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terça-feira, 14 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4685: In Memoriam (27): Recordando o Major Raul Passos Ramos (TCor José Francisco Robalo Borrego)

1. Mensagem de José Borrego (*), Ten Cor na Reserva, que pertenceu ao Grupo de Artilharia n.º 7 de Bissau e ao 9.º Pel Art, Bajocunda (Guiné, 1970/72), com data de 12 de Julho de 2009:

Caríssimo Carlos Vinhal,

Sem querer abusar da tua paciência e amizade envio-te para publicação, se assim o entenderes, mais este contributo antes das férias. Com os meus agradecimentos deixo a estética do trabalho ao teu altíssimo critério.

No Poste 4653 do camarada Álvaro Basto vi, pela primeira vez, os majores Pereira da Silva, Raul Passos Ramos, Osório e o alferes Mosca do Estado-Maior do CAOP1 em Teixeira Pinto, assassinados, na Guiné, na estrada que liga Pelunto a Jolmete (**).

Quando, em Julho de 1970, cheguei à Guiné não se falava de outra coisa!

As mortes tinham sido em Abril e ainda me lembra de ver o Senhor General Spínola de luto, fita preta, no braço (***).

Dizia-se em Bissau que tinha desaparecido, ingloriamente, a fina flor do Exército Português!

Estou muito grato ao blogue por publicar as fotografias e ao camarada Álvaro Basto por as ter arranjado, desfazendo equívocos, as quais me serviram de inspiração para escrever estas palavras sobre pessoas que foram brutalmente mortas numa missão muito arriscada… (receber a rendição de dois bigrupos na região de Canchungo ), como infelizmente se veio a verificar.

Segundo o irmão de Amílcar Cabral (Luís Cabral) que foi Presidente da Guiné-Bissau, o plano consistia em apanhar à mão o Governador (General Spínola) e os seus companheiros, mas este foi desencorajado pelo excelso e avisado Tenente-coronel Pedro Cardoso, que na altura era o Secretário-Geral da Guiné, que numa carta enviada ao Sr. General Spínola lhe terá dito que era perigoso envolver-se em contactos pessoais com os dirigentes sob controlo inimigo, propondo-lhe que, de futuro, os contactos se passassem a fazer em Bissau, no Palácio. Isto porque em data anterior (primeiros dias de Abril) o Comandante-chefe ter-se-á encontrado, secretamente, com André Pedro Gomes, chefe guerrilheiro da região Caboiana-Churo, para negociações de paz, na estrada entre Teixeira-Pinto/Cacheu.

As circunstâncias da morte dos militares em apreço, já foram relatadas por camaradas que viveram de perto a situação e publicadas no blogue.

Apenas falarei de algumas qualidades do major Raul Passos Ramos, porque conheço o seu irmão, general Fernando Passos Ramos, de quem sou amigo há muitos anos. Aliás, quando soube do falecimento do seu irmão Raul, voou do Leste de Angola para a Guiné para se inteirar da situação.

Nunca tive o privilégio de conhecer pessoalmente o major Passos Ramos, mas conheço testemunhas credíveis de camaradas do QP que serviram sob o seu comando, dos quais guardo na memória algumas qualidades humanas e militares do major Passos Ramos, relatadas por eles, e que passo a descrever:

Na década de 60, ainda capitão, o major Passos Ramos esteve a prestar serviço na Escola Prática de Artilharia em Vendas Novas;

Era um oficial distintíssimo, muito respeitado pelo seu constante exemplo (era um exemplo a seguir);

Era de uma dedicação e competência inexcedíveis, surpreendendo os mais dedicados e competentes!

Como comandante de Bateria (equivalente a Companhia na Infantaria) preocupava-se com os seus soldados, principalmente com os mais necessitados; conhecia-os a todos pelo nome e não pelo número... conversava com eles e sabia das dificuldades por que passavam. Alguns eram casados com filhos e o Capitão Ramos para lhes minimizar o sofrimento mandava-os entrar de licença para poderem trabalhar e contribuir para o sustento das suas famílias;

Todos os militares, principalmente oficiais, o queriam imitar…;

Oferecia-se para missões em lugar de outros camaradas que estivessem em dificuldades;

Quando entrava de Oficial de Dia à Escola Prática de Artilharia a população de Vendas Novas comparecia em peso para assistir à cerimónia do Render da Parada num gesto de profunda homenagem e consideração ao capitão Passos Ramos!

Enfim, era um Homem bom que do meu ponto de vista, merece ser recordado com todo o respeito e admiração!

Ao major Passos Ramos e aos restantes militares que faleceram com ele no cumprimento de uma missão, rogo a Deus para que as suas almas descansem em paz.

Despeço-me, desejando a todos as camaradas da Tabanca Grande e respectivas famílias, umas boas férias.

Abraços do
JOSÉ BORREGO

Nota: - Na construção dos parágrafos cinco e seis, apoiei-me no livro do Tenente-coronel Infª Francisco Proença Garcia (Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Portucalense Infante Henrique)

Linda-a-Velha, 12 de Julho de 2009

Na foto: Majores Joaquim Pereira da Silva e Raul Passos Ramos, Alf Mil Fernando Giesteira Gonçalves e Major Magalhães Osório

__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4628: Estórias avulsas (38): Histórias passadas na Guiné (José Borrego)

(**) Vd. poste de 7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4653: Dando a mão à palmatória (21): A verdadeira fotografia do Alf Mil Cav Mosca, assassinado no dia 21 de Abril de 1970 (Os Editores)

(***) Vd. postes de:

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê: O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

9 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1510: Os heróis do Chão Manjaco e o Alferes Giesteira (Paulo Raposo)

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

Vd. último poste da série de 6 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4645: In Memoriam (25): Maria da Glória Revez Allen Beja Santos (1976-2009): Missa do 7º dia, 4ª feira, 19h, Igreja do Campo Grande

terça-feira, 7 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4653: Dando a mão à palmatória (21): A verdadeira fotografia do Alf Mil Cav Mosca, assassinado no dia 21 de Abril de 1970 (Os Editores)


1. A propósito de um equívoco que se manteve durante largo tempo no nosso Blogue, relacionado com a identificação dos camaradas representados nas fotos alusivas ao Massacre do Chão Manjaco, com a devida autorização do nosso camarada e tertuliano Álvaro Basto (*), ex-Fur Mil Enf da CART 3492/BART 3873, reproduzimos o Poste 184, do Blogue da Tabanca Pequena de Matosinhos, por ele publicado.




2. Domingo, 7 de Junho de 2009
P184-desfazer as confusões


Um dos nossos mais queridos e assíduos companheiros de tertúlia na Tabanca de Matosinhos tem sido este simpático casal.

O Dr. Fernando Giesteira Gonçalves e a D. Joaquina Silva, sua simpática esposa.

Praticamente não falham à quarta-feira e não raro, vêm acompanhados de gente ligada à Guiné, quer ex-combatentes quer naturais de lá.
Ele é médico e vai abrir em breve uma clínica em Bissau com a ajuda da esposa que corajosamente o irá acompanhar desde a primeira hora.
Gente simpática, afável e sobretudo dotada de grande humanismo, basta relembrar como têm vindo a acompanhar o processo de auxilio às crianças da Clínica Pediátrica de Bor.

Há dias olhando para a foto abaixo que vinha publicada num destacável que é publicado todas as quartas feiras pelo Correio da Manhã diz surpreso: - Olha... eu estou aqui com os majores.
Logo um coro se fez ouvir... - Oh Dr. tem a certeza? Olhe que esse é o Alferes Mosca que foi morto juntamente com os majores. Ele não desarma e reafirma: - Desculpem, este sou eu, tenho a certeza. O Mosca foi-me substituir uns meses mais tarde à data desta foto ter sido tirada; o Mosca nem na Guiné estava nesta altura. Era eu que fazia parte do CAOP e ele foi-me substituir por ter chegado ao fim a minha comissão.
Bom... foi a estupacção total... tem vindo a ser propalado que esta foto reunia os quatro massacrados, mas afinal não.
Só agora é que o Dr. Giesteira viu esta foto porque habitualmente não vai à inernet e muito menos ao Blogue do Luís. Doutra forma, já teria obviamente desfeito o equívoco há mais tempo.


Fica aqui desfeita a confusão pois já na altura da primeira publicação da foto no Blogue do Luís quem o fez não estaria seguro quanto à identidade do alferes que nela aparecia.
Assim se vai fazendo História meus caros.
Álvaro Basto
__________

3. Para desfazer definitivamente quaisquer dúvidas fica agora a foto com os verdadeiros mártires do Chão Manjaco


Já no Poste 1510 o nosso camarada Paulo Raposo punha a hipótese de na foto estar um seu camarada de Mafra de apelido Giesteira.

Ao Dr. Fernando Giesteira Gonçalves e à família do nosso malogrado camarada Alf Mil Cav Joaquim João Palmeiro Mosca, apresentamos as nossas desculpas pelo lapso que grassou durante todo este tempo.

Se este poste chegar ao conhecimento do Dr. Giesteira, fica desde já convidado a aderir à nossa Tabanca Grande. Será um prazer para nós contar com a sua colaboração, quer falando do passado, como combatente, quer do presente, como médico interventivo na saúde daquele pequeno e pobre país.

Embora tardiamente, fica reposta a verdade.
CV

OBS:- Nos postes onde constavam as duas fotos acima publicadas, já foram substituídas pela que se apresenta mais abaixo, já como verdadeiro mártir Alf Mil Mosca. (**)
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4310: Tabanca de Matosinhos (11): As crianças da Guiné-Bissau precisam da nossa ajuda (Álvaro Basto)

(**) Vd. postes de 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê: O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

9 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1510: Os heróis do Chão Manjaco e o Alferes Giesteira (Paulo Raposo)

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4412: Dando a mão à palmatória (20): O Arsénio Puim, capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), só foi expulso em Maio de 1971

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4223: Efemérides (20): Faz hoje 39 anos que foram mortos os 3 majores e o Alf Mosca no chão manjaco (Manuel Resende)

Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > Em primeiro plano, o Alf Mil Cav Op Esp Mosca na véspera de Natal de 1969 a preparar um petisco na cozinha (3 meses e meio antes de ele morrer, juntante com os 3 majores e o resto dos seus acompanhantes, guineenses).

Passam hoje 39 anos sobre sobre a tragédia do chão manjaco. Curvamo-nos à sua memória dos nossos camaradas (Maj CEM Raul Ernesto Mesquita Costa Passos Ramos, Maj Art Joaquim Pereira da Silva, de Inf Alberto Fernão Magalhães Osório, e Alf Mil Cav Joaquim João Palmeiro Mosca) e à memória dos guineenses que os acompanhavam (Mamadu Lamine Djuare, Patrão da Costa e Aliu Sissé).

Segundo a legenda (rectificativa) que nos mandou o Manuel Resende (que mora em São Domigos de Rana), "ao meio é 2º Sargento da Companhia, (não me lembro o nome); ao fundo é o Alf Marques Pereira". A crescenta ainda que a companhia dele, a CCaç 2585 partiu para a Guiné, no T/T Nassa, em 7 de Maio de 1969, portanto duas semanas antes da CCaç 2590, independente (futura CCaç 12) a que pertenci eu e o Humberto Reis, o cartógrafo-mor... (LG)



1. Mensagem do Manuel Resende, ex-Alf Mil da CCaç 2585, BCaç 2884, que esteve em Jolmete, Pelundo, Teixeira Pinto, chão manjaco (1969/71):

O Manuel Resende já se apresentou há tempos à nossa Tabanca Grande (**). Hoje envia-nos as fotos da praxe e um pequeno apontamento sobre a morte dos MAJORES no Chão Manjaco, faz hoje precisamente 39 anos.

Caro Luís:

Sou o Manuel Resende, ex-Alf da CCaç 2585 de Jolmete. Lá era o Alf Ferreira. Junto envio as duas fotos da praxe e um pequeno apontamento sobre a morte dos três MAJORES. É o meu contributo para um futuro esclarecimento total desta situação.

