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Nota do editor
Último poste da série de 10 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21530: Parabéns a você (1890): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Alf Mil Op Esp da CART 3494 (Guiné, 1971/74)
Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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sexta-feira, 13 de novembro de 2020
quarta-feira, 13 de novembro de 2019
Guiné 61/74 - P20339: Parabéns a você (1707): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250 (Guiné, 1972/74)
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Nota do editor:
Último poste da série
12 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20338: Parabéns a você (1105): Nasceu hoje, dia 12, 3.ª feira, às 6h01, a Clarinha (Avô Luís Graça)
Vd. também : 10 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20329: Parabéns a você (1104): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494 (Guiné, 1971/74)
Nota do editor:
Último poste da série
12 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20338: Parabéns a você (1105): Nasceu hoje, dia 12, 3.ª feira, às 6h01, a Clarinha (Avô Luís Graça)
Vd. também : 10 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20329: Parabéns a você (1104): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494 (Guiné, 1971/74)
domingo, 10 de março de 2019
Guiné 61/74 - P19568: Agenda cultural (675): os nossos amigos da Quinta da Sra. da Graça, José Manuel Lopes, poeta, vitivinicultor e nosso camarada, Luisa Lopes, a matriarca, e Vasco Lopes, enólogo, autor do "Pedro Milanos"... estão hoje na 7ª edição do Mercado Gourmet, Lisboa, Campo Pequeno, das 12h00 às 20h30...
Alto Douro Vinhateiro > Alijó > Pinhão > Estação Ferroviária > Linha do Douro > 2 de março de 2019 > A caminho do Entrudo Chocalheiro, em Podence, Macedo de Cavaleiros > Alguns dos belos azulejos da estação do Pinhão. São da Fábrica Aleluia, Aveiro (, pintados em 1935, colocados em 1937; oferta do Instituto do Vinho do Porto).
1. Mensagem da Quinta Senhora da Graça - Turismo e Vinhos, 26 de fevereiro às 14:43 [, o mesmo é dizer, os nossos amigos José Manuel Lopes, poeta, vitivinicultor, grã-tabanqueiro, Luisa Valente, a matriarca, e Vasco Valente Lopes, enólogo, autor do "Pedro Milanos]
Estaremos por lá, no Campo Pequeno, em Lisboa, no Mercado Gourmet, de 8 a 10 do corrente, apareçam , provem e podem comprar os Pedro Milanos . Os dois dedos de conversa são grátis.
Lisboa > Campo Pequeno > 7ª edição do Mercado Gourmet - Vinhos e Gastronomia > 10 de março de 2019 > O nosso Zé Manel da Régua em ação...Parabéns pelo trabalho do pai, da mãe e do filho... O Pedro Milanos reserva tinto 2016 está de se lhe tirar o chapéu!...Também gostei do branco...
Lê-na página do Facebook do produtor:
(...) Pedro Milanos Limited. Branco Reserva 2017 e Tinto Reserva 2016.
Esta é uma edição especial do Pedro Milanos. Está limitada a 100 unidades - duas garrafas, um branco reserva 2017 e um tinto reserva 2016, embaladas em caixa de madeira e com um dos poemas do mesmo no seu interior. (...) Aceitaremos encomendas online a partir da próxima semana. #pedromilanos #douro.
Pedro Milanos é o anagrama de Armindo Lopes, já falecido, o autor do poema, pai do Zé Manel Lopes e avô do Vasco Lopes. Três apaixonados pelo Douro.
Esta é uma edição especial do Pedro Milanos. Está limitada a 100 unidades - duas garrafas, um branco reserva 2017 e um tinto reserva 2016, embaladas em caixa de madeira e com um dos poemas do mesmo no seu interior. (...) Aceitaremos encomendas online a partir da próxima semana. #pedromilanos #douro.
Pedro Milanos é o anagrama de Armindo Lopes, já falecido, o autor do poema, pai do Zé Manel Lopes e avô do Vasco Lopes. Três apaixonados pelo Douro.
Fotos (e legenda): © Luís Graça (2019) . Todos os direitos reservados. (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).
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Nota do editor:
Último poste da série > 5 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19552: Agenda cultural (675): Inauguração da Exposição de Pintura e Poesia "...Como um dia de Primavera nos olhos de um prisioneiro", de Adão Cruz, dia 8 de Março de 2019, pelas 18h00, na Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo, em S. João da Madeira
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Nota do editor:
Último poste da série > 5 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19552: Agenda cultural (675): Inauguração da Exposição de Pintura e Poesia "...Como um dia de Primavera nos olhos de um prisioneiro", de Adão Cruz, dia 8 de Março de 2019, pelas 18h00, na Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo, em S. João da Madeira
terça-feira, 13 de novembro de 2018
Guiné 61/74 - P19189: Parabéns a você (1523): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250 (Guiné, 1972/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 10 de Novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19179: Parabéns a você (1522): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp da CART 3494 (Guiné, 1971/74), e nosso coeditor
Nota do editor
Último poste da série de 10 de Novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19179: Parabéns a você (1522): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp da CART 3494 (Guiné, 1971/74), e nosso coeditor
terça-feira, 4 de setembro de 2018
Guiné 61/74 - P18982: In Memoriam (321): Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018): dois poemas, um de Josema (José Manuel Lopes) e outro, de Luís Graça
Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018), professor do 1º ciclo do ensino básico, reformado, ex-fur mil ap arm pes inf, MA, CCAÇ 3414 (Sare Bacar e Bafat´, 1971/73). Foto: cortesia da Agência Funerária Santa Marta Lda, com sede em Penafiel.
Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > A "última morada"....
Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > As flores da nossa saudade
Penafiel > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > 3 camaradas da Tabanca Grande: Zé Teixeira, Álvaro Basto, António Carvalho
Penafiel > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > O Silvério Lobo (à esquerda) e o José Manuel Lopes (à direita)
Penafiel > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Ao centro, o José Rodrigues, da Senhora da Hora, Matosinhos.
Penafiel > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Ao meio o Edurado Moutinho dos Santos, mais a esposa; à esquerda, o Zé Teixeira.
Penafiel >3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > À esquerda , o Zé Manuel Cancela e o Xico Allen.
Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Camaradas junto à Igreja das Freiras
Penafiel > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Mais camaradas, junto à Igreja das Freiras.
Penafiel > Cemitério Municiapl > 3 de setembro de 2018 > Exéquias do Joaquim Peixoto (1949-2018) > Cerimónia com acompanhamento religioso > Aspeto já do final da cerimónia > Descansa em paz, camarada!
As tabancas aqui do Norte, Tabanca de Matosinhos, Bando do Café Progresso, Tabanca dos Melros... estiveram em peso, no funeral do nosso Joaquim. Estimei em cerca de meia centena os ex-combatentes da Guiné que quiseram vir despedir-se do nosso camarada.
No emotivo, intimista e brilhante improviso que fez, ainda dentro da Igreja das Freiras, e que mereceu as palmas dos presentes, a Margarida mostrou-se grata às nossas tabancas pelo muito bem que fizeram ao seu marido... Alguns camaradas, como o Zé Cancela, estavam inconsoláveis. O Cancela era provavelmente o melhor amigo e companheiro de viagens do Peixoto. Chegou a ir aos Açores com ele (e as respetivas esposas) num dos convívios da açoreana CCAÇ 3414.
Se não erro, o único camarada da CCAÇ 3414, que esteve no funeral, foi o Brito da Silva, outro grande companheiro e amigo do Joaquim, natural de Baião (e, portanto, vizinho da Tabanca de Candoz) e a residir na Madalena, Vila Nova de Gaia, Gostava que ele integrasse a Tabanca Grande, convite que de resto já lhe fiz há anos.
O Manuel Carvalho falou-me do papel "agregador" do Joaquim: ele era contra todas as "clubites", incluindo as pequenas, triviais, anedóticas rivalidades entre tabancas... O Joaquim pertenceu pelo menos àquelas três tabancas, para além da Tabanca Grande...
Outro grande companheiro foi o Manuel Carmelita, e a esposa, sem esquecer o Zé Manel, da Régua, e a Luísa Valente... Grande parte do seu círculo de amigos eram camaradas da Guiné...
As tabancas aqui do Norte, Tabanca de Matosinhos, Bando do Café Progresso, Tabanca dos Melros... estiveram em peso, no funeral do nosso Joaquim. Estimei em cerca de meia centena os ex-combatentes da Guiné que quiseram vir despedir-se do nosso camarada.
No emotivo, intimista e brilhante improviso que fez, ainda dentro da Igreja das Freiras, e que mereceu as palmas dos presentes, a Margarida mostrou-se grata às nossas tabancas pelo muito bem que fizeram ao seu marido... Alguns camaradas, como o Zé Cancela, estavam inconsoláveis. O Cancela era provavelmente o melhor amigo e companheiro de viagens do Peixoto. Chegou a ir aos Açores com ele (e as respetivas esposas) num dos convívios da açoreana CCAÇ 3414.
