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sábado, 25 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11626: In Memoriam (151): À memória do meu companheiro ex-combatente José Carvalho de Sousa do 4.º Pelotão/2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 (Manuel Luís R. Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 21 de Maio de 2013:

Amigo e camarada Carlos Vinhal:
Envio-te em anexo um texto, destinado ao nosso blogue, em homenagem a um companheiro de luta de Jumbembém José Carvalho de Sousa (4.º pelotão).

Gostaria que este mesmo texto tratasse de outro assunto mais alegre como forma de fazer a minha "prova de vida" no blogue, visto que, como sabes, e desde que comecei a escrever o livro "PRECE DE UM COMBATENTE", não tenho enviado "material", embora acompanhe de forma mais ou menos assídua a "literatura" dos nossos camaradas. Porém a vida,ou a morte neste caso, principalmente a partir da nossa idade, prega-nos estas partidas.

Enviando-te este texto, de que darei conta este ano no convívio, dia 1 de Junho em Fátima, aos meus companheiros de campanha, foi a forma que encontrei para exteriorizar o que me vai na alma pela perda deste nosso saudoso companheiro.

Um abraço
Manuel Sousa


À MEMÓRIA DE UM COMPANHEIRO EX-COMBATENTE

No dia 26 de Maio de 2012, teve lugar o último encontro de ex-combatentes, relacionado com a minha 2.ª Companhia do Batalhão 4512, cuja comissão decorreu nos anos de 1973 e 1974 em Jumbembém, Farim, na Guiné.

O evento teve lugar na freguesia de Ruivães, Vila Nova de Famalicão.
O ponto marcado para a concentração da maior parte do pessoal, para seguir depois todo junto até Ruivães, foi no parque de estacionamento do Jumbo da Maia.

À medida que uns e outros iam chegando, sucediam-se os efusivos cumprimentos entre todos os companheiros de luta, uns pela saudade acumulada durante o último ano, outros, pelo menos um, por ter sido a primeira vez que se juntavam a nós.

Nestas alturas é incontornável falar-se de episódios de guerra, e não só, que nos marcaram durante a nossa comissão em campanha durante dois anos da nossa juventude.

Nestas recordações entre todos, fui ficando atento à descrição do Pinto, o padeiro, e o Libânio, o fiel do depósito de géneros, da forma subtil e ardilosa com que apanhavam uns cabritos da população que deambulavam pelas instalações do quartel, para umas “tainadas”, cujo método também era adoptado, segundo me apercebi também no local, pelo nosso “mata e rouba”, o Miranda do 4.º pelotão.

Como parte de vós já sabe, editei o livro “PRECE DE UM COMBATENTE”, que retrata precisamente essa nossa vivência em campanha, que inclui um texto relacionado com outro método de apanhar os cabritos por parte do meu pelotão e pelos condutores, a que dei o título de “O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS CABRITOS”.

Naquela data já o livro estava na fase de edição em Lisboa, o que me levou a telefonar para a editora nos dias imediatos, logo que pude, para ser incluído no livro mais um texto de última hora, com o consequente aditamento que tive de fazer no registo da obra no IGAC (Inspecção Geral das Actividades Culturais.

Precisamente o texto do irresistível relato que decidi fazer destes deliciosos detalhes, do Pinto e do Libânio, com que os bichos, num ápice, desapareciam.
Daí que no mesmo livro eu descreva dois episódios que envolvem os cabritinhos, como, aliás, parte de vós, quem já o leu, se deve ter apercebido disso.

Portanto, para quem não conhece o livro, aí vai este episódio, o último texto que ali escrevi:

“CABRITO À PADEIRO" 
UMA ESPECIALIDADE GASTRONÓMICA EM JUMBEMBÉM

Uma das principais actividades na economia de subsistência da Guiné, entre a produção de arroz, mancarra, milho, extracção de alguma madeira, pesca artesanal etc., era a pastorícia de animais das espécies bovina e caprina.
Era o principal suporte alimentar da população, e refiro-me particularmente à de Jumbembém, já que lhe proporcionava o abastecimento diário de leite e de alguma carne.

Além disso, como já referi no “MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS CABRITOS”, a posse do maior número possível de cabeças de gado conferia aos seus detentores um destacado estatuto de poder económico.
Constituía, pois, o pecúlio dos “homens grandes” da tabanca, não só na área da alimentação, como servia também de moeda de troca nas suas transacções comerciais.
Eram também esses animais utilizados, em número negociado, como dote a entregar aos pais das bajudas que os referidos “homens grandes” adquiriam até disporem das sete mulheres que a sua cultura lhes permite.
Todo este gado era ciosamente preservado pelos seus proprietários que, por muito que se lhes pedisse, dificilmente alienavam um animal aos militares ali estacionados, um cabrito, por exemplo, para fazer parte da ementa numa festança de aniversário, de qualquer outra comemoração ou mesmo para suprir a fome nos dias em que o rancho não era substancial.