Alguém questionava, num dos artigos que li no Blogue sobre o local exacto onde os Majores foram assassinados. Pois o local exacto já foi devidamente explicado, até com fotos do Google Earth. Está correcto. Foi junto à segunda bolanha a contar de Jolmete-Pelundo (cerca de 5 Km de Jolmete).

Mas surge outro problema: porquê ali e não no local previamente combinado entre eles, junto à terceira bolanha (no mesmo sentido, ou primeira a contar do Pelundo-Jolmete também a cerca de 5 Km do Pelundo)?

Devido à demora nos resultados da reunião, ao anoitecer foi-nos dito pelo Comandante da Companhia o que se estava a passar, e que tinha sido decidido sair tropa de Jolmete em direcção ao Pelundo e do Pelundo em direcção a Jolmete, até se encontrarem. O resto já todos sabem.

Acrescento só que eu também ouvi alguns tiros, penso que três, longínquos, cerca das três ou quatro horas da tarde. Em tempo de defeso ouvir tiros no mato,... foi muito esquosito e comentado, mas como só o Capitão sabia o que se estava a passar, a coisa ficou assim.

Acredito mas não compreendo como os mártires foram esquartejados por rajadas de metralhadora, sem que nós tivéssemos ouvido. É mais fácil ouvir uma rajada do que um tiro avulso. A ideia com que fiquei na altura é que foram todos assassinados com um tiro na nuca. Por quem? ... Esse é outro problema.

Não quero contradizer ninguém, mas no Domingo, véspera do fatídico dia 20 de Abril de 1970, ao jantar, o Major Pereira da Silva recebeu um telefonema dizendo que um tal "Luís" iria estar presente na reunião. Segundo testenunhas o Major ficou petrificado, depois desse telefonema. Foi ele que não autorizou a ida do comandante do CAOP, Coronel Alcino, e outras pessoas que estavam previstas ir, pois parece que já adivinhava o que se ia passar. Daí também ele ter escrito a carta à esposa antes de sair. Estavam previstos três jipes e só saíram dois.

Caro Luís, em 1980 fui à Guiné em serviço da empresa onde trabalhava. Estive a falar com um Tenente do PAIGC, que me foi apresentado. Éramos vizinhos em Jolmete, pois ele lembrava-se bem da Companhia 2585. Depois de alguma conversa concluímos que estivemos várias vezes em confronto. Disse ele:
-Os Portugueses eram muito ingénuos, pensavam que nós nos íamos entregar ...

Nota: Podes corrigir ou cortar texto se for necessário para melhor enquadramento.
Eu tenho cerca de 200 fotos, muitas sem interesse, mas irei enviar algumas. Hoje vou mandar três, sendo uma com três Alferes da Companhia (eu estou no meio), outra com o Alf Mosca na véspera de Natal de 1969 a preparar um petisco na cozinha (3 meses e meio antes de ele morrer), e uma do Dandi, Cap de Milícia, para preparar o próximo apontamento.

No comentário anterior que fiz, ao dizer o nome dos Alf da Companhia, por lapso, não disse Raul antes de Manuel Charraz Godinho (*). Aqui fica a rectificação: Raul Manuel Charraz Godinho.

Um abraço e até outro dia.

Manuel Resende

Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > O Capitão de Milícia, Dandi.

Guiné > Região do Oio > Jolmete > CCAÇ 2585 (1969/71) > 3 alferes da companhia, o Manuel Resende, mais conhecido pelo último apelido, Alf Ferreira, é o do meio.

Fotos: Manuel Resende (2009). Direitos reservados
_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. os últimos postes sobre o massacre do chão manjaco:

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

(**) Vd. poste de 26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4080: Tabanca Grande (127): Manuel Resende, ex-Alf Mil, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1969/71): como o mundo é pequeno e o nosso blogue é grande

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2325: Massacre do Chão Manjaco: Todos iguais na morte, mas nos relatórios uns mais iguais do que outros (João Tunes)

Guiné > Região de Tombali (Catió) > Rio Cumbijã > Junho de 1970. Em primeiro plano, o Alf Mil Trms, que pertenceu inicialmente à da CCS do BCAÇ 2884, Pelundo, 1969/70; transferido depois para o batalhão de Catió, por razões disciplinares de que muito se orgulha: foi punido pelo Ten Cor Romão Loureiro (1) .


Foto: © João Tunes (2005). Direitos reservados.



1. Mensagem de João Tunes:

Camaradas,

Considero um excelente contributo, para o registo da guerra colonial, o relatório secreto transcrito no post P2320 sobre o massacre no chão manjaco (2). E se um dia se puder obter o relatório do PAIGC sobre a mesma acção, teremos uma visão clara e objectiva sobre um dos acontecimentos mais traumáticos na vertente psico da guerrilha/contra-guerrilha verificada nos teatros de operações onde, em treze anos de guerra, se verificou o estertor do multi-secular império colonial português. Muitos parabéns, pois.

Para além do enquadramento objectivo do resultado do massacre que se obtém pelo relatório militar publicado, um aspecto singular nele me chamou a atenção e que julgo ter implicações óbvias de leitura. Quanta retórica de indignação nós não gastamos a enaltecer uma presumida igualdade de todos os que, sob a bandeira portuguesa, se bateram pela continuidade da soberania portuguesa (militares do quadro, militares milicianos, guineenses integrando ou apoiando a tropa portuguesa).

No entanto, repare-se que o relatório, quanto às baixas (os sete assassinados), não esquece as devidas distinções de consideração no trato, pois que, entre os sete caídos em missão, na mesma missão, até na morte foram desiguais no trato militar: 3 (três) eram “Ex.mo Major”, 1 (um) era “Sr. Alferes” e 3 (três) eram “nativos”.

Enquanto no realce aos três militares que se destacaram na acção da CCAÇ 2586, o primeiro cabo e os soldados como tal são nomeados, sem direito a Excelência ou a Sr. (mas sem a carga preta de serem nomeados como nativos). Presumindo-se que todos, das excelências até aos nativos, eram cidadãos de Portugal do Minho a Timor, as distinções são, pelo menos, paradoxais. Mas relevantes.

Fiz o meu modesto elogio a este excelente post no meu blogue [e que se reproduz a seguir, com a devida vénia. L.G.]

Abraços para todos os estimados camaradas.

João Tunes


2.
Blogue de João Tunes (Ano V na Blogosfera) > Água Lisa (6) >1 de Dezembro de 2007
Quando a Guerra Correu Mal, Muito Mal


Um dos episódios mais dramáticos que o absurdo da guerra colonial implicou, em preço de sangue e emoção, para as Forças Armadas portuguesas, foi o massacre de quatro oficiais portugueses e três guineenses ao serviço do exército colonial, ocorrido junto ao quartel do Pelundo no centro-norte da Guiné, em Abril de 1970. Não pelo número de baixas, pois houve combates com muitas mais vítimas do lado português, mas por quatro ordens de razões: o número de oficiais superiores entre as vítimas; a qualidade militar dos três majores (faziam parte da elite do corpo de oficias sob comando de Spínola e contavam-se entre os melhores especialistas militares em contra-guerrilha); terem sido assassinados não só com requintes de crueldade como se encontravam desarmados; o volte-face que representou esta acção do PAIGC (a missão destinava-se a receber a rendição de forças do PAIGC e era o culminar de longas negociações e de acção de aliciamento) em que uma prevista rendição de guerrilheiros se transformou num golpe profundo que liquidou três oficiais portugueses de elite e acentuou o caminho para a guerra total.

Aqui [no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] acaba de ser editado o relatório militar secreto da força operacional que fez a recolha dos corpos dos massacrados e que saiu do quartel do Pelundo em acção militar desencadeada após tardar o regresso da força que ia receber a rendição da força do PAIGC (e para a qual se previa a sua integração no exército português).

Trata-se de um documento de grande importância no esclarecimento sobre as partes dramáticas vividas na guerra colonial, incidindo sobre um dos seus episódios mais traumáticos. De consulta obrigatória para os interessados em saber como elas mordiam, mesmo quando a miragem de uma grande ou pequena vitória parecia estar frente aos olhos.

[Na minha comissão militar na guerra da Guiné, conheci e fiz amizade pessoal com os três majores massacrados, todos inteligentíssimos, destemidos, cultos e de formação humana excepcional, sendo o mais brilhante entre eles (Passos Ramos), o que acrescenta absurdo ao acontecido, um militar que era contra a ditadura e a guerra colonial. Em tempos idos, dediquei-lhes este post.](3) (4).

___________

Notas dos editores:

(1) 27 Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCCXVI: BCAÇ 2884 (Pelundo, 1969/71), o primeiro batalhão do João Tunes

(...) "Obrigado por finalmente teres avivado a minha memória, lembrando-me o número do meu Batalhão do Pelundo. É isso, BCAÇ 2884, sob comando desse Tenente-Coronel de pacotilha Romão Loureiro (antes da Guiné, o tipo havia feito a maior parte da sua carreira "militar" na União Nacional, tendo chegado a Presidente da Câmara de Viseu... e foi fazer aquela comissão para poder ascender a Coronel, mas [...] sabia tanto de guerra como eu sei da cultura de alcagoitas) (...).

(2) Vd. post de 1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

(3) Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo)

(4) Outros textos do João Tunes publicados na I Série do nosso blogue, e que merecem ser relidos, pela qualidade da escrita e pela sua postura crítica:

31 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCXXVII: A 'legenda' do capitão comando Bacar Jaló (João Tunes)

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74- DCCCXVIII: Confissões de um pacifista: A minha paixão pela bela Kalash (João Tunes)

27 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCCV: O 'turra' Luandino Vieira recusa Prémio Camões (João Tunes)

24 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCII: O limpo e o sujo, nós e os pides (João Tunes)

24 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXCI: Todos camaradas, mas uns mais do que outros ? A propósito do assassínio de Amílcar Cabral (João Tunes)

24 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXVII: Fazer a catarse antes de vestir a toga de juiz (João Tunes)

17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXVI: E os patriotas guineenses, torturados e assassinados em nome de Portugal ? (João Tunes)

17 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXVIII: Ainda sobre os fuzilados... ou comentário ao texto do Jorge Cabral (João Tunes)

12 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXLVIII: Vítimas e carrascos, amos e servos, sacanas e traidores (João Tunes)

4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXII: Onde é que vocês estavam em 22 de Novembro de 1970 ? (João Tunes)

25 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXI: Pelundo: Nº do batalhão ? Não sei, não me lembro (João Tunes)

sábado, 1 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2320: Massacre do Chão Manjaco (12): O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

Fotografia dos três majores e do alferes miliciano, portugueses, vítimas mortais, em 20 de Abril de 1970, do chamado Massacre do Chão Manjaco. Com eles, morreram também três guineenses, ao serviço das NT (1).

Fotos: © Afonso M. F. Sousa (2007). Direitos reservados.


1. Nota do co-editor Virgínio Briote:

Falamos da guerra da Guiné, não pela visão e habilidade dos historiadores, mas pelos olhos, pelas mãos, pelos poros do suor que escorria por nós abaixo como água, pelas veias do sangue de quem por lá passou.
Não é "poesia". Quem deixa aqui os seus relatos, escreve sobre o que passou e o que viu. Por outras palavras, quem por aqui vai escrevendo é o historiador de si próprio.

Ainda a propósito do Caso dos Majores no chão Manjaco (1), transcrevemos na íntegra o relatório (na altura classificado como secreto) da operação sobre o resgate dos corpos. É mais uma achega para a "reconstituição do puzzle das nossas memórias".

A cópia do relatório, em papel, foi-me enviada pelo correio, sem o endereço do remetente. Ponderada a oportunidade da sua publicação pública e não me parecendo, neste caso, que o interesse público seja de menor interesse por um facto ocorrido há quase 40 anos, optei pela transcrição do referido documento.