Se não erro, o único camarada da CCAÇ 3414, que esteve no funeral, foi o Brito da Silva, outro grande companheiro e amigo do Joaquim, natural de Baião (e, portanto, vizinho da Tabanca de Candoz) e a residir na Madalena, Vila Nova de Gaia, Gostava que ele integrasse a Tabanca Grande, convite que de resto já lhe fiz há anos.
O Manuel Carvalho falou-me do papel "agregador" do Joaquim: ele era contra todas as "clubites", incluindo as pequenas, triviais, anedóticas rivalidades entre tabancas... O Joaquim pertenceu pelo menos àquelas três tabancas, para além da Tabanca Grande...
Outro grande companheiro foi o Manuel Carmelita, e a esposa, sem esquecer o Zé Manel, da Régua, e a Luísa Valente... Grande parte do seu círculo de amigos eram camaradas da Guiné...
Na próxima 4ª feira, amanhã, marcámos encontro na Tabanca de Matosinhos, que se fez reperesenta pelos 3 régulos, Zé Teixeira, Moutinho e Álvaro Basto...
Até sempre, Joaquim!... Agora é a altura de tu, lá do alto, velares pela tua Margarida, pelos teus filhos e netos, o que já fazias, como bom marido, pai e avô... Temos o João Rebola, em fase muito adiantada de doença... Temos todos nós, teus camaradas e amigos, a queixarem-se de mil e uma mazelas. Passas agora para a lista da Tabanca Grande onde estão aqueles que da lei da morte já se foram libertando... E já são 64 contigo, num total de 776 grã-tabanqueiros
Fotos (e legendas): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Já no leito de morte, no IPO do Porto, o Joaquim Peixoto recebeu a visita, por duas vezes, do seu camarada e amigo do peito José Manuel Lopes, um raro privilégio que ele só concedeu a alguns amigos mais íntimos (*).
Numa das vezes, o Joaquim disse que gostava muito do poema "Recuso dizer uma oração / ao deus que te abandonou" (**)... Pediu ao Zé Manel para o voltar a dizê-lo, em volta... e no fim, uma lágrima furtiva soltou-se-lhe do rosto...
O Zé Manel contou-me esta "cena", em Penafiel, à hora em que o caixão com o corpo do nosso saudoso amigo e camarada saía da igreja, a caminho do cemitério municipal de Penafiel, a escassas centenas de metros. E eu prometi logo republicar o poema em memória do nosso amigo e camarada comum...
Recorde-se que este é um da escassa meia centena de poemas que sobreviveram à fúria autodestruidora do poeta, depois de regressar da Guiné. É assinado pelo Josema, pseudónimo literário de José Manuel Lopes, da Quinta da Senhora Graça, no Alto Douro Vinhateiro, ex-fur mil op esp, da CART 6250 (Mampatá, 1972/74) (**)
Recuso dizer uma oração
ao deus que te abandonou,
não sei se é do nó
que me aperta a garganta,
ou da revolta que brota do meu peito,
só sei que não consigo
desculpar...
Recuso deixar de pensar
no que aqui nos trouxe,
para onde nos levam,
quero encontrar respostas
a todas as perguntas
que se soltam em turbilhão
dentro de mim,
quero encontrar
algo que justifique,
achar uma razão,
por pequena que seja,
irmão,
para acalmar esta dor
e não encontro
e não encontro...não.
Bolama 1972
josema
2. Também eu deixei um poema, meu, na nossa página do Facebook, à memória do Joaquim Peixoto, (1949-2018), ex-fur mil arm pes inf, MA, CCAÇ 3414 (Saré Bacar e Bafatá, 1971/73)
Dies iræ, dies illa!
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 3 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18978: In Memoriam (320): Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018) (Luís Graça / Alice Carneiro / Tabanca de Matosinhos / Francisco Baptista / Joaquim Mexia Alves / Ana Sequeira)
(**) Vd. poste de 10 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2739: Poemário do José Manuel (7): Recuso dizer uma oração ao Deus que te abandonou...
ao deus que te abandonou,
não sei se é do nó
que me aperta a garganta,
ou da revolta que brota do meu peito,
só sei que não consigo
desculpar...
Sinto ganas de arrancar
o fio preso ao teu pescoço
e atirar dentro da mata essa cruz
no local...
onde encontraste a tua,
onde perdeste a vida
e eu a minha fé entorpecida.
o fio preso ao teu pescoço
e atirar dentro da mata essa cruz
no local...
onde encontraste a tua,
onde perdeste a vida
e eu a minha fé entorpecida.
Recuso deixar de pensar
no que aqui nos trouxe,
para onde nos levam,
quero encontrar respostas
a todas as perguntas
que se soltam em turbilhão
dentro de mim,
quero encontrar
algo que justifique,
achar uma razão,
por pequena que seja,
irmão,
para acalmar esta dor
e não encontro
e não encontro...não.
Bolama 1972
josema
Cavalgam caudalosos os rios pela terra adentro,
enquanto fluem ruidosos os dias da guerra.
Rios que não são rios, mas rias,
entranhas ubérrimas, fustigadas pelo vento,
rias baixas pela manhã, pedaços, braços de mar,
restos de tsunamis, pontas de fuzis,
enquanto fluem ruidosos os dias da guerra.
Rios que não são rios, mas rias,
entranhas ubérrimas, fustigadas pelo vento,
rias baixas pela manhã, pedaços, braços de mar,
restos de tsunamis, pontas de fuzis,
palavras acérrimas, imprecações ao Grande Irã,
picadas minadas de ir e não mais voltar.
Dias que não são dias, circadianos,
mas fragmentos,
ora ledos ora amargos enganos,
estilhaços de tempo,
riscos nas paredes sujas dos bunkers,
repentinas emboscadas, breves finais de tarde,
instantes, flagelações,
picadas minadas de ir e não mais voltar.
Dias que não são dias, circadianos,
mas fragmentos,
ora ledos ora amargos enganos,
estilhaços de tempo,
riscos nas paredes sujas dos bunkers,
repentinas emboscadas, breves finais de tarde,
instantes, flagelações,
balas tracejantes
sob o céu verde e vermelho
enquanto o capim arde.
Narciso, revejo-me ao espelho, quebrado,
vou nu, de camuflado,
de azul, celestial,
ao encontro do anjo da morte, em Jugudul.
E não há estrelas, à noite,
mas a bússola indica o norte, sideral,
nunca o sul,
nunca o nascer nem o morrer.
Dies irae, dies illa,
dia de ira, aquele,
em que subiste o cadafalso do Niassa,
ou do Uíge ou do Ana Mafalda,
dias de ira, aqueles,
os da guerra!
Calai-vos,
rápidos do Saltinho, rápidos de Cussilinta,
vós que mais não sois
do que canoas loucas, desenfreadas,
levadas pelo macaréu da nossa raiva,
entre o Geba e o Corubal.
Braços que não são braços, amputados,
mas apenas tatuagens, traços,
letras de fado pungentes,
pontes que são miragens,
tentáculos, serpentes,
lianas, cortadas pela catana, a eito,
pela floresta-galeria,
inferno tropical, túneis, tarrafo,
bolanhas, lalas, bissilões,
curvas da morte do Cacheu ao Cumbijã,
apocalípticos palmeirais,
pontas de punhais cravadas no peito,
irãs acocorados no alto dos poilões.
E depois o silêncio, o impossível silêncio.
o silêncio das partituras,
dos mapas dos argonautas,
partículas, pausas, pautas,
cartas de tiro com claves de sol,
desidratação,
sob o céu verde e vermelho
enquanto o capim arde.
Narciso, revejo-me ao espelho, quebrado,
vou nu, de camuflado,
de azul, celestial,
ao encontro do anjo da morte, em Jugudul.
E não há estrelas, à noite,
mas a bússola indica o norte, sideral,
nunca o sul,
nunca o nascer nem o morrer.
Dies irae, dies illa,
dia de ira, aquele,
em que subiste o cadafalso do Niassa,
ou do Uíge ou do Ana Mafalda,
dias de ira, aqueles,
os da guerra!
Calai-vos,
rápidos do Saltinho, rápidos de Cussilinta,
vós que mais não sois
do que canoas loucas, desenfreadas,
levadas pelo macaréu da nossa raiva,
entre o Geba e o Corubal.
Braços que não são braços, amputados,
mas apenas tatuagens, traços,
letras de fado pungentes,
pontes que são miragens,
tentáculos, serpentes,
lianas, cortadas pela catana, a eito,
pela floresta-galeria,
inferno tropical, túneis, tarrafo,
bolanhas, lalas, bissilões,
curvas da morte do Cacheu ao Cumbijã,
apocalípticos palmeirais,
pontas de punhais cravadas no peito,
irãs acocorados no alto dos poilões.
