PAIGC > Conselho de Guerra > Reunãio de 11/5/1970 a 13/5/1970. Acta das reuniões. Detalha da Capa.
[Amílcar Cabral: (...) Este acto foi um acto de grande consciência política e um acto de independência. Foi um acto de grande acção e de capacidade dos nossos camaradas do Norte. É a primeira vez que numa luta de libertação nacional se mata assim três majores, três oficiais superiores que, nas condições da nossa luta, equivale à morte de generais. (...)]
Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); professor de eduxção física, docente do ensino superiro; nosso coeditor, autor da série "(D)o outro kado do combate"; régulo da Tabanca dos Emiratos,
GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE:
A MORTE DOS TRÊS MAJORES NO CHÃO MANJACO
EM 20 DE ABRIL DE 1970 E A INTERVENÇÃO DE AMÍLCAR CABRAL NA REUNIÃO DO CONSELHO DE GUERRA TRÊS SEMANAS DEPOIS
1. - INTRODUÇÃO
Saúdo a oportuna e sentida homenagem pública aos "sete militares chacinados pelo PAIGC no Chão Manjaco", feita ontem pelo camarada Manuel Luís Lomba - P20879.
A narrativa lembra a todos os que nele estiveram envolvidos ou dele foram tendo conhecimento ao longo dos últimos cinquenta anos (1970.04.20-2020.04.20), alguns antecedentes históricos e respectivas consequências.
Como fazemos parte do último grupo, os que foram coleccionando informações avulsas, umas vezes da autoria dos que viveram muito de perto este horripilante acontecimento, enquanto informantes e/ou observadores privilegiados, outras, corolário de diferentes análises documentais que, por serem feitas em síntese, ficam amputadas de detalhes que podem influenciar a compreensão da sua totalidade.
Partindo dos diferentes comentários dos camaradas: Luís Lomba, Manuel Carvalho e, particularmente, do Valdemar Queirós, quando coloca no seu texto "também não me lembro da informação do PAIGC sobre o assunto" (e eu também não!), levou-me a indagar junto do Arquivo Amílcar Cabral, existentes na CasaComum, Fundação Mário Soares, algo relacionado com o tema.
Encontrei a "Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra", realizada em Conacri, de 11 a 13 de Maio de 1970, três semanas após a consumação do Massacre, sendo este o primeiro (e único) documento «(D)o Outro Lado do Combate» que, no meu entender, faz fé quantos às motivações dos seus "actores" e "autores".
Sugiro, também, a leitura da entrevista dada ao "cmjornal", por Francisco Rodrigues, publicada em 30Mar2008, um dos militares que esteve na recuperação dos corpos dos sete mártires. [in: https://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/vi-os-corpos-mutilados-dos-tres-majores, com devida vénia.
PAIGC > Conselho de Guerra > Reunião de 11/5/1970 a 13/5/1970. Acta das reuniões. Capa
[Página 1]
2. - A ACTA DA REUNIÃO DO CONSELHO DE GUERRA (ALARGADO)
Transcrição da intervenção de Amílcar Cabral (1924-1973), manuscrita por Vasco Cabral (1926-2005), secretário da reunião do Conselho de Guerra realizada em Conacri de 11 a 13 de Maio de 1970
► S.G. [Secretário-geral, Amílcar Cabral] – Saúdo os camaradas. É com o máximo prazer que fiz esta reunião que, desta vez, é em Conacri, para variar.
Desde a última reunião do B.P. [Bureau Político] até esta, a luta já mudou bastante. A Leste é uma mudança constante. Por ex.: fomos capazes de atacar Mansoa e Bissorã, com novas armas. Nesta altura, a posição do inimigo é diferente. O inimigo deve estar a pensar o que deve fazer para evitar os nossos ataques aos centros urbanos. Conseguimos fazer causar ao inimigo, em todas as frentes, um choque psicológico bastante grande. Conseguimos anular a tentativa do inimigo de desorientar as nossas populações.
A situação mudou também por causa da acção levada a cabo no Norte contra alguns oficiais superiores, em consequência da acção combinada das nossas forçadas armadas, da segurança e da Direcção do Partido.
A liquidação dos 3 majores, 1 alferes e alguns outros elementos (segundo alguns camaradas, um capitão e um chefe da Pide), mostrou que era falsa a propaganda dos tugas de que estavam à vontade na nossa terra. Por outro lado, os tugas estavam convencidos de que conseguiam comprar as nossas gentes.
