Mostrar mensagens com a etiqueta José Teixeira. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta José Teixeira. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 7 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24827: Manuscrito(s) (Luís Graça) (240): Zé do Telhado (Penafiel, 1816 - Angola, Malanje, 1875): um caso de "banditismo social"? Entre o mito e a realidade - Parte VII

 

Fotograma nº 1 > "De herói a vilão", eis a história do Zé do Telhado, aqui, sargento patuleia, recebendo  a mais alta condecoração do país, a Torre e Espada, das mãos do general Sá da Bandeira, a quem salvou a vida, em combate, na Guerra da Patuleia (out 1846 / jun 1847), que se seguiu à Revolta da Maria da Fonte.

Fotograma nº 2 >  O fantasioso (no filme) assalto à Casa do Carrapatelo, Marco de Canaveses, sita nas faldas da serrra de Montedeiras e na margem direita do rio Douro, a escassos quilómetros na nossa casa em Candoz.


Fotograma nº 3 >    Um destacamento dos Granadeiros da Rainha, em perseguição, mal sucedida,  do Zé do Telhado e do seu bando, em 1852

Fotograna nº 4 >  Um filme "romântico" mas também um "western à portuguesa" onde há de tudo:  amor, perdição, ciúme, traição, nobreza, camaradagem, ação, coragem, assaltos, tiroteiro, loucas correrias a cavalo, duelo,  morte... Foi uma época, a da consolidação da monarquia constitucional, nas décadas de 20, 30, 40 e 50 do séc. XIX, violenta, pautada por sucessivos episódios de guerra civil (as chamadas "lutas liberais": dos liberais contra os absolutistas, dos liberais entre si)... Calcula-se que mais de 20 mil portugueses tenham morrido às mãos de portugueses... Estamos muito longe, portanto, do país de "brandos costumes" dos nossos contos de fadas e príncipes encantados...


Fotograma nº 5 > O "duelo de morte" com o José Pequeno, o "vilão da história", que traiu o bando, e aquem,  diz o Camilo, o Zé do Telhado,  cortou a língua com uma tesoura depois de morto. 

Mas o "ajuste de contas final" entre os dois teria sido na Lixa, e não na serra, como  vemos no filme de 1945 que, de resto, é considerado um "remake" do filme mudo, de 1929, realizado por Rino Lupo, com exteriores filmados no Solar de Beirós, São Pedro do Sul; o guião, por sua vez, tem como fonte  o livro de Eduardo Noronha (1859-1948), "José do Telhado: Romance Baseado sobre Factos Históricos" (1923)(As cenas do exterior deste primeiro filme, o de 1929, foram rodadas em diversos sítios por onde andou o "nosso herói": Amarante, Vila Meã, Lixa, Marco de Canaveses, Felgueiras, Serra do Marão, Sobreira em Caíde de Rei, Lousada, e na casa onde nasceu José do Telhado, em Recesinhos, no lugar do Telhado, Penafiel. Fonte:  Penafiel, Terra Nossa).

Fotogramas do filme "José do Telhado" (1945).  disponível no You Tube, na conta "MusaLusa". 

Uma das raras fotos da época (pormenor) do Zé do Telhado, de seu nome de batismo José Teixeira da Silva (c. 1816-1875), aqui com o seu irmão Joaquim Telhado, também ele bandoleiro, à sua direita. 

Fonte:   Manuel Vieira de Aguiar, "Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses" (Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947, 439 pp).   , 1947,  pág. 273. (Foto extraída do livro de Sousa Costa, " Grandes dramas judiciários: tribunais portuguees", Porto, O Primeiro de Janeiro, 1944)



Contracapa do livro de Camilo Castelo Branco, “Memórias do Cárcere”, II  Vol,  8ª ed. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, Lda, 1966, (1ª ed., Porto, 1862) (Coleçáo "Obras de Camilo Castelo Branco,  Edição Popular, 54")


1. Comentários de alguns dos nossos leitores sobre estes escritos do editor Luís Graça com referência ao Zé do Telhado, cujo "fantasma" ainda paira pelos vales do Sousa e do Támega e pelas serras à volta (Montemuro, Marão, Montedeiras...) (*)


(i) Francisco Baptista:

Amigo Luís Graça, já poucos escrevem, poucos comentam. Estamos todos a ficar com as pilhas gastas. Tu és dos poucos que continuas a dar grandes provas de vitalidade.

Gostei de saber por ti do Zé Telhado, de quem pouco sabia, como a maioria dos portugueses, sabem o nome e a fama de bandoleiro, que roubava aos ricos e dava aos pobres. Nem sabia que sobre ele já tantos escritores tinham escrito.

É natural que ele também te motivasse a ti pois além do mais era de perto de Candoz a outra terra que tu amas mais. Gostei de ler e espero por mais capitulos. Estou a pensar comprar também " As Memórias do Cárcere", de Camilo.

Obrigado. Grande abraço

22 de outubro de 2023 às 19:15 


(ii) Fernando Ribeiro:

Estou um pouco como o camarada Francisco Baptista. No Porto, o Zé do Telhado é uma referência vaga, de uma espécie de Robin dos Bosques à portuguesa, que passou pela Cadeia da Relação da cidade antes de ser deportado para Angola. Só se fala nele quando se visita a cadeia (atual Centro Português de Fotografia) e se espreita a cela onde Camilo Castelo Branco viu o Rio Douro aos quadradinhos. Nessa ocasião fala-se de Ana Plácido, como não podia deixar de ser, e por arrastamento fala-se do Zé do Telhado também.

O encontro entre Camilo Castelo Branco e o Zé do Telhado na cadeia não terá sido o primeiro que eles tiveram. Muito tempo antes, o próprio Camilo foi assaltado pelo Zé do Telhado, numa ocasião em que viajava de diligência entre Vila Real e o Porto! O próprio Camilo fala no assalto num dos seus incontáveis livros (não me recordo de qual) e chama patife, facínora, ou outros nomes equivalentes, ao seu assaltante. Mal sabia ele que iria encontrar-se de novo com o antigo salteador na cadeia e que iria refazer a imagem que tinha feito dele.

Durante a minha comissão militar em Angola nunca ouvi falar do Zé do Telhado, nem uma só vez. Inclusivamente, no meu grupo de combate havia dois militares negros naturais de Malanje e nunca os ouvi fazer qualquer referência a ele. Já os brancos de Angola admiravam outras personagens, que não o Zé do Telhado; admiravam Paulo Dias de Novais, Salvador Correia de Sá, Silva Porto, Norton de Matos, etc.

23 de outubro de 2023 às 02:02

(iii) José Teixeira;

O Zé do Telhado tinha bem demarcada a sua zona de atuação. Do Marco de Canavezes a Vila Real até Cete, Paredes, sobretudo na orla da estrada real. A conhecida estrada Porto a Vila Real com uma variante para a Régua. Era a estrada por onde passavam os grandes comerciantes do Vinho Fino, vulgo, Vinho do Porto. 

A minha avó falava muito do Zé do Telhado, dado que o meu visavô foi contemporâneo dele. O Lugar da Árvore em Caíde, um entroncamento de estradas,  era um dos sítios onde ela costumava fazer as emboscadas. Recordo-me de em criança passar por lá várias vezes a caminho de Vila Meã. Havia sempre uma história contada pela minha avó sobre o meliante. A admiração que os mais velhos tinham pelo Zé do Telhado ia assim passando para os mais novos. Para a minha avó o Sr. José do Telhado tinha sido um grande homem. Ele roubava aos ricos para dar aos pobres e havia sempre mais uma história para contar.