Sei que ainda é doloroso falar deste episódio horrível da guerra da Guiné, porque há familiares (vivos) dos nossos camaradas que morreram naquelas matas, mas infelizmente para eles - e para todos nós - os pormenores macabros do seu fim já são sobejamente conhecidos, são do domínio público. Recordo que o nosso camarada Afonso M. F. Sousa organizou, para todos nós, um completíssimo dossiê sobre O Massacre do Chão Manjaco. E obteve inclusivamente o depoimento (oral) do ex-Fur Mil Lino, da CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884, um dos homens que integra o Grupo de Combate que ainda na noite de 20 de Abril de 1970 parte, do destacamento de Jolmete, para uma missão de reconhecimento, junto à estrada Jolmete-Pelundo.

Mais uma vez, e em especial neste dia, 1 de Dezembro, que tem ainda um grande significado patriótico para todos os portugueses, queremos honrar a memória destes nossos compatriotas, que foram brilhantes e corajosos militares, e convencermo-nos que a sua morte não foi de todo inglória e inútil...

Revisão e fixação do texto: vb
__________

SECRETO

COMANDO TERRITORIAL INDEPENDENTE DA GUINÉ
COMANDO DO AGRUPAMENTO OPERACIONAL

Directiva Nº 1

1.SITUAÇÃO

-Situação Geral:

A definida por Sua Ex.ª o General Comandante-chefe na última reunião de comandos.

-Situação Particular:

Os elementos do CAOP têm desenvolvido intensa acção psicológica sobre os comandos dos grupos IN no chão Manjaco o que tudo levará a crer que possa conduzir a fins positivos no concernente à sua apresentação.

2. MISSÃO

Os Exmºs Majores CEM Passos Ramos, de Art Pereira da Silva, de Inf Magalhães Osório e Alf Mil Cav Joaquim Mosca, acompanhados dos nativos Mamadu Lamine Djuare, Patrão da Costa e Aliu Sissé, efectuam na Estrada Pelundo-Jolmete uma reunião com chefes do grupo IN do chão Manjaco em cumprimento de ordem verbal superiormente recebida.

Duração provável da Missão: das 12h00 às 21h00 de 20 de Abril.

Quartel em Teixeira Pinto, 19 de Abril de 1970.

O Comandante, Intº

Romão Loureiro
Ten Cor
__________

Batalhão de Caçadores nº 2884
Companhia de Caçadores nº 2586

RELATÓRIO DA ACÇÃO RECOLHA MISSÃO ESPECIAL
Realizada em 21 Abril de 1970 na Região Pelundo Jolmete

Referências: Carta 1/50.000 Pelundo

1. Situação

Situação Geral:

- A definida por Sua Ex.ª o General Comandante-chefe na última reunião de comandos.

Situação Particular:

- Desde 7 de Feveiro de 1970 não houve contactos com armas entre as NT e o IN.
- O CAOP tem desenvolvido intensa acção psicológica sobre elementos IN que tudo levaria a crer conduziriam a fins positivos.

2. Missão

- A Companhia de Caçadores 2586 (-) recebeu a missão de patrulhar a estrada Pelundo-Jolmete.
- Detectar a presença de duas viaturas tipo Jeep que se deviam encontrar nessa área.
- Detectar vestígios da presença do IN e de sete entidades (NT e colaboradores).

3. Força executante

a) Comandante: Cap Inf Eugénio Baptista Neves

b) Comandantes das subunidades: Alf Mil Carlos A. Vasconcelos Miranda

c) Meios: Dois grupos de combate (48 homens no total); Três viaturas Unimog 404; uma viatura Unimog 411.

d) Articulação da força

Durante o percurso auto um Gr Comb ocupou duas viaturas tipo 404 e o outro Gr as duas viaturas restantes. O Comandante da força seguia na primeira viatura e o Comandante do Gr Comb na penúltima.

Na coluna apeada, o Gr Comb a duas secções seguia na frente, uma secção de cada lado da estrada e fora dela, a outra secção seguia nos intervalos das viaturas. As duas secções de reforço seguiam na retaguarda.

O Comandante da força deslocava-se em segundo lugar num dos lados da estrada e o Comandante do Gr Comb em primeiro lugar do outro lado (justifica-se esta disposição com os dois comandantes na frente para que todos os vestígios fossem detectados e analisados).

Alterações à Organização Regulamentar

1) Pessoal: Nada
2) Armamento: o orgânico
3) Equipamento: o orgânico
4) Munições: dotação normal. Nas viaturas seguiam 50 granadas de morteiro 60, 30 granadas de LGFog, 3 cunhetes de GMO, 2 de GMD e 5 cunhetes 7,62m/m.
5) Material especial: picas para detecção de minas, cordas, catanas e machados
6) Transmissões: dois ER-AVP 1
7) Viaturas: três Unimogs 404 e um 411 (dois com guincho)
8) Diversos: Nenhum pessoal nativo tomou parte na acção.

4. Planos estabelecidos para a acção

Desde que o Cmtd da Companhia recebeu a ordem para efectuar o patrulhamento, cerca das 1h30 doo dia 21 até às 1h50 a que a coluna saiu, foram feitos os seguintes planos:

Deslocamento auto até Changalene (Pelundo 2F8). A viatura da frente com luzes nos médios para permitir observar qualquer vestígio. As restantes de luzes apagadas.
A partir daí a coluna apeada deslocar-se-ia com duas secções na frente tanto quanto possível fora da estrada mas de maneira a poder detectar qualquer vestígio que nela existisse.
Seguiriam depois as viaturas com luzes apagadas, escoltadas por uma secção; e, por último, seguiriam as restantes duas secções.

Presumia-se que qualquer vestígio ou indício fosse encontrado até Pelundo 5 a 9.
Se nada de anormal tivesse acontecido, a coluna deslocar-se-ia até Jolmete. Em caso de surgir qualquer incidente seria tomada a decisão na altura que as circunstâncias impusessem.
Em caso de necessidade esta coluna seria apoiada por forças de Jolmete e de Teixeira Pinto.

Devido ao pouco tempo disponível não foram feitos outros planos e todas as ordens posteriores seriam dadas pela rádio pelo comandante do CAOP, presente em Pelundo e as decisões tomadas em face dos acontecimentos.

5. Desenrolar da acção

A coluna-auto saiu de Pelundo em 21 de Abril às 1h50, em viaturas auto. A estrada Pelundo-Jolmete estava cheia de pó e os rastos deixados pelos pneus das viaturas das colunas anteriores estavam bem marcados.

cópia do Anexo A

Em Pelundo 2F7 (ver anexo A) estava marcado um trilho transversal ao eixo da estrada. Depois de examinado, verificou-se ter sido deixado pela população de Pelundo.

A partir desse ponto, a coluna tomou o dispositivo previsto para o deslocamento apeado. Os trilhos dos Jeeps eram nítidos no pó. A coluna passou a deslocar-se com a máxima precaução, mas com andamento em boa velocidade. A noite estava clara e permitia ver qualquer indício suspeito.

Sempre em boa velocidade, a coluna atingiu o ponto Pelundo 5 A 9 (ver anexo A) que era o local onde terminava a zona marcada para a reunião. Nada fora encontrado. Os vestígios dos rodados continuavam. Os Exmos Comandantes do CAOP e Batalhão eram informados dos pontos que a coluna ia atingindo. Tomaram-se mais precauções sem prejuízo da velocidade, a noite tornara-se escura, sendo difícil distinguir um objecto médio a mais de três metros.

A coluna foi avançando e em Pelundo 6 C 9 35, o alferes Miranda que seguia no lado direito da estrada, viu que os trilhos dos Jeeps se afastavam do meio da via e se dirigiam para a mata.
A coluna parou instantaneamente a fim de permitir examinar em pormenor o terreno e imediatamente o Comandante da coluna distinguiu um vulto que lhe pareceu ser um Jeep.

Todo o pessoal tomou posições para resistir a uma possível emboscada. Os motores foram parados. Noite escura. Silêncio. Não restam dúvidas, são mesmo os Jeeps. Nada se move. Tudo é silêncio e escuridão. São quatro horas e dez minutos. É necessário esperar que comece a clarear. O silêncio pode ser uma armadilha.
Os Exmos Comandantes do CAOP e Batalhão são informados do achado e que se vai esperar pelo raiar da manhã. A tensão aumenta. Cinco horas. Começa a clarear.

O comandante da coluna deixa o pessoal todo instalado, entrega o comando ao alferes Miranda e aproxima-se das viaturas com a máxima cautela. A escuridão ainda é grande, os pés são apoiados com a máxima cautela e em lugares onde se procurou minas.
De repente bate-se numa coisa mole. É um corpo estendido. Parece ser o do Exmo Major Passos Ramos (era o do alferes Mosca). Ao lado outro, era o do Exmo Major Pereira da Silva. Não restam dúvidas, dois estão mortos. Dos outros nada se sabe. Informa-se Pelundo via rádio.

A tensão nos homens diminui, aumenta o assombro. Os homens encaram os factos com serenidade. Mais claridade. O Comandante da coluna procurou em volta e descobriu mais quatro vultos. Estão mortos.

É informado Pelundo. Os homens estão assombrados mas calmos. Mantêm-se nos seus lugares. São informados do achado. Começa a ver-se bem e surge a cena macabra e horrível. Os corpos estão mutilados e todos apresentam tiros na nuca, cortes de catana e punhal.

Os homens são informados e mantêm-se serenos e na expectativa. Pensam que o tiroteio vai começar. Ninguém acredita que não seja uma cilada. Monta-se a segurança circular e começam as viaturas a ser retiradas. Uma tem os dois pneus do lado esquerdo furados de balas. Procuram-se armadilhas e nada é encontrado.

A primeira viatura MG-93-55, com os pneus furados, é trazida para a estrada. Novo achado e desta vez mais macabro. O nativo Lamine (o que dele resta) está no lugar antes ocupado pela viatura. Tiro na nuca, muito mutilado.

Retira-se a segunda viatura para a estrada. Os corpos são carregados num Unimog.
A coluna está pronta a regressar. Em todos os rostos, uma decisão firme, lábios mordidos.

A visão anterior era demasiado horrível. São cerca de sete horas. Dois helicópteros sobrevoam a zona. Monta-se segurança, um deles aterra. Dele sai Sua Excelência o General Comandante-chefe, o Excelentíssimo Comandante do CAOP, Ten Cor Romão Loureiro, o Excelentíssimo Major P. Costa e o capitão Almeida Bruno. Examinam o local e partem.

Às 7h10 a coluna põe-se em movimento agora com dois Jeeps a reboque. O dispositivo é o mesmo da aproximação. A coluna chega ao quartel cerca das 9h00.

6. Resultados obtidos

Foram recuperados os corpos:

- Exmo Major CEM 50275711 Raul Ernesto Mesquita Costa Passos Ramos
- Exmo Major Inf 50972511 Alberto Fernão Magalhães Osório
- Exmo Major Art 50692711 Joaquim Pereira da Silva
- Sr Alf Mil Cav 19516168 Joaquim João Almeida Mosca
- Nativo Mamadu Lamine Djuare
- Nativo Aliu Sissé
- Nativo Patrão da Costa

Foram ainda recuperadas duas viaturas [ilegivel]. Desconhece-se qual o material e documentos capturados pelo IN.

7. Serviços: nada a assinalar

8. Apoios: nada a assinalar

9. Ensinamentos colhidos

A Companhia foi posta à prova no cumprimento da missão que lhe foi dada. Soube reagir com calma e serenidade à macabra cena de ver sete cadáveres mutilados, quando esta cena não estaria na imaginação do mais pessimista. Crê-se que esta calma e serenidade é fruto da mentalização e da preparação da Companhia e ainda de na altura todos os militares irem sendo informados, com verdade, dos acontecimentos que se estavam a viver.

10. Diversos

cópia do Anexo B

Como se verifica pelo croqui do local (Anexo B) os corpos foram encontrados em dois grupos distintos. Num, os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e os nativos Aliu Sissé e Patrão da Costa. No outro, o Excelentíssimo Major Pereira da Silva e o Senhor Alferes Mosca.O nativo Lamine parece não fazer parte de nenhum dos grupos.

