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sábado, 16 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21772: (D)o outro lado do combate (64): o caso da jangada do Ché-Che em maio de 1965... (Jorge Araújo)


Foto 1: - Região do Boé > Rio Corubal > A jangada do Ché-Che. Foto publicada no cmjornal de 23 de Junho de 2013, em entrevista dada por António Manuel Baptista, furriel vagomestre da CCAV 702 / BCAV 705 (1964/1966), com a devida vénia. [Link: https://www.cmjornal.pt/mais-cm/domingo/detalhe/morreu-a-17-dias-de-voltar-a-casa].

 


Foto 2: - Região do Boé > Rio Corubal > 30 de Junho de 2018 > A jangada do Ché-Che, puxada à corda. Foto retirada do vídeo de Patrício Ribeiro (Ímpar Lda, Bissau), publicado no P18862, disponível em You Tube / Luís Graça, com a devida vénia.



Imagem de satélite da região do Boé (Centro – Sul), com infografia do triângulo Madina do Boé/Béli/Ché-Che, sinalizando-se o local da jangada que ligava as duas margens do rio Corubal.





O nosso coeditor Jorge [Alves] Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 
(Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior,  ainda no ativo; 
tem cerca de 280 referências no nosso blogue.

 


GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE

AMÍLCAR CABRAL E O BOÉ:

A IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DA REGIÃO

- O CASO DA JANGADA DO CHÉ-CHE DESTRUÍDA [?] EM 11MAI1965 -     

► ADENDA AO P21712 (30.12.20)

1.   - INTRODUÇÃO


Com a elaboração da presente adenda ao P21712 publicado no penúltimo dia do ano findo (*), pretende-se dar conta, no fórum, do que foi possível esclarecer quanto às dúvidas suscitadas na "análise de conteúdo" sobre a carta "mensagem" de Amílcar Cabral (1924-1973), datada de 01 de Julho de 1965, 5.ª feira, dirigida aos seus camaradas operacionais, combatentes do exército popular, instalados na região do Boé, onde faz constar o valor e importância estratégica que ele atribuía a esta região no desenvolvimento da luta armada.


Nessa "mensagem", o Secretário-Geral valoriza, sobremaneira, o desempenho tido pelos elementos comandados pelo cmdt Umaro Djaló (1940-2014) pelo facto de, entre outras acções, terem destruído (?) a «jangada do Ché-Che», em 11 de Maio de 1965, 3.ª feira, de modo a impedir, às NT, a travessia entre as margens do rio Corubal.


Ainda que não tivéssemos tido a "sorte" ou o "saber" de encontrar testemunhos escritos na literatura oficial, que pudessem validar mais uma (esta) ocorrência concreta, e histórica, da "guerra" no CTIG, sempre acreditámos que seria possível obter informações complementares produzidas por alguém que nela tivesse estado envolvido (informante privilegiado) ou que dela tivesse tido conhecimento.


E o objectivo de partida foi conseguido! Graças à pronta resposta ao nosso apelo, colocada pelo camarada Manuel Luís Lomba, da CCAV 703, na caixa de comentários ao poste supra, a quem agradecemos, permitiu-nos entender melhor o quadro factual, do objecto de estudo, por efeito da triangulação de conteúdos.


Como justificação metodológica, recuperámos alguns acontecimentos já narrados anteriormente, de modo a contextualizar o tema, quer do ponto de vista cronológico, quer no que concerne ao valor semântico de algumas expressões utilizadas.


2.   - MENSAGEM DE AMÍLCAR CABRAL

- Dirigida aos combatentes das FARP do Boé em 01Jul1965


Todos sabem que a região do Boé é muito importante para a nossa luta na nova fase em que nos encontramos, (…) se conseguirmos tirar dali todas as forças inimigas, criamos uma situação difícil para as tropas portuguesas que estão em Bafatá e no Gabu.


O Partido tem feito grandes esforços para libertar totalmente o Boé, onde tem operado uma subsecção e dois bigrupos bem armados. Sabemos que as nossas forças têm tido dificuldades por falta de consciência política da população e por falta de alimentação em alguns momentos numa região onde há pouca comida. Vocês têm feito algumas acções boas e conseguiram destruir [?] a «jangada do Ché-Che» [em 11 de Maio de 1965, 3.ª feira, conforme comunicado manuscrito por Umaro Djaló, cmdt da subsecção "Rui Djassi"] e atacar Madina do Boé com sucesso. (…) Durante as chuvas, não faltará água. Por outro lado, o nosso Partido vai continuar a pôr à disposição dos combatentes do Boé todo o alimento necessário para um período de 2 meses. Não faltará armas nem faltará munições.


Sabemos que o inimigo já refez outra jangada, mas sabemos todos que ele tem pouca gente no Boé [CCAV 702]. Cremos que basta uma subsecção forte e decidida para criar ao inimigo uma situação difícil e correr com ele do Boé durante esta época das chuvas. Além disso, reduzindo o número de combatentes no Boé fica mais fácil dar comida para esses combatentes, em virtude das dificuldades de transporte durante as chuvas. (…)


O Boé tem condições muito favoráveis para a nossa luta. Desde que haja alimentação, não haverá razão nenhuma para não libertarmos (…) completamente o Boé até ao fim do mês de Julho [1965]. (…)


2.1        - Que devemos fazer para correr com os portugueses do Boé?

- Nós (PAIGC] deveremos:

(…)


■ 3. - Destruir a ponte da estrada do Boé que fica logo depois de Contabane. Minar essa estrada.


■ 5. - Destruir a jangada do Ché-Che, mesmo que para isso seja possível combater. Devemos atacar e destruir a jangada no momento em que esteja a trabalhar, quando chegar à margem do lado de Madina [do Boé].


■ 6. - Colocar armas pesadas no porto do Ché-Che para não deixar passar o inimigo.

(…)


Fonte: Citação: (1965), "Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis, combatentes do exército popular em Boé", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40509


3.   -   DESTRUIÇÃO [?] DA «JANGADA DO CHÉ-CHE» EM 11MAI65

- Comunicado assinado pelo cmdt Umaro Djaló em 12Mai65


Comunicamos à direcção do nosso Partido que destruímos a «jangada do Ché-Che" no dia 11 do mês corrente [Maio'65], às 4 horas da manhã. Foi totalmente [?] destruída, e o homem que guardava a jangada conseguiu fugir no momento em que os camaradas progrediam em direcção do objectivo, e não conseguiram prendê-lo. Também os camiões [?] que se encontravam na travessia foram igualmente destruídos. (…)


Fonte: Citação: (1965), "Comunicado [Frente Leste]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40708


4.   - REACÇÕES AO COMUNICADO DO CMDT UMARO DJALÓ


Três dias após a elaboração do comunicado assinado por Umaro Djaló, cmdt da subsecção "Rui Djassi" [nome atribuído em homenagem ao cmdt Rui Djassi "Faincam", que morreu nas matas de Gampará, em 24Abr64, durante a «Operação Alvor» (P19532)] e consequente envio aos dirigentes do PAIGC, instalados em Conacri, Aristides Pereira (1923-2011) enviou-lhe a seguinte missiva:


15 de Maio de 1965


Caro camarada Umaro [Djaló]:

Acabamos de receber a vossa comunicação relatando a liquidação [?] da jangada do CHECHE – um dos grandes objectivos da vossa missão nesta altura. Comunicamos imediatamente o facto ao camarada Secretário-Geral que se acha em viagem, pois bem sabemos a grande importância que ele dá a esse facto. Estamos muto satisfeitos com a vossa realização, e enviamos calorosas felicitações pela vossa determinação em cumprir as palavras de ordem do Partido, ao serviço da nossa luta. Estamos certos de que este primeiro êxito vos encorajará cada vez mais no cumprimento da missão sagrada do nosso povo, para correr com os colonialistas das nossas terras. Por outro lado, a nossa confiança actual se reforça com esta acção vossa, e a nossa convicção é cada vez maior de que levareis a bom termo a missão que vos cabe nesta fase da nossa luta. Mais uma vez parabéns a todos, sem nos deixarmos no entanto entusiasmar demais por este sucesso: muita vigilância. 