20 de setembro de 2023 às 22:42 

(iv) Valdemar Queiroz:

Quanto ao apelido/alcunha "do Telhado", há três versões.

A mais conhecida é a de ser um salteador que entrava pelo telhado, outra que a casa do pai era a única com telhado de telhas em vez de colmo como as outras e a que parece mais lógica era de ser natural do aldeia/lugar de Telhado e assim ser conhecido quando foi viver para os lados de Lousada.

Antes de ser assaltante era castrador de animais e já lhe chamavam o Zé do Telhado.

No filme "Zé do Telhado", com Vergílio Teixeira, há uma cena em que ele, numa taberna, aperta a mão a outro bandidolas provocando-lhe dores.

Foi uma grande treta, o outro bandidolas era Juvenal Araújo que eu conheci, já dentro dos cinquenta anos, mas quando fez o filme era um matulão que ganhava apostas por rasgar uma lista telefónica fechada, o que deixaria o Vergílio Teixeira com as falanginhas e falangetas partidas.

15 de setembro de 2023 às 14:49

(v) Luís Graça:

O mito do país dos brandos costumes é uma invenção do salazarismo: "antes de nós o dilúvio, depois de nós o caos"... Não é por acaso que o séc. XIX era pura e simplesmente ignorado na escola (e na universidade, pouco ou nada investigado pelos historiadores)...

O que é que a gente sabia sobre o século em que a liberdade e a justiça passaram a ser também uma bandeira, pela qual muitos portugueses se bateram e morreram?!... Afinal, o século em que passámos a ter uma constituição, se consolidou a monarquia constitutucional, se derem passos importantes no processo de "modernização", se aboliu a escravatura e a pena de morte...

13 de outubro de 2023 às 12:37

Em 1945 fizeram um "western" à portuguesa em que o nosso Zé do Telhado (interpretado pelo galã Virgílio Teixeira) é um perfeito oficial e cavalheiro. (Só dei uma rápida vista de olhos ao filme disponivel no You Tube, parte dos exteriores terão sido rodados na nossa serra de Montedeiras.)

O filme está disponível aqui, na conta : https://www.youtube.com/watch?v=i_6MmOOrDh4

O cinema também serve para falsificar ou reinventar  ou reescrever a história... (O filme de 1945 não pretende ser  "uma biografia, mas  uma obra livremente inspirada na vida do célebre salteador"...)




Cartaz do filme "José do Telhado" (1945), a preto e branco, 98 minutos: produzido e realizado por Armando de Mirando, e contracebado por Virgílio Teixeira e Adelina Campos, nos dois principais papéis. Os exteriores foram filmados em Vouzela, em 1945. O filme foi estreado no Porto (Coliseu, em 15/12/1945), e emLisboa (Polteama, 16/1/1946). Fonte: Cinept / UBI (com a devida vénia...)



2. Vamos reproduzir mais alguns excertos das "Memórias do Cárcere" (1ª edição, 1862), em que o Camilo Castelo Branco traça um retrato-robô, lisonjeiro, quase hagiográfico, sobre o seu  companheiro de infortúnio (mas também precioso "guarda-costas" ...), nos calabouços do Tribunal da Relação do Porto, retrato esse que de algum modo ficou, acriticamemte, para a posteridade, criando-se assim o mito do "Robin dos Bosques português"... Afinal, também temos direito a ter um... A tradição popular, outros escritores, menores,  o cinema e a televisão (veja-se a série da RTP, "João Semana")  têm contribuido para reforçar o mito do "banditismo social"..  (Convém lembrar que Camilo não era historiógrafo, era um ficcionista, um "folhetinista", que escrevia muito, em pouco tempo, e em função do seu "nicho de mercado", que era uma clientela urbana ou urbanizada, letrada, que lia jornais,  "folhetins" e alguns livros,  com poder de compra, em suma, a pequena e a média burguesia liberal socialmente em ascensão.)

Os excertos aqui reproduzidos são os da 8ª edição (Camilo Castelo Branco, “Memórias do Cárcere”, II  Vol,  8ª ed. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, Lda, 1966)

(...) “Este nosso Portugal é um país em que nem pode ser-se salteador de fama, de estrondo, de feroz sublimidade! Tudo aqui é pequeno: nem os ladrões chegam à craveira dos ladrões dos outros países! Todas as vocações morrem de garrote, quando as manifestam e apontam a extraordinários destinos (...) (pág. 83)

(…) "Na noite de 22 de Maio [de 1852] (**) deu José do Telhado batalha campal à tropa no local denominado Eira dos Mouros [freguesia de Santa Cristina de Figueiró, concelho de Amarante, distrito do Porto] (**)

O destacamento de infantaria 2  (***) conseguira capturar dois salteadores e descera com eles a uma estalagem,  para descansar. Aí o surpreendeu a horda com o chefe montado em fogosa égua. Chegou ele ao terreiro da estalagem, e exclamou: "Carregai com quartosn (****),  rapazes, que está aqui José do Telhado." 

Saiu fora a tropa, e empenhou-se um tiroteio,  que rematou pela retirada do destacamento. O chefes sustentou sempre a vanguarda da avançada, fazendo fogo de pistola e clavina. 

Estavam os dois saltadores prisioneiros na cavalariça da estalagem: um fugira logo que rompeu o fogo, o outro ficara na impossibilidade de erguer-se sobre as pernas cortadas de balas.

− Vem!   − disse o capitão ao salteador ferido.

− Não posso; matem-me que eu estou sem pernas.

− Faz o ato de contrição  − retrucou o chefe.

 O ferido resmuneou o acto de contrição ,  e a estalajadeira verteu lágrimas piedosas. 

José dos do Telhado  estirou-a com uma bofetada, e  desfechou contra o peito do camarada, dizendo;

− Acabaram-se-te os teus trabalhos,  e os meus  estão em  começo. Adeus!    

O cadáver não podia responder a este saudoso vale do seu chefe. (pp. 95/96)


(…) Noutra noite, cercou-lhe a  tropa a casa, estando ele no primeiro sono. Despertou-o  a mulher, e ajudou-o a vestir muito de seu vagar. Caminhou para uma porta transversal, e retrocedeu a ir buscar o  relógio esquecido, e a dar ordens ao criado para lhe conduzir de madrugada o cavalo a designado sítio. Abriu uma janela,  e disse para os soldados:

− Que tal está a noite, rapazes ? 

Retirou da janela, e  abriu a pequena porta, que defrontava com uma cortinha para a qual relevava saltar por cima de um quinchoso.  Aí estavam postados três soldados. José Teixeira aperrou a clavina  de  dois canos, e disse: 

− Agachem-se, que quero saltar.  Os dois primeiros que se moverem, passo por cima deles mortos. 

Os soldados agacharam se, e ele saltou.  Já de dentro da cortinha, atirou dois pintos (*****) aos soldados, e e disse-lhes:

−  Tomai lá para matar o bicho à saúde do José do Telhado.