E depois o silêncio, o impossível silêncio.
o silêncio das partituras,
dos mapas dos argonautas,
partículas, pausas, pautas,
cartas de tiro com claves de sol,
desidratação,
a ogiva do obus,
o medo da avestruz,
o roncar do helicanhão,
gritos do djambé, e do macaco-cão,
gemidos de kora,
espasmos de balafon,
rajadas de kalash
ecos do bombolom,
bombas de fragmentação
que correm no dorso dos cavalos
desde o Futa Djalon.
Não vou poder ouvir o silêncio do Cantanhez,
nem quero ouvir o grito da morte,
outra vez!
Terras do Demo, 27-29 de dezembro de 2011;
Madalena, Vila Nova de Gaia, 30-31 de dezembro de 2011;
Revisto, Penafiel, 2 de setembro de 2018.
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o medo da avestruz,
o roncar do helicanhão,
gritos do djambé, e do macaco-cão,
gemidos de kora,
espasmos de balafon,
rajadas de kalash
ecos do bombolom,
bombas de fragmentação
que correm no dorso dos cavalos
desde o Futa Djalon.
Não vou poder ouvir o silêncio do Cantanhez,
nem quero ouvir o grito da morte,
outra vez!
Terras do Demo, 27-29 de dezembro de 2011;
Madalena, Vila Nova de Gaia, 30-31 de dezembro de 2011;
Revisto, Penafiel, 2 de setembro de 2018.
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 3 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P18978: In Memoriam (320): Joaquim Carlos Rocha Peixoto (Penafiel, 1949 - Porto, 2018) (Luís Graça / Alice Carneiro / Tabanca de Matosinhos / Francisco Baptista / Joaquim Mexia Alves / Ana Sequeira)
(**) Vd. poste de 10 de abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2739: Poemário do José Manuel (7): Recuso dizer uma oração ao Deus que te abandonou...
domingo, 28 de janeiro de 2018
Guiné 61/74 - P18261: O Cancioneiro da Nossa Guerra (5): O hino dos "Unidos de Mampatá", a CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74)
Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250/72 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > O repouso do guerreiro... O Zé Manel, ou o Josema (pesudónimo literário), "a reler o que havia escrito, numa pausa durante a protecção a uma coluna de Buba para Aldeia Formoso".
Fotos (e legendas): © José Mnauel Lopes (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné > Região de Tombali > Nhala > 1974 > Foto nº 1 > Os "Unidos de Mampatá", CART 6250/72, em final de comissão, foram despedir-se dos "periquitos" de Nhala, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74).
Guiné > Região de Tombali > Nhala > 1974 > Foto nº 2 Os "Unidos de Mampatá", CART 6250, em final de comissão, foram despedir-se dos "periquitos" de Nhala, 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74).
"Primeiramente devo manifestar a minha gratidão ao Murta, por ter guardado e nos ter proporcionado esta vista do regresso da nossa companhia a Bissau, via Nhala e Buba. As fotografias são muito interessantes, sob o ponto de vista da história da guerra do ultramar porque mostram a alegria transbordante pelo fim da comissão e a anarquia reinante com ausência de armamento, agora já imprestável naquele irrepetível tempo, posterior ao 25 de Abril. Para trás ficava Mampatá e a memória dos nossos dois mortos - o Mata e o Albuquerque. Eu já não me lembrava daquela paragem em Nhala que não terá sido só para atazanar os periquitos mas para retemperar energias com mais umas cervejas. Aquela viajem foi gloriosa também porque estávamos a inaugurar a estrada nova Aldeia Formosa- Buba, agora percorrida em menos de uma hora." (*)
Fotos (e legendas): © António Murta (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Continuamos o nosso projeto de reunir, numa só série (**), os versos e outros textos poéticos do nosso Cancioneiro, do "cancioneiro da nossa guerra"...
O "Hino dos Unidos", já aqui reproduzido há 10 anos, data muito provavelmente de princípios de 1974 (***). Segundo o José Manuel Lopes, produziram-se, no seu tempo, diversas letras que parodiavam fados, canções e baladas em voga. Primeiro escolhia-se uma música, e depois encaixava-se, muitas vezes a martelo (como é aqui o caso...), uma letra. Ele próprio foi autor de algumas letras que ficou de identificar, no "baú da casa da avó"... Havia também um furriel madeirense, da CART 6250/72. que era um bom letrista...
Recorde-se que esta companhia, a CART 6250/72 [, não confundir com a CART 6250/73,] especializou-se em operações de segurança aos trabalhos de construção da estrada, que ia de Buba, Quebo, Mampatá, Cumbijã, Nhacobá, Salancaur, até ao corredor da morte... O José Manuel Lopes ("Josema") e os seus camaradas passaram dias e dias, semanas e semanas, meses e meses, a picar, a levantar minas, a montar segurança, a fazer emboscadas, a dormir e a comer na estrada, acompanhando a sua abertura, em direcção ao sul... Havia, portanto, tempo para tudo: desde o Leça que escrevia todos os dias areogramas para a sua amada, até ao Josema, que escrevia todos os dias um poema... (Infelizmente só chegaram até nós umas escassas seis dezenas, reproduzidas na série "O poemário do José Manuel").
Havia, por outro lado, três ou quatro camaradas que tinham jeito para a música e tocavam instrumentos (nomeadamente viola). Havia, inclusive, um baterista de um conjunto que na época teve algum sucesso em Portugal. Ele disse-me o nome, ao telefone, mas não fixei (***). Na época, eram, raros infelizmente os gravadores de som. Não haverá, por isso, muitos registos fonográficos deste "outro lado da guerra"... Há, comn certeza, memórias ainda vivas dessa produção poético-musical, que de resto temos vindo aqui a recolher e a divulgar...
Além do Cancioneiro de Mampatá, tenho outros, espalhados pelos mais de 18 ,mil postes até agora publicados no nosso blogue. desde 2004: Cachil, Bafatá, Bambadinca, Bissau, Canjadude, Empada, Gandembel, Mansoa, Xime/Ponta do Inglês, Bedanda...
Estamos a fazer um esforço para "salvar", "salvaguardar" e divulgar outros mais, todos eles "pedaços da nossa memória" (, individual e coletiva).
2. O cancioneiro da nossa guerra > Hino da CART 6250/72 (Mampata, 1972/74)
Refrão
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Sessenta e dois cinquenta,
Mampatá, patá, patá, patá,
Mampatá, Mampatá, Mampatá.
Andam bocas por aí
Que os Unidos só sabem piar,
Mas a realidade
É bem fácil de se provar.
Refrão
Deixai lá falar
E cumpramos o nosso lema,
Sempre Unidos cem por cento,
Venceremos para sempre.
Isto aqui é nosso,
É Mampatá, patá, patá, patá,
Mampatá, tá, tá, tá,
Mampatá, patá, patá, patá.
A protecção à estrada
Que os Unidos estão a fazer,
Basta p’ra provar
Qu’ aqui se trabalha a valer.
Refrão
Começámos sem ter lar
E já temos o nosso abrigo,
Esta é aquela máquina,
Só possível aos Unidos.
Refrão
Esta CART dos Reguilas,
Como alguém do outro lado lhe chamou,
Será sempre honrada
Como herói qu’aqui suou e lutou.
Refrão
Mampatá espera de nós
O Progresso e a promoção do seu povo,
Nós lhe prometemos
Que terá esse MUNDO NOVO!
Letra recolhida por José Manuel Lopes [Josema],
ex-fur mil da CART 6250 , "Os Unidos de Mampatá" (Mampatá, 1972/74)
Texto: © José Manuel Lopes (2008). Todos os direitos reservados. [ Edição / revisão / fixação de texto: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
__________
Notas do editor:
(...) Tenho duas fotografias, que anexo, de um momento importante da sua comissão na Guiné e que é, precisamente, o fim dela (comissão). Os rapazinhos estão de malas feitas e vão para a peluda. Foram a Nhala despedir-se e atazanar os periquitos locais. Podem reconhecer-se também nas fotos o nosso poeta de Mampatá, José Manuel Lopes [, Josema,] e o Alfero Carlos Farinha, todos nossos Grã-Tabanqueiros. (...)
(**) Último poste da série > 27 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18261: O cancioneiro da nossa guerra (4): "o tango dos periquitos" ou o hino da revolta da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65) (Silvino Oliveira / José Colaço)
(***) Vd. poste de 18 de novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3471: Cancioneiro de Mampatá (1): Hino da CART 6250/72, Os Unidos (Mampatá, 1972/74) (José Manuel Lopes)
quinta-feira, 25 de janeiro de 2018
Guiné 61/74 - P18251: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (47): O Zé Manel de Mampatá - Poeta da Régua (2)
Paisagem duriense, Património da Humanidade
1. Em mensagem do dia 10 de Janeiro de 2018, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos um trabalho que consideramos uma homenagem ao outro nosso camarada Zé Manel - "O poeta da Régua", um transmontano dos quatro costados que na região duriense desbrava o xisto donde extrai o seu famoso Pedro Milanos.
Aqui deixamos a segunda parte desta Memória Boa do Zé Ferreira.
MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA
47 - Zé Manel de Mampatá – Poeta da Régua (2)
A razão de um nome…
Porquê Pedro Milanos?
Por José Manuel Lopes
PEDRO MILANOS é o anagrama de ARMINDO LOPES, o autor do poema que estava nos contra rótulos. (Ambos os nomes têm as mesmas letras, só que por ordem diferente).
Por trás de um nome está sempre uma história e esta é a de um homem que viveu sempre apaixonado pela sua região. No fim da década cinquenta, passava na tv um programa sobre as 7 maravilhas do mundo…
Com cerca de 8 anos a grandeza de tais obras me deixaram encantado, particularmente as Pirâmides do Egipto e perguntei a meu pai:
- Qual das sete maravilhas é a de Portugal?
- Nenhuma.
- Pois, nós somos um País muito pobre!
- Achas!? Anda daí comigo.
Subimos ao mirante da casa, abriu a janela e disse.
- Que vês rapaz?
- Vejo montes.
- E nos montes o que é que há?
- Vinhas.
- E as vinhas são feitas de quê?
-Videiras e folhas.
- E essas videiras estão onde?
- Na terra.
- E a terra como está segura?
- Bem!?...não sei como.
- Pelos muros de pedra meu filho. Consegues contar todos os que vês?
- Não, eles são tantos.
- Agora imagina, quantos não haverá pelo Douro fora… Todos juntos, são uma obra muito maior que as Pirâmides do Egipto. Passam é despercebidos.
E foram passando, até que um dia em 2001, dez anos depois da morte de meu pai, recebo a notícia pela TV de que o Douro, as suas vinhas e os seus muros, passavam a ser Património da Humanidade.
Como ele teria adorado ter tido conhecimento disso!
Decidi dar o nome de Pedro Milanos ao primeiro vinho feito pelo meu filho Vasco, que é enólogo e neto de Armindo Lopes.
Um brinde de camaradas ex-Combatentes da Guiné, com Reserva Pedro Milanos, na Tabanca de Matosinhos.
************
(Outros poemas do Zé Manel)
Heróis que a história não narra
Por José Manuel Lopes
“Quinze dias após a nossa chegada à Guiné estávamos em Bolama a fazer o treino operacional (IAO) que duraria cerca de um mês, após o que partiríamos para o Sul da Guiné, Mampatá Forreá que seria o nosso lar nos próximos 2 anos.
Naquele dia, fazia-se fogo real com o dilagrama e foram escolhidos os soldados para utilizar esse tipo de arma. O Instrutor do Batalão, onde fomos anexados pontualmente, que era o Alferes Figueiredo, estava a ensinar o instruendo,o Soldado António Mata da minha Companhia.
Após o Mata ter retirado a cavilha da granada defensiva, a alavanca desta saltou imediatamente, pois a anilha de segurança tinha caído e ninguém se apercebeu disso. Instintivamente o Alferes deitou as mãos à granada que menos de 4 segundos depois lhe rebentou nas mãos. Ambos foram atingidos em cheio tendo morte imediata. Os seus corpos receberam a grande maioria dos estilhaços e protegeram todos que à volta assistiam ao lançamento do dilagrama. Houve alguns atingidos por um ou outro estilhaço, mas sem gravidade.
O Mata era casado. A mulher quando se despediu dele já estava grávida. Meses depois nasceu uma menina que nunca conheceu o Pai, nem por foto, pois a mãe casou novamente pouco tempo depois.
Trinta anos passados, fomos à procura daquela jovem emigrante em Paris. Tal como o vínhamos fazendo com outros camaradas mortos, colocando no túmulo uma placa com um poema dos meus, queríamos fazer uma homenagem ao António Mata, sepultado em Pinhel.
Fomos lá no verão, quando a mãe estava cá de férias. Porém, a filha ficara em Paris e sem qualquer interesse em vir a Portugal. E contacto telefónico com ela, a partir de Pinhel, ela manifestou-se sensibilizada com a nossa atitude mas confessou que não possuía qualquer ligação com o seu pai, de quem nem foto conhecia.
Viemos a saber que o padrasto não permitiu nunca essa ligação. Manifestámos-lhe a nossa intenção na homenagem e prontificámo-nos a pagar-lhe a viagem, se necessário.
Efectivamente, a filha do Mata acabou por aceder ao nosso desejo. Veio cá, assistiu à homenagem e viu colocarmos a placa de mármore, sobre a campa do seu pai, onde se destacava a sua foto de Combatente a encimar um poema.
Sensibilizada com a nossa atitude, recebemos a sua emocionante mensagem:
- “Nunca conheci meu pai, vosso camarada, mas hoje pelo menos, tive um pai em cada um devocês. Muito obrigado."
Presentes nessa homenagem estiveram cerca de 12 elementos dos Unidos de Mampatá (Cart 6250).
Gostava de vos falar
dos esquecidos
dos heróis que a história
não narra
que as viúvas choraram
mas já não recordam
daqueles
que nem tempo tiveram
para ter filhos
que os amassem
descendentes
que os lembrassem
daqueles que nunca
tiveram o dia do pai
vítimas de guerras
que não inventaram
em tempo que já lá vai
falar deles é prevenir
se bem que de nada
lhes valha
de guerras que possam vir
geradas pela ambição
dos
que nunca morrerão
num campo de batalha."
Assistência aos feridos
Puseste o pé em sítio errado
Por José Manuel Lopes
“Março de 1973. A construção da estrada alcatroada havia começado em Aldeia Formosa, 7 Km depois atravessava Mampatá e seguia na direcção da Fonte de Iroel, como uma gigantesca jibóia negra lá ia até Colibuia, seguindo paraNhacobá e um dia havia de chegar ao Cumbijã. Era como uma faca encravada nas zonas até ai controladas pelo PAIGC, atravessava o corredor de Uane, virava para Sul ao Cumbijã e facilitaria o controlo pelas nossas tropas de toda aquela área.
A todo o custo o PAIGC tentava evitar a sua progressão e para tal plantavam minas por todo o lado a fim de destruir viaturas e máquinas de desaterro que trabalhavam na abertura da estrada. Logo ai o trabalho para detectar as minas era importantíssimo.
Todos os dias se fazia a picagem até à frente dos trabalhos e depois fazia-se a segurança à engenharia e aos operadores das máquinas. O trabalho dos Furriéis de Minas e Armadilhas era importantíssimo e o Vilas Boas distinguiu-se nisso. Perdi a conta às minas que ele levantou.
Um dia na rotina habitual os picadores da frente gritam:mina!. Todos param. O Albuquerque repete a mensagem (mina!) e dá um passo atrás. Pisou uma mina antipessoal.
Puseste o pé em sítio errado
um som violento, o pó levantado
escondeu por algum tempo
o teu corpo violentado
sem pensar em outras minas
correram em teu socorro
o sangue fugia do teu corpo
e o "hélio" não chegava
tua cara, ainda de criança
ficava cada vez mais pálida
tudo num silêncio angustiado
Apesar dos teus vinte anos a
vida fugia-te em golfadas
porquê tanto sangue derramado?”
Minas
Parece inofensiva a maldita
Por José Manuel Lopes
“Desde o início da construção da estrada que as picagens se tornaram um cenário diário e hoje mesmo me surpreendo, como só tivemos uma vítima nesse trabalho perigoso que se tornou numa rotina. Só um trabalho muito responsável e competente dos picadores e dos Furriéis de Minas e Armadilhas explica tudo isso. Grande Vilas Boas e Fernandes!
"Estradas amarelas corpos
cobertos de pó
pica na mão à procura delas
o polegar ferrado num pau
tac,tac,tac,tac,tac,tac
tacteando por sons diferentes
o Fernandes com cara de mau
espeta no solo
o ferrão da pica
tac,tac,tac,tac,tac,toc...
o calafrio...
depois o grito
anunciando o perigo
o grupo é mandado parar
chega o Vilas à frente
e todos manda afastar
de joelhos no chão
numa simulada carícia
afasta a terra com a mão
com gestos simples e perícia
vai cavando devagar
ei-la... está aqui
parece inofensiva a maldita
deita-lhe a mão e grita
és minha, já te tenho
tira-lhe o detonador
e entre dentes diz...
esta não
esta não causará dor.”
Cheira a emboscada
Por José Manuel Lopes
"Em fila indiana
vai o grupo pela picada
um silêncio pesado
de natureza estranha
deixa os sentidos alerta
cheira... a emboscada
aos primeiros tiros
todos caem no chão
há avisos e gritos
e reina o palavrão
responde-se de pronto
com a arma na mão
subitamente, de lá
as armas se calam
enquanto por cá
elas ainda falam
e eis que
o silêncio volta
e chega a segurança
regressa a confiança
olha-se em volta
há um corpo caído
que não grita nem mexe
se adivinha razão
engole-se em seco
se desvia o olhar
se esconde a emoção."