O Nino deve-se ter encontrado contigo e com certeza discutiram bastante no sentido da boa marcha da nossa luta nesse sector. Discutimos com ele a questão das munições que pedes, e ele deve satisfazer o teu pedido com o material que levou.


Vão os envelopes pedidos.


Saudações para todos os camaradas, e votos de saúde e cada vez mais coragem no nosso trabalho.


Para ti, abraço amigo do camarada de sempre,

Aristides Pereira.

 


Fonte: Citação:
(1965), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39106

 

Ainda sobre o este assunto, e com a mesma data, Amílcar Cabral escreve a Nino Vieira (1939-2009), cmdt da Frente Sul e Leste, o seguinte:


▬ Conacri, 15 de Maio de 1965


Meu caro Nino,

Cheguei hoje a Conacri, depois de ter visto o Osvaldo [Vieira] e outros camaradas, no Senegal. Se vires o Umaro [Djaló] e os três camaradas da subsecção ["Rui Djassi"], apresenta-lhe as minhas felicitações pelo sucesso da missão à jangada do Ché-Che. Estou convencido que os nossos combatentes, o nosso povo, terá vitórias decisivas para a mudança da nossa luta, nessa área. Temos necessidade de preparar, no pouco tempo, camaradas nossos na utilização da nova arma que recebemos. Preferíamos que fossem camaradas que tenham certa experiência de armas anti-aéreas e por isso pensamos que o camarada Inácio [da Gama (?)] poderia regressar para essa preparação. Diz alguma coisa. É urgente. Envio-te o relógio pelo Inácio.


Saudações a todos os camaradas

Um abraço amigo do camarada.

Amílcar Cabral.

 


Fonte: Citação:
(1965), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35318

 

5.   - CONTRIBUTOS DE MANUEL LUÍS LOMBA SOBRE A OCORRÊNCIA


Na qualidade de Fur Mil Cav da CCAV 703 / BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) o camarada Manuel Luís Lomba escreveu o seguinte:


(…) Ainda não havia tropa em Canjadude e ao segundo dia mandaram-me proteger a jangada do Ché-Che, reforçado com um canhão s/r (sem recuo) 10,7, montado num velho jipe Willis. Pela análise da situação, mandei estacionar as viaturas viradas a Nova Lamego, o jipe e o canhão apontados à jangada e passei a noite em branco sobre a caixa de carga do camião Mercedes, à cuca e à escuta: se o IN aparecesse na nossa banda (o que parecia pouco provável), os campeões da eliminação da jangada seríamos nós, a retirada no "gosse gosse" – a batalha era cometida aos navegantes carnívoros [os "alfaiates"] do Corubal, se ele o ousasse cambar a nado.


Isto terá ocorrido em 21 de Maio'65, cálculo meu (ou seja, dez dias após o ataque), a jangada encontrava-se em perfeito estado, depois de ter sido rapidamente recuperada por malta vinda de Bissau (provavelmente da Engenharia, da Marinha ou do Serviço de Material?). A sua avaria ficou a dever-se a um ataque à bazucada lançado do lado de Madina do Boé, no tempo em que a jangada tinha apenas um guarda-nocturno.


6.   - CONSIDERAÇÕES FINAIS


Para finalizar o presente texto (adenda), podemos concluir:


■ 1. - Confirma-se o ataque à «jangada do Ché-Che» em Maio de 1965, sob as ordens do cmdt Umaro Djaló, à data em nomadização na região do Boé.


■ 2. - O conceito utilizado por Umaro Djaló: "destruição", que significa: "desfazer"; "exterminar"; "aniquilar"; "extinguir"; "fazer desaparecer"; etc., não se verificou, pelo que não se aplica, ainda que no léxico da guerra seja comum.


■ 3. - O que se verificou foi que o ataque (à bazucada) provocou "avaria", causando "dano"; "prejuízo" ou "estrago" na «jangada» que rapidamente foi recuperada.


■ 4. - Amílcar Cabral, na sua "mensagem" de 01 de Julho de 1965, refere que já tinha sido refeita [recuperada] outra jangada.


■ 5. - A travessia do rio Corubal, no Ché-Che, continuou a verificar-se por parte das NT, com recurso a uma «jangada», como prova a foto 1, onde elementos da CCAV 702 acompanham vários volumes e diferentes produtos.


■ 6. - O recurso à «jangada do Ché-Che» por parte da CCAV 702 aconteceu a partir de Maio de 1965, após ter sido deslocada por fracções, entre 22 e 30 desse mês, para Madina do Boé, com um Gr Comb em Béli a partir de 25Mai65, onde substituiu Grs Combate da 3.ª CCAÇ. Em 23Mai65, assumiu a responsabilidade do subsector de Madina do Boé, então criado na zona de acção do BCAÇ 512 e depois do seu batalhão (BCAV 705). Em 04Mai66, foi rendida no seu subsector pela CCAÇ 1416, seguindo, então, pata Fá Mandinga. (CECA; p 258).


► Fontes consultadas:


Ø  (1) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.012. Título: Mensagem aos camaradas militantes e responsáveis combatentes do exército popular em Boé. Assunto: Mensagem de Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, aos militantes e responsáveis combatentes do Exército Popular no Boé, reafirmando a importância estratégica dessa região para a libertação de toda a área circundante (Xitole, Bambadinca, Bafatá e Gabu). Directivas e instruções militares aos combatentes para a conquista e libertação do Boé. Data: Quinta, 1 de Julho de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (2) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.027. Título: Comunicado [Frente Leste]. Assunto: Comunicado assinado pelo Comandante Rui Djassi (erro) [Umaro Djaló] sobre a acção de destruição da jangada de Cheche e a preparação de um novo ataque a Béli. Data: Quarta, 12 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.


 

Ø  (3) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 07069.107.021. Assunto: Resposta ao comunicado sobre a liquidação da jangada do Cheche. Remetente: Aristides Pereira. Destinatário: Umaro Djaló. Data: Sábado, 15 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Exército Popular / Zona Sul 1964-1965. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  (4) Instituição: Fundação Mário Soares Pasta: 04618.082.036. Assunto: Felicitações pelo sucesso da missão à jangada do Cheche. Envio do relatório pelo Inácio. Remetente: Não identificado [Amílcar Cabral]. Destinatário: Nino Vieira. Data: Sábado, 15 de Maio de 1965. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Correspondência dactilografada (de Amílcar Cabral, Aristides Pereira e Luís Cabral. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.


 

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

 

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde para 2021.

Jorge Araújo.

02JAN2021

______________


Nota do editor:

(*) Último poste da série > 30 de dezembro de  2020 > Guiné 61/74 - P21712: (D)o outro lado do combate (63): Amílcar Cabral e o Boé: a importância estratégica da região (Jorge Araújo)

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21599: Efemérides (345): Foi em 1 de Dezembro de 1640, há 380 anos, executada a "Operação da Restauração da Independência" (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav)

1. Em mensagem do dia 30 de Novembro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor do livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu"), enviou-nos este texto lembrando a Restauração da Independência de Portugal em 1 de Dezembro de 1640,  que hoje se comemora.


Há 380 anos, em 1640: duas mulheres, D. Luísa de Gusmão, duquesa de Bragança, e a moça Constância de Faria, noiva de 17 anos, provocaram os nossos camaradas conjurados à execução da “Operação da Restauração”…

Manuel Luís Lomba

Tornei-me recorrente na partilha com os Camaradas da minha hermenêutica (herética) dos compêndios de História.

Naquele tempo, os reinos eram enformados por dinastias, de jure pela “Graça de Deus”, a “via urinária” ou a “manu militare” a sua legitimação.

Rei Filipe II de Espanha
(1527-1598)

Em Abril de 1580, pela Graça de Deus e legitimação por “via urinária”, o rei Filipe II de Espanha, neto do nosso rei D. Manuel I, logrou que as Cortes realizadas no Convento de Cristo, Tomar, o aclamassem rei de Portugal, Filipe I, jurando-lhe um compromisso, à maneira de bom discípulo de Maquiavel: dinastia a mesma, mas independentes os reinos, os impérios separados e a obrigação de alçar o seu primogénito a rei de Portugal em exclusividade.