E foi seu caminho pacífica e detidamente como se andasse espreitando a toupeira no seu meloal.  Teria ele tempo de palmilhar um oitavo de légua, quando lhe deram uma descarga. (...) (pág. 97)

(...)  José Teixeira folgava de entremeter incidentes cómicos nas suas assaltadas. A uma dama de Carrapatelo dera ele um beijo de despedida, e à mulher do senhor Camelo perguntara de que lhe servia o dinheiro, se não podia comprar uma cara mais nova e menos feia

O senhor Bernardo José Machado, muito conhecido comerciante  do Porto, ia um dia para Cerva [Ribeira de Pena, no Alto Tâmega] , sua terra natal , e alcançara,  a distância curta do Torrão, um cavaleiro bem posto no seu corpulento cavalo, e acamardou-se com ele na jornada. Falavam vários assuntos, e caiu a propósito os perigos de jornadear por tais sítios infestados pelo terrível  Zé do Telhado. 

O cavaleiro mostrou-se também horrorizado pela hipótese de o encontrarem,  e ouviu da bocado  senhor Machado a história dos flagicídios do célebre bandoleiro.  Apearam  numa estalagem, e jantaram o mais lautamente que podia ser.  O cavaleiro mudara de estrada.  e despediu-se do senhor Machado, que lhe ofereceu os seus préstimos. Pediu o comerciante a conta à estalajadeira,  e soube que o outro sujeito pagara a despesa. Perguntou o viajante, quem era aquele cavalheiro, e a mulher respondeu que era o José do Telhado. 

É bem de ver que o senhor Machado, em vista do panegírico com que o brindara,  não foi muito a seguro de o topar adiante com outra cara, ocasionando lhe um facto novo para realçar a história. (...) (pág. 99),


(...) O libelo cerra a meda dos crimes do José do Telhado om a tentativa de evasão para reino estrangeiro sem passaporte. 

A morte de José, denominado o pequeno, por antifrase, não vem incluída na acusação.

José Pequeno era agigantadado de estatura, e  o mais cruel da malta, comandada por José do Telhado.

Custava muito ao chefe refrear-lhe o instinto sanguinário; mas com melindre o fazia,  porque o parceiro era o único de quem  ele se receava em luta de braço a braço.

Andava José Pequeno cogitando no expediente mais azado a livrar-se de perseguições,  e tentou-o o demónio a atraiçoar os companheiros. Foi a malta surpreendida, estando  ausente o denunciante. Comandava a força o destemido Adriano José de Carvalho e Melo, Administrador do Marco de Canaveses. 

Carregou tão brava a polícia sobre a chusma dos ladrões,  que lhes foi remédio a fuga. Aí recebei José Teixeira uma bala nas costas a qual, segundo ele diz, o fizera saltar dez passos avante contra sua vontade. A bala  produziu-lhe  na coluna vertebral um choque elétrico meramente. 

Ao outro dia, José Teixeira teve de evidência que seu companheiro o denunciara.  Ao anoitecer foi à Lixa [concelho de Felgueiras]  onde pernoitava o traidor, entrou-lhe em casa,  e disse-lhe:

− Não te quero matar â traição; previne-te  como quiseres, que um nós há de morrer aqui.

− Ou ambos!  − disse o José Pequeno, lançando mão da faca.

−  Ou isso ! −  redarguiu o José do Telhado,  sacando de uma tesoura. E acrescentou:

−  Hei de  cortar-te com ela a língua. 

A primeira arremetida que se fizeram, apagaram a luz da vela,  e arcaram peito a peito. Revolveram-se na escuridade um quarto de hora, rugindo alternadamente injúrias e pragas ferozes. 

José Teixeira já tinha um braço rasgado; mas José Pequeno expedira o último rugido pela fenda que a tesoura lhe abria na garganta. O chefe ergueu o joelho sobre o peito do cadáver, quando  os dois gumes da tesoura se encontraram ao través da língua que o denunciara. 

O homicida aparecer na Lixa ao outro, e disse a multidão parada à porta do morto:

− Se não sabem quem matou este traidor, aqui o têm.

 E passou adiante. obrigando o cavalo a garbosa upas. 

Coisa é digna de reparo, que o ministério público não desse querela contra o assassino. Bem pensada a irregularidade, dá de si que a moral pública, representada pela polícia criminal e administrativa, propôs um voto de gratidão ao matador do formidável celerado da Lixa. (...) (pp. 100-102)

In: Camilo Castelo Branco, “Memórias do Cárcere”, II  Vol,  8ª ed. Lisboa, Parceria A. M. Pereira, Lda, 1966, (1ª ed., Porto, 1862) (Coleçáo "Obras de Camilo Castelo Branco,  Edição Popular, 54")~

(Seleção / revisão e fixação de texto / negritos / parênteses retos: LG)

Este obra está disponível em formato pdf, no sítio da Imprensa Nacional- Casa da Moeda, Lisboa, 2020, 232 pp, edição de Ivo Castro e Raquel Oliveira,  distribuição gratuita. (Segue a 2ª edição, revista pelo autor, Porto, 1864.)

https://imprensanacional.pt/wp-content/uploads/2022/03/Memorias-do-Carcere.pdf?btn=red

__________


(**) Vd. José Manuel de Castro - José do Telhado- Vida e aventura, a realidade. a tradição popular. Ed. autor, 1980, 193 pp., il. (Tipografia Guerra, Viseu).

(***) Vd. Wikipedia: Na época(1852) era conhecido por Regimento de Granadeiros da Rainha, unidade de elite criada em 1842, responsável pela guarda pessoal da Rainha D. Maria II; em 1855, o regimento adopta a actual designação de RI2 - Regimento de Infantaria 2, com sede em Lisboa. Quando Camilo escreveu as "Memórias do Cárcere" já era RI 2,

(****) O "quarto" era um equena bala de chumbo, de forma angular.

(*******) Na época o "pinto" valia cerca de 480 réis. Também era conhecido como "cruzado novo".

sábado, 4 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24823: Agenda cultural (844): Convite para o lançamento do novo livro do nosso camarada José Teixeira, "O Universo Que Habita Em Nós", prefaciado pelo Prof. Júlio Machado Vaz, a levar a efeito no próximo dia 18 de Novembro de 2023, pelas 16h30 horas, no Centro Cultural de Leça do Balio, sito no Largo do Mosteiro de Leça do Balio, com apresentação a cargo do Prof Luís Graça

C O N V I T E


Mensagem do autor:

Cada um de nós ao nascer, transporta dentro de si um Universo a construir – a sua vida. Com o desenrolar do tempo e com a ajuda ou desajuda de quem nos rodeia – Mãe, pai, avós, mestres, professores, amigos, vizinhos e colegas do café e tantos outros agentes educativos – vamos desenvolvendo as nossas capacidades, formando o nosso carácter, estabelecendo a nossa forma de ser e estar na vida, ou seja, construído o nosso Universo pessoal.

As histórias que vos ofereço neste livro, ajudam cada um(a), a compreender este fenómeno maravilhoso da vida, como escreve o Prof. Júlio Machado Vaz, com candura, transparência e doçura.