Todos os corpos se encontravam de costas (face voltada para o céu) e estendidos, com excepção do nativo Lamine que se encontrava de bruços e enrolado sobre ele mesmo.
Os Excelentíssimos Majores Passos Ramos, Osório e Pereira da Silva, Sr Alferes Mosca e o nativo Patrão da Costa apresentavam o aspecto de não se terem apercebido de nada de anormal até ao momento de serem assassinados. O nativo Aliu Sissé apresentava um aspecto misto de terror e assombro, como se uns momentos antes de ser assassinado tivesse visto alguém que era seu inimigo e perigoso.

O nativo Lamine deve ter-se apercebido de que algo de anormal se ia passar pois deve ter fugido para debaixo de uma viatura, onde foi morto. A viatura apresenta diversos impactos. Nesse lugar foi depois mutilado.

As viaturas já se encontravam na posição em que foram encontradas pois uma delas (dois pneus furados) dificilmente se deslocaria sem deixar qualquer marca e estas não existiam.

Não foram vistos sinais de luta. Com excepção do nativo Lamine e do Excelentíssimo Major Passos Ramos, desconhece-se como foi morto, se com um tiro que lhe arrancou a parte posterior do crânio, se com uma catanada que lhe separaria a mesma região. Neste caso, a sua morte levaria mais tempo e o seu aspecto seria de mais sofrimento.
Julga-se também que todos foram assassinados no local em que se encontravam devido ao sangue existente no chão.

A não existência de sinais de luta e de nenhum, com excepção do nativo Lamine, ter tentado fugir leva a supor que não teriam sido mortos pelas pessoas com quem possivelmente conversavam.

O grupo assassino deve ter surgido de repente e assim se explicaria o aspecto do Aliu Sissé e a fuga do Lamine. Provavelmente retirou na direcção ESE.

Desconhece-se se houve outros mortos. A havê-los foram levados do local. Calcula-se que o morticínio bárbaro e inqualificável se tenha dado cerca das 16h00 do dia 20.

DISTINGUIRAM-SE

Todos os elementos da Companhia que tomaram parte na acção e dentre eles:

- CCAÇ 2586 1º Cabo António José da Silva
- CCAÇ 2586 Soldado José Pinto de Sousa
- CCS Soldado António Manuel Duarte Cardoso

Para os quais foram apresentadas propostas de louvor.

DISTRIBUIÇÃO

Exemplares 1 e 2 / Rep/OPER
3 / 1ª Rep
4 / 2ª Rep
5, 6 e 7 / CAOP
8 / BCAÇ 2884
9 e 10 / CCAÇ 2686 (Arqº)
11 e 12 / Processos de Pensão de Sangue

O Comandante de Companhia
Eugénio Baptista Neves
Cap Inf
___________________

(1) Nota do co-editor vb:

1) Vd. posts de:17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

(2) Vd. post de 27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 970)

terça-feira, 31 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2015: Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório, a fina flor dos militares de Spínola (Afonso M. F. Sousa)


Guiné > Bissau > c. 1969 > O Afonso Sousa, Fur Mil Trms, CART 2412 (1968/70), junto à estátua do Capitão Teixeira Pinto, o "pacificador da Guiné (1912-1915)".

Foto: © Afonso M.F. Sousa (2006). Direitos reservados.

1. Mensagem do Afonso M.F. Sousa:

Caríssimo Virgínio:

No texto do teu mail (1) perpassa a tua frescura de memória e grande clareza da expressão escrita. Todos os testemunhos têm um valor relevante, porque é pela conjugação e cruzamento de todos que se atinge um certo grau de exactidão e de confiança dos testemunhos e a objectividade nos factos narrados.

Quanto ao Pereira da Silva, tive oportunidade de falar com 3 elementos da família o ano passado e constatei tratar-se de uma família de preceitos, onde a educação e a beleza do trato imperavam.

Aliás, Spínola, para o grande empreendimento da mudança da estratégia da guerra, a começar no Chão Manjaco, redeou-se da fina flor dos militares do CTIG. Todos são unânimes em afirmar que estes 3 oficiais superiores eram, praticamente, insuperáveis sobre todos os pontos de vista.

Este teu testemunho é importante, porque mesmo falando de um, no fundo reconfirmas as qualidades dos três. E um com quem tiveste o privilégio de conviver em Bissau, mesmo que de forma fortuita e algo fugaz. É este tipo de depoimentos que por vezes faltam e que encaixam e ilustram tão bem estas estórias.

Quanto ao Fonseca - Solar dos 10, sim, penso que terei lá comido, em mesa na esplanada...e o costumado grande bife com batatas fritas ! E por curiosidade, um dia vi lá (a fazer o mesmo) o 1º Cabo Marco Paulo (o cançonetista) !...

Aqui vai um abraço

Afonso

_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 30 de Julho de 2007 > 30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2010: O Major Pereira da Silva que eu conheci, em 1966, no QG de Santa Luzia (Virgínio Briote)

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2010: O Major Pereira da Silva que eu conheci, em 1966, no QG de Santa Luzia (Virgínio Briote)

1. Texto do Virgínio Briote, nosso co-editor:

Caro Luís,

Espero que te tenhas reconfortado com os ares do Marco. Que belas terras e que vinhos, Deus meu!

Tenho acompanhado com muito interesse o estudo que o Afonso (1) tem vindo a fazer sobre o caso. Também, quando vi a foto, vi que havia uma troca na identificação dos majores P. da Silva e P. Ramos. Enviei-lhe a mensagem, que podes ler abaixo. Embora ciente do erro, pedi-lhe que verificasse a legenda. Porque o Afonso é o mais interessado na procura da verdade, devia ser ele, penso eu, a proceder à rectificação. Ainda não respondeu, pode dar-se o caso de estar ausente. Assim, proponho esperar mais um ou dois dias e, caso não haja qualquer resposta, substituir a foto pela outra que existe no blogue, esse sim correcta.
Um abraço,
vb

Afonso, caro Camarada,

Antes de mais, cumprimentos pelo notável trabalho que tens vindo a fazer, no esforço em desvendar até ao limite o caso dos assassinados na zona de Teixeira Pinto. É uma obra, sem necessidade de sabujices, como então se dizia nos nosso tempos, uma obra, escrevia eu, com muito interesse e, que os investigadores futuros sobre a colonialização/descolonização da Guiné não podem esquecer. Parabéns pelo teu trabalho, Afonso, é o mínimo que te posso dizer.

Uma questão que convém tu repensares, é a legenda da foto. Eu conheci o major Pereira da Silva. Nos finais da minha comissão, Set/Dez 66, estive no QG a fazer nada, andava por ali, a esperar que os 24 meses acabassem.


O major P. da Silva, um dia, no final de um almoço, abeirou-se de mim, deu-se a conhecer, falou-me de assuntos que me diziam pessoalmente respeito, mostrou estar bem informado, para minha surpresa. Daquele encontro na messe de Santa Luzia, ficou-me me a recordação de um homem culto, inteligente, a que eu, confesso, não estava muito habituado a ver nos oficiais do QP.

Naqueles últimos meses, nos finais de 66, convivemos quase diariamente, mais que uma vez viemos até à cidade, demos as voltas do costume pelas montras de Bissau, jantámos 2 ou 3 vezes no Fonseca (Solar dos 10, não sei se este restaurante te diz alguma coisa). Isto para te dizer que conheci de perto o P. da Silva.

Ao Passos Ramos, se a memória não me está a trair, apresentaram-mo uma vez.

De qualquer das formas, fala com outras pessoas que o tenham conhecido, como, por exemplo o Tunes, que privou bem de perto com os três.

Um abraço, Afonso, e até um dia destes,
vb


2. Comentário: Obrigado, Virgínio, o assunto está esclarecido (1). Fica também aqui, para conhecimento dos nossos acamaradas e amigos, o teu apreço pelo trabalho do Afonso M.F. Sousa que, possivelmente, estará de férias.
______

Nota de L. G.:

(1) Vd. posts de

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

Guiné > Chão Manjaco > 1970 > Os três majores (Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório) em acção psico, numa lancha a motor. O Alferes, que aparece em primeiro plano, poderá ser o Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970. Por lapso, num post anterior, os três majores apareceram por outra ordem, errada (1).

Foto: Cortesia de
Afonso M.F. Sousa (2007)

Guiné > Bissau > 1970 > A única fotografia dos três majores que até agora tínhamos publicado (2): da esquerda para a direita, Pereira da Silva (1º), com a sua enorme bigodaça; Passos Ramos (2º) e Magalhães Osório (4º). Há um quarto oficial (o 3º, na fotografia) que presumimos ser o Alf Mil Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970.

Fonte: Maria da Graça Passos Ramos / Círculo de Leitores. In: ANTUNES, J.F. - A Guerra de África: 1976-1974. Vol. I. Lisboa:
Círculo de Leitores. 1995. p. 373. (com a devida vénia...)

1. Mensagem do João Tunes:

Camaradas editores,

Quando foi editado o Post 2004, fiz um comentário chamando a atenção que a fotografia com os majores mortos no chão manjaco tinha legendas trocadas em que se chama Passos Ramos a Pereira da Silva e vice-versa (1).

Como conheci os majores pessoalmente em Teixeira Pinto (Canchungo), tendo-me tornado amigo de Passos Ramos e Pereira da Silva (3), de quem fiquei admirador e muito me doeu as suas perdas e, sobretudo, a forma cobarde e sádica como foram assassinados, não tenho dúvidas quanto ao erro cometido. O comentário ficou para apreciação dos editores e até ao momento continua não publicado e a gralha na foto mantem-se. O que acho que já não fará a glória do PAIGC como trocar identidades não é a melhor forma de se homenagear alguém.

Não sei porque é que o comentário continua em stand-by e porque continua a troca de nomes entre os dois militares a que, justamente, se quis prestar homenagem. Não faço questão em que o comentário seja editado mas, no mínimo, o respeito para com estes nossos camaradas caídos em combate impõe que os seus nomes não sejam trocados e a gralha seja rapidamente corrigida.

Ainda pensei que os três editores tinham ido de férias em simultâneo mas verificando que continum a publicar posts, um pelo menos deve estar de serviço. A esse, endereço este apelo. Escuto.

Melhores saudações do
João Tunes

2. Comentário de L.G.:

Camarada João: Mal cheguei do Norte, inseri o teu comentário. Por enquanto sou eu que modero os comentários que, em princípio, são sempre publicados, desde que respeitem as nossas regras de convívios e as nossas normas editoriais... Mas é mais uma tarefa que vou ter que delegar.
Isto quer dizer, portanto, que não posso imputar qualquer responsabilidade aos nossos camaradas co-editores que, para além do mais, são tão ou mais voluntários e voluntaristas do que eu e que, como deves imaginar, não estão nem não podem estar permanentemente no computador, com a caixa do correio aberta.
Portanto, o erro de troca de nomes só pode ser imputado a mim. O Afonso mandou-ne a foto mas eu não sei se as legendas são da sua autoria. Fui eu (e mais ninguém) que editei o post (1) e, como tal, eu deveria ter detectado o erro. Até por que conhecia o teu post e a descrição que fazias do Pereira da Silva com a sua enorme bigodaça (3)... Não detectei o erro, lamento, dou a mão à palmatória (que é para isso que ela existe...).
João, obrigado pelo teu oportuno reparo e teu já proverbial olhar clínico, treinado e sempre atento às gralhas, aos erros, aos lapsos, etc., que muitas vezes borram a pintura cá da nossa blogosfera... As minhas desculpas aos familiares, amigos e camaradas dos saudosos majores Pereira da Silva e Passos Ramos.
3. Comentário posterior (31 de Julho) do Afonso M.F. Sousa:
Homens de rija têmpera (se quiserem: "camaradas e amigos"):
Acabo de chegar da Mealhada, onde estive em casa da irmã do José da Cruz Mamede a mostrar-lhe o dossiê sobre a triste ocorrência do 12 de Outubro de 1970, lá para os lados de Mansoa e que, também, não vi ainda publicado no Blogue.
(...) Quanto à fotografia [dos três majores] recebia-na no dia em vos enviei o up-date ao dossiê O Massacre do Chão Manjaco. Enviou-ma, por mail, um simpático militar (Albino Silva) que, à altura desta trágica ocorrência, estava em Jolmete. Não sei se foi legendada por ele, mas o facto é que a recebi assim (...).
_________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970) Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)
(3) Vd. post de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXLIX: Antologia (15): Lembranças do chão manjaco (Do Pelundo ao Canchungo) (João Tunes)

(...) Quanto ao Major Osório, sempre de t-shirt branca, pouco falava mas era muito respeitado. Aquilo era gente de acção e quando a não tinham, cediam à espera tensa e ansiosa de mais acção. Em resumo, eram guerreiros em descanso forçado. Além da bravura na guerra, só lhes sobrava bravura para descarregarem o sexo numa ou noutra adolescente a quem deitavam mão e que se limitavam a abrir as pernas e os olhos, num misto de espanto, de medo e de ausência de prazer.