Nenhum dos primogénitos dos seus 4 casamentos sobreviveu, o filho e neto seus sucessores não só não se quiseram diminuir a rei de Portugal em exclusividade, como cuidaram de corromper o que restava da nossa traumatizada nobreza (dizimada em Alcácer-Quibir) e a nossa alta burguesia. Mas o povo ficou de fora dessa corrupção.



Estava o rei Filipe IV (e nosso III da dinastia filipina) a acudir à guerra dos Países Baixos, à Guerra dos Trinta Anos e o ex-Cónego Católico Gaspar de Gusmão, Duque de Olivares, seu potente Primeiro-Ministro, arranjou-lhe mais duas, ao convencê-lo a decretar a “castelhanização” dos reinos da Espanha - a Catalunha reagiu com a sublevação e fez chegar à Resistência portuguesa a informação do seu decreto secreto da anexação pura e simples de Portugal e do seu império à Espanha -, e ao decretar a mobilização das Forças Armadas Portuguesas para combater a Catalunha e a cometer essa missão ao então seu Chefe do Estado-Maior General (Governador de Armas de Portugal), o Duque de Barcelos e Bragança D. João I, que, por ser trineto de D. Manuel I, se perfilava como o candidato de maior potencial ao trono de Portugal.

Com esses decretos e seu proceder, inaugurava a contagem decrescente da nossa Restauração.
A Resistência portuguesa começou a organizar caçadas conspirativas nas herdades de Vila Viçosa com o futuro rei D. João IV, a Duquesa sua mulher (espanhola de naturalidade e grande portuguesa de coração) dispensou-lhes a melhor hospitalidade e apoio, a sua contra-informação despistou a “secreta” castelhana com a “revolta” popular encabeçada pelo Manuelzinho, um jovem deficiente, começada com o fogo posto às repartições públicas em Évora, ganhou escalada e passou a ir apedrejar as janelas e os telhados do palácio de Vila Viçosa, a vociferar que o Duque era pró-castelhano.

A eclosão da Restauração pertence a D. Luísa de Gusmão, ao animar o marido com a afirmação, solene, o que os conjurados já sabiam dela: “Prefiro ser rainha por uma hora que duquesa toda a vida!”

D. Antão Vaz de Almada, mentor da conjura aos 80 anos de idade, então Governador de Lisboa, convocara os 40 operacionais, dos cerca de 60 conjurados, para jantar, em 30 de Novembro, no seu Palácio de S. Domingos (actual Palácio da Restauração da Independência), reunião de concertação da “ordem das operações” previstas para o dia 9 de Dezembro, data simbólica, fazia 60 anos que Filipe I entrara em Portugal por Elvas, em armas, onde passara 2 meses a preparar a sua aclamação de nosso rei. António Telo, Capitão-Mor das Naus das Índias, o mais decidido e fogoso desses operacionais, falhou a janta, compareceu alta noite, a bufar e afogueado, declarou o seu juramento da eliminação às suas mãos e nesse mesmo dia, o valido do rei de Espanha e Primeiro-Ministro Miguel de Vasconcelos e Brito. Estava a chegar de livrar a sua noiva da tentativa de rapto pela sua guarda e à sua ordem.

António Telo estava noivo de Constância de Faria, moça de 17 anos, aparentada com D. Antão, órfã de pai, um herói da nossa História Trágico-Marítima, a residir com D. Joana de Faria, a viúva sua mãe, na sua quinta de Almada, e quisera o acaso de Miguel de Vasconcelos comprar a quinta confrontante. Entrado no alcoolismo, começara a assediar a mãe e a filha, o seu insucesso levou-o à anexação por expedientes ilícitos da quinta delas à dele e a fazer-lhes um ultimato: ou a Constância aceitava consolar-lhe a solidão decorrente do seu alto cargo, ou perdiam a quinta e eram postas na rua, por despejo.

Dado o seu comprometimento como conjurado, António Telo foi-se limitando à vigilância, e então o apelo da noiva falou mais alto – e “é pra hoje e não para o dia 9”!

A “ordem de operações” terá sido mais ou menos assim: o Paço do Governo (da Ribeira) e o Castelo de S. Jorge (comando das forças espanholas) os objectivos principais, o confinamento de personalidades espanholas ou pró, objectivos secundários.

Às 9H00 daquele 1 de Dezembro de 1640, o comando encabeçado por António Telo neutralizou com um golpe de mão a sua conhecida guarda desse Paço, a mesma que tentara o rapto da sua noiva, lançou-se na procura de Miguel de Vasconcelos, escapado para a outra ala, matou um criado tudesco por engano, enquanto outro grupo assaltava a ala de D. Margarida de Sabóia, viúva do Duque de Mântua e Vice-Rainha de Portugal. 

Encontraram o Miguel de Vasconcelos escondido num seu armário-arquivo, liquidaram-no com uma estocada, apresentaram-se como oficiais e cavalheiros ante a Vice-Rainha, esta assinou o auto de rendição da guarnição espanhola, como representante do rei de Espanha, António Telo ficou senhor do Paço, o cadáver do Miguel foi atirado pela janela, o peito vazado pela sua espada, em vingança da honra da sua noiva, o outro grupo foi executar outro golpe de mão, este incruento, ao Castelo de S. Jorge, e o general espanhol subordinou-se à rendição da sua superiora hierárquica.
Aclamação de D. João IV como rei de Portugal, pintado por Veloso Salgado 
(Museu Militar de Lisboa).


Restauração da Independência Nacional – em memória e celebração dos nossos camaradas de antanho, quase desconhecidos, que conjugaram na “Operação Restauração” o amor pátrio com o amor mátrio:

- D. Afonso de Meneses, Capitão-Mor de Monção
- D. Álvaro Abranches da Câmara, Governador Militar das Beiras e de Entre Douro e Minho
- D. Antão Vaz de Almada, Governador de Lisboa
- D. António de Alcáçova, Alcaide-Mor de Campo Maior e Ouguela
- D. António Luís de Meneses, General de Cavalaria
- D. António de Mascarenhas, Comendador da Ordem de Cristo
- António de Melo e Castro, Capitão de Sofala e da Índia
- António Teles da Silva, Capitão-Mor das Naus da Índia
- António Saldanha, Almirante
- D. António Telo, Capitão-Mor das Naus da Índia
- Aires de Saldanha, Comandante da Infantaria do Alentejo
- D. Carlos de Noronha, Presidente da Mesa de Consciência e Ordens
- Estevão da Cunha, Prior de S. Jorge, Lisboa
- D. Fernando Teles de Faro, Mordomo de D. Luísa de Gusmão
- D. Filipa de Vilhena, viúva de D. Luís de Ataíde, Capitão-Mor de Leiria
- D. Francisco de Vilhena, filho que ela armou Cavaleiro, para participar
- Francisco de Melo, Monteiro-Mor e o primeiro a angariar conjurados
- Francisco de Melo e Torres, Alcaide-Mor de Terena
- D. Francisco de Noronha, Coronel do Terço de Ordenanças
- Francisco de São Paio, Governador de Armas de Trás-os-Montes
- D. Francisco de Sousa, Governador de Armas de Setúbal
- Gaspar de Brito Freire, Morgado da Baía - Brasil
- D. Gastão Coutinho, General de Cavalaria
- Gonçalo Tavares de Távora, Capitão de Cavalos
- Gomes Freire de Andrade, Capitão de Cavalos
- D. Jerónimo de Ataíde, Capitão-General da Armada
- D. João da Costa, Alcaide-Mor de Castro Marim
- D. João Pereira, Prior de S. Nicolau
- João Pinto Ribeiro, Administrador da Casa de Bragança
- João Rodrigues de Sá, Capitão da Índia
- João Rodrigues de Sá e Meneses, Comendador da Ordem de Santiago
- João Saldanha da Gama, Capitão de Cavalos
- João Saldanha e Sousa, Tenente-General de Cavalaria
- Jorge de Melo, Almirante
- D. Luís de Almada, Cavaleiro e filho de D. Antão
- Luís Álvares da Cunha, Morgado dos Olivais
- Luís da Cunha, Cavaleiro
- Luís da Cunha de Ataíde, Presidente da Junta de Cavalaria
- Martim Afonso de Melo, Governador de Mascate – Índia
- D. Miguel de Almeida, Alcaide-Mor de Abrantes (94 anos de idade)
- Nuno da Cunha Ataíde, General de Artilharia
- D. Paulo da Gama, Cavaleiro e bisneto de Vasco da Gama
- Pedro Mendonça Furtado, Alcaide-Mor de Mourão
- D. Rodrigo da Cunha, Bispo de Lisboa e Inquisidor-Mor
- Rui Figueiredo de Alarcão, Comendador da Ordem de Cristo
- D. Rodrigo de Meneses, Governador da Relação do Porto
- Rodrigo de Resende Nogueira, Capitão-General de Angola
- Sancho Dias de Saldanha, Capitão de cavalos
- Tomé de Sousa, Comendador da Ordem de Avis
- D- Tristão da Cunha Ataíde, Comendador da Ordem de Cristo
- Tristão de Mendonça, Almirante