Com um abraço de amizade
José Teixeira


********************

Prefácio do Prof Júlio Machado Vaz

Se me pedirem para resumir estes textos numa só palavra eu não hesito na escolha – candura. E errado estaria quem a associasse à ingenuida­de, ela veio-me ao espírito de braço dado com outra – transparência…

…Por isso não me surpreendeu que da madura escrita infantil jorrasse, a céu aberta ou clandestina, uma idealização da figura feminina, ves­tida de mãe, madrinha de guerra ou mulher, mas sempre amada por cuidadora e ternurenta, nem a traição a faz descer do altar ao qual se confessa a dor por lhe ter virado costas e futuro. Essa sombra proteto­ra, indiferente ao género, permeia as estórias de quem acompanha os sem abrigo e lhes ouve as narrativas de vida, com pudor escondidas por trás dos consumos escancarados de álcool e (outras) drogas, sin­gela homenagem aos que, crentes ou não, amam o próximo depois de dias frenéticos de trabalho.

E porque o autor não esconde, na obra que nos ocupa ou no currículo, o derriço pela poesia, apetece-me fechar o círculo com rima fácil, típica de quem não verseja – juntar doçura à candura. Porque, mesmo ao abordar os quotidianos mais duros, estas páginas cultivam o registo meigo de quem os revisita dorido, mas pacificado; sem fímbria de aze­dume. Talvez seja esse o maior mérito deste livro – conduzir-nos, como indivíduos e membros de uma sociedade feroz, interesseira e geradora das maiores e mais cruéis desigualdades, a um espelho - cândido; im­placável; menineiro.

Júlio Machado Vaz



DETALHE DO LIVRO

Título: O Universo Que Habita em Nós
Autor: José Teixeira
Editora: Astrolábio Edições
Data de publicação: 2023-09-28
Dimensões: 15x23 cm
Páginas: 230
Encadernação: Capa mole
ISBN: 978-989-37-6094-9
Género: Ficção
Idioma: PT

____________

Notas do editor

Vd. poste de 19 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24772: Agenda cultural (842): Pré-apresentação do novo livro do nosso camarada José Teixeira, "O Universo Que Habita Em Nós", prefaciado pelo Prof. Júlio Machado Vaz

Último poste da série de 23 DE OUTUBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24786: Agenda cultural (843): Doclisboa - 21º Festival Internacional de Cinema: 25 de outubro, 4ª feira, às 10h30, na Culturgest, Pequeno Auditório, projeção do documentário português (119'), "Fogo no Lodo", filmado na aldeia de Unal, a sul de Buba, seguida de debate com os realizadores, Catarina Laranjeiro e Daniel Barroca

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24772: Agenda cultural (842): Pré-apresentação do novo livro do nosso camarada José Teixeira, "O Universo Que Habita Em Nós", prefaciado pelo Prof. Júlio Machado Vaz


1. Em mensagem de 14 de Outubro de 2023, o mosso camarada José Teixeira faz-nos a pré-apresentação do deu novo livro O Universo Que Habita Em Nós.


O UNIVERSO QUE HABITA EM NÓS

Histórias de vida, com vida

Um livro escrito por José Teixeira

Prefaciado por Júlio Machado Vaz

Cada um de nós ao nascer, transporta dentro de si um Universo a construir – a sua vida. Com o desenrolar do tempo e com a ajuda ou desajuda de quem nos rodeia – Mãe, pai, avós, mestres, professores, amigos, vizinhos e colegas do café e tantos outros agentes educativos – vamos desenvolvendo as nossas capacidades, formando o nosso carácter, estabelecendo a nossa forma de ser e estar na vida, ou seja, construído o nosso Universo pessoal.

As histórias que vos ofereço neste livro, ajudam cada um(a), a compreender este fenómeno maravilhoso da vida, como escreve o Prof. Júlio Machado Vaz, com candura, transparência e doçura.

Com um abraço de amizade
José Teixeira
____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 de Outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24769: Agenda cultural (841): Comemorar o Cinquentenário do 25 de Abril em Torre de Moncorvo - A Guerra Colonial: Conversa/debate com escritores - Mário Beja Santos e Paulo Cordeiro Salgado; moderador António Lopes (Paulo Cordeiro Salgado)

domingo, 30 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24269: E as nossas palmas vão para ... (23): Inês Allen, hoje nossa tabanqueira nº 875: Devolveu a Empada, em fevereiro de 2023, a efígie de "Os Metralhas", divisa da CCAÇ 3566 (1972/74), e nome do clube de futebol local, dando cumprimento à última vontade do pai, Xico Allen (1950-2022)




Guiné-Bissau  > Região de Quínara > Empada > 2005 > O emblema ou efígie da CCAÇ 3566, "Os Metralhas", uma peça em argila que foi encontrada pelo Xico Allen a servir de "tapete" ou "soleira" à casa do administrador local... Fotos do álbum do José Teixeira, que acompanhou o Xico Allen nessa viagem.

Foto (e legenda): © José Teixeira  (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. Mensagem do José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)

Data . quinta, 27/04, 15:22 (há 1 dia)
Assunto -  Os Metralhas

Boa tarde Luís

Junto as fotos que tirei em 2005 em Empada com a pedra símbolo dos "Metralhas," que estava a fazer de tapete no acesso à porta da casa do Administrador de Empada. 

O Xico Allen foi cumprimentá-lo e descobriu a pedra e a sua função. Ficou muito aborrecido. e demonstrou o seu descontentamento, pegando na pedra e trazendo-a para o Saltinho. Dois dias depois embarcámos no avião de regresso e a pedra veio conosco.

Quando, no ano passado,  soube que tinha sido criado o Grupo de Futebol "Os Metralhas de Empada" logo se dispôs a ir lá levar a pedra para emblema do clube. Tinha combinado ir com o Silvério Lobo. Infelizmente adoeceu e, ainda antes de morrer,  encarregou a Inês de cumprir a sua vontade.

De recordar que os "Metralhas", a CCAÇ 3566, foram os últimos militares portugueses que estiveram em Empada.

Um xi coração para ti e para a Alice.




2. Resumo da viagem,  à Guiné-Bissau, da Inês Allen, acompanhada do Silvério Lobo (e mais alguns antigos combatentes que se lhes juntaram), em fevereiro de 2023; 

Segundo uma notícia da Agência Lusa, de 14 de fevereiro de 2023, que foi publicada nos jornais (e nomeadamente no "Observador", mas também da Rádio Voz da Guiné, no dia seguinte, no Facebook), "a portuguesa Inês Allen Pereira cumpriu a vontade do pai e entregou em Empada, no sul da Guiné-Bissau, o distintivo da companhia da tropa colonial portuguesa “Os Metralhas” a um clube de futebol com o mesmo nome", que havia sido criado em junho de 2021.

É sabido que o nosso Xico Allen, depois de reformado (era bancário), tornou-se uma "viajante compulsivo", tendo visitado a Guiné-Bissau por diversas ocasiões.  Numa delas, em 2005, e conforme relato acima do nosso camarada Zé Teixeira, encontrou em Empada o emblema ou a efígie da sua antiga companhia, a CCAÇ 3566, cuja divisa era justamente "Os Metralhas”,  

"Nostálgico, Francisco pegou naquele símbolo circular com cerca 50 centímetros de diâmetro, que levou para Portugal." - acrescenta a peça da Agència Lusa - com a ideia de o restaurar. Era uma peça feita de argila, pesando cerca de 19 quilos.

"A ideia, contou à Lusa em Bissau a filha Inês Allen Pereira, era restaurar aquela relíquia feita de argila da Guiné e um dia devolvê-la a Empada. Em outubro passado, quando Francisco tinha tudo planeado para trazer de volta o símbolo de “Os Metralhas”, acabou por morrer de doença".