"O Major Pereira da Silva, de enormes bigodes revirados, não parecia um militar. Mal enfiado dentro da farda, o homem era um intelectual. Falava todos os dialectos usados na zona, conhecia de fio a pavio todos os usos e costumes das tribos da Guiné, andava sempre pelas aldeia a completar os seus conhecimentos e a farejar informações úteis. Em colaboração com a Pide, dirigia a rede de informadores e era o negociador com os cisionistas do PAIGC, dispostos a entregarem-se. Era um comunicador excelente e um homem completíssimo em cultura(s) africana(s). Dava gosto ouvi-lo e aprender com ele, tanto mais que tinha, para com os africanos, uma autêntica reverência cultural, particularmente quando se tratava dos manjacos.

"O Major Passos Ramos era o crâneo do comando militar. O pensador de toda a estratégia e o homem que fazia as sínteses do cumprimento da missão para toda a zona. Excelente conversador e homem culto, o Major Passos Ramos irradiava encanto e inteligência. Era um oposicionista manifesto e assumido ao regime e tinha, inclusive, participado na Revolta da Sé. Quando encontrava um miliciano chegado de fresco ou vindo de férias, ele imediatamente rumava a conversa para as actividades oposicionistas e pedia previsões sobre quando o regime iria cair. Spínola estava encantado com o andamento das coisas no chão manjaco.

Tudo ia bem ou parecia andar. E os oficias de Teixeira Pinto eram mesmo a sua nata. Eram militares profissionais de primeira água que faziam a guerra o melhor que sabiam e podiam. A meio da tarde, regressei a Pelundo. Sem problemas.(...)

"Fiz, então, a última viagem de jipe do Pelundo até Teixeira Pinto para apanhar o avião que me levaria, em trânsito, até Bissau. Mas, antes de embarcar no avião, não faltaram os três majores na pista para darem abraços de despedida (e de solidariedade).

"O adeus do major Passos Ramos foi o mais emotivo porque tinha ganho uma especial empatia comigo, alimentada de cumplicidade política e de estima pessoal. Ainda hoje me parece sentir nas costas o toque afectivo das palmas das suas mãos. Foi a última vez que vi Pelundo e Teixeira Pinto. E os três majores.

"Já colocado em Catió, tive notícias dos três majores e meus amigos. Notícias que correram mundo" (...)

João Tunes

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (11): (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

Guiné > Chão Manjaco > 1970 > Os três majores (Passos Ramos, Pereira da Silva e Osório) em acção psico, numa lancha a motor. O Alferes, que aparece em primeiro plano, poderá ser o Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970.

Foto: Cortesia de Afonso M.F. Sousa (2007)

Mensagem de 26 de Julho de 2007 do nosso querido camarada Afonso M.F.Sousa, residente em Maceda/Ovar, e um dos mais antigos membros da nossa tertúlia (está connosco desde Junho de 2005, mas infelizmente ainda não tivemos ocasião de nos conhecermos pessoalmente). Agradeço-lhe mais este trabalho de investigação, feito com paixão e rigor, e que honra e enriquece o nosso blogue. É que o Afonso não se limita a fazer investigação de arquivo... Desta vez foi até Braga falar com o Lino!... Espero que ele também possa, um dia destes, fazer sair um livro sobre este episódio marcante e decisivo, da guerra da Guiné. (LG).

Anexo ao dossiê O massacre do Chão Manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*). Subtítulos e negritos da responsabilidade do editor do blogue.


Caro Luís Graça,

Com um abraço, envio mais um breve aditamento ao dossiê relativo à morte dos três majores (1).


O ex-Fur Mil Lino, da CCAÇ 2585, vive hoje em Braga

Onze da noite do dia 20 de Abril de 1970. O furriel Lino, da CCAÇ 2585 (destacamento de Jolmete, pertencente ao BCAÇ 2884 , com sede no Pelundo), é um dos homens que integra o pelotão que vai partir para uma missão de reconhecimento, junto à estrada Jolmete-Pelundo, nas proximidades da 2ª bolanha.

Julho de 2007. Localizo o ex-furriel Lino, na cidade de Braga. Tive com ele uma agradável e muito útil troca de impressões sobre aquele momento trágico, na Guiné. Era interessante ouvir o testemunho de alguém que tivesse estado, exactamente naquele dia e naquele local, para que alguns pontos ou dúvidas pudessem ser clarificados.

É com base nas informações recolhidas que elaborei este texto, que se constitui como adenda à crónica já anteriormente publicada no Blogue (1).

Depoimento do ex-Fur Lino:

Guiné, 20 de Abril de 1970 >Os momentos que se seguiram à consumação de uma cilada

Às 15 horas, em Jolmete [a nordeste de Pelundo, perto do Rio Cacheu], um militar nativo chama a atenção de alguém, dizendo que acaba de ouvir um tiro e garante que é junto à 2ª bolanha. Pouco tempo depois ouve um 2º tiro e reafirma que se trata de algo naquela zona. Sabe-se que naquele dia todas as forças militares permaneceram nos aquartelamentos. Só restritamente, há conhecimento do que iria decorrer naquele momento e naquele local. O comandante do destacamento sabe que os tiros não constavam do programa. Fazem-se contactos. Nota-se alguma preocupação, alguma agitação. Só por volta das 21 horas um pelotão é alertado para a necessidade de ter que sair, a qualquer momento.


(i) Pelotões de soccorro que saiem de Jolmete e do Pelundo descobrem os cadáveres pela madrugada do dia 21 de Abril de 1970

Após as onze horas, partem de Jolmete, seguindo a picada para o Pelundo. Por volta da meia-noite, logo após a 2ª bolanha (sentido Jolmete-Pelundo) dão de caras com os 2 jipes, sobre a picada. Não avistam por ali os corpos dos oficiais. O reconhecimento é apenas uma rápida observação, um pouco à distância. A escuridão e as circunstâncias assim o determinam. Instalam-se e ficam na expectativa. A previsão de perigo, a expectativa de cairem numa emboscada de grande envergadura, são preocupações que os acompanham.

Do Pelundo saira, entretanto, outro pelotão para patrulhamento conjugado com as forças de Jolmete. Estas esperam pelo clarear da manhã, para fazerem o adequado reconhecimento da zona e visualizar o local em redor das viaturas, por forma a obter informações e a confirmação da tragédia. Por volta das cinco e meia começa a sua movimentação. Procuram localizar (vivos ou mortos) os três majores e o alferes, nas imediações dos jipes. Em pouco tempo conseguem localizá-los, inertes, no enfiamento das viaturas, mas dentro da mata.

Confirmam que estão sem vida e alguns aparentam ter membros partidos e sinais de confrontação algo violenta. As suas fardas estavam intactas, sinal de que não foi molestada a sua integridade física ao nível do tronco. Todos apresentavam, isso sim, sangramentos ao nível da nuca, o que atesta que aqueles tiros, ouvidos em Jolmete, tinham aqui a sua justificação. Os dois intérpretes (supostamente da Gâmbia) foram também mortos e os seus corpos encontrados debaixo dos jipes, onde, provavelmente, terão querido refugiar-se.


(ii) Reacção emotiva de Spínola: Liquidem-nos a todos!

São seis da manhã. Ouve-se o som de um helicóptero que se aproxima do local. Faz a aterragem na clareira da mata. A tal clareira que iria servir para a cerimónia de rendição do bigrupo do PAIGC. É Spínola que se apresta para sair do heli. Rapidamente dirige-se para faixa da mata onde os corpos estão prostarados. À vista deles, Spínola olha demoradamente para o chão. Não resiste sem que as lágrimas lhe perpassem pela cara. Depois, como que por instinto, diz: Liquidem todos os que virem pela frente. Mas, como é compreensível, foi um impulso de raiva de circunstância e, por isso, a ordem não foi seguida.

Foi quase voz corrente, entre os militares desta zona (Teixeira Pinto, Pelundo, Jolmete), de que houve à volta deste processo algum excesso, alguma falta de prudência, alguma precipitação ou excesso de confiança...como que um pressentimento de êxito um pouco exagerado. Por via disso, a tragédia poderia ter tido contornos ainda maiores. Para além de Spínola, até um médico e o capelão estavam para participar. O entusiasmo era grande, muitos queriam assistir ao grande ronco. Mas a questão traição/cilada nem sequer terá sido cogitada, face à confiança e ao entusiasmo reinantes. Os homens de Nino Vieira anteciparam-se, sobrepuseram-se ao grupo dissidente, e à hora combinada estavam lá para liquidar esta tão ansiada rendição.

Afonso Sousa

Nota de A.S. - O dossiê sobre A morte dos três majores que publicámos recentemente (1), é como todos, deste contexto, um trabalho inacabado. Elaborar uma explicação tão próxima quanto possível da realidade não é tarefa fácil. O relato histórico, enquanto não atingir toda a verdade do que, efectivamente, aconteceu, permanece sempre e só no plano da mera descrição. Construir um quadro exacto do que se passou precisa de coerência, ordem e racionalidade ou seja, um grau de exactidão e de confiança dos testemunhos. De contrário pode suscitar-se a confusão ou imprecisão do relato histórico. Por vezes, apenas sobrevivem memórias fragmentadas do passado e isso pode trazer riscos de se substituir o real pelo imaginário ou de se complementarem lacunas com especulações.

É necessária a investigação, o confronto entre fontes e as diferentes versões de um mesmo acontecimento, de forma a garantir a objectividade nos factos narrados. São estes caminhos de identificação da narrativa com a verdade, que nos instiga quando fazemos a memória da guerra. Deixamos um relato em determinado ponto e mais tarde damos-lhe sequência, conforme se vão dissipando dúvidas ou colhendo novos e mais fidedignos testemunhos. Daí o título do anterior trabalho: «Tentativa de clarificação do massacre do Pelundo»

Nota: Efectivamente, na legenda da fotografia acima, há troca de nome entre os majores Pereira da Silva e Passos Ramos. Aquele é o homem do bigode, como se constata nesta foto


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Nota de L.G.:

(1) Vd. posts de:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

17 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

sábado, 17 de março de 2007

Guiné 63/74 - P1603: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (10): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte III (Fim)

Guiné > 1970 > Uma das imagens emblemáticas da guerra colonial/guerra de libertação. Um guerrilheiro do PAIGC jaz morto, no chão da mata, com a sua Kalash ao lado. Foto muito provavelmente obtida no sul, na região de Tombali. A foto é do repórter fotográfico húngaro Bara István (n. 1942), que acompanhou a guerrilha do PAIGC em 1969 e 1970 (não sabemos exactamente em que circunstâncias: num das fotos, ele próprio deixa-se fotografar com uma Kalash pendurada ao pescoço, o que para um fotojornalista de hoje seria deontologicamente inadmissível; pode pôr-se a hipótese de, na época, ter lá estado apenas como fotógrafo, e não como jornalista, ao serviço do governo do seu país; recorde-se que na época a Hungria fazia parte do Pacto de Varsóvia e, portanto, era um dos aliados do PAIGC).

Legenda, em húngaro: Bara István: Elesett PAIGC katona, Guinea Bissau, 1970. Estamos gratos a este conhecido fotógrafo magiar pelas imagens sobre a guerra colonial / guerra de libertação na Guiné-Bissau que disponibilizou na sua página. Partimos do princípio que estas imagens são do domínio público. Tentámos contactá-lo por e-mail, até agora em vão, para obtermos autorização para divulgação de mais fotos da sua fotogaleria.

Fonte / Source: Foto Bara > Fotogaleria (com a devida vénia / with our best wishes...)


X (e última) parte do dossiê O massacre do Chão Manjaco > Ideia, pesquisa, compilação e edição de Afonso M. F. Sousa , ex-furriel miliciano de transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70) (*). Subtítulos e negritos da responsabilidade do editor do blogue.


III (e última) parte do depoimento do historiador lusoguineense Leopoldo Amado , que está actualmente a trabalhar em Imberem, na região de Tombali, ao serviço da AD - Acção para o Desenvolvimento. (Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue).


Mais pedidos de ajuda do PAIGC à Suécia e à URSS

No princípio de 71, Cabral dera mais um salto à Suécia com o fito de obter ajudas que permitissem fazer face a política da Guiné Melhor de Spínola, política essa que ele caracteriza, já se disse, como sendo de “sorriso e de sangue”, pois, o maior poder de fogo não é suficiente para contrapor à nova agressividade de Spínola.

Os nacionalistas sentem a necessidade de robustecer a componente militar do partido e, simultaneamente, adaptar a sua fórmula organizativa, ganhando mais disciplina e capacidade de resposta. Acto contínuo, Cabral viaja para à URSS em busca de mais apoios no domínio militar, apoios esses que começaram a surgir a partir de Fevereiro de 1971, tanto da parte da Suécia como desta última.

Com as ajudas recebidas, Amílcar Cabral replicava inteligentemente às acções psicológicas de Spínola e, em Fevereiro de 1971, uma vez na posse das mesmas, o PAIGC modificou os aspectos gerais da sua manobra global, preocupando-se em manter no teatro das operações, com grande economia de meios e de materiais, um estado de guerra que servisse a sua propaganda interior e exterior, visando especialmente sucessos sobre as tropas portuguesas e a conquista da adesão das populações.

Nesse sentido, e particularmente no plano das operações, verifica-se a insistência em realizar acções coordenadas, atacando as guarnições com possibilidades de apoio simultâneo de artilharia e tirarando o máximo rendimento da sua actividade, quer ameaçando zonas urbanas e os chamados reordenamentos populacionais, organizados pelo poder colonial em autodefesa, quer provocando intervenções da tropa portuguesa e montando de seguida emboscadas nos itinerários de acesso directo das forças de socorro. Dentro desta nova concepção militar do PAIGC, a área de Naga-Biambi, constituía a principal zona fulcral da estratégia militar do PAIGC.


Spínola: Conversar com todos os guineenses, incluindo o PAIGC

Perante tal estado de coisas, o general Spínola reconheceu a impossibilidade de ganhar a guerra da Guiné, coincidindo este reconhecimento com as falsas promessas do Governo português em conferir autonomia e autodeterminação aos guineenses, no quadro da soberania portuguesa. Sobre as negociações com o PAIGC, Spínola diria em princípios de 1973, que “(…)uma tal política admite conversações com quem quer que, honesta e desinteressadamente, deseje contribuir para um programa de incontestável legitimidade. Conversações que, como é evidente, são extensíveis ao PAIGC. Mas há um ponto que importa ressalvar: conversar não é negociar, e jamais poderíamos deixar que se resvalasse para matéria que só ao povo da Guiné diz respeito e compete legitimamente decidir. E com este mantém o Governo permanente e aberto diálogo, através de ins­tituições criadas para esse fim com resultados evi­dentes. Assim, e como, em boa verdade, o PAIGC não representa o povo da Guiné, só o futuro dos seus combatentes poderá estar em causa em tais conver­sações. A esse respeito, continuamos abertos ao diá­logo com todos os que, despidos de interesses estra­nhos aos do povo desta terra, quiserem regressar – e tantos são os que vindos do mato se têm sentado nesse maple e reconhecido que, presentemente, o Governo da província está concretizando os ideais por que se batiam. Porém, ao nível do topo, não foram até ao presente estabelecidos quaisquer con­tactos (…)” (21).


Amílcar Cabral: lutar até à vitória total


Contudo, Cabral denunciou vigorosamente tais manobras dilatórias dizendo que “(...) falar da autodeterminação ou da autonomia (seja ela progressiva ou não) como faz o chefe dos colonialistas portugueses não revela mais que uma tentativa desesperada de desviar a atenção para a realidade concreta da situação da luta no nosso país: hoje, não pedimos ao Governo português que reconheça o nosso direito à autodeterminação e nem mesmo autonomia ou independência, pois somos autodeterminados e somos realmente autónomos, independentes e soberanos sobre a maior parte do nosso território nacional. Nós lutamos, sim, e lutaremos até à vitória total, para expulsar do nosso país as tropas estrangeiras, a fim de que, em condições de independência, possamos consolidar a libertação do nosso povo da Guiné e das ilhas de Cabo Verde, procurando sempre construir uma vida de paz e de progresso a que temos direito. Seja à volta de uma mesa, através de negociações, seja através nos campos de batalha, a vitória da nossa luta armada de libertação é o único objectivo que preconizamos e que justifica os sacrifícios consentidos e a consentir, e que nós estamos certos de realizar (...)" (22).

Desta feita, o PAIGC inicia um ciclo de violentos ataques simultâneos aos aquartelamentos portugueses, ao mesmo tempo que desenvolve uma intensa acção diplomática e internacional. Nesse período, Aristides Pereira entrega ao Dr. Mouloud Belahouane, presidente da Cruz Vermelha da Argélia, quatro desertores do Exército Português que, na ocasião, reafirmaram a sua condenação à luta injusta contra o PAIGC.


Janeiro de 1971: A resposta do napalme contra as 'zonas libertadas'

Como resposta àqueles ataques intensivos, a aviação portuguesa bombardeou violentamente com bombas napalme, em Janeiro de 1971, as regiões libertadas, nomeadamente as povoações de Cubisseco, Cubucaré e Balana (no Sul), Oio e Saara (no Norte). Nesses bombardeamentos, 28 tabancas foram reduzidas a cinzas.

Sem descurar a componente político-diplomática, na medida em que no plano militar o PAIGC realizava em média três ataques diários às guarnições portuguesas, Amílcar Cabral intensificou a denúncia do colonialismo português nas instâncias internacionais, ao mesmo tempo que se desdobrava, tanto em África como na Europa, em acções de esclarecimentos sobre a situação da luta do PAIGC, sessões essas seguidas de exposições fotográficas ou de exibição de filmes (23) sobre o evoluir da situação no teatro de operações (24).

Por outro lado, interpelava constantemente os organismos da ONU e da OUA, e de outras instâncias internacionais através do envio de relatórios circunstanciados, documentados fotograficamente, que viriam a permitir que, em Fevereiro de 1971, a Comissão Especial da Nações Unidas tivesse produzido um documento amplamente divulgado naquelas instâncias, no qual relatava as atrocidades sobre civis cometidas pelo exército português em África, nomeadamente o bombardeamento de populações indefesas com bombas de napalme.

É evidente que quer o Governo colonial de Bissau, quer o Governo central em Lisboa procuravam, de alguma forma, ripostar a esse crescendo de animosidade internacional contra Portugal, que o PAIGC, e particularmente Amílcar Cabral, conseguia meticulosamente suscitar em estrita ligação com as acções militares no teatro as operações.

Para tal, quer os serviços de informação do exército português na Guiné e em Lisboa, quer a PIDE/DGS e ainda o Ministério do Negócios Estrangeiros multiplicavam-se em várias acções diplomáticas, mas igualmente de contra-informação, no sentido de anular as vantagens da máquina de propaganda do PAIGC.

Apesar disso, relativamente ao agravamento da situação militar na Guiné, era sintomática a desarticulação e a atrapalhação que, nesse campo, os serviços portugueses deixavam transparecer, evocando-se como exemplo mais caricato o facto de, em 1971, os serviços de informação exército e da PIDE terem-se envolvido em acérrima disputa pela posse do capitão cubano preso em Março de 1970.


Março de 1971, a 'guerra de nervos' do PAIGC e intensificação dos ataques contra centros urbanos


Entretanto, em Março de 1971, o PAIGC intensificou os ataques aos centros urbanos. Bolama foi atacada a 20 e Farim a 22, Guiledje a 28, Gadamael a 9 e 10, Fulacunda a 31, etc. Na edição de Abril de 1971 do PAIGC Actualités, o partido tornou público as pretensas perdas do exército português no mês de Março: 271 acções, 472 militares mortos, três helicópteros abatidos e dois aviões abatidos, 57 veículos danificados, 19 barcos afundados e diverso material de guerra destruído ou recuperado.

A 17 de Maio, o PAIGC ataca violentamente o importante aeródromo de Gabu ( *), com evidente estragos ao nível das infra-estruturas, e em Junho de 1971, começa a aplicar o novo esquema táctico ( “guerra de nervos)”, pois, não obstante ter baixado consideravelmente o seu potencial combativo, em contrapartida, demonstrava eficiência e agressividade crescentes.

Assim, passou doravante a pressionar os aquartelamentos ao mesmo tempo que fazia incidir às suas acções contra povoações com guarnição militar ou organizados em autodefesa. De acordo com nova táctica, conseguiu avanços significativos, especialmente no chão dos manjacos, na região de Nhacra e na própria ilha de Bissau (zona oeste), a partir do Sul, visando em especial conquistar a cumplicidade da população a sul da estrada Bafatá-Gabu e a região de Quinará.


Intensificação da guerrilha no chão fula

Nos meados de 1971, a estratégia do PAIGC era claramente a de criar uma situação de generalizada insegurança total no teatro das operações, mormente, desencadeando de acções de guerrilha urbana e de sabotagens em centros importantes, como Bula, Bissorã, Mansoa, Nhacra e Bafatá, e na estrada de Bafatá-Gabu, o que lhe permitia estender o seu esforço no chão fula, desencadeando acções através dos regulados de Cossé, Tamaná e Chaná, ao mesmo tempo que mantinha o seu esforço no Quinará, sem, contudo, transferir o essencial dos efectivos da região de Xime-Xitole ou Catió-Bedanda.


Bissau é flagelada pela primeira vez com foguetões de 122 mm em 9 de Junho de 1971

A 9 de Junho, o PAIGC, por intermédio do CE 199/70 (estacionado em Morés), chefiado por André Pedro Gomes e, na artilharia, por Martinho de Carvalho e Agnelo Dantas, flagelou Bissau pela primeira vez com foguetões de 122 milímetros.

Este ataque foi possível dado os esforços da unidade de artilharia referida, que, apoiada pelos grupos de infantaria, conseguiram penetrar para lá da linha defensiva do exército português e bombardearam as suas posições na cidade, embora tal tivesse sido possível porque também se realizaram acções simultâneas da frente Nhacra-Morés, o que permitiu proteger a retirada das unidades que atacaram Bissau.

No dia 26 de Junho, um CE do PAIGC penetrou em Bafatá, segunda cidade do província, e atacou-a violentamente incluindo o aeroporto, representando esse ataque, um índice significativo das possibilidades do PAIGC e confirmando a facilidade com que concentrava meios para realizar as suas intervenções, tanto mais que foram destruídas também quatro casernas, a estação meteorológica e diversos edifícios ligados às infra-estruturas militares e administrativas, tendo havido entre as tropas portugueses vários mortos e feridos.


Golpe diplomático: a intenção de proclamar o Estado da Guiné-Bissau

Em face disto, e enquanto Spínola tentava recuperar a situação política e económica da Guiné, as FARP passaram a ter uma acção permanente contra as estradas de Catió-Cufar, Gabu-Pitche e Canhungo-Cacheu, bem sobre reordenamentos populacionais situados nos respectivos eixos e, obviamente, privilegiando ataques aos centros urbanos, os quais, para além de alimentarem a propaganda internacional do PAIGC e a convicção internacional da iminente derrota do exército português, fazia igualmente jus à intenção de Cabral de proclamar o Estado da Guiné-Bissau como forma de assestar um golpe diplomático fatal ao colonialismo.