(Fontes: Casa Real Portuguesa e Wikipédia)
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21508: Efemérides (344): No dia de Finados, lembro os meus camaradas Manuel Gaio Neto, Joaquim Pinto de Sousa, Gabriel Pereira Bagaço e João Fernandes Caridade (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21506: Histórias... com abracelos do Carlos Arnaut (ex-alf mil, 16º Pel Art, Binar, Cabuca, Dara, 1970/72)(2): Segundo o meu antigo soldado Bona Baldé e outras fontes, cerca de metade do 16º Pel Art terá sido fuzilado depois da independência


Guiné > Região de Binar > Bibar > Pel Art > Obus 14 > O Carlos Arnaut a introduzir os elementos de pontaria, com alguns serventes, soldados do recrutamento local, a apreciar.

Foto (e legenda): © Carlos Arnaut (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Carlos Arnaut, membro nº 817 da nossa Tabanca Grande, ex-alf mil art, cmdt do 16º Pel Art (Binar, Cabuca, Dara, 1970/72):

Date: sábado, 31/10/2020 à(s) 23:27
Subject: Crónica da Guerra da Guiné

Caro Luís,

Não posso deixar de me solidarizar com o Manuel Luís Lomba (*) quando critica, com toda a justiça, a ignomínia do abandono daqueles que na Guiné combateram ao nosso lado:

" Ao ignorá-lo, o MFA não terá cuidado de salvaguardar os mais de 60 000 naturais guineenses, militares e militarizados, voluntários ou recrutados ao serviço das FA portuguesas. Foram deixados para traz – uma traição a eles e uma indecência (no mínimo) para com os mais de 100 000 dos veteranos da Guerra da Guiné, para com os seus 2 500 mortos, para com os seus 4 000 feridos, a maioria no grau de deficiente e para com cerca de 20 000 pacientes de stresse pós traumático.

"O seu irmão e sucessor Luís Cabral, começou a aplicá-lo logo no após o cessar-fogo, e, diz-se que, entre 1974 e até 1976, sancionou com o fuzilamento, sem qualquer julgamento, mesmo sumário, diz-se que cerca de 11 000 guineenses, somando militares, militarizados portugueses e oposicionistas políticos ao regime do PAIGC." 


Mais do que indignação, foi com um profundo sentimento de revolta que ouvi da boca de um ex-soldado do meu pelotão, Bona Baldé, que cerca de metade dos seus, e meus, camaradas de armas tinham sido fuzilados logo após a independência.

Como todos os que conviveram com pelotões de artilharia bem sabem, os seus efectivos eram constituídos por graduados oriundos da metrópole e soldados do recrutamento provincial, como era o caso do Bona Baldé, de etnia fula.

Esta notícia foi-me transmitida aquando do nosso reencontro em Lisboa, que me comoveu até às lágrimas, em circunstâncias só possíveis pelo génio e persistência deste Guinéu na conquista do que lhe era devido pela Mãe Pátria.

Sem grandes certezas quanto a datas, presumo que no início de 1972, por ordem do Comando de Batalhão sediado em Nova Lamego, fiz deslocar uma secção de obus para reforçar a segurança do aeroporto, comandada pelo Furriel Rodrigues e de que fazia parte o Bona.

Dado que esta situação era de carácter temporário, o alojamento do pessoal foi feito em moranças de familiares e amigos, sob o olhar benévolo e condescendente do Rodrigues.

Nesse período Nova Lamego sofreu uma flagelação com mísseis, das primeiras, tanto quanto sei, que aconteceram no TO, tendo um deles destruído parcialmente a morança onde dormia o Bona Baldé, o que com o estouro lhe provocou a surdez do ouvido esquerdo e ferimentos ligeiros por projecção de detritos.

Quando do regresso a Dara da secção, reparei que o Bona girava a cabeça para a esquerda quando falava com alguém, tendo-me respondido que nada ouvia de um lado e daí o comportamento algo bizarro.

Depois dos abraços e notícias da família, foi pai de dois filhos durante a minha comissão sendo eu "padrinho" da filha mais nova, soube que tinha tido que fugir da Guiné para escapar à morte, quando me relatou o destino de outros camaradas, tendo-se refugiado na Mauritânia, onde mercê das suas qualidades conseguiu construir um negócio proporcionando à família uma vivência confortável.

Fiquei também a saber que a razão primeira da sua vinda a Portugal,onde o filho mais velho já estava a trabalhar, teve como objectivo tratar de obter uma pensão como deficiente das Forças Armadas, a que muito justamente considerava ter direito. 

Fiquei estarrecido com a sua competência em navegar nas ondas da nossa malfadada burocracia, tendo desenterrado no Arquivo Geral do Exército o relatório do ataque, conseguiu ser observado por uma Junta Médica, que confirmou a sua surdez irreversível, faltando apenas o meu testemunho no Auto de Averiguações já em curso para que lhe fosse outorgada a pensão a que tinha indubitavelmente direito.

Fui ouvido no quartel em Sacavém, onde confirmei quer as circunstâncias da sua presença em Nova Lamego, quer a sua óbvia surdez, tendo tido a alegria de não muito tempo depois receber o Bona em minha casa, portador de uma garrafa de Chivas em bolsa de veludo e rolha de prata, para além da notícia de lhe ter sido concedida uma pensão vitalícia com retroactivos à data do acontecido.

Estes diligências ocorreram em 1984, já ele se tinha entretanto estabelecido na terra natal, a poeira das vinganças já se tinha desvanecido, e os retroactivos de 12 anos devem ter-lhe caído como um jackpot no Euromilhões.

Numa romagem de saudade em 1985 à já então Guiné-Bissau, visitei Dara, onde me confirmaram quer o fuzilamento de soldados do meu pelotão como também o de diversos elementos do corpo de milícias, para além da amputação de três dedos da mão direita ao homem grande que nos vendia a carne de vaca que consumíamos no destacamento.

Perante tudo isto, ninguém pode deixar de sentir o sabor amargo de quem se sente traído pelo abandono daqueles que vestiram e honraram a nossa farda. (**)

Abracelo,

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21497: (In)citações (173): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

1. Em mensagem do dia 27 de Outubro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66, autor do livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu") enviou-nos um texto a que deu o título: "Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano", do qual publicamos hoje a II Parte.


Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte II 

Manuel Luís Lomba

Esse I Congresso de Cassacá constitui referência da evolução para a segunda fase da sua guerra revolucionária, e, também, marco organização e estruturante do PAIGC, estereótipo de Partido-estado-armado. Entre outras providências, Amílcar Cabral dividiu os combatentes em milícias guerrilheiras e em exército revolucionário (as FARP), o seu armamento e orgânica à imagem e semelhança dos regimes ditatoriais comunistas (oficiais executivos e oficiais comissários políticos), o seu núcleo duro enformado por ex-praças e ex-sargentos do Exército Português, na disponibilidade e desertores, formados no quartel de Santa Luzia, em Bissau, e no CIM, em Bolama, que mandara tirocinar na China, Rússia e Checo-Eslováquia, reorganizou o seu dispositivo territorial, explicitou um Código de Justiça Militar, a legalizar a pena capital, para eliminar as diferenças (dissidentes e desalinhados) e visando os seus compatriotas que se distinguissem ou tivessem distinguido ao serviço das forças militares e militarizadas portuguesas, já praticada na eliminação dos feiticeiros e noutros fatalidades, concluiu-o a presidir ao julgamento, a condenar e a mandar fuzilar alguns dos seus subordinados, acusados de comportamentos desviantes. 