Conhecedora da vontade do pai, a Inès decidiu viajar até Empada:

“Ele tinha muito orgulho porque soube que há muito pouco tempo tinha sido criado o clube de futebol “Os Metralhas” em Empada e estava a correr muito bem e que tinham subido de divisão”, explicou à Lusa Inês Pereira.

Francisco “tinha muito orgulho” pelo facto de em Empada terem dado, ao clube de futebol local, o nome da divisa da sua companhia, o tempo da guerra colonial, a CCAÇ 3566 (Empada e Catió, 1972/74).

Tão cedo Inês não se vai esquecer da “grande receção” que teve na vila onde o pai foi militar quando no passado domingo, dia 12 de fevereiro, fez 12 horas de viagem entre Bissau e Empada para entregar o símbolo de “Os Metralhas”, com cerca de 19 quilogramas.

(...)  "Dauda Cassamá, vice-presidente do Empada Futebol Clube “Os Metralhas”, criado há dois anos e que subiu da terceira para a segunda divisão, explicou à Lusa que o símbolo devolvido por Inês Pereira vai ser colocado numa vitrina no hall de entrada da sede do clube" (...).

O prõximo desafio é fazer "cumprir um desejo dos cidadãos de Empada que querem batizar o campo de futebol com o nome Francisco Allen Pereira"

O acontecimento teve honras de conferência de imprensa Bissau, no dia 14 de fevereiro, em que a nossa Inês foi a "vedeta". E, merece, naturalmente as nossas palmas pelo seu gesto. (*).  



  Guiné > região de Quínara > Empada > Futebol Clube "Os Metralhas de Empada" > Fevereiro de 2023
Leiria > Convívio anual da CCAÇ 1790 > "Mais um convívio muito bem passado! Obrigada à CCAC 1790, 1967/69, por nos receberem e também pelas 150 'empadas' angariadas hoje, por amizade e pela compra de livros, para a concretização do 'Campo de Futebol Xico Allen' ". A Inês Allen aqui com  Silvério Ribeiro Lobo e Liliana Miguel Carvalho Dantas em Leiria.

Fotos: Cortesia da página do facebook da Inès Allen (2023)

3. Ficha da unidade > Companhia de Caçadores nº  3566, "Os Metralhas" (Empada e Catió, 1972/74)

Identificação:  CCaç 3566
Unidade Mob: BC 10 - Chaves
Cmdt: Cap Mil Inf João Nuno Rocheta Guerreiro Rua | Cap Inf Herberto Amaro Vieira Nascimento | Cap Mil Inf Pedro Manuel Vilaça Ferreira de Castro
Divisa: "Os Metralhas"
Partida: Embarque em 23Mar72; desembarque em 23Mar72 | Regresso: Embarque em 18Jun74

Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 27Mar72 a 22Abr72, no CIM, em Bolama, seguiu em 24Mai72, para Empada, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CCaç 3373.

Em 17Mai72, assumiu a responsabilidade do subsector de Empada, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 3852. 

Em 22Jan73, por remodelação do dispositivo, o subsector passou à dependência do BCaç 4510/72. 

Em 03 e  21Abr73, dois pelotões foram deslocados para Catió, em reforço da guarnição
local, onde se mantiveram até 23Jan74.

Em 25Fev73, a sua zona de acções foi alargada às áreas da península da Pobreza e Cubisseco de Baixo, por reformulação do dispositivo, incrementando então a sua actividade ofensiva, com realce para uma acção imediata sobre Iangué, em 190ut73, com bons resultados.

Em 14Jun74, foi rendida no subsector de Empada pela CCaç 4944/73, recolhendo seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso.

Observações -  Tem História da Unidade (Caixa n.º 116 - 2.ª Div/4ª  Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 412.
___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 19 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23896: E as nossas palmas vão para... (21): o Humberto Reis, que hoje faz anos e é um dos nossos grandes fotógrafos, para além de colaborador permanente e "cartógrafo-mor" do nosso blogue

quinta-feira, 27 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24258: Convívios (956): A CCAÇ 2381 comemorou o seu regresso no 9 de Abril de 1970, fazendo o seu 30.º Almoço / Convívo no dia 15 de Abril, em Torres Vedras (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)



A CCaç 2381 comemorou o seu regresso, que se concretizou em 9 de Abril de 1970, fazendo o seu 30.º Almoço Convívio

Comemorar o regresso é regressar ao passado

Os militares da CCaç 2381 chegaram a Lisboa no dia 9 de abril de 1970, depois de cerca de vinte e quatro meses, perdidos nas entranhas da Guiné, onde viveram bons e maus momentos, como toda a gente a quem foi imposto combater no Ultramar.

Retirados do Niassa e encafuados numa LDM, seguiram pelo Rio Cacheu acima até S. Vicente, onde foram largados, tendo a LDM partido de imediatamente para aproveitar a maré.

Ali ficámos, sem armas, melhor dito, com armas novinhas em folha, mas sem munições, à espera de que nos viessem buscar. Ainda foram umas horas, se bem me lembro. Alguém lembrou ao capitão que podíamos ser atacados e logo este determinou que nos colocássemos em posição de defesa, por pelotão, distribuindo algumas armas, até que se ouviu: para quê meu capitão, se não temos munições?!

Por fim ouvimos o roncar dos motores, e lá se aproximaram os “velhinhos” que vinham de Ingoré para nos transportarem. Soltaram toda a passarada e só se ouvia Piu! Piu! Salta periquito, salta! Piu! Piu!

Já na LDM, os fuzileiros também ensaiaram esta música, apontando o dedo indicador, mas muitos nós estávamos como anestesiados com a expectativa do que nos podia acontecer e não ligámos, mas agora era um coro de passarada, que começou por incomodar, para, logo, passar a forma de conviver, como que nos dando a boas-vindas.

Cansados de Ingoré, fomos enviados para Aldeia Formosa, passando por Buba onde sofremos o batismo de guerra. Vimos e sentimos a dor e o sofrimento dos que caíram feridos e chorámos um camarada que faleceu por falta de apoio aéreo para o transportar para o Hospital em Bissau. Foram cerca de trinta e seis horas de inferno para chegar ao destino, a trinta quilómetros de distância, mas chegámos e por ali nos quedámos oito meses, repartidos por Aldeia Formosa, Mampatá Forreá e Chamarra. 

Foi um longo estágio a fazer segurança às populações e colunas de reabastecimento de Buba a Aldeia Formosa e daqui até Gandembel, com “manga di sakalata” pelo meio, com feridos e mortos, ou seja, muito sangue, suor e lágrimas, mas também com alegrias, sobretudo, a alegria de sentirmos a vida a pulsar depois de ultrapassados os acontecimentos.

Depois voltámos a Buba, porque estava nos planos de quem mandava, abrir uma estrada nova de ligação, e era necessário criar as condições de segurança. Estávamos bem treinados! Foi um tempo de sofrimento que se iniciou em janeiro de 1969 em Buba, passando por Samba Sabali, voltando a Mampata Forreá. 

Montar segurança à construção era a nossa missão que repartíamos com a segurança a Buba. Nesta missão estavam embrulhadas três Companhias Operacionais, a saber: a CCaç 2317, a CCaç 2381 e a CCaç 2382, dois grupos de combate da 15.ª Companhia de Comandos e um Departamento de Fuzileiros, e o inimigo que não nos dava descanso.