Aliás, na cimeira da OUA, em Addis-Abeba, realizada em Julho, Cabral exortou os países africanos a não tomarem compromissos com Portugal que pudessem prejudicar a luta do PAIGC, ao mesmo tempo que anunciava o seu plano de desencadear um processo que haveria de culminar na proclamação do Estado da Guiné-Bissau, o qual, segundo ele, existia de facto, apenas precisando de ser formalizada de jure com a proclamação da independência e a adopção de uma Constituição que criasse os seus órgãos de governo.

Em Julho, o PAIGC já tinha já praticamente formado o seu Exército Nacional, mantendo embora as Milícias Populares e as FAL - Forças Armadas Locais (25), no chão fula, indiciando essas acções algum apoio dessas populações, pois começavam a ser bem-sucedidas, mesmo quando realizadas a partir de bases de fogo situadas à alguma distância.

Tudo isto traduzia também um crescente apoio internacional para o PAIGC, mas igualmente a predisposição de muitos países e organizações, até aí hesitantes, que passaram doravante a conceder-lhe importantes ajudas. Em Junho, a OUA fixou em 313 334 libras esterlinas essa ajuda. Valor que foi duplicado na 18.ª sessão ordinária da OUA, em virtude de Cabral ter solicitado mais apoios para as populações das áreas libertadas.

Sensivelmente na mesma altura, o Conselho Ecuménico das Igrejas anuncia a concessão de um apoio de 340 000 dólares à Frelimo, ao MPLA e ao PAIGC, ajudas essas que permitiram ao Conselho Superior de Luta (CSL), deste último, reunido em Agosto (26), a decisão de reforçar e intensificar a luta armada.


Criação da Assembleia Nacional Popular

Ao mesmo tempo, o CSL (Conselho Superior de Luta) decidiu fazer funcionar a primeira Assembleia Nacional da Guiné-Bissau, pelo que, em Dezembro do mesmo ano, Amílcar Cabral produziu um documento intitulado “Para a Criação da ANP (Assembleia Nacional Popular)”, onde, com a clareza habitual, traça as directrizes para a constituição desta, especificando especialmente os métodos para as eleições locais, a composição dos órgãos, a proporcionalidade dos representantes por região e outros pormenores ligados aos aspectos práticos da organização e realização de uma intensa campanha de informação e sensibilização com vista a criação dos conselhos regionais, a qual deveria anteceder a constituição da Assembleia Nacional e dos outros órgãos do Estado da República da Guiné-Bissau.

Na sequência das decisões do CSL, o PAIGC efectua um violento ataque a cidade de Gabu e a Sonaco e a 24 do mesmo mês atacou a cidade de Bafatá, onde se registaram a morte de seis civis e muitos mais militares.

Em meados de Julho de 1971, – mais ou menos na altura em que em Portugal é anunciada uma revisão constitucional (16 de Agosto de 1971) (27), preconizando maior auto­nomia para as “províncias ultramarinas”, – a situação militar agravou-se significativamente para as tropas coloniais, pois o PAIGC continuava a efectuar espectaculares e violentos ataques aos centros urbanos, a ponto de o governador Spínola declarar, nas antenas da Rádio de Bissau, que “o exército português tudo faria para manter uma vida normal nos centros urbanos”.

As dificuldades aumentavam consideravelmente porque os guerrilheiros eram apoiados por bases logísticas que garantiam os reabastecimentos a partir dos territórios da Guiné-Conakry e do Senegal, bases essas a que, por impedimentos de ordem internacionais, as forças portuguesas não timham acesso, pelo menos formalmente. Porém, perante o agravamento da situação militar, Spínola autorizou as suas unidades a penetrarem no território senegalês neste mês, numa operação cujo objectivo era justamente cortar os apoios do PAIGC.

PIDE/DGS e SIM: Infiltração nas estrutruturas e nos círculos dirigentes do PAIGC

No entanto, a partir do mês de Setembro, o Serviços de Informações Militar e a PIDE/DGS, motivados sobretudo pelo agravamento da situação militar e pelo crescente prestígio que o PAIGC vinha angariando, tanto na Guiné como no plano internacional, conferem uma dinâmica acrescida aos trabalhos de infiltração nas estruturas e dirigentes do PAIGC há muito iniciado. Todavia, apesar de Cabral estar consciente desse ambiente minado, provam-no alguns documentos por si produzidos, mas também, em várias ocasiões, a sua atitude pedagógica e até complacente perante os comportamentos estranhos, quase se entregou por completo aos trabalhos diplomáticos, desdobrando-se em explicações e procura de apoio em vários países e instâncias, para o projecto da proclamação do Estado da Guiné-Bissau na arena internacional.

Nesse quadro, Cabral foi recebido em Londres, em Setembro, pelo secretário-geral do Partido Trabalhista inglês, Sir Harry Nicholas, tendo inclusivamente feito uma importante conferência no Centrall Hall, em Westminster, de que imprensa londrina se fez eco, comparando o sucesso da visita de Cabral a Londres ao que teve aquando da sua recepção pelo Papa Paulo VI.

Neste mesmo mês, foi recebido em audiência pelo presidente da Finlândia, Urbo Kekkonem e pelo secretário-geral do Partido Social-Democrata finlandês, Kalevi Sorsa. Viajou igualmente para a Irlanda, onde foi recebido no aeroporto de Dublin, pelo secretário-geral do Partido Trabalhista da Irlanda e pelo presidente dos sindicatos, tendo igualmente proferido uma conferência em que tomou parte o reverendo Austin Flannery, o Prof. David Greene, Noel Harris, o reverendo Terence Mc Caughey e ainda o historiador Basil Davidson.


A Operação Safira Solitária no Morés


A 20 de Dezembro, vários contingentes das tropas coloniais, cerca de 800 homens português tentaram reocupar posições na frente norte na Guiné, mas retiraram-se depois de sofrerem 60 baixas, em Morés (**). Após intenso bombardeamento aéreo desta zona (28), resolveram atacar com a infantaria, mas o PAIGC ripostou violentamente e provocou além dos referidos mortos , muitos feridos, a ponto do Hospital Militar de Bissau se encontrar sem possibilidades de receber mais. O comandante dessa acção denominada Safira Solitária suicidou-se.

A 29 de Dezembro, o Estado-Maior português reconheceu que durante essa operação foram evacuados para o hospital da cidade cerca de 61 soldados, fazendo até um elogio à capacidade combativa dos elementos do PAIGC, que considera, contudo, estarem a ser ajudados por unidades do exército senegalês e por mercenários cubanos.

À este comunicado o PAIGC reagiu com outro dizendo que “(...) o comunicado especial do Estado-Maior português apenas reflecte o desespero em Spínola e as suas tropas se encontram mergulhados, porque, em virtude dos ataques a todos os aquartelamentos realizados pelo PAIGC no mês de Dezembro, na área centro-norte, os colonialistas pensaram que aquelas acções eram o prelúdio de uma outra maior que atingiria a capita(...)” (29).


Os novos aviões Dakota, equipados com bombas de napalme para destruição das colheitas

A 26 de Novembro, a cidade de Bafatá é novamente atacada e a 30, numa acção coordenada, são atacadas simultaneamente Catió (Sul), Farim e Mansoa (Norte).

Após estas acções do PAIGC, as forças portuguesas destruíram 12 aldeias, nomeadamente Cambadjú, Dendo, Dumbal e Casa Nova (Norte), tendo entretanto usado nesses bombardeamentos os novos aviões Dakotas, equipados de bombas napalme, com objectivos de queimarem as colheitas, tendo o PAIGC reivindicado, em finais de Dezembro o abate de um desses Dakotas, no Sul do país, para além de um outro avião Harvar T 6, no Leste.

Combate-se no Senegal

Também, a 13 de Novembro, um pelotão das tropas regulares do exército português juntamente com as milícias especiais africanas, efectuou um golpe de mão nas povoações senegalesas de Fare Boké, próximo de Cambaju. Os efectivos envolvidos utilizaram fardamento e armamento do PAIGC, tendo abatido, para além dos elementos deste partido, igualmente militares e civis senegaleses.

Note-se que, relativamente a esta acção, Fragoso Allas, subinspetor da PIDE local, manifestou a sua apreensão com os acontecimentos, em virtude de a mesma poder comprometer as possibilidades de se chegar a um certo acordo com as autoridades do Senegal, no qual ele próprio parecia acreditar.

Do ponto de vista político, enquadrado nas acções tendentes a favorecer e integrar a sua manobra global, o PAIGC continuou empenhado, pelo menos desde Janeiro de 1971, na consolidação das suas estruturas do partido-Estado nas áreas libertadas, em ordem a permitir-lhe, em qualquer momento, assumir a representação da Guiné no plano jurídico internacional. Por isso, no campo militar, aumentou o seu potencial, estruturando as suas forças em unidades mais poderosas e revelando uma flexibilidade e uma capacidade de manobra apreciáveis. Logrou, inclusive, recrutar elementos com vista a criação de novas unidades, formando, em princípios de 1971, quatro novos bigrupos, que, na altura, estavam a iniciar a sua instrução em Kambera, Centro de Instrução Militar do PAIGC situado na Republica da Guiné-Conakry.

No plano internacional, o PAIGC privilegiou a sensibilização da opinião pública ocidental contra a acção colonial na Guiné, para alem de igualmente manter o apoio dos países limítrofes, razão que, aliás, levou as autoridades militares coloniais a admitirem a preparação e a possibilidade de “uma intervenção militar internacional de larga escala” (30).


Jornalistas estrangeiros na base de Canjambari

Consequentemente, o prestígio do PAIGC cresceu exponencialmente durante o ano de 1971, mercê, por um lado, da anunciada intenção de proclamação do Estado da Guiné-Bissau e, por outro, face aos sucessivos êxitos militares que o seu estruturado Serviço de Informação e Propaganda se encarregava diligentemente de difundir pela imprensa internacional.

Assim, vários jornalistas permaneceram entre de 17 a 5 de Dezembro nas regiões libertadas do Norte, nomeadamente na base de Candjambari. Foram eles, Ennark e Hermanson (suecos), (M. Torud (norueguês) e M. Antoine Laurent, enviado especial do vespertino senegalês Le Soleil. Do mesmo modo, delegações da SIDA (agência sueca de ajuda aos países em vias de desenvolvimento), do PNUD e da UNESCO visitaram Conakry, onde estabeleceram com o PAIGC relações de cooperação, que se traduziram em apoios concretos.

A 20 de Dezembro de 1971, pela Resolução A/2878 da 26.ª sessão da Assembleia Geral da ONU, foi aprovado o relatório do comité especial, incluindo o programa de trabalhos para o ano de 1972. Neste, estava incluída uma visita às áreas libertadas dos territórios sob administração portuguesa. A missão especial para a Guiné-Bissau era composta pelos representantes do Equador, Horácio Sevilla Borja, Suécia, Folke Lofgren, e Tunísia, Kamel Belkhiria, um fotógrafo, Yutaka Nagata, e um secretário principal, Cheikh Tidiane.

A estratégia spinolista passou também por negociações indirectas com o PAIGC iniciadas em 1972, por intermediação de Senghor, con­versações essas, aliás, que seriam rapidamente bloqueadas por Lisboa. Na realidade, no início de 1972, a acção psicológica no chão manjaco tinham avançado significativamente, a ponto de os responsáveis por elas, estacionados em Cantchungo, se terem encontrado com os principais chefes dos bigrupos da área de Caboiana-Churo e ter sido acordada com eles a rendição das suas for­ças que desfilariam em Bissau antes de serem integradas em unidades africanas das Forças Armadas portuguesas.

Spínola falava, inclusivamente, da no­meação de Amílcar Cabral para o cargo de secretário-geral da província, que assumiria em regime de co-gestão com o general Pedro Cardoso. Quando o assunto é levado à direcção do PAIGC, esta decide pôr termo a esses contactos e liquidar toda a comitiva que incluía, para além dos três majores da APSIC, o próprio governador Spínola. À última hora, este não comparece ao encontro onde supostamente se iria proceder a rendição das forças do PAIGC.


Spínola: Explorar a rivalidade entre cabo-verdianos e guineenses no seio do PAIGC

Spínola, que não somente perdeu alguns dos seus mais brilhantes quadros, como ainda a possibilidade de efectivamente concretizar a planeada mas também falhada rendição, nunca mais perdoaria ao PAIGC, logo ele, que não olhava a meios para explorar as contradições e rivalida­des entre as diversas etnias que constituíam o aparelho político-militar do PAIGC, em especial a mais importante das rivalidades que existia entre guineenses e cabo-verdianos, pelo que doravante toda a máquina militar da propaganda joga com esses dados, inclusive a PIDE/DGS, que há muito vinha, em surdina, procedendo ao um meticuloso e paciente trabalho de infiltração do PAIGC.

Entretanto, ao nível das Nações Unidas, insistiu-se muito na necessidade de Portugal abrir as negociações com os movimentos de libertação das suas colónias com vista a autodeterminação desses povos. Assim, pela Resolução S/322586, de 22 de Novembro de 1972, do Conselho de Segurança, foi exigida ao Governo português a aplicação das disposições da Carta das Nações Unidas e da Resolução A/1514 (XVI), da Assembleia Geral: encetar de negociações com os representantes dos povos de Angola, da Guiné-Bissau, de Cabo Verde e de Moçambique, a fim de se adoptar uma solução para o conflito armado que devastava os territórios e lhes permitisse alcançar a autodeterminação.


Inícios de 1972: os primeiros contactos de Senghor com as autoridades portuguesas

Porém, datam desta altura (inícios de 1972) os primeiros contactos de Senghor com as autoridades coloniais portuguesas e, segundo tudo confirma, com o próprio Amílcar Cabral, no sentido de se encontrar uma solução negociada para a guerra colonial versus guerra de libertação.

O PAIGC, na realidade, foi sempre receptivo a uma qualquer solução negociada do conflito, tanto mais que a sua estratégia, em última instância, era obrigar as autoridades coloniais a sentarem-se nas mesa das negociações e não a de uma contemporização indefinida, tal como Spínola pretendia, pois acreditava que Amílcar Cabral não tinha pressa na medida em que (...) é um homem inteligente e muito hábil e, como está convencido de que há-de vencer, logicamente espera tirar vantagem do tempo para formar os seus quadros e para que as populações, com o nosso trabalho, se vão promo­vendo cada vez mais. Tudo o que nós fizermos pelo povo é ganho assegurado para a Guiné do futuro e nós temos possibilidades técnicas de fazer mais estradas e escolas num só ano do que o PAIGC em muitos (...)” (31).

Como quer que seja, perante as propostas de Senghor, o Governo de Lisboa insistia em ignorá-las, com o argumento de que qualquer desfecho negocial para a Guiné teria o efeito de dominó(32), relativamente às outras colónias, sobretudo Angola e Moçambique, territórios também em guerra, pelo que ignorou da mesma forma e insistentemente as resoluções das Nações Unidas nesse sentido (33).

Costa Gomes, Chefe do Estado-Maior do Exército, em visita à Guiné

No entanto, as sucessivas alterações do dispositivo militar efectuadas por Spínola bem como a excessiva utilização das Forças Africanas, eram, por si sós, insuficientes para restabelecer o equilíbrio militar perdido, como de resto atesta Costa Gomes, que após ter deslocado à Guiné em 1972, a convite de Spínola e na qualidade de Chefe do Estado-Maior do Exército, afirmou que, não obstante ter dito a Marcelo Caetano que, se se modificasse o dispositivo e se o PAIGC não utilizasse os Mig que dizia possuir, a Guiné seria defensável, pelo que “ (…) se opôs à ideia de, mantermos forças militares nas povoações situadas junto à fronteira, onde éramos sistematicamente atacados. Apesar de o general Spínola e seu Estado-Maior terem concordado comigo, nunca deram, no entanto, execução à directiva. Em 1972, existiam postos militares em São Domingos, perto do Senegal, Bigéne, Buruntuma e, no Sul, em Guiledje e Guidage. Fui, de facto, sempre contrário à essa táctica (em Angola não a usei), pois uma vez que nos era poli­ticamente vedado atravessar essas linhas fronteiriças em perseguição das forças inimi­gas, as tropas ali sediadas estavam permanentemente sujeitas a ser ataca­das sem poderem defender-se convenientemente (…)” (34).
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Notas de L.A.:

(20) “Anexo C ao Intrep” n.º 6/71, , Pasta Organizada por Províncias Ultramarinas – Guiné- , Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, NT 8924, fls. 15.

(21) Entrevista de Spínola ao jornalista Francisco de Carvalho, do Expresso, a 30 de Janeiro de 1973 e reproduzido em Por uma Pontugalidade Renovada, Agência-Geral do Ultramar, pp. 388-389.

(22) Cabral, Amílcar, Sobre a Agressão à República da Guine e os Acontecimentos Ulteriores Nesse País, reunião do CSL, 9 a 16 de Agosto de 1971, Serviços de Informação do PAIGC, Arquivo do PAIGC, 1971.

(23) Nessa altura, José Massip, cineasta cubano terminou a sua estada de dois meses nas áreas libertadas do Sul, onde rodou um filme sobre a luta do PAIGC. Este cineasta tinha já sido o autor do filme Madina de Boé, que fez imenso sucesso.

(24) De 18 à 26 de Setembro, o PAIGC realizou no hall do Teatro Nacional Daniel Sorona, em Dacar, uma exposição fotográfica seguida de um espectáculo artístico sobre a luta do PAIGC, na presença de Amílcar Cabral e do ministro dos Negócios Estrangeiros do Senegal, Amadou Karim Gaye. A mesma exposição foi inaugurada, em Bathurst, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Gâmbia.

(25) As FAL (Forças Armadas Locais) são forças regionais de quadrícula que surgiram no primeiro semestre de 1971 e foram criadas através da reorganização das Milícias Populares, às quais competia determinadas zonas das áreas libertadas, nomeadamente, colaborar com os CE em acções de guerrilha ou ainda realizá-las isoladamente, e também servir como guia à intervenção do CE deslocado para a realização de esforços, nos diferentes locais de implantação.

(26) É nessa data e nessa reunião magna que Amílcar Cabral anunciou que o PAIGC tinha enviado jovens militares para aprenderem a pilotar de aviões de guerra.

(27) Miranda, Jorge - As Constituições Portuguesas: de 1822 ao Texto Actual da Constituição. Livraria Petrony , 5ª edição, 2004, p. 278.

(28) Foi em Morés que o escritor francês Gérard Challiant, assim como os cineastas e jornalistas, respectivamente, Mário Marret e Izidro Roméro (franceses), Piero Nelli e Eugénio Bentivoglio (italianos), Juntin Vyeira, Justin Mendy e Mamless Dia (africanos) e Oleg Ignatiev (russo), recolheram material para os artigos que publicaram, tanto na imprensa e os filmes que realizaram. Em Dezembro de 1972, foram exibidos nas regiões libertadas o filme Lala Quema, da autoria de do cineasta francês Mário Marret.

(29) Pastas Organizadas por Províncias Ultramarinas, Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, SC NT 8923, fls. 242. Também em PAIGC Actualités, n.º 37, Janeiro de 1972.

(30) Pastas Organizadas por Províncias Ultramarinas, Arquivos da PIDE-DGS/ANTT, SC NT 8923, fls. 242.

(31) Vários, (Rodrigues, Avelino s, Borga, Cesário e Cardoso, Mário), op. cit. p. 152.

(32) Caetano, Marcelo - Progresso em Paz, Lisboa, Verbo, 1972, p. 179.

(33) Cf. ONU, Conselho de Segurança, Documents Officiels, Ano 27, 1967 e sessão de 19 de Outubro de 1972.

(34) Gomes, Francisco Costa, op. cit., p. 156.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. posts anteriores:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'

25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I

6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II

(**) O nosso camarada Tino Neves já aqui relatou um anterior ataque (e creio que o primeiro, na história da guerra) à vila e quartel de Gabu > vd post de 9 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1160: Lembranças de Nova Lamego (Tino Neves, CCS/BCAÇ 2893): A fatídica noite de 15 de Novembro de 1970

(***) Já houve, logo nos primeiros tempos do nosso blogue, uma acesa polémica sobre esta versão, oficial ou oficiosa, do PAIGC sobbre as baixas de um lado e de outro, no decurso da Op Safira Solitária. Recomenda-se a leitura desses posts:

3 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXIV: Informação & Propaganda: de que lado estava a verdade ? (1) (Sousa de Castro / Vitor Junqueira / Luís Graça / Afonso Sousa / A. Marques Lopes)


(...) "O coronel João Malaca foi um dos comandantes da guerrilha na zona de Morés e Bissorá [na região do Óio]. Foi ele quem comandou a célebre batalha de Morés na zona de Farim, em 21 de Dezembro de 1971, onde as tropas portuguesas deixaram no terreno 61 mortos confirmados pelo PAIGC.

"Ia uma companhia de africanos à frente. Tínhamos um rádio para captar todas as informações. A operação chamava-se Estrela Solitária [ lapso, é Safira, e não Estrela] . Quando os apanhamos na zona para onde os canhões e morteiros estavam apontados, começámos a descarregar a artilharia e fechámos-lhes a saída. Morreu muita gente. Era a guerra, ninguém ficou contente com isso" (...).

(...) "O Vitor Junqueiro, que era na altura alferes miliciano da CCAÇ 2743 (Mansambá, 1970/72), veio de imediato protestar: Amigo Sousa de Castro: Esta história do Sr. João Malaca é completamente falsa. Direi mesmo absurda. Eu estive lá nessa época" (...).

Veja-se, entretanto, o que dizia um Comunicado especial do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, captado pela rádio em 29 de Dezembro de 1971 e captado pelo Afonso Sousa:

(...) " Numa das mais importantes operações militares realizadas no Teatro de Operações da Guiné, as forças guerrilheiras acabam de sofrer um expressivo revés (...).

(...) "Montada a operação, denominada Safira Solitária, foi esta levada a efeito por unidades da força africana e teve início ao alvorecer do dia 20 prolongando-se até à tarde do dia 26 tendo as nossas forças sido guiadas na floresta por elementos das populações da área pertencentes à nossa rede de informações que conhecia a localização precisa das posições inimigas.

"Apesar de colhido de surpresa, o inimigo estimado em 6 bigrupos, 2 grupos armados de armas pesadas instalados em posições fortificadas e cerca de 333 elementos armados da milícia popular, opôs durante os três primeiros dias tenaz resistência acabando todavia por ser desarticulado e aniquilado, tendo sofrido 215 mortos confirmados, entre os quais três cubanos, e alguns mercenários estrangeiros africanos, 28 capturados, além de apreciável número de feridos.

"Segundo declarações dos capturados, encontravam-se na área pelo menos mais 4 elementos cubanos. Verificou-se que o inimigo estava implantando no Morés um sistema de fortificação de campanha do qual se destacavam espaldões para armas pesadas e abrigos subterrâneos para pessoal. Os grupos de guerrilha, pela resistência que ofereceram revelaram uma sensível melhoria de enquadramento e uma técnica mais avançada de guerra de posição.

"No decurso da operação foi capturado o seguinte material: 1 canhão sem recúo B-10, 2 morteiros de 82 mm, 2 morteiros de 60mm, 3 metralhadoras pesadas Goryonov, 7 lança-granadas RPG-7, 14 espingardas automáticas Kalashnikov, 38 espingardas semi-automáticas Simonov, 8 espingardas Mosin Nagant, 14 pistolas metralhadoras PPSH, além de avultado número de armas de repetição, de cunhetes de munições, fitas e carregadores, destruídos no local por desnecessários. As nossas forças sofreram 8 mortos, 12 feridos graves e 41 feridos ligeiros" (...).

3 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CXXXV: Informação & propaganda: de que lado estava a verdade ? (2) (Vitor Junqueira)