Localização de Cassacá, na Região de Cacine, onde decorreu o I Congresso do PAIGC
© Luís Graça & Camaradas da Guiné - Infogravura da Carta de Cacine 1:50.000

Amílcar Cabral ”libertara” tanta área, no entanto a “sua” capital esteve sempre instalada em Conacry), aqui redigiu um comunicado de guerra triunfalista da batalha do Como, que só a agência noticiosa France Press aceitou difundir (a Comunicação social francesa foi o grande porta-voz do PAIGC, talvez efeito da afinidade) ter causado 600 baixas aos actores da “Operação Tridente” e valorizou esse alarde com uma exposição de alguns despojos de material de guerra e de logística, focada nos destroços de 20 aviões abatidos. 

Sem correspondência com a verdade.

Essa “Operação Tridente” decorreu durante 72 dias, o Comando militar investiu nela 1150 homens e os três Ramos, houve 9 mortos, 15 feridos graves, 32 feridos ligeiros em combate e apenas um avião foi abatido, o bombardeiro T6, pilotado pelo Alferes José Manuel Pité; o PAIGC investiu 400 combatentes guineenses, um número não apurado de cooperantes estrangeiros, sofreu mais de 100 baixas, incluindo 3 comandantes, entre mortos, prisioneiros e feridos graves, tendo a tropa socorrido e evacuado 9 destes para o Hospital Militar de Bissau… 

Os destroços mais atractivos patentes nessa exposição eram de dois aviões T6, caídos muito antes dessa operação, por sinistro em manobra e não por danos em combate, um pilotado pelo Furriel Eduardo Casals, que não sobreviveu, outro pilotado pelo então Sargento-Ajudante Sousa Lobato, que foi capturado, levado prisioneiro para Conacry e libertado pela “Operação Mar Verde”. Os destroços pertencentes ao T6 do Alferes Pité não seriam apelativos, por Alpoim Galvão e os seus fuzileiros os terem deixado escaqueirados a trotil. 

Os bissau-guineenses continuam a pagar a factura das meias verdades e das grandes mentiras do PAIGC daquele tempo. 

Em alinhamento com o “politicamente correcto” e descartando a verdade dos factos e a multiplicidade de relatos na primeira pessoa dos actores “Operação Tridente” e de toda aquela guerra ultramarina, a generalidade da nossa Comunicação social, os autores domésticos, os militares da nova geração e os seus institutos perfilham as narrativas do PAIGC. Ou história contada por outros, versus parcialidade. 

As FARP criadas no I Congresso de Cassacá, infernizaram a vida e não raro superaram as clássicas e formais FA portuguesas em mobilidade táctica, em agilidade em eficiência, foram fazendo o seu caminho evolutivo e até as superaram na qualidade do armamento. O PAIGC aplicava esse Código de Justiça Militar, desde Janeiro de 1964, fuzilando opositores políticos e militares naturais capturados. 

Ao ignorá-lo, o MFA não terá cuidado de salvaguardar os mais de 60 000 naturais guineenses, militares e militarizados, voluntários ou recrutados ao serviço das FA portuguesas. Foram deixados para traz – uma traição a eles e uma indecência (no mínimo) para com os mais de 100 000 dos veteranos da Guerra da Guiné, para com os seus 2 500 mortos, para com os seus 4 000 feridos, a maioria no grau de deficiente e para com cerca de 20 000 pacientes de stresse pós traumático. 

O seu irmão e sucessor Luís Cabral, começou a aplicá-lo logo no após o cessar-fogo, e, diz-se que, entre 1974 e até 1976, sancionou com o fuzilamento, sem qualquer julgamento, mesmo sumário, diz-se que cerca de 11 000 guineenses, somando militares, militarizados portugueses e oposicionistas políticos ao regime do PAIGC. 

Parafraseando o Padre António Vieira, o povo português em armas fez o preciso e a sua República fez o costume. 

Enquanto subvencionava a novel classe política, pelos seus mandatos, abrangente a refractários e desertores, a República Portuguesa ignorava e ostracizava o povo que deixou tudo, não negou o sacrifício das próprias vidas ao país, foi carne para canhão na Guerra do Ultramar, em cumprimento do seu dever de cidadania, `os nossos governantes demoraram mais de 40 anos, até à chegada do jornalista Paulo Portas a Ministro da Defesa, que, sem sequer ter assentado praça, conseguiu um “suplemento de reforma” de 130 € anuais para os combatentes europeus. 

Enquanto a República da Guiné-Bissau criou um Ministério dos Combatentes da Pátria, a República Portuguesa nem uma Direcção Geral. Por ironia das suas ironias, o destino uniu os ex-inimigos terríveis Alpoim Calvão, então empresário em Bolama e Nino Vieira, então PR da Guiné-Bissau, em defesa da extensão do direito ao subsídio de reforma dos bissau-guineenses, que serviram Portugal, como militares ou militarizados. 

A propósito da sua condecoração, o 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro José Soares Biscaia era um moço aprumado, competente e muito humano, partilhamos todas as operações de “intervenção” da CCav 703, excluindo a “Operação Tornado”, ao Cantanhez, e incluindo o sangrento evento de combate, cuja prestação lhe mereceu essa condecoração. 

A Companhia colocou rapidamente duas fiadas de arame farpado, escavou trincheiras e abrigos no perímetro interior do estacionamento. 

Ao princípio da madrugada de 25 de Janeiro de 1965, o “nosso” Capitão Fernando Lacerda delegou o comando do estacionamento ao Alferes Nuno Bigotes, Comandante do 1.º Pelotão, de que eu fazia parte, saiu ao comando do grupo de combate, formado pelo 2.º e 3.º Pelotões, como parceiro da CCaç 617, do Grupo de Comandos "Os Fantasmas" e do Grupo de Milícias de Catió na “Operação Alicate”. 

No dia anterior (soubemos mais tarde), Nino Vieira havia saído do seu santuário (em Quitafine?) no santuário do PAIGC no Cantanhez, com um bi-grupo a reunir-se na base de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino da Costa, outro tirocinado na China e um peso pesado da luta do PAIGC. 

Em Cufar Nalu formou um Corpo de Exército (efectivo equivalente a uma Companhia do Exército Portiguês, mas portador de maior potencial de fogo), manobrou-o à maneira de exército clássico, montou o cerco em meia-lua a essa nossa morada nas ruinas da fábrica de descasque de arroz, lançou dois ataques, tentou o assalto no segundo, decidido à nossa expulsão e captura. 

Porquê a prioridade de fazer prisioneiros? Amílcar Cabral fizera a cabeça dos seus comandantes de que a grandeza da vitória não era matar, era capturar e fazer prisioneiros e de que exército que mata prisioneiros perderá a guerra. 

Localização de Cufar e Cufar Nalu.
© Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné - Infografia da Carta de Bedanda 1:50.000

Estava o nosso grupo de combate na sua progressão em “bicha de pirilau” e em “passo fantasma” por esse laranjal, fronteiro à testa da pista de aviação e de uma laranjeira caiu um vulto sobre o Tenente Capelão Lavajo Simões, que integrava a coluna a seguir ao Capitão Fernando Lacerda (rectifico o erro meu), disparou um tiro de pistola, este voltou-se e ferrou um tabefe naquele “coirão” que quebrara a surpresa da operação: não era um soldado seu, era um vigia da vanguarda do inimigo. E logo rebentaram um medonho tiroteio e explosões de armas ligeiras e pesadas, de tiro tenso e de tiro curvo. 