O cansaço foi se apoderando desta gente toda. A CCaç 2381 chegou a estar reduzida a 36 operacionais. Deixo aqui os nossos profundos agradecimentos ao médico João Carlos de Azevedo Franco, o nosso “anjo da guarda”, que tudo fez para nos proteger, obrigando os comandos em Bissau a rever a estratégia, ao ponto de enviar uma Junta médica para avaliar o nosso estado de saúde física e psíquica, que apenas confirmou a posição do médico Azevedo Franco. Felizmente para ele, que não sofreu a “porrada” que lhe fora prometida e para nós que fomos sendo substituídos aos poucos. 

Metade da CCaç 2381 partiu para Empada revezando-se após algum tempo de descanso. Até o próprio Comandante-Chefe, António de Spínola, se dignou aparecer por lá para nos dar mais uma lição de patriotismo e apelando para que quando nos dessem a comer massa com massa, imaginássemos um belo prato de “meia desfeita” num restaurante de Lisboa (creio que ele gostava muito deste prato ) e comêssemos tudo! - porque o importante era sobreviver naquele inferno (digo eu), enquanto incitava o médico a injetar-nos umas “picas” (gostei do gesto que fazia insistentemente, porque o gesto é tudo). Aponta Bruno! - ordenava ele. Ao qual o médico respondia: O que eles precisam é carne e peixe!... e tempo de descanso! E o outro insistia com o gesto e, oito dias depois, chegou, um grosso volume de medicamentos (“picas”), que tiveram de imediato o selo - remeter à procedência por não ter sido solicitado.

Felizmente, em novembro de 1969, juntámos a Companhia toda, em Empada e em fevereiro de 1970 partimos para Bissau com destino a Lisboa, que só se processou no dia 2 de abril, com o sentido de missão cumprida.

Não regressámos todos. Três de nós partiram antes do fim da Comissão, para o eterno aquartelamento. Com que dor os vimos partir! Dois deles feridos mortalmente pelas armas do inimigo e um terceiro por incúria própria.

Alguns regressaram antecipadamente devido a ferimentos e outras causas. Os que regressaram, voltaram às suas terras, às suas famílias, ao mundo que tinham abandonado e tentaram refazer a vida e recuperar o tempo perdido.

Em 1990, a saudade foi se apoderando de alguns e ouve um toque a reunir, que juntou quarenta e cinco Maiorais. A partir desse encontro, todos os anos se promoveram encontros que nos foram permitindo reencontrar Maiorais perdidos na selva da vida. Muitos desligaram-se completamente da tropa, CCaç 2381 – Os Maiorais, dos amigos e nunca deram sinal de vida. Outros foram aparecendo, para dar força à razão que nos fazia correr para o local de encontro. Quase todos os anos tem havido surpresas de alguém que aparece ou dá sinal de vida e por vezes (infelizmente muitas) o sinal de morte, porque o tempo não perdoa.

Este ano, depois de três anos perdidos devido à pandemia, voltamos a encontrarmo-nos no dia 15 de abril para comemorarmos o regresso e a vida. Desta vez em Torres Vedras no restaurante da Quinta ValOásis.

Éramos muitos, talvez poucos, os que ousaram desafiar os contratempos e as maleitas que nos apoquentam, vinte e cinco ao todo, e respetivas famílias num total de 64 pessoas. Registámos as ausências de quem tinha vontade de vir ao Encontro Convívio, mas… as pernas já não aguentam, ou a cabeça, ou a doença que se vai apoderando… Por vezes outros compromissos inadiáveis com a família. É a esposa que não ajuda, pelas mesmas razões, ou o filho/filha que não está para doar uma tarde bem passada ao pai… é o aniversário de um neto, ou o casamento de uma sobrinha…

Registámos também os que ousaram dar sinal pela primeira vez, mas que não puderam estar presentes. Sejam bem-vindos, Hélder Luciano, José Silva, Joaquim Fino e Custódio Mendeiros.

Para o ano há mais e desta vez será em Fátima, por várias razões em que sobressai a facilidade de transportes e a Fé que ainda faz mover muitos de nós e dos nossos familiares que nos acompanham.

Foto 1 - Maiorais presentes
Foto 2 - um grupo de Maiorais prontos para o combate de faca e garfo
Foto 3 - Os ex-furriéis J.Manuel Silva e J.Manuel Samouco com o J.Teixeira um dos enfermeiros da Companhia
Foto 4 - A alegria contagiante dos presentes
Foto 5 - A partilha do bolo com a ajuda da Sara Silva - Filha do Silva do Algarve
____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24240: Convívios (955): 38º Encontro Nacional dos Ex-Oficiais, Sargentos e Praças, BENG 447, Brá, Guiné: Caldas da Rainha, 20/5/2023... E ainda: almoço-convívio dos Antigos Aunos do Externato Ramalho Ortigão (ERO), também nas Caldas da Rainha, a 6/5/2023 (João Rodrigues Lobo)

quinta-feira, 9 de março de 2023

Guiné 61/74 - P24132: Os nossos seres, saberes e lazeres (559): Um estranho convite para uma visita à RDA – República Democrática Alemã (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

1. Em mensagem do dia 6 de Janeiro de 2023, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) recorda uma visita à antiga RDA.

Caros administradores.
Junto um texto sobre a viagem que fiz a Berlim Leste na RDA, República Democrática Alemã, em 1978. Não é propriamente um tema relacionado com a guerra no Ultramar, mas as fotos refletem o que aconteceu em Berlim no fim da II Guerra Mundial e o que está a acontecer atualmente na Ucrânia.
Se virem que o texto tem interesse, publiquem.

Grande abraço do
Zé Teixeira



Uma visita à RDA – República Democrática Alemã

Um estranho convite

Naquela noite de Natal de 1977, o tempo estava frio como sempre no Natal, mas ameno. Para cumprir a tradição familiar dispusemo-nos a ir à Missa do Galo. Ao dobrar a primeira esquina deparamo-nos com o Carlos Alberto e a Urbela, um jovem casal, companheiros de outras atividades sociais anteriores ao 25 de Abril, que a vida militar dele, tinha arrastado para Lisboa onde se fixaram. Estavam descontraidamente a fumar à porta da “ilha” onde moravam os pais da Urbe. Encontro agradável que alterou o nosso programa pelo prazer de pôr a conversa em dia.

Conhecendo a minha veia ativista, quiseram saber novidades sobre as minhas atividades ligadas à da Associação de Moradores local da qual era um dos fundadores. O processo SAAL/Norte desenvolvia-se já com algumas dificuldades, devido ao contexto político, mas, o sonho dos moradores das ilhas degradadas da zona estava a ser concretizado na medida do possível com a construção de 82 casas num projeto do arquiteto Siza Vieira em plena Rua da Boavista. Acoplados ao projeto de construção tínhamos agregados, um infantário e uma cooperativa de consumo em pleno funcionamento, tudo gerido pelos moradores membros da Associação em cujas equipas eu estava voluntariamente integrado e para a qual dispunha do meu tempo livre, sem tirar quaisquer dividendos.

Para muita gente, a Associação de Moradores era um conjunto de comunistas, sobretudo membros de grupelhos esquerdistas que enxameavam a freguesia e alguns membros do partido comunista que nunca teve a capacidade de dominar a situação. Para mim eram pessoas humildes, com muitas carências que devido aos magros salários viviam em autênticos buracos a que chamavam ilhas. Agarraram-se a quem lhe prometia lutar por uma habitação condigna, um infantário para o filho do operário e sobretudo guiavam a sua luta.
Eu, para os moradores pobres era um amigo com outra visão da situação, para outros era um comunista perigoso e para outros era um cristão progressista.

A conversa prolongou-se pela noite dentro - que bela missa do galo! – e culminou com um estranho convite. A integração da minha pessoa num grupo de cristãos progressistas que ia fazer uma visita à RDA- República Democrática Alemã, a mãe do celebre muro de Berlim, com estadia e uma das viagens paga pela RDA.

Não acreditando em milagres, muito menos vindos de um país comunista, arrumei o assunto e continuei a minha vida dedicando-me à família, ao emprego e às atividades nas diversas áreas da associação de moradores, sem esperar qualquer recompensa, que não fosse o prazer de ajudar a minorar a situação das pessoas mais frágeis.

Estranhamente, em outubro de 1978, recebo um convite para me dirigir à Sede da Associação de Amigos da RDA no Porto, onde me foi entregue oficialmente o tal convite para uma visita de oito dias à RDA. Apenas tinha de comprar o bilhete de regresso de Berlim para o Porto no valor de 15.000$00 (15 contos). A data da partida era 9 de novembro pelo que tinha de me decidir.

Partida para Berlim

No dia 9 de novembro, à hora marcada e com o bilhete de regresso na carteira, apresentei-me no aeroporto de Lisboa, onde tive oportunidade de conhecer os parceiros de viagem; duas catequistas do Porto que de progressistas não tinham nada, bem pelo contrário, uma senhora de Santarém dirigente da Conferência de S. Vicente de Paulas local, essa sim, com uma visão avançada e comprometida e um jovem da minha idade, também de Santarém que me pareceu ser o “controleiro” do partido comunista, para que as ovelhas não fugissem do redil.

O avião da Aeroflot (agência de aviação soviética) estava na pista, mas a chamada para a partida não chegava, até que fomos informados que tinha havido um problema com o avião, pelo que nos meteram num autocarro com um grupo de gente da América Latina e levaram-nos a um hotel no centro de Lisboa onde pernoitamos.

No dia seguinte, logo de manhã seguimos de novo para o aeroporto e embarcamos. O pessoal de voo muito bem-apresentados, receberam-nos com sorrisos abertos e mandaram-nos sentar onde quiséssemos. Não havia lugares reservados e o avião ia vazio e desprovido de alguns dos assentos, com espaços vazios.

Ao levantar voo, o assento onde eu ia sentado começou a deslizar. Não estava devidamente fixado ao chão e ao meu lado a cena sucedia-se. Bom momento para umas piadas picantes acerca da situação que acabou por se regularizar. Cada um dos utentes corrigiu a posição do seu assento e seguimos viagem. O avião aparentava ser velho, e ter sido usado para as mais variadas missões. Reparamos, entretanto, que a apresentação do pessoal de voo se modificou. Mal o avião estabilizou e pudemos libertar-nos do cinto, cujo efeito foi nulo, como vimos atrás. Eles, que no aeroporto se apresentaram com o esmero típico das gentes que andam no ar, tiraram o casaco e a gravata, desapertaram os botões da camisa e arregaçaram as mangas; elas mudaram para roupa mais funcional e a seguir serviram-nos uma refeição frugal. Sentaram-se ao nosso lado e tiraram a barriga de misérias.

Chegados a Berlim Leste, saímos do avião e entramos num autocarro que nos transportou à zona alfandegária. Impressionou-me ver um polícia metido dentro de uma cabine blindada, apenas com uma pequena abertura, talvez de 20 por 50 cm, a olhar para mim com um ar muito sério, a medir-me de cima a baixo, sem fazer uma pergunta. O passaporte tinha sido entregue em Lisboa a um comissário de bordo, porquanto, estava sem documentos de identificação. Ainda no avião entraram dois jovens, ela identificou-se em português como Brigitte e apresentou o George como nosso guia em Berlim, sendo ela a tradutora.

Levava comigo um jornal, creio que era, creio que era A Visão. Pediu-me o jornal, Abriu folha a folha, sacudiu bem para o chão e voltou a entregar-mo, mandando-me seguir para a sala contígua, onde me esperavam os outros portugueses. E a comitiva, alemão, guia e tradutora. Os latino-americanos já tinham desaparecido, mal o avião aterrara.

Entramos numa carrinha de nove lugares e seguimos para o hotel na Avenida das Tílias. As nossas malas já lá estavam. Tinham sido entregues abertas à tripulação em Lisboa e voltavam agora à nossa posse. Era um mundo novo e estranho para nós. Estava muito frio e nevoeiro que baste. Os sinaleiros serviam-se de sinais luminosos para orientar o trânsito. Não havia um sorriso uma palavra de afeto, no mínio, de acolhimento. Com frieza, fomos informados que o George tinha de ir à polícia com os nossos passaportes, regularizar a nossa situação na RDA e que voltaria dentro de duas horas. Teríamos de ir para o nosso quarto e aproveitar para descansar da viagem. Ninguém podia sair do quarto, enquanto não recebêssemos ordem para descer à sala de entrada do hotel. Chegariam a tempo de nos levar a jantar, disse a Brigitte, para não ficarmos assustados.

Bem, duas horas parado ali no hotel, em Berlim Leste que eu tanto queria conhecer?! Não!

Entrei no quarto, fechei a porta e pousei a maleta. Respirei fundo e espreitei pela janela daquele quinto andar. Vi uma torre de televisão. Era alta e linda. Tinha uma espécie de balão cheio de janelas iluminadas.

Eu tinha a chave do quarto comigo, meti-a no bolso e abri a porta do quarto, espreitei para um lado, para o outro, não havia ninguém. Meti-me no elevador e desci ao piso zero. Uma sala grande, com algumas pessoas a conversar. Peguei no jornal L’Humanitée do PCF e sentei-me num cadeirão. Protegido pelo jornal estudei os olhares, mas ninguém notara a minha presença, pareceu-me. Alguns minutos de espera e eis-me fora do hotel a olhar em todas as direções, para ver se era seguido. Isto de estar num país comunista metia respeito. Mas, afinal havia liberdade. A torre lá estava ao longe no meio daquele tremendo nevoeiro a desafiar-me. Subi a Avenida das Tílias ao seu encontro. Pelo caminho pude ver e apreciar as majestáticas fachadas dos prédios. Que maravilha! Tanta arte. Tinha tanto de belo como de largo a avenida das Tílias, por onde Hitler se passeara noutros tempos. Com o tempo controlado abri caminho, onde pouca gente se passeava. O tempo não estava convidativo pensei eu, mas segui até à torre, calmamente, saboreando a liberdade de estar em Berlim Leste. Valeu a pena esta minha ousadia, porque o centro de Berlim é um colosso. O tempo de regresso controlado começou a ser pouco, pelo que tive de apressar o passo. Não tinha medo de me perder, pois tivera o cuidado de estudar bem a pista que segui. Voltei ao hotel e instalei-me no quarto cinco minutos antes de ser chamado para o hall.

Integrado no grupo, fomos informados pelo George que a Brigitte traduziu, que iríamos jantar no restaurante panorâmico da torre da TV. Esfreguei as mãos de contente e disse: - Uu vou a pé! - É muito longe disse o George. Temos ali o carro do povo.
- Não! Eu já lá estive, sei onde é. Sigam que eu dentro de quinze minutos estou lá convosco.
- O quê? Já lá estiveste? Quem te autorizou, gritou o George, sempre traduzido pela Brigitte. Eu não te disse para ficares no quarto a descansar até te chamar? Podias ser preso pela polícia!
- Sim, mas que mal tem em passear pela tua terra. É tão linda! Sou um homem de bem, a polícia não quer nada comigo!
- A partir de agora cumpres as minhas ordens e segues connosco na carrinha. Vamos!

Espetacular local! O Restaurante panorâmico da torre da TV de Berlim Leste é fantástico. Sentados à mesa, rodamos cento e oitenta graus, podendo ver Berlim Leste e Oeste de todos os ângulos. Era de noite, o que tornava ainda mais belo pela iluminação noturna da cidade. E a comida soube bem. Creio que foi truta grelhada, como só voltei a comer em Wernigorode uns dias depois. Foi tempo de conversa. Estava connosco alguém que se apresentou como Presidente da Câmara e forneceu-nos a mais variada informação sobre a RDA e sobretudo sobre Berlim. RDA, um país que se servia da técnica e sabedoria comunista para servir o seu povo e que tinha no seu próprio coração, na capital Berlim, o seu maior inimigo, o capitalismo representado pelas forças aliadas dos EU, da Inglaterra e da França, em resumo foi o que me ficou depois de passados tantos anos. Note-se que a capital da República Federal da Alemanha (RFA) era Bona e a Capital da República Democrática Alemã (RDA) era Berlim Leste. A parte do Oeste pertencia à RFA e estava ocupada pelas forças aliadas vencedoras da II grande guerra.

Regressamos ao hotel, bem comidos e bem bebidos, sem pôr o pé na rua. A carrinha esperava-nos à porta da torre para nos levar ao hotel e aquela Praça tão majestática que eu admirara à socapa, não pode ser apreciada pelos camaradas que me acompanhavam. E, ainda apanhei um sermão do grupo. Era um rebelde – diziam eles – e podia pôr em risco a viagem.

No outro dia de manhã tivemos uma salchicharia completa ao pequeno-almoço. Preferi um pão com manteiga e um copo de leite e ovos batidos.

Nova reunião com mais alguma informação teórica sobre Berlim e para sermos informados que seguiríamos de imediato para Magdebourgo.

- De imediato?! Então eu venho a Berlim e nem se quer me deixam ir ver o célebre muro de Berlim, mesmo que seja deste lado. Quero ir vero muro e saber a sua história. Assim como as portas de Bandenbourgo. Aqui é Berlim e no convite está bem explicito uma passagem por Berlim. Não saio daqui sem ver o muro, podem crer.
Estavam presentes as autoridades locais que nos tinham acompanhado na noite anterior. Vinham despedir-se de nós.

O George bem se desdobrou em esforços para me convencer a partir, mas eu tinha o sangue na guelra e bati o pé. Os companheiros de jornada, olhavam uns para os outros e para mim. Baixavam os olhos e não diziam nada. Criou-se um impasse, porque eu mantinha-me em silêncio, mas não me mexia em direção à viatura. A Birgitte, olhava para mim, mas limitava-se a traduzir as minhas palavras e as do George.
Passados uns longos minutos em que eu já bufava e o George também, olhando-me com ar furibundo, o presidente da Câmara disse qualquer coisa que a Brigitte traduziu: - Vamos entrar para a carrinha. Vocês vão depositar um ramo de flores no monumento das vítimas dos atiradores ocidentais, junto ao muro de Berlim e passaremos ao lado das portas de Bandenbourgo. - E assim aconteceu.

Pelo caminho, sentei-me ao lado da Brigitte e cravei-a de perguntas sobre a liberdade do povo, a saúde, o emprego, etc, sem resposta. Parecia que perdera o dom da palavra. Recebia sorrisos e silêncios. Apenas traduzia as informações do George, ou colocava-lhe as minhas questões. Pudemos saber que havia bastantes mortes do lado oriental. Atiradores furtivos instalados no lado ocidental de Berlim, dedicavam-se à caça de transeuntes que andassem por perto do muro da outra banda, e eram já uns milhares, de cidadãos da RDA, assassinados.

Demos uma volta pela cidade, sempre acompanhados por uma comitiva da Câmara Municipal. Passamos perto das portas e foi-nos explicado, que um dia por semana, os cidadãos do Leste podiam vir à feira do Oeste e vice-versa. As portas eram abertas com o devido cuidado e controlo, porque o inimigo estava sempre à espreita.

Colocamos um ramo de flores junto do monumento às vítimas do muro, com discurso alusivo feito pelo Borgumestre de Berlim. Só eu e uma senhora de Santarém levantamos algumas questões sobre a realidade do muro. A razão de ser do mesmo devia-se ao facto de haver todos os dias infiltrações de gente da zona Oeste, em poder do capitalismo, para minar o sistema económico da RDA e ao mesmo tempo provocar desacatos que obrigassem a polícia a intervir, para provocar mal-estar e poderem afirmar perante o Ocidente que havia descontentamento da população de Leste, o que na sua visão era falso. O povo era pacato, ordeiro e trabalhador.

Quando estávamos a entrar para as viaturas, eu continuei colado à Birgitte e ela entrou para uma viatura civil que nos ia acompanhar até à fronteira da província. Eu, que devia ter entrado na carrinha com os meus colegas de viagem, sentei-me ao lado dela e ali fiquei apesar das tentativas de me forçarem a sair. Pude então levantar-lhe a pergunta sagrada:
- Brigitte, nunca pensaste em ir visitar a parte Oeste da cidade?
Começou por não responder, mas perante a minha insistência, disse-me que não.
- Tens lá família, com certeza gostarias de ver os teus familiares?
- Sim tenho tios e primos, mas nunca pensei em visitá-los, – respondeu-me ao fim de algum tempo, com alguma secura.
- Não me acredito!
- Tu sabes que o meu governo não gosta que a gente vá à outra parte ca cidade e eu não vou. Ponto final. Pára de me fazer perguntas. - E mais não disse, até ao fim da viagem.

Nota 1 - O prémio que tive por este “namoro” com a Brigitte foi uma reprimenda das minhas queridas colegas de viagem, porque segundo elas, sendo eu um homem casado e com filhos, estava dar um péssimo exemplo de homem honrado e do cristianismo em Portugal.

Nota 2 – As fotos evidenciam o estado de Berlim Leste depois da guerra, segundo fotos tiradas pelo exército russo, pois foram eles os primeiros a entrar em Berlim. Situação provocada pelas forças ocidentais USD, UK e França que servindo-se da sua capacidade aérea destruíram Berlim, já depois de a guerra estar ganha, na perspetiva dos Alemães de Leste com quem convivi.

Zé Teixeira

____________

Nota do editor

Último poste da série de 4 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24117: Os nossos seres, saberes e lazeres (558): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (92): Regresso à Academia Militar, ao Palácio da Bemposta (1) (Mário Beja Santos)