Como já tenho referido, muito a custo vendiam um bovino ou outro ao vagomestre responsável pela logística alimentar da companhia para o rancho geral.
Só cediam porque tinham necessidade que este lhes fornecesse alguns produtos alimentares, nomeadamente, entre outros, arroz, farinha, feijão, óleo.
Assim, diariamente, manadas e rebanhos destes animais eram vistos em liberdade na periferia do quartel e da tabanca da população anexa, a alimentarem-se no abundante pasto que lhes proporcionava a época das chuvas.
No tempo da seca, com mais escassez de pasto, entravam no interior do quartel, principalmente as cabras e os cabritos, à procura de restos da nossa alimentação.

A actividade dos padeiros da companhia, o Nicha, o Brito e o Pinto, desenvolvia-se, normalmente, durante a noite a cozerem o pão para o dia seguinte. Porém, algumas vezes, em circunstâncias excepcionais, durante o dia coziam algumas fornadas lá no forno rudimentar, instalado num rústico barraco coberto de chapas de zinco, aliás, era a cobertura comum a todas as instalações.
Quando os mesmos padeiros decidiam comemorar entre si fosse o que fosse, e porque, como já referi, havia dificuldade em que lhes fosse vendido um cabrito para o efeito, punham em prática um método muito peculiar e eficaz para suprirem esta contrariedade.

Uma estratégia muito mais avançada do que o amadorismo que foi utilizado pelo meu pelotão e pelos condutores a que já me referi no “MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO DOS CABRITOS”.

Os cabritos, juntamente com as cabras, diariamente deambulavam ali pelo quartel.
Para os atraírem ao forno, colocavam pedacinhos de pão, como isco, alinhados ao longo de alguns metros para o exterior, a partir do interior das instalações do forno, cuja porta ficava aberta e atrás da qual ficavam os mesmos padeiros de vigia pelas frinchas a aguardarem pelo momento certo. Os cabritos, uma vez atraídos pelo cheiro, ávidos, em competição uns com os outros, rapidamente abocanhavam a enfiada dos pedaços de pão, o que os levava a precipitarem-se no interior das instalações do forno.

Era-lhes fatal!
Rapidamente a porta se fechava.
Num ápice o animal seleccionado, visto que às vezes entrava mais do que um, era sacrificado e preparado, cujas vísceras e a pele, para não ficarem visíveis os vestígios do “crime”, eram incinerados nas chamas de aquecimento do forno.
O resto, ou seja, o fornecimento das batatas, dos temperos e dos condimentos, era “requisitado”, à socapa, ao fiel do depósito de géneros, ao Libânio, que, claro, também participava depois no festim.

Cerca de quarenta anos depois, em 2004, eis o que resta das instalações do forno, invadidas pelo mato, um dos palcos do “extremínio” dos cabritos aqui relatado. 
Foto: © José da Rocha Sousa (ex-combatente)

À parte a macabra sorte dos animais, convenhamos que era notável a estratégia destes militares, cuja especialização não se limitava à de padeiros.
Atentos os contornos desta história, a sua especialidade era muito mais abrangente!
Porém, a mesma técnica era também posta em prática pelo 4.º pelotão ao fazer desaparecer igualmente alguns cabritos, que tinha como executante, entre outros, o Miranda, “ternamente” apelidado, talvez por isso, por “Mata e Rouba”, ficando assim a dúvida a quem pertenciam os direitos de autor de tão avançado método de apanhar cabritos.
Acredito que esses direitos de autor pertenceriam aos padeiros, dado que não deixavam sinais dos despojos dos cabritos ao serem incinerados no forno.

Enquanto que o 4.º pelotão, ao enterrá-los ali próximo da caserna, um dia em que o quartel foi atacado com foguetões, um deles, por coincidência, abriu uma cratera com a explosão precisamente onde os restos dos cabritos foram enterrados, deixando-os a descoberto.
Estava assim, por azar, desvendada a autoria do “crime”.
Todavia, os “acusados”, mesmo perante esta evidência, apresentaram os seus argumentos de defesa, de tal forma eloquentes e convincentes, que nem da cartola de um ilustre e sagaz advogado seria de esperar tão brilhante alegação: 
- Foi o foguetão que fulminou os cabritos!

Com o amadorismo do 3.º pelotão e dos condutores a que antes fiz referência, com o “profissionalismo” e sofisticação dos padeiros e do 4.º pelotão ora relatados e na eventualidade dos 1.º e 2.º pelotões terem feito também a sua parte, dá para perceber que grande parte da população de cabritos de Jumbembém foi dizimada.