Pela seteira do meu abrigo via a saída de múltiplas faíscas dos canos das armas, lembraram-me os pirilampos numa noite de Junho, a referência do posicionamento dos nossos e do inimigo, estimei em 50 metros o distanciamento entre nós e entre eles, abri a nossa hostilidade com uma rajada de G3, logo secundada pela nossa metralha, o inimigo passou a dirigir o seu fogo em duas frentes, para o laranjal e para as ruínas da fábrica, a nossa metralhadora Breda, a bazuca e o morteiro activaram-se, pela minha “banana” (emissor/receptor HVS) informei o Alferes Bigotes desse cálculo. O abrigo do comando ficava no lado oposto ao meu e seguiu-se o lançamento de granadas do nosso morteiro de 81. 

O estacionamento tinha sido implantado em círculo, conforme as NEP, dividido em dois meios círculos, de um lado referenciado pelo caminho de acesso à pista de aviação, de outro pelo caminho de acesso ao cais do rio Meterunga. 

Eu pertencia a esse 1.º Pelotão, a minha e as outras duas Secções ficaram desde o início posicionadas em frente ao alçado principal das ruínas da fábrica, separados da orla da mata de Cufat Nalu por um campo aberto de pouco mais de 1 km, o Alferes Bigotes mudou-se para o posto de comando, passei a substituí-lo nessa frente e a segundo mais graduado operacional do estacionamento, porque o Alferes João Sequeira era médico. 

O Furriel Santos Oliveira, nosso camarada tabanqueiro, viera trazer-nos adidos um morteiro de 81 e a sua Esquadra, do seu Pelotão de Morteiros 912, batalhador na ilha do Como e em Jabadá, situara o seu espaldão junto ao Posto de Comando, e, nessa circunstância, a defesa dessa frente foi cometida aos cozinheiros, padeiro, faxinas, escriturário, enfermeiro, maqueiros, mecânicos, transmissões, condutores e desempanadores, o comando directo exercido pelo Furriel O´Connor Shirley da CCS, um sapador adido a nós. 

Passado algum tempo, tiroteio e rebentamentos passaram a intermitentes, entendeu-se que retirada do inimigo, a “banana” avisou-me que o grupo combate do laranjal rastejava de regresso, cumpriu-me rastejar de abrigo em aviso a espalhar esse aviso e postar-me junto ao cavalo de frisa, para trocar o “santo e a senha” com a sua vanguarda, calculei e indiquei duas das mais prováveis rotas de retirada do inimigo aos briosos apontadores dos morteiros e da bazuca, que logo diligenciaram o lançamento de granadas, para lhes “acelerar o passo”. 

Estava a malta a rastejar do laranjal para chegar ao cavalo de frisa, o inimigo retomou os rebentamentos e tiroteio, ora posicionado em meia-lua no lado do alçado posterior dos edifícios em ruínas e as suas RPG puseram logo fora de combate o nosso morteiro de 81 e a sua Esquadra, com as suas granadas foguete. O 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro José Biscaia deixou o abrigo, percorreu o campo aberto, indiferente a projécteis e rebentamentos, começou por carregar o 1.º Cabo Gregório da Silva Lopes, já cadáver, seguiram-se os três municiadores gravemente feridos, um a um, deixou-os na tenda enfermaria, aos cuidados do Alferes Médico Dr. João Sequeira, regressando ou ao seu posto de combate todo ensanguentado.

 O inimigo ousou cortar primeira fiada de arame farpado, iniciou a tentativa de assalto, e ele, o Furriel Shirley e outros saltaram para os tectos de cibes dos seus abrigos, estiraram-se a disparar, o Alferes Bigotes (também condecorado) a exercer o seu comando, com a sua habitual calma olímpica. A malta do laranjal começou a retomar suas posições e o inimigo foi rechaçado pelo novo potencial de fogo. 

O objectivo do inimigo era ocupar o nosso lugar, o seu comando apercebera-se da fragilidade de defesa daquele lado e da eficiência do morteiro de 81 – a nossa única arma pesada de tiro curvo (éramos atacados com dois de 82) – e o abrandamento e a intermitência do seu fogo não fora indicador de retirada mas da sua rotação para essa posição. 

Não tivemos acesso ao plano e à ordem dessa “Operação Alicate”. O certo é que a CCaç 617, o Grupo de Milícias de Catió e o Grupo de Comandos "Os Fantasmas" montaram emboscadas nos três eixos de retirada dos nossos atacantes, um bi-grupo (talvez o comandado pelo Manuel Saturnino da Costa) caiu na emboscada dos Comandos – e 8 deles ficaram na “zona de morte”, não regressaram vivos às bases da mata de Cufar Nalú ou de Quitafine. 

Sofremos um morto, sete feridos graves e mais alguns ligeiros. Ao primeiro clarear da manhã, o chão do estacionamento apresentava-se pejado de covões dos rebentamentos proliferavam pelo estacionamento, os cozinheiros fizeram e distribuíram um caldeiro de café, o ar fatigado e silêncio da tristeza imperavam, o Furriel Manuel Simas saiu com um grupo de combate a fazer o reconhecimento, deu contas de manchas de sangue e de grande quantidade de invólucros de calibres 7,62, 9 e 12,7 mm. Fomos cercados e atacados por cerca de 70 combatentes e alvos de impactos de PPSH (costureirinhas),de Kalash´s, de duas RPG, de 2 morteiros de 82 e de 2 super-metralhadoras. Tínhamos vivido uma eternidade de 2 horas sob o fogo dos infernos. 

O mesmo grupo de combate foi fazer a segurança à pista, eliminou um espião, e, ao fim da manhã e pela primeira vez, desde a sua construção, em 1955, um Dakota aterrou na pista de Cufar, com reabastecimentos da intendência, de munições e para evacuar o morto e os feridos. 

O Grupo de Comandos Os Fantasmas e o Grupo de Milícias de Catió vieram partilhar o rancho do almoço connosco, oportunidade de conhecer os lendários Tenente Maurício Saraiva, o Marcelino da Mata, os malogrados Alferes de segunda linha João Bacar e Teófilo Sayeg (futuro capitão do futuro MFA, que o PAIGC fuzilará) e abraçar o amigo, camarada e tabanqueiro João Parreira, amizade nascida no Café Bento e consolidada à mesa Restaurante Tropical, com os pés debaixo da mesa… 

Dos protagonistas de Cufar, do nosso lado faço a evocação da memória de Nuno Bigotes, Manuel Simas, José Biscaia, Maurício Saraiva, João Bacar e Teófilo Sayeg, já não estão entre nós; do lado do PAIGC apenas o Manuel Saturnino da Costa será vivo. 

Tivemos algo de responsabilidade pelo durante da guerra; nada tivemos de responsabilidade pelo seu finalmente. 

Camaradas da “Operação Tridente” e da saga de Cufar houve desenvoltos na arte da guerra e da pena, combatentes e plumitivos, cito de memória Armor Pires Mota, Mário Fitas e António de Graça Abreu (os omissos que me desculpem), e permitam-me não dar o ponto sem nó: envio o meu livro "Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalu", ao preço de 13 €, os portes (e autógrafo) incluídos, basta encomendar para a: manuelluislomba@gmail.com

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Nota do editor

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quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21492: (In)citações (172): Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

1. Em mensagem do dia 27 de Outubro de 2020, o nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), enviou-nos um texto a que deu o título: "Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano", do qual publicamos hoje a I Parte. 


Crónica da Guerra da Guiné, segundo um seu Veterano - Parte I 

Manuel Luís Lomba

O blogue Luís Graça &Camaradas da Guiné constituiu-se o maior e o depositário mais fiel da história da Guerra da Guiné e os milhares de posts e de comentários a sua maior biblioteca e fonte. 

A chamada à colação pelo Jorge Araújo e pelo Luís Graça, no P21421, do livro “Guerra da Guiné: a Batalha de Cufar Nalú”, metáfora aplicada às sucessivas operações contra essa mata, redacção, revisão e edição da minha autoria (inclusive os erros ortográficos, gramaticais e outros), na evocação dos enfermeiros condecorados, incitou-me a evocar esse nosso passado. 