Toda a política do Spínola [1910-1996], em consequência destas nossas acções está posta em causa para toda a gente, tanto dentro como fora da nossa terra, o nosso prestígio aumentou bastante e até mesmo para o nosso inimigo. Sobretudo esta liquidação dos oficiais superiores contribuiu para isso. O tuga pensava antes que nós todos éramos cachorros. O tuga agora já se convenceu do contrário. Isso aumentou a nossa dignidade, a nossa importância aos olhos do próprio inimigo.
A situação hoje é diferente da altura em que fizemos a reunião em Boké. Os nossos camaradas deram provas de capacidade. Nesta luta, como costumamos dizer, tudo é possível. Conseguimos levar armas pesadas do Sul para o Norte, quase sem perdas: perdemos dois camaradas e três armas. Os nossos camaradas foram capazes de enganar, discutir com eles, convencê-los, apesar da sua imensa experiência e capacidade e liquidá-los.
No intervalo da reunião de Boké para este, um ponto importante do nosso tema que é, o Kebo foi atraído diversas vezes. Isto é também importante. Sobre a passagem de armas do Sul para o Norte.
[Página 2]
Através de certos camaradas que estão em Canchungo [mais conhecido por chão de manjacos], os tugas tentaram combinações com eles com vistas a desmoralizar a nossa gente. Tentaram, servindo-se de elementos da FLING [Frente de Libertação para a Independência da Guiné], portanto a um nível mais baixo, desmobilizar a nossa gente, sem resultados. Por consequência foram à prisão de quatro dirigentes da FLING. Tentaram contactar Albino, Braima Dakar e outros. E na região do Quinara. E também com gente na periferia da nossa luta: Luís Pinto e João Cabral.
Tentaram a ligação com André Gomes e com Quintino [Gomes; 1946-1972]. Eles avisaram a Direcção do Partido, para o interrogar. André Gomes deu mais uma prova de confiança no Partido. Ele mesmo supunha que os tugas queriam desertar. Só depois é que se viu o que queriam era desmobilizar a nossa gente.
O Secretário-geral deu o seu acordo à proposta mas pediu que agíssemos depressa. Luís Correia pôs-se, por sua própria iniciativa, em contacto com os camaradas da Zona, Lúcio Touchô também foi envolvido na combinação. Ele pôs-se em contacto com os tugas, mas quem devia falar era Braima Dakar que jogou um papel de defesa do Partido.
Os tugas escreveram cartas amáveis e respeitosas aos camaradas, um grande namoro. Deram-lhes muitos presentes. Propunham que os guineenses deviam substituir os cabo-verdianos, de quem já tinham feito uma lista negra de trinta e que deviam ceder os seus lugares a guineenses. Deram presentes vários: conhaque, whisky, vários panos para as mulheres, relógios, cigarros bons, etc..
Encontraram-se cinco vezes. Na quarta vez, esteve presente o governador [Spínola] que apertou a mão, tirando a luva, do nosso camarada André Gomes (Amílcar lê uma das cartas de um major, Pereira da Silva, a André Gomes). No dia do encontro, deviam vir os nossos camaradas chefes e estava prevista a vinda do próprio governador [Spínola].
Os camaradas vieram de facto acompanhados das suas armas. Apareceu mesmo o Luís Correia e eles já sabiam da sua presença. Para não desconfiarem disseram-lhe que o Luís Correia estava presente e que era um alto responsável do Partido.
Durante as conversações com os tugas, foi decidido pararem os bombardeamentos aéreos e os combates. Isso aconteceu de facto: os nossos camaradas pararam também certas acções (Amílcar lê uma outra carta do Major [Alferes] Mosca). Braima Dakar aproveitou para fazer certas exigências. Pediu a libertação do seu país, a libertação de dois camaradas (Claude e José Sanhá) e foram mesmo soltos (já cá estão).
Durante a trégua, os camaradas levantaram minas na estrada de Bula-Binar.
Mesmo assim houve uma emboscada, aos tugas, na qual, segundo uma carta apanhada de um dos majores, afirmam que morreram quatro tugas.
[Será que se referem a: António da Silva Capela e Henrique Ferreira da Anunciação Costa, da CCAV 2487, em 18OUT69; e Joaquim José Ramalho Rei e Manuel Domingos Martins, da CCAV 2525, em 07Dez69]?
Também dão notícia dos ferimentos graves que sofreu um capitão que estivera com eles nessa reunião, ao tentar detectar minas: perdeu um braço e uma das vistas.
[Segundo José Paulo [Abreu Nogueira] Pestana (então capitão da CCAÇ 2466/BCAÇ 2861), "foi ele que mais tarde foi substituir o capitão [José Júlio da Silva de] Santana Pereira [CCAÇ 2367/BCAÇ 2845], ferido com uma mina antipessoal na zona de Có-Pelundo, onde se construía uma estrada entre Bula e Teixeira Pinto. Nunca podíamos descurar as minas colocadas nos trilhos, que já haviam vitimado um alferes (José Manuel Brandão, da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892, em 02Mar70) e ferido o capitão". - in https://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/conheci-os-tres-majores-assassinados (04Jan2009)], com a devida vénia.
[Página 3]
► Nino – Salienta a importância dos nossos camaradas terem levado à certa grandes homens dos tugas. Isso foi porque os tugas nos consideram como cachorros. Os tugas sentem hoje qual é a nossa força tanto moral como política.
► Amílcar – Este acto foi um acto de grande consciência política e um acto de independência. Foi um acto de grande acção e de capacidade dos nossos camaradas do Norte. É a primeira vez que numa luta de libertação nacional se mata assim três majores, três oficiais superiores que, nas condições da nossa luta, equivale à morte de generais.
Refere o artigo de [Cor Hélio] Felgas [1920-2008] na Revista Militar [n.º 4 – Abril de 1970] que, no fundo, é um grande elogio ao PAIGC. Diz algumas das suas observações a nosso respeito. Talvez que os tugas vão desenvolver uma acção de grande envergadura e de repressão.
Depois do acontecimento [dos majores], publicaram um pacto, ao qual propunham mais contactos com os nossos militares, mas não onde se realizaram [os anteriores] mais um em Canchungo e um em Pelundo.
Dizem que os nossos militares não cumpriram os preceitos de honra militar. Mas que eles cumprirão no futuro os deveres de honra militar. Eles afirmam que querem o fim da guerra. Também as populações de certas zonas (Mansoa, por exemplo) estão bastante influenciadas pela realidade, pela utilização de novas armas. Dizem por exemplo: "agora, mama acabou" (querendo significar que já não há protecção junto dos tugas nas cidades). Apelo aos camaradas para terem iniciativas, pensarem profundamente nos problemas, criarem, conhecerem bem cada um dos seus homens.
Anuncio os problemas que vão a seguir ser discutidos (ordem de trabalhos).
[…]
Fonte:
Citação:
(1970-1970), "Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry". CasaComum.org, Disponível http:htrp://hdl.handle.net/11002/fms_dc_34125.
Instituição:
Fundação Mário Soares
Pasta: 07073.129.004
Título: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra em Conakry
Assunto: Acta informal das reuniões do Conselho de Guerra, em 11 e 13 de Maio de 1970, manuscrita por Vasco Cabral.
Membros Presentes: Amílcar Cabral, Aristides Pereira, Luís Cabral, João Bernardo Vieira (Nino), Osvaldo Vieira, Francisco Mendes, Pedro Pires, Paulo Correia, Mamadu N'Djai [Indjai], Osvaldo Silva, Suleimane N'Djai.
Secretário: Vasco Cabral.
Data: Segunda, 11 de Maio de 1970 – Quarta, 13 de Maio de 1970.
Observações: Doc incluído no dossier intitulado Relatórios: 1960-1970.
Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: ACTAS
Obrigado pela atenção.
Um forte abraço de amizade (virtual)… e votos de muita saúde em tempo de "clausura"
Jorge Araújo.
21ABR2020.
_______________
Nota do editor:
Último poste da série > 7 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20708: (D)o outro lado do combate (58): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte V (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)
Último poste da série > 7 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20708: (D)o outro lado do combate (58): memórias do militante do PAIGC , Inácio Soares de Carvalho, cabo-verdiano, funcionário do BNU - Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, detido pela PIDE em 1962, em seguida deportado para o Tarrafal, donde regressa em 1965, sendo colocado na Ilha das Galinhas... Liberto em 1967, é de novo preso em 1972 e 1973... Regressa à sua terra natal, em finais de 1970, afastando-se da vida política ativa... Morreu em 1994 - Parte V (Carlos de Carvalho, Praia, Santiago, CV)