************
Não pode haver melhor prenda
Por José Manuel Lopes
Em dia de correio, o grupo de serviço ia levantá-lo à Aldeia Formosa. Uma secção montava-se num Unimog, lá ia em busca das boas novas, aproveitando para levar as cartas que os militares escreviam aos familiares e madrinhas de guerra.
Eu raramente escrevia. A minha mãe queixou-se disso na primeira vez que vim de férias. Eu dizia-lhe que pouco havia para contar e que não se preocupasse, pois no nosso caso, a falta de notícias era a melhor das notícias, se algo corresse mal, a má nova chegava rápido.
Havia um Furriel já casado que todos os dias escrevia à mulher e numerava as cartas. Quando após o almoço passava junto à tabanca dele, lá estava o Santos sentado a escrever. Eu perguntava:
- Oh Santos quantos dias já levamos disto?
Ele olhava para a parte superior da primeira folha da carta e dizia:
-184, não falha.
Quando o correio chegava, ele recebia 7,8,10 cartas, pois a mulher também lhe escrevia todos os dias, mas nós não recebíamos o correio com muita regularidade.
Um dia foi a minha vez de ir buscar o correio a Aldeia Formosa e fiz uma maldade. Retirei do saco todas as cartas endereçadas ao Santos e guardei-as no bolso lateral das calças.
Ainda hoje recordo o olhar angustiado daquele Furriel a assistir à distribuição do correio. Entretanto, eu já tinha passado pela tabanca dele e deixado 6 cartas em cima da cama. Depois, assisti ao caminhar pesaroso do Santos, da cantina até à sua tabanca.
De seguida, ouve-se um grito de surpresa. Ele sai e diz:
- AH SEU FILHO DUMA PUTA, ISSO NÃO SE FAZ!... NA PRÓXIMA, DOU-TE UM TIRO NOS CORNOS!"
"Um ruído vem do céu
e há cabeças no ar é que
é dia de correio
há novas para chegar
faz-se a distribuição
com chamada frente ao bar
para o Santos, nada veio!
será que vai desmaiar?
p'ró Zé Manel veio a Bola
com notícias do Benfica
p'ró Nelson uma encomenda
e há quem lhe mande uma dica
fazendo-se para a merenda
sim, de correio foi o dia
não pode haver melhor prenda
é tempo de alegria
retiram-se os felizardos
procuram privacidade
relêem a mesma carta
até afogar a saudade."
************
Ao Santos de Leça
"Um dia nunca passava
sem que escrevesse uma carta
à mulher que tanto amava
como se fosse promessa
e todas elas numeradas
como que a testemunharem
a grande paixão do Leça"
____________
Nota do editor
Vd. poste anterior de 24 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18249: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (46): O Zé Manel de Mampatá - Poeta da Régua (1)
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quarta-feira, 24 de janeiro de 2018
Guiné 61/74 - P18249: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (46): O Zé Manel de Mampatá - Poeta da Régua (1)
Quinta da Senhora da Graça (a cerca de 3km da cidade do Peso da Régua e 4km de Santa Marta de Penaguião, em pleno Douro Património da Humanidade). Desde 1994, aqui se produz o famoso vinho Pedro Milanos. Funciona também como uma excelente unidade de Turismo Rural.
1. Em mensagem do dia 10 de Janeiro de 2018, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos um trabalho que consideramos uma homenagem ao outro nosso camarada Zé Manel - "O poeta da Régua", um transmontano dos quatro costados que na região duriense desbrava o xisto donde extrai o seu famoso Pedro Milanos.
Aqui deixamos a primeira parte desta Memória Boa do Zé Ferreira.
MEMÓRIAS BOAS DA MINHA GUERRA
46 - Zé Manel de Mampatá – Poeta da Régua (1)
Tive o prazer de conhecer o Zé Manel numa patuscada, em casa do “Mano Novo” (António Carvalho), Presidente “vitalício” de Medas – Gondomar.
Este, havia-me convidado, depois de termos estado juntos, pela primeira vez, numa “lampreiada” em casa de seu “Mano Velho” (Manuel Carvalho).
Logo ali, verifiquei que o Zé Manel era um camarada bem conhecido dos demais e que gozava de grande simpatia. Além disso, era notória uma relação especial com o António Carvalho, fruto do “convívio forçado” de mais de 2 anos, na guerra da Guiné.
Com a minha aproximação aos convívios dos grupos de ex-combatentes,
passei a encontrar amiúde o Zé Manel. Daí, ter passado a
conhecer/observar o seu passado, os seus poemas e as suas histórias.
Joaquim Peixoto e José Teixeira brincam com o Zé Manel na Tabanca de Matosinhos
Nasceu no Peso da Régua (Nov 1950), onde frequentou a Escola Primária e o Colégio da Régua até ao 5.º ano. Fez 6.º e 7.º ano no Liceu de Lamego e depois seguiu para o INEF, no Porto. Zangado com os chumbos que ali conseguira, foi a Lamego oferecer-se como voluntário, para o Serviço Militar.
Meio ano depois, foi chamado para as Caldas da Rainha, onde fez a recruta. Seguiu para Tavira, especializar-se em Armas Pesadas. Ainda foi prestar provas aos “Rangers”, mas não ficou lá. Lesionou-se…
Seguiu para Elvas, para dar recrutas. Ali, apanhou uma “porrada” e teve que ir para os Açores. Quatro dias depois de lá chegar, e já com 20 meses de tropa, recebeu notificação para se apresentar no RAP 2, em V. N. de Gaia.
Quando foi gozar os 12 dias de licença antes do embarque, informou os pais de que estava mobilizado para a Guiné. Por essa altura, vivia-se na Régua um ambiente bastante pesado. Precisamente na Guiné, havia falecido o Valdemar, o “Quarenta”, que ficara sem uma perna e o José António encontrava-se prisioneiro. Eram três jovens bem conhecidos na Régua.
Uns anos antes, um vizinho havia escapado da tropa por intermédio de um médico de Viseu, quando da sua Inspecção Médica em Vila Real. Atestou-lhe uma doença rara. Consta-se que este favor foi sendo pago em cabritos, durante vários anos, até à morte do avô do rapaz. Diga-se de passagem, que este procedimento não é bem aceite entre os transmontanos. É que, normalmente, ele identificava uma atitude de medricas, de cobardia ou de falta de patriotismo.
Alguns dias depois, o Zé Manel apercebeu-se de que os seus pais tinham discutido. Coisa raríssima entre eles. Veio a saber que a mãe, preocupada, havia procurado esses bons conhecimentos para salvar o filho de ir para a Guiné. E que tinha ido ter com um médico que a informara de que já era tarde para evitar a sua mobilização.
- Zé Manel, amanhã vamos a Lisboa. Vamos visitar a tua tia, para te despedires dela. Ela sempre te acarinhou, apesar de não teres querido ficar junto dela, logo de menino. És quase o filho que ela nunca teve.
Fizeram a viagem, quase sempre calados. O ambiente pesado em que se vivia não era nada favorável para conversas. Saídos do comboio em Santa Apolónia, seguiram de táxi com rumo a Alvalade, onde vivia a tia. Mas, quando o táxi parou no largo do Rato, o pai do Zé Manel informou-o:
- Vamos aqui entregar o envelope que o Doutor Marques deu à tua mãe. Ele disse que já era tarde para te desmobilizar mas que este General te pode arranjar um impedimento em Bissau, para não correres perigo.
Meio atordoado pela surpresa, o Zé Manel perguntou:
- Mas eu pedi-lhes alguma coisa?
- Ó rapaz, sabes bem que o teu pai é contra estas coisas de cunhas e de fugas aos deveres de cada um. Mas a tua mãe não sossegou sem me obrigar a isto. É verdade que queremos o melhor para ti… mas tu é que sabes o que queres.
- Ó pai, mostra cá isso. - disse o Zé Manel.
Estendeu a mão, agarrou no envelope da mão do pai e, sem o abrir, dobrou-o e meteu-o no bolso interior do casaco do pai.
- Olha, vamos embora e a mãe não precisa de saber nada disto.
- Meu filho, não imaginas a alegria que me estás a dar. - Aproximou-se, abraçou-o e beijou-o. Coisa de que o Zé Manel já não se lembrava.
Depois de visitarem a tia, voltaram para a estação de Santa Apolónia, mas, desta vez, no comboio, conversaram como nunca durante toda a viagem.
O avião que transportou a CART 6250, “Os Unidos”, chegou a Bissau ao meio da manhã de 27 de Junho de 1972. À espera do Zé Manel estava o seu amigo guineense Vasco, que com ele estudara na Régua e jogara futebol. Nessa altura estudava na Faculdade do Porto e se encontrava ali de férias.
Foi uma noitada “à maneira”. Já era alta madrugada quando o Vasco deixou o Zé Manel no Quartel dos Adidos, num estado bastante entorpecido. Sem cama, nem tino para a procurar, tirou o blusão para servir de travesseiro, descalçou-se e deitou-se no chão,vindo a rodar para debaixo de um beliche.
Quando acordou, a meio da manhã estava só, sem sacos da viagem, sem boina e sem sapatos. Mal apareceu na parada, ouviu gargalhadas e apupos ao “periquito” desorientado. Dirigiu-se então para o Oficial de Dia dessa unidade, perguntando pela sua CART 6250.
- Ó Furriel, você está fodido. A sua Companhia já está em Bolama e você ainda aqui. Venha comigo, vou arranjar-lhe uns sapatos e vamos ali à Força Aérea a ver se se arranja uma boleia.
Curioso foi que, quando lá chegou logo encontrou o Mesquita, Furriel da Força Aérea, seu vizinho reguense e ex-colega no clube de futebol, que o “meteu” num Dornier que ia levantar voo para Bolama, com a distribuição do correio.
************
A CART 6250 fez o IAO em Bolama antes de seguir para Mampatá.
O amigo António Carvalho, bem conhecido por Dôtô Carvalho
No IAO desenvolvido em Bolama, aconteceram duas mortes. A CART 6250 foi integrada, pontualmente, no Batalhão de Artilharia 6520, em que o seu Alferes Figueiredo, de Operações Especiais, chefiava a instrução de uso dos Dilagramas em combate. Naquele momento, era o soldado Mata, da CART 6250 que ia fazer fogo real com dilagrama. Tirou a cavilha da granada, mas como o anel de segurança se tinha soltado, a alavanca saltou logo.
O Alferes, apercebendo-se disso, num impulso de suicídio heróico, aproximou-se e agarrou a granada com as duas mãos, cobrindo a explosão e protegendo os outros militares presentes. Faleceram ambos.
Isto aconteceu no 13.º dia de Guiné. Terminara a sua missão o Soldado António Mata, de Pinhel, que estava emigrado em França. Saíra de lá recém-casado e com a mulher grávida, para cumprir o seu dever militar e de patriota.
Quando falávamos deste episódio, o Zé Manel confessou-me:
- Foi dos momentos mais difíceis e mais marcantes que vi na guerra. O Carvalho pediu para o ajudar a limpar os corpos despedaçados, a fim de os meter nos caixões. Ninguém o ajudou. Eu até me afastei porque nem a ele conseguia olhar. É que ele chorava copiosamente, enquanto ia fazendo o serviço sozinho e as suas lágrimas iam caindo sobre os corpos mutilados.
Nesta parte da narrativa e após uma sentida pausa, o Zé Manel acrescentou:
- O Carvalho foi a pessoa que mais admirei durante a tropa. Não imaginas o trabalho dedicado que desenvolvia a curar e a apoiar as pessoas doentes e carenciadas. Ele queria atender toda a gente e não tinha medicamentos nem condições para isso. Então inventava. Partia os comprimidos e distribuía-os àqueles que não largavam a Enfermaria.
- Olha que aquela história que se conta sobre o facto de a sua equipa de enfermeiros, colarem o comprimido na testa com um adesivo, é verdadeira. Diziam que, assim, o comprimido fazia efeito durante uma semana…
Devido a essa carência, o Carvalho [ fur mil enfermeiro,] deslocava-se amiúde a outros quartéis e destacamentos para arranjar mais medicamentos.
O Zé Manel e o António Carvalho mantêm a sua grande amizade desde os tempos de Mampatá (1972-74).
************
Os piores momentos de combate foram vividos nas emboscadas no percurso onde se estava a abrir a estrada de Aldeia Formosa para Nhacubá e Cumbijã. A zona era perigosa mas, segundo os camaradas que foram substituídos, se se evitasse o embate com IN, este também não chateava muito.
Despojos de guerra
Por José Manuel Lopes
“Após um contacto com o IN, regressámos a Colibuia e depois, de Berlietaté Mampatá, com muito material que o PAIGC abandonou no terreno. Fiquei surpreendido com a quantidade de material escolar que ficou espalhado pela picada.
Eu trouxe alguns livros e cadernos (que despertaram imenso a minha curiosidade), além de uma Kalash, uma pistola, um cantil e uma faca de mato. O Gomes, do pelotão de nativos é o 1.º da foto, depois o Amadu, que está carregado com roupa e umas botas que tirou a um guerrilheiro abatido. Do lado direito, um soldado com um ferimento na mão direita, já tratado pelos nossos competentes enfermeiros.
Quando chamei a atenção do Amadu, que não devia ter tirado as botas ao guerrilheiro IN, o Amadu respondeu-me:
- Oh Furriel, ele já não precisa mais delas e estas botas de couro são muito melhores do que aquelas que a tropa me deu.
Fiquei sem argumentos e limitei-me a encolher os ombros".
A Fonte de Iroel era local de inspiração poética do Zé Manel
Normalmente, o Zé Manel não se embebedava. Era muito solidário. Chegava a fazer serviços e operações no lugar de outros camaradas. Nos tempos mais livres, procurava ajudar o Furriel Simões no ensino escolar, convivia com os jovens no desporto e gostava muito de se envolver nos contactos com a população indígena.
Conta o amigo Carvalho que após uma Operação, em que foram mortos dois guerrilheiros do PAIGC, o Zé Manel teve uma crise emocional. Foi ter com ele à Enfermaria, abraçou-me a chorar, enquanto balbuciava:
- Já imaginaste o que os seus familiares vão sentir dentro de dias? É o mesmo que se passaria com os nossos. Meu Deus, para quê esta guerra!?
Já depois do 25 de Abril, o Zé Manel relacionou-se bem com a malta do PAIGC
O Zé Manel regressou da Guiné em 28 de Agosto de 1974. Do Porto, seguiu de táxi para Esmoriz, onde os pais estavam de férias. Ali, esteve poucos dias. Queria ir para a Régua. Encontrou lá o avô, já com dificuldade de visão. Ele reconheceu o neto pela voz e pelo abraço que lhe deu.
- Calha bem, rapaz, és tu que ficas já com a minha melhor arma de caça. Toda a família a quer, mas eu quero que fique para ti.
- Desculpe, avô, mas não a posso aceitar. Fiz uma jura em como não pegaria em mais nenhuma arma. Só quero paz e recuperar a normalidade.
- Ó rapaz, estou a ver que a coisa foi mesmo má. Alegra-te, cumpriste o teu dever e já passou tudo. Dá cá mais um abraço.
Emocionado, o Zé Manel, lembrou-se de prometer:
- Avô, hei-de recuperar a Quinta da Senhora da Graça. Vou reconstruir a casa que ardeu (em 1952), custe o que custar. Vai ser esse o maior objectivo da minha vida.
- Deus te ajude, rapaz. Não calculas a alegria que me dás.
O Zé Manel não imaginava o dinheiro que o pai amealhara com as suas transferências. Ainda pensou fazer como era hábito: comprar um carro. Pôs-se a pensar na oportunidade única de conhecer o Mundo, especialmente a Europa. Foi à estação da Régua e informou-se de um programa chamado InterRail Passes que lhe proporcionaria as viagens internacionais que desejava. Queria avançar já, mas a mãe chamou-o à atenção de que ele não passara o Natal em casa, nos últimos dois anos. Então, ele prometeu que só sairia depois do Natal.
Saiu da Régua em 28 de Dezembro de 74. Correu a Europa por onde lhe foi possível. Claro que não pode passar a cortina de ferro. Seis meses depois, encontrava-se na Suíça, “teso como um carapau”, a pedir trabalho para ganhar para comer e para a viagem de regresso. E foi no Jardim Zoológico de Zurique que se desenrascou.
No regresso, parou em San Sebastian. Subiu ao Monte Igueldo, olhou para a Baía de la Concha e ficou fascinado ao ver três indivíduos de pé sobre umas pranchas de fibra e agarrados a uma vela, que deslizavam sobre as águas com grande destreza e velocidade, entre a praia e a Isla de Santa Clara. Foi o primeiro contacto com essa nova modalidade desportiva, o Windsurf. Abeirou-se deles e manifestou-lhes interesse em comprar uma das pranchas. Eram dois ingleses e um brasileiro. Funcionavam ali como instrutores de novos aderentes, acharam graça à pretensão do Zé Manel, a quem informaram ser preciso aprender primeiro.
Como costumavam deixar lá as pranchas, o Zé Manel aventurou-se a aprender sozinho, durante o início das manhãs, enquanto os instrutores não chegavam. Uns dias depois, verificou que as pranchas estavam à venda, porque os surfistas se iam embora. Afixaram lá o preço em Libras para cada uma. O Zé Manel ofereceu 500 Pesetas. Não tinha possibilidades para pagar mais, mas eles não lhe ligaram. Porém, venderam logo as primeiras, mas demoravam a vender a última. Como tinham que abalar, acabaram por entregar a prancha ao transmontano da Régua pelas tais 500 Pesetas. Despachou a prancha em Vitória e veio a recebê-la na Régua, onde já havia chegado em finais de Outubro de 1975.
Em pouco tempo, o Clube de Caça e Pesca da Régua tornou-se no clube mais activo do norte na promoção da Vela. A escola, sob a orientação e dinamismo do Zé Manel, chegou a funcionar com cerca de 80 entusiastas jovens velejadores.
Hoje, tal como prometera ao seu avô, e graças à grande colaboração de sua mulher Luísa e apoio técnico de seu filho, ocupa e explora a lindíssima Quinta da Senhora. da Graça, desde 1994, Ali se produz o famoso vinho Pedro Milanos. Funciona também como uma excelente unidade de Turismo Rural.
(Continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 9 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17840: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (45): Questões de sangue
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CART 6250/72,
história de vida,
José Ferreira da Silva,
José Manuel Lopes,
Mampatá,
Memórias boas da minha guerra,
PAIGC
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
Guiné 61/74 - P17963: Parabéns a você (1339): José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Art da CART 6250 (Guiné, 1972/74)
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Nota do editor
Último poste da série de 10 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17954: Parabéns a você (1338): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp da CART 3494 (Guiné, 1971/74)
Nota do editor
Último poste da série de 10 de Novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17954: Parabéns a você (1338): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Esp da CART 3494 (Guiné, 1971/74)
quinta-feira, 29 de junho de 2017
Guiné 61/74 - P17524: Facebook...ando (46): o pesadelo da... festa do carneirinho (Joaquim Peixoto, prof ensino básico, reformado, Penafiel; ex-fur mil MA, CCAÇ 3414, "Os Falcões de Sare Bacar", Bafatá e Sare Bacar, 1971/73)
Penafiel > Corpo de Deus - Festa das Cidade de Penafiel > Cortejo do Carneirinho > 14 de junho de 2017 > O senhor professor Joaquim Peixoto convidou os seus ilustres amigos e camaradas para assistirem ao lindo cortejo e inteirarem-se desta tradição, única no País, "com a promessa de seguidamente rumarmos ao 'Ramirinho' para saborearmos o que de bom há nesta região"...
Fotos e texto: Página do Facebook do nosso camaradas Joaquim Carlos Rocha Peixoto [professor do ensino básico reformado, residente em Penafiel, ex-fur mil inf MA, CCAÇ 3414, Os Falcões de Sare Bacar (Bafatá e Sare Bacar, 1971/73, régulo da tabanca de Guilamilo, freguesia de Polvoreira, concelho de Guimarães].
O casal Peixoto, ambos professores do ensino básico, reformados, dois dos nossos grã-tabanqueiros: ele, Joquim, ela, Margarida. Foto do Manuel Carmelita (2010) |
1. Penafiel > O Pesadelo... do Dia do Carneirinho
por Joaquim Peixoto
Hoje acordei mais cedo e um certo nervoso tomou conta de mim. Sim, era o dia do carneirinho, mas eu já o recebo há tantos anos que não sei por que motivo estou nervoso.
A verdade é que convidei alguns amigos para virem apreciar este cortejo. Queria que os meus amigos, tudo pessoas ilustres, vissem o carneirinho que os meus alunos me iam oferecer. O grupo de amigos era composto por um ilustre escritor, com alguns livros publicados, três fotógrafos (um deles fotojornalista desportivo), um Presidente de um Bando, um ex-enfermeiro, outros que vinham por curiosidade e outros que vinham “ só “ para comer.
Queria que os meus amigos ouvissem os meus alunos a gritarem bem alto:
- Viva o Professor Peixoto!!!
Como estava a dizer, levantei-me cedo e fui para as ruas de Penafiel escolher o melhor local para ver o desfile. Ainda o trânsito não estava interrompido e as ruas muito desertas. Passado muito tempo começaram a aparecer os meus amigos. Escolhemos um local estratégico. Finalmente o desfile dos alunos com os carneirinhos ia começar. À frente vinha a Serpe e os bombos. Embora o barulho fosse ensurdecedor lá expliquei aos amigos o que era e representava a Serpe.
Passaram, em primeiro lugar, os alunos dos infantários. Carneirinhos muito bem enfeitados e os miúdos a darem “ vivas “ às Educadoras de Infância.
Iam passando os carneirinhos. Uns iam em carros de supermercados, outros em tractores engalanados com bandeiras e flores. Cada vez que passava um carneirinho bem enfeitado, eu dizia para os amigos:
- Quando vier o meu, vão todos ficar admirados.
Passaram os alunos do meu amigo Carlos Rocha. O carneirinho ia muito bem ornamentado. Os fotógrafos não paravam de tirar fotos. Eu ia avisando:
- Não gastem o rolo todo. Esperem que venham os meus alunos.
Não valeu de nada este meu aviso. Continuavam a fotografar tudo. O cortejo ia passando há muito tempo, e os meus alunos não apareciam com o animal. Comecei a ficar preocupado. Cartazes a falarem dos Professores José, Isabel Laura, Miguel etc… Do Professor Peixoto … nada.
Passou o último… As lágrimas vieram-me aos olhos. Estava desanimado e envergonhado. Desanimado por não ver os meus alunos a compreenderem o meu trabalho. Envergonhado, porque o que iriam dizer os meus amigos. Tentaram animar-me. Dizia um:
- Talvez o carneiro tenha fugido e os alunos andem a procurá-lo.
Logo outro dizia:
- Devem-se ter enganado no caminho e ido para outro lado.
Um enfermeiro das Medas queria dar-me uma “pastilha” para me acalmar. Nada disto me animava até que veio o Zé Manel da Régua com a piadinha do costume:
- Seria o Cancela que o apanhou?!!!
Não gostei nada da piada. O amigo Cancela não era capaz de me roubar o carneirinho (*). Ele não estava na Guiné. Para me animarem iam-me dando palmadas nas costas. Uma, talvez fosse com mais força chamou-me a atenção e ouvi a minha mulher a dizer:
- ACOOOOORDA!!!. Estás a ter um pesadelo!
Acordei. Claro que tinha que ser um pesadelo. Já estou reformado há seis anos. Virei-me para o outro lado para tentar dormir. Não conseguia adormecer. Porque seria? Levantei os olhos. Olhei para o relógio da mesinha de cabeceira: onze horas da madrugada. (**)
2. Nota do editor:
Segundo a página oficial da Câmara Municipal de Penafiel, "o cortejo do Carneirinho, tradição única no país, que remonta ao ano de 1880, [marca] o início das festas da cidade [, que são na semana do feriado no Corpo de Deus], onde centenas de crianças, de várias escolas do 1.º ciclo do concelho, [percorrem] as avenidas principais da cidade. Cada turma leva consigo o seu carneirinho, enfeitado, que por sua vez, será oferecido ao seu Professor, como sinal de gratidão e respeito. O cortejo concentrar-se-á no Largo Conde Torres Novas, vulgarmente designado por Campo da Feira, percorrendo depois as principais ruas da cidade, enchendo de cor e alegria o primeiro dia de comemorações da festa da cidade."
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 6 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17438: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (43): O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos
2. Nota do editor:
Segundo a página oficial da Câmara Municipal de Penafiel, "o cortejo do Carneirinho, tradição única no país, que remonta ao ano de 1880, [marca] o início das festas da cidade [, que são na semana do feriado no Corpo de Deus], onde centenas de crianças, de várias escolas do 1.º ciclo do concelho, [percorrem] as avenidas principais da cidade. Cada turma leva consigo o seu carneirinho, enfeitado, que por sua vez, será oferecido ao seu Professor, como sinal de gratidão e respeito. O cortejo concentrar-se-á no Largo Conde Torres Novas, vulgarmente designado por Campo da Feira, percorrendo depois as principais ruas da cidade, enchendo de cor e alegria o primeiro dia de comemorações da festa da cidade."
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 6 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17438: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (43): O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos
(**) Último poste da série > 26 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17515: Facebook...ando (45): A cotovia dançante (Manuel Luís R. Sousa, SAj Reformado)
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terça-feira, 6 de junho de 2017
Guiné 61/74 - P17438: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (43): O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos
1. Em mensagem do dia 29 de Maio de 2017, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), autor do Livro "Memórias Boas da Minha Guerra", enviou-nos uma história, no mínimo, estranha. Não é que nós até conhecemos os intervenientes?
Caros amigos,
Esta história pode, até, parecer verdadeira. É que há nela muitas coincidências com nomes de pessoas e com moradas que nos podem levar a essa conclusão. No entanto, quero desde já declarar que tudo é pura ficção.
Um abraço do
JF Silva
Memórias boas da minha guerra
43 - O Zé Manel dos Cabritos e os amigos invejosos
Nasceu nos arredores de Penafiel, mais precisamente na zona descendente ao Rio Tâmega, ali à esquerda de quem vai para Entre-os-Rios. Desde miúdo, ajudou os pais no amanho das terras e no pastorício do gado. Gostava muito de animais e, se possível, de os domesticar. Para além das vacas e ovelhas, ele perdia-se com cães, gatos, pegas, melros etc., etc. Mas o que ele mais gostava era de “dominar” os cabritos. Mais as cabras, porque se afeiçoavam a ele facilmente. De tal forma se dedicava a eles que os seus amigos de infância o baptizaram por Zé Manel dos Cabritos.
Pouco se sabe dele nessa época de juventude. Deve ter decorrido normalmente, para um jovem do campo, de aspecto feliz e brincalhão. Apenas se lhe destaca essa paixão desmedida pelos cabritos. A tal ponto que sua mãe, ao contrário de seu pai que o que mais queria era o rendimento que o rapaz lhe proporcionava com essa dedicação, enquanto ela, preocupada, ia dizendo:
- Ó home, bê se tiras o teu filho de trás das cabras, porque o pobo inté lhe arranja alguma fama feia.
Ele ria-se, ria-se, sem se preocupar de nada. Até que a mãe, D. Ana, tomou a decisão de arranjar uma ocupação para o rapaz numa fábrica de trabalhar a pedra. Porém, ele não assentava, com as saudades da vida do campo e foi despedido mais que uma vez, por estragar o granito tentando esculpir imagens dos animais da sua estimação. O pai até achou piada quando o empresário Antero lhe disse:
- Ó Manel, olha que o teu filho pode vir a ser um grande artista. Manda-o para as Belas Artes, antes que se perca por aqui a fazer estragos. Eu, é que já não o posso aguentar mais porque dá me muito prejuízo. Ainda lhe expliquei que se fizesse crucifixos, alminhas, pias para água-benta ou pias para porcos, talvez se safasse, mas ele é teimoso e só pensa em figuras de animais.
Curioso que, quando veio da Guiné, voltou a ir trabalhar para o Antero e, desta vez, foi ele que se despediu. Foi para a Bélgica. A mãe foi ter com o Antero culpabilizando-o de o filho ter emigrado. O Antero meio desanimado, justificou-se junto da amiga Ana e disse-lhe:
- Eu gostava dele. Era trabalhador mas fazia muitas maluqueiras. Parece que ainda veio pior da Guiné. O último prejuízo que me deu foi quando, armado em escultor, fodeu-me uma estátua, já pronta, que valia um dinheirão. Ó rapariga deixa-o ir que só lhe vai fazer bem. E vai safar-se a fazer qualquer coisa, ainda que seja a encher pneus.
Tudo estaria bem e tudo seria esquecido se não fossem os “amigos” que ele arranjou na tropa. Com a alcunha que já trazia da terra e mais as histórias que se foram contando lá pela Guiné, ele ficou marcado para sempre. E tudo por causa dos cabritos. O que lhe vale é a excelente mulher (muito linda, por sinal) que teve a sorte de arranjar e que o compreende e o acarinha como ninguém.
Eu, que o conheci em convívios de ex-combatentes, chego a ter pena dele, só pelas supostas infâmias que ouço, acerca dele. Coitado, ri-se muito (dizem que sai ao pai) e, também, tem muita dificuldade em defender-se do veneno de alguns desses “amigos”. Não imaginam o que eles dizem a seu respeito.
O Neca da Régua, nunca mais lhe perdoou as privações que passou na Guiné por causa dele. Quantas vezes ele percorreu as tabancas de Mampatá e arredores, à procura de cabritos, e sempre lá ouvia:
- Cabrito cá tem. Zé Manel fodéo-o todos.
Segundo este conceituado poeta duriense, o Zé Manel organizou uma pequena mafia que açambarcava os cabritos, provocava a sua procura e especulava os preços de venda. Tinha o esquema tão bem montado, que ninguém o poderia atacar. Diz que veio a descobrir que o Zé Manel se infiltrara nas tabancas, negociando com cipaios, gilas, lavadeiras e, até, com feiticeiros. Por outro lado, tinha o Capitão, o seu Alferes, o Primeiro Sargento, o Enfermeiro, o Vagomestre e o grupinho da sueca, caladinhos como ratos, porque também “mamavam” à grande.
Conta também que, um dia, tentou sensibilizá-lo, explorando o facto de serem ambos do norte, quase vizinhos e que, se calhar, até seriam do mesmo clube.- “Quando eu lhe disse que era do Benfica, então é que fodi tudo. Nunca mais nos entendemos”.
Ainda hoje, quando estamos por perto (nos convívios), vemos que vai um para cada lado, por forma a não estragarem o ambiente com tanta provocação.
Outro que também lhe guarda rancor é o Augusto Carvalho, o ilustre Mayor de Meladas City, que foi veterinário no tratamento de carne para canhão, e se especializou também em tratar de gazelas e cabritos para o tacho, peixinhos da bolanha em escabeche e nhecas com piri-piri. Também era conhecido por alguns excessos como aquele de aconselhar a utilização de preservativos usados, desde que virados do avesso. Dizem que em campanha eleitoral, lá na terra, chegou a referir o mau exemplo da oposição, açambarcadora e insaciável, que lhe “fazia lembrar uma certa pessoa de Penafiel que conhecera na Guiné e que roubava os cabritos aos pretinhos, para se banquetear apenas com os seus capangas mais chegados”.
Todos sabemos que os Enfermeiros (também chamados de Veterinários) gozavam de um estatuto especial; partilhavam mezinhas e recebiam chorudas compensações. Pois o Carvalho viu-se fracassado no exercício das suas nobres funções. E como os indígenas já não lhe podiam trazer galinhas ou cabritos, talvez por vingança, passou a cortar-lhes nos medicamentos. O Zé Manel diz que ele chegou ao ponto de colar os comprimidos na testa dos doentes para que não os gastassem. Também o acusa de comilão insaciável, que apanhou a bicha-solitária lá na Guiné e que nunca mais a largou. E ainda acrescenta:
- Agora até lhe dá muito jeito porque anda sempre em comezainas, a mamar à custa do povo e dos amigos. Cuidado, porque com ele só interessam contas à moda do Porto. Vá comer ao caralho!!!
O Carlos Rocha, sabia de tudo. Como era vizinho do Zé Manel, este bonacheirão também era amante de cabritos… no forno (e não só), cedo se comprometeu numa relação de franca amizade, selada pelo apadrinhamento de um descendente e pela sua união em festas tradicionais e patuscadas intermináveis, ou periódicas, como se fossem telenovelas brasileiras.
Porém, já o ouvi lamentar-se que um dia ficou envergonhado. Foi pelas festas de Rio de Moinhos, quando passeava na companhia do Zé Manel, e se viu observado por um grupo de alunos seus que estavam a cochichar e lhe perguntaram:
- Ó Sô Pro’ssor, veio ver se consegue algum cabritinho? Olhe que a Festa do Cordeirinho já passou. Vai ver que desta vez não leva nada.
A festa do Cordeirinho realiza-se na véspera da Quinta-feira do Corpo de Deus. De acordo com a tradição lá na terra, os miúdos das escolas desfilam com oferendas ao seu professor. Todos levam o cordeiro ainda vivo, acompanhado de salpicão, chouriço, queijos, batatas, cebolas etc., etc.
Conta o Rocha que um dia teve que chumbar um aluno pela terceira vez consecutiva. Dizia:
- É que ele não aprendia mesmo nada!
Quando chegou ao dia da festa do cordeirinho verificou que o cordeiro melhor era o do rapaz que chumbara. Ficou meio encaralhado, sem saber como reagir. E quando se ia a esquivar da tribuna dos professores e das outras entidades, apareceu-lhe o pai do rapaz que o quis abraçar:
- Obrigado, Sôr Pro’ssor, não imagina o favor que me fez. A minha, mulher que é ainda mais burra que o filho, passava-me o tempo a teimar que o rapaz tinha esperteza para chegar a presidente. E eu, o inteligente, que me fodesse a amanhar as terras, sozinho.
Quando o Zé Manel emigrou para a Bélgica, ganhou umas coroas e reformou-se cedo e bem. Juntou ainda a reforma de escultor e a de militar. Mexeu os cordelinhos de tal maneira que nem o Presidente Cavaco ganha tanto como ele. Ora, isto dá azo a que os seus “amigos”, invejosos, passem grande parte do tempo comum, acusando-o de se andar a aproveitar da bagunça que tem reinado em Portugal.
E o que é mais flagrante é que o Zé Manel, que não consegue gastar o que ganha, vive à grande e à francesa, consolado de gargalhadas contínuas, contagiando o ambiente que o rodeia.
Ainda muito recentemente, vimos fotos dele, parecendo assediar cabritos em Mampatá, numa das várias viagens que tem feito à Guiné. O Neca da Régua sabe que aquilo é uma provocação. Sempre afirmou que devido àquela revoltante razia, estes cabritos, que agora são tratados como animais sagrados, tipo vacas na Índia, são descendentes de uma cabrita prenha que conseguiu escapar ao bando do famoso Zé Manel dos Cabritos.
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Nota do editor
Último poste da série de 10 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17341: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (42): O Arturinho do Bonjardim, a relojoaria, o negócio das carnes, os vários circuitos e destinos, até ao reagrupamento do… Bando
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