Era a irreverência de jovens de 22 anos de idade, associada muitas vezes à fome que se passava, principalmente à noite em que o jantar era invariavelmente arroz com salsichas, que nós passámos a designar ironicamente por “arroz com p… de macaco”.

A necessidade aguçava o engenho. Faziam jus à máxima da época de que “a tropa manda desenrascar".

(Pág. 271/276 do livro "Prece de Um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial" - Edição de Autor - 1.ª Edição-Julho de 2012)

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Depois da concentração, à hora marcada, partimos para Ruivães, onde fomos recebidos pelo anfitrião organizador da festa, na sua própria vivenda, o também ex-combatente, nosso companheiro, José Carvalho de Sousa.

Este nosso companheiro era emigrante na Suíça que, juntamente com a esposa e a filha, D. Goretti e Alzira, respectivamente, ao longo de vários anos em que estes encontros se têm vindo a suceder, viajava expressamente daquele pais para Portugal e vice-versa para se juntar a nós nestes dias.
Era um companheiro alegre e bem disposto que nos brindava e mimava com os chocolates da Suíça que com satisfação nos distribuía, ora no autocarro em viagem para o local previamente estabelecido, ora já no restaurante da festa.

No ano anterior, em 2011, no decorrer do encontro na Mealhada, o nosso amigo José Carvalho de Sousa manifestou o desejo de ser ele o organizador da festa de 2012.
E assim foi.
Esperava-nos então em Ruivães um encontro inesquecível:

A recepção aos ex-combatentes foi feita com a contagiante alegria deste nosso anfitrião na sua bonita vivenda que construíra com as suas poupanças de emigrante em local nobre da freguesia de Ruivães, ali junto ao adro da igreja paroquial.

Fotografia dos ex-combatentes junto à vivenda do anfitrião José Carvalho de Sousa, assinalado pela seta.

Seguiu-se a homilia habitual naquela igreja em homenagem aos nossos companheiros já falecidos e, à saída, para nossa surpresa, assistimos à exibição da fanfarra dos Bombeiros Voluntários locais.

Entrámos depois no salão paroquial, paredes-meias com a mesma vivenda, onde nos foi fornecido um lauto banquete por uma empresa de restauração, abrilhantado, para mais uma surpresa nossa, por um conjunto musical lá da terra.
Seguiram-se algumas intervenções de camaradas que, invariavelmente, aludiam à excepcional organização da festa por este nosso companheiro, perante a sua esfuziante alegria e alguma emoção que nos contagiou a todos.
Eu próprio intervim, revelando a todos o projecto em curso do meu livro, prestes a ser concluída a sua edição, cujas histórias ali relatadas eram comuns a todos nós.

O nosso amigo anfitrião comeu, falou, dançou, transpirou, emocionou-se, distribuiu os habituais chocolates, ofereceu lembranças, entre as quais umas garrafas de bom vinho.
Enfim, era manifesta a felicidade que lhe ia na alma pela festa que nos proporcionou, totalmente a expensas suas, pois não aceitou um cêntimo que fosse de ninguém.

Terminada a festa, nos dias imediatos, regressou à Suíça com a família de onde tinha vindo propositadamente para organizar a festa, embora com o apoio de dois camaradas, o Bastos e o Carneiro.

Volvidos cerca de dois meses, nos primeiros dias do mês de Agosto, voltávamos a Ruivães em circunstâncias bem diferentes!:
Fomos despedir-nos do nosso inesquecível camarada José Carvalho de Sousa que acabava de ser “mobilizado”, desta vez para integrar o exército de Deus lá no Céu.

Ele tinha-se despedido de nós, de facto, conscientemente ou não, há dois meses atrás quando, rejubilando de alegria, nos recebeu.

Já não tive oportunidade de lhe oferecer um livro, visto que o primeiro que recebi foi precisamente no dia do seu funeral, quando regressei a casa.
Fiz questão de o oferecer mais tarde à família.

A sua figura ficará gravada de forma indelével nas nossas memórias enquanto por cá andarmos.

Até um dia companheiro.
Maio de 2013
Manuel Luís Rodrigues Sousa
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11578: In Memoriam (150): Henrique Rosa (1946-2013), ex-fur mil inf, Op Esp., CCAÇ 2614 / BCAÇ 2892 (Nhala e Qubeo, 1969/71), e ex-presidente da República da Guiné-Bissau, interino (2003/05) (Francisco Barroqueiro / Manuel Amaro)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10856: À volta do poilão da Tabanca Grande: Boas Festas 2012/13 (8): Mensagens de Natal da Tertúlia (2)

MENSAGENS DE NATAL DA NOSSA TERTÚLIA (2)


Ernestino Caniