao início do Corubal, do Grande Buba até um pouco acima de Bolama, do Tombali praticamente apenas na foz, do Cumbijã até em frente a Cadique e do Cacine até um pouco acima da foz do Unconde.

"Quando a curso dos rios já o não permitia, a navegabilidade mais para montante era preenchida complementarmente pelas LFP. Depois as grandes heroínas do tarrafo, do lôdo, dos desembarques, dos pequenos transportes, as LDM e as LDP; nos imprescindíveis grandes transportes de pessoal, material e abastecimentos as LDG assumiam a função" (...).

(2) Vd. mapa geral da Guiné e mapa de Cacine
(3) Vd. mapa de Guileje
(4) Vd. mapa de Cacoca
(5) Vd. mapa geral da Guiné

(6) Vd. mapa geral da Guiné e o sítio Memórias dos lugares > Guidage, Bigene, Binta

(7) Vd. post de 4 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXVII: Antologia (12): Op Mar Verde
"Trecho do livro de Alpoím Galvão De Conakry ao MDLP (1976), seleccionado por A. Marques Lopes (vd. post de 22 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXX: Bibliografia de uma guerra (9): a invasão de Conacri):

"A LFG ORION fundeou a NW dos molhes de protecção do porto de Conakry. A maré estava completamente cheia, o vento era nulo, e apenas o clarão da cidade iluminava a noite. Os botes de assalto foram colocados na água e, pelas 00.45, a equipa Victor, do comando do 2.° tenente Rebordão de Brito e composta por 14 elementos, largou discretamente em direcção aos molhes. Encostou ao Dique Norte, localizou exactamente o objectivo e partiu ao ataque" (...).

(8) Vd. sítio do Clube Militar Naval, fundado em 1866 e sediado em Lisboa

quarta-feira, 14 de junho de 2006

Guiné 63/74 - P876: É revoltante o silêncio em torno da guerra colonial (Pedro Lauret, imediato do NRP Orion, 1971/73)




Cópia do título (e da primeira página) do trabalho de investigação jornalística da autoria de Eduardo Dâmaso, publicado no Público, sobre a batalha de Gadamael , em princípios de Junho de 1973, e o papel da LFG Orion, cujo imediato era então o nosso camarada Pedro Lauret, hoje capitão de mar e guerra na situação de reforma o > "A naves dos feridos, mortos, desaparecidos e enlouquecidos: a história secreta do navio Orion, que há 32 anos salvou centenas de soldados na Guiné contra as ordens de Spínola" (****).

Fotos: ©
Pedro Lauret (2006). Direitos reservados.


Texto do comandante Pedro Lauret:

Caro Luís Graça

Dei hoje conta da vossa existência. Sou praticamente da última geração que esteve na Guiné. Fui imediato do NRP Orion entre 1971 e 1973. Sou hoje Capitão-de-mar-e-guerra reformado. O silêncio que se faz sentir em torno da guerra colonial é para mim revoltante. Se perguntarmos a qualquer jovem, até aos 40 anos, o que foi a guerra, na sua maioria tem apenas ideias vagas. A culpa também é nossa. O que contamos às nossas mulheres, filhos e netos?

Estive na Guiné num momento particularmente difícil, em 1973 após o PAIGC ter colocado em operação os mísseis Strella, e a FAP ter deixado de voar numa primeira fase e posteriormente voar com enormes limitações. Deixaram de se verificar evacuações e apoios de fogo.

Sou do tempo em que o Presidente do Conselho, Prof. Marcello Caetano afirma ao General Spínola que aceita a derrota (como na Índia), mas nunca a negociação (ver livro Depoimento de Marcello Caetano).

É necessário quebrar este silêncio traumático e doloroso.

Faço neste momento parte da Direcção da Associação 25 de Abril, e estamos a trabalhar para lançar um grande site sobre a Guerra Colonial.

Envio, para os fins que entenderem, uma cópia de um artigo (Jornal Público) sobre a actuação do NRP Orion em Gadamael, quando eu era imediato (1).

Um abraço

Pedro Lauret

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Nota de L.G.

(1) Documento que está a circular pela tertúlia, para leitura e análise. Trata-se de um trabalho de investigação do jornalista Eduardo Dâmaso, publicado na Pública, separata de domingo do Publico, edição nº 5571, de 12 (?) de Junho de 2005. Título:"A naves dos feridos, enlouquecidos e desaparecidos"... Recordo-me de ter lido na altura este notável documento onde se fazem inéditas revelações sobre a batalha de Gadamael e a dramática retirada das NT, em 2 de Junho de 1973...

Eis o pedido que formulei, ontem, aos nossos amigos & camaradas da Guyiné, que fazem parte da nossa tertúlia:

"(...) Gostava de pedir ao Manuel Lema Santos (que foi imediato da Orion, em 1966/68) e ao José Carvalho ( o nosso ranger, que esteve na batalha de Gadamael, em finais de Maio/princípios de Junho de 1973), que comentassem o notável trabalho de investigação feito pelo jornalista do Público, Eduardo Dâmaso (“A naves dos feridos, enlouquecidos e desaparecidos”), e de que eu vos enviei um ficheiro (pesado) em “power point” com as cinco páginas da reportagem, documento esse que o comandante Pedro Luret (imediato da Orion em 1973) me fez chegar e que eu já reenviei, ontem, para as vossas caixas de correio…

"(...) O ficheiro, com aquele formato e tamanho (quase 5MB), não pode ser inserido no blogue. Eu acho que merece ser melhor divulgado, tal como as batalhas de Guileje e Guidage… Simplesmente, temos que arranjar uma cópia do jornal, digitalizá-la… O texto tem que ser em word ou rtf… Não consigo, por outro lado, saber a data exacta em que foi publicado: sei que foi na Pública, separata do Público, de domingo, correspondente à edição nº 5571, Junho de 2005, talvez 12 de Junho…

"Se alguém tiver à mão uma cópia do original, que me diga… Talvez o A. Marques Lopes tenha esse recorte (A propósito, deves conhecer o Pedro Luret, ele é da Associação 25 de Abril, da tua associação que, pelo que ele diz, está a preparar um grande site sobre a guerra colonial… Sabes mais alguma coisa disto ?)”…