 A “Operação Tridente”, acontecida há quase 60 anos, foi a primeira grande manobra da Guerra da Guiné, o BCav 490 os seus actores principais, as ilhas do Como, Caiar e Catunco o seu palco, foram 72 dias de combates na mata e em campo aberto; a segunda grande manobra foram as Operações “Campo”, Alicate I e II”, a CCav 703 os seus actores principais, o eu palco foi Cufar, a sua malta escavou abrigos em todo o perímetro da sua desmantelada fábrica de descasque de arroz e viveu 63 dias como toupeiras, mais sob a terra que sobre a terra. 

 A “Operação Tridente”, entre Janeiro e Março de 1964, foi a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre aquelas três ilhas, então a “República Independente do Como” proclamada por Nino Vieira, abandonadas em 1962 pelo fazendeiro Manuel Pinho Brandão, originário de Arouca (constava que passara a fornecedor do PAIGC); as operações “ Campo”, “Alicate I, II,´” e “Razia”, entre Dezembro de 1964 e Maio de 1965, foram a “guerra da restauração” da soberania portuguesa sobre a “área libertada” de Cufar, começada com a ocupação da tabanca e das ruínas da fábrica de descasque de arroz, abandonada pelo fazendeiro Álvaro Boaventura Camacho, madeirense originário de Cabo Verde (patrão e o “passador” para Conacry do então alfaiate e futebolista Bobo Quetá), continuada com a expugnação da base da mata de Cufar Nalu, comandada por Manuel Saturnino Costa, ora aumentada e reforçada com a força retirada do Como, consolidada em 15 de Junho pelas CCaç 763, 764 e 728 (Operação Satan?). 

Ilha do Como (Jan1964) - «Operação Tridente». Desembarque das forças do BCAV 490.
Foto do camarada Armor Pires Mota, ex-Alf Mil Cav da CCAV 498 (1963/1965) - P12386, com a devida vénia.

Chãos de balantas e nalus, gente laboriosa e guerreira, essas ilhas e a região continental de Catió eram terras úberes da produção de arroz e óleo de palma, a alimentação base dos guineenses, o “Celeiro da Guiné” e o garante da magra ração de combate dos seus combatentes da libertação, antes de o “espírito filantrópico” do governo do reino da Suécia lha ter melhorado. 

Amílcar Cabral tinha engravidado a Guiné Portuguesa com o sémen da “libertação”, nos mais de 10 anos da diacronia dessa luta armada, outras grandes manobras aconteceram, refiro apenas a “Operação Mar Verde” a Conacry e a escalada da “crise dos 3 G´s”, e o seu aborto terá falhado, mercê da miopia política, militar e diplomática do governo de Lisboa. 

Não se podia fazer nas bolanhas e matas da Guiné o que só poderia ser feito em S. Bento e no Terreiro do Paço, em Lisboa. 

De escalada em escalada a matarmo-nos e a estropiarmo-nos uns outros, a aniquilação mútua não aconteceu, mercê de uma deriva das FA Portuguesas, gerada, nascida e nutrida pela tradicional insatisfação corporativa da classe dos capitães, sob o “manto diáfano” do acrónimo MFA, que, para não a abandonar a Guiné nem como derrotados nem como vitoriosos, passou a aliado do PAIGC, tendo cometido dois pecados originais: primeiro, criou a situação de inferioridade, depois, avançou para as negociações, querendo resolver em Bissau o que só deveria ser resolvido em Lisboa. A política ultramarina foi, mas as FA Portuguesas não saíram derrotadas pelo PAIGC; portugueses houve que se derrotaram a si mesmos… 

Mas as maiores manobras da Guerra do Ultramar são activo do MFA: as aceleradas retracções dos dispositivos, retiradas militares para a Metrópole e a “ponte aérea” da materialização da “Descolonização exemplar” de Angola e Moçambique, que evacuou centenas de milhares de gente multirracial, a força criadora da sua riqueza estruturante, muitos com a roupa do corpo como único bem - os Retornados, para a insurreição/revolução ou os Devolvidos, para os outros. E, por ter degenerado em PREC e endossado a sua guerra ultramarina a outrem (Cuba, etc), o MFA não fez uma “Descolonização exemplar” e protagonizou a maior deslocalização mundial de gente, desde a II Guerra Mundial, só ultrapassada mais de 40 anos depois, pelos fenómenos dos refugiados, vítimas dos “prec´s” degenerescentes da Venezuela e da “Primavera árabe”. 

A par da sua revelação como estratega de alto nível, a partir de 1963, Amílcar Cabral (ora alçado a segundo maior líder mundial de todos os tempos, por um grupo de historiadores (?) a soldo da BBC), revelou também um talentoso criador de fake news militares, a base de sustentação do seu markting de que o PAIGC “libertara” e exercia a soberania em 2/3 da Guiné Portuguesa. Vontade e saber muito, mas verdade pouca… 

Passados 4 meses sobre o fim da “Operação Tridente”, o nosso BCav 705 chegou a Bissau estivado no cargueiro “Benguela”, concebido e equipado para o transporte de gado, e não no paquete “Índia”, erro piedoso da CECA. Entre meados de 1964 e meados de 1965, penamos em duras, demoradas e penosas “operações de intervenção”, por terra, água e ar, nas matas do norte, do sul da Guiné e colhemos duas evidências: a dinâmica doutrinal ou subversão cabralista irradiava por esses quadrantes, mas sem o domínio das suas dimensões territorial e social. A tropa andava (e nomadizava) em todo o lado e era a ela que generalidade das populações recorria. PAIGC significava sofrimento e problemas, a tropa significava segurança e soluções. 

Por que os revolucionários desse jaez são avessos ao sufrágio universal e livre? Porque o Povo não vota em organizações violentas! 

Os 2/3 de “áreas libertadas” não passavam de atoada propagandística. Tal dimensão corresponderia à totalidade das suas massas de água e florestais, isentas da colonização, condomínios da bicharada aquática e terrestre, a sua densidade humana era muito baixa, em crescimento com a instalação de bases revolucionárias e pelo êxodo das populações rurais (a relação da densidade populacional na Guiné seria de 15hab/km2). Teria fiabilidade, muito relativa, se se referisse às áreas colonizadas e habitadas, onde um ou dois dos seus guerrilheiros/sapadores infiltrados iam acrescentando valor de “libertação”, sabotando acessibilidades, equipamentos sociais, aterrorizando as tabancas com chefes hostis e indecisos, flagelando patrulhas e escoltas militares - actividades revolucionárias suficientes para condicionar autoridades, mobilizar meios militares, exponenciais em regra, confinar e condicionar a normalidade da vida a toda a gente. 

Província da Guiné. © Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

A partir da “Operação Tridente”, as FA portuguesas passaram a garante da soberania em toda a Guiné, desassossegando os revolucionários por todo o lado, por terra, água e ar, embargando-lhes a conquista e fixação em qualquer tabanca tradicional, sempre vencedoras - menos por combates, umas vezes pela desistência a meio do jogo, outras pela sua falta de comparência. A Guerra da Guiné foi paradoxal. As FA portuguesas nunca derrotadas, mas nunca vencedoras; o PAIGC sempre derrotado, mas nunca vencido. E o vencedor foi o derrotado!... 

A relação do PAIGC com a verdade tornara-se tão impudica que até descuidava o encobrimento das suas grandes mentiras. A sua publicitação do cerimonial da Declaração da Independência ao mundo foi quase fiel: a inospitalidade do local, a hospedagem dos convidados internacionais não com 5 estrelas, mas com todas constelações da abobada celeste, a visibilidade da temeridade e improvisação do evento, ao ar livre, num outeiro periférico à tabanca de Lugajole (a Montanha de Cabral era expressão de caserna e situa-se na Guiné-Conacry), no pico da pluviosidade da estação das chuvas, – a “manobra” para embargar as manobras da tropa, por terra e ar. Mais tarde, o embaixador soviético escreveu que apresentara as suas credenciais ao Presidente Luís Cabral, não sabe onde, num “palácio presidencial” que era uma cabana, a estrutura de troncos de cibes, as ramagens das suas copas a fazer de telhado e paredes… 

O PAIGC agendara a Declaração da Independência para 24 de Setembro de 1973, mês da efeméride do nascimento de Amílcar Cabral, da sua fundação, o Dia Internacional da Paz, e, também, do fim da II Guerra Mundial. A sua logística estava montada na zona de Cubucaré, bem conhecida dos bastidores da ONU, onde, ente 1 e 8 de Abril de 1972, a sua “Quarta Comissão” se hospedara e dependurara a sua bandeira no galho duma árvore, para conceber o relatório probatório de que o PAIGC exercia todas as funções estatais e administrativas na Guiné-Bissau, com base no qual a ONU pronunciou Portugal de seu ocupante ilegal, com 500 anos de efeito retroactivo. Mas, na antevéspera a Força Aérea de Biassalanca foi destruir-lhe a festa…

Assim, os 2/3 de “área libertada” não era apenas retórica, era sofisma de justiça, instrumental à manobra da ONU. “Se possuis, assim possuirás”, jurisprudência do Tratado de Utreque, subscrita por Portugal, em 1713, da Conferência de Berlim, subscrita por Portugal, em 1886, da Sociedade das Nações, subscrita por Portugal, em 1919, em St. Germain-en-Laye, da Carta da ONU, subscrita por Portugal, em 1955. 

Redigido em Conacry e avalizado pela OUA (Organização da Unidade Africana), foi com base nesse relatório que a ONU expendeu a jurisprudência de que, considerando que havia uma dúzia de anos que o PAIGC era o Estado da Gguiné-Bissau, considerando que o domínio português estava de facto limitado a uma estreita faixa litoral da ilha de Bissau, do Geba a Safim (à margem esquerda do canal Impernal), a soberania de Portugal era considerada prescrita, de Facto e de Direito. E Cabral tornou-se um assíduo queixoso à ONU, queixas que nunca domiciliou nos ora mais de 2/3 de “áreas libertadas”, mas em Conacry, de que o Estado exercido a partir de Bissau e presente nos quatro cantos da Guiné, as milícias armadas de autodefesa e os militares portugueses da sua guarnição, porque “iam até o Estado fosse”, eram agressores, ocupantes estrangeiros da Guiné e ameaça à paz mundial (maestria do líder bissau-guineense e nódoa à “terceiro-mundista”, caída no melhor pano do que é a Comunidade das Nações). 

À data da Declaração de Independência, o PAIGC fizera zero de equipamentos sociais e mais não destruíra porque não conseguira, nesses 2/3 de “áreas libertadas”, ao passo que as FA portuguesas faziam guerra, mas também tinham expandido e requalificado a sua rede de estradas, construído cerca de 16 000 casas, 160 escolas, 40 postos médico-sanitários, 56 fontanários, 3 mesquitas e feito 145 furos de água potável… 

Na verdade, as ilhas do Como, Caiar e Catunco, dada a sua condição estratégica de encostadas à Guiné-Conacry, a adesão massiva das suas populações e por necessárias, como celeiro da alimentação dos seus combatentes, terão sido as únicas “áreas libertadas” pelo PAIGC, de curta duração, entre finais de 1962 e princípios de 1964, também porque, naquele tempo, a representação regional da autoridade do Estado sediado em Bissau residia em Catió e o administrador dessa circunscrição militava clandestinamente no PAIGC. 

Tendo provocado o abandono pelos colonos, Amílcar Cabral fez da ilha do Como a mãe de todas as bases no interior sul (a de Koundara, a sua primeira, e as em instalação em Cadigné, Boké e Sansalé situavam-se no estrangeiro), dotou as três ilhas com o efectivo de 400 combatentes, muitos recrutados no seu adversário político MLG (que iniciara a Guerra da Guiné, em Susana e Varela), equipado de armamento ligeiro e pesado de Infantaria, reforçou-os com cooperantes especialistas estrangeiros, protegeu o “espaço aéreo” com metralhadoras antiaéreas Goryunov 7,62 e Degtyarev 12,7, os aviões de pistão e a jacto vindos da Base de Bissalanca passaram a ser atingidos e afugentados, e, no relativo à problemática das acessibilidades marítimas, estava confiante da sua protecção – Sekou Touré acabara de decretar unilateralmente a dilatação das águas internacionais do seu país em 130 léguas. 

Reforçou o comando de Nino Vieira, um dos seus primeiros 12 “discípulos” e o seu mais importante comandante de campo, que tirocinara guerra revolucionária na China e armamento na União Soviética. O governo de Lisboa mandava os seus capitães tirocinar guerra contra-revolucionária em França, tendo por mestres os perdedores no Vietname e na Argélia; Amílcar Cabral mandava os seus básicos tirocinar guerra revolucionária na China, tendo por mestres os vencedores Mao Tse-Tung e generalíssimo Vô Neguyen Giap. 

Resultado: o PAIGC concebeu e executou uma guerra total, a partir das matas e dos campos sobre as povoações rurais e urbanas – e ganhou; as FA portuguesas conceberam uma guerra contra-revolucionária de orgânica convencional, a partir dos povoados sobre campos e matas – e não ganharam. 

A braços com a crise de Angola, o governo de Lisboa deu uma ajuda por omissão, não levantou ondas no relativo à dilatação unilateral das águas, o problema era o PAIGC não a Guiné-Conacry; confiante na utopia do ministro Franco Nogueira da negociação de um tratado de paz e cooperação com a Guiné-Conacry, Salazar deu luz verde à “Operação Tridente”, mas proibiu a violação das suas fronteiras e o exercício do “direito de perseguição”. 

O líder da Guiné-Conacry nem se dignou responder. A “Operação Tridente” afundou nessas águas uma embarcação que transportava militares do exército regular guinéu (seria o União, para o PAIGC e Mirandela, para o seu dono, a Sociedade Ultramarina?) e Sekou Touré absteve-se de se meter com a Armada portuguesa. Saberia que, na batalha do Como, a derrota do PAIGC vinha pelo mar. 

Considerando que essas três ilhas somam pouco mais de 300 Km2 de superfície, a sua efémera “área libertada” estava muito longe dos 2/3, apenas significava 1 % da superfície territorial da Guiné. A verdade que o “polígrafo” da história poderá apurar: a limitação da soberania portuguesa a Bissau e Safim foi uma descarada mentira do PAIGC (a encomenda da ONU?). 

Excerto de uma infografia, relativa à Operação Tridente. Reproduzida com a devida vénia. In: Carlos de Matos Gomes e Aniceto Afonso: Os Anos da Guerra Colonial, Volumne 5: 1964 - Três teatros de operações. Lisboa Quidnovi. 2009. 17.

Derrota para o cabo de guerra Nino Vieira, o revolucionário Amílcar Cabral fez do fim da “República Independente do Como” um sucesso, a fazer jus às lições que, em 1960, recebera de Mao e do genial generalíssimo Giap (tinha derrotado o poderoso exército francês estava à beira de derrotar a poderosíssima América). Como não podia realizar o I Congresso na Cassacá da ilha do Como - “Operação Tridente” estava no auge -, mas salvou a face: realizou-o em Cassacá, na plataforma continental, entre 15 e 18 de Fevereiro, e ordenou a Nino Vieira a retirada e o acantonamento do remanescente dos 400 combatentes e famílias do Como para as bases das matas do Cantanhez e de Cufar Nalu.

Nino Vieira saiu com os seus companheiros para o Cantanhez, mas deixou no Como meia dúzia de guerrilheiros m/f, como chama residual da sua “libertação”, comandados pelo desenvolto e cabeludo jovem de 20 anos, Pansau Na Isna de nome, e pela amadurecida mulher balanta de “pistola na liga”, Sona Camará de nome, ambos heróis nacionais bissau-guineenses póstumos, que, cumprindo o “flagela e foge”, muito desassossegaram e desgastaram a malta da CCaç 557, subunidade que ficou na quadrícula em Cachile, comandada pelo Capitão João Ares (apelido do deus da guerra da mitologia grega).

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21485: (In)citações (171): Frei Henrique Pinto Rema, OFM, hoje com 94 anos, Comendador da Ordem do Infante Dom Henrique (2018), autor da "História das Missões Católicas na Guiné" (1982) (João Crisóstomo, régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona, Nova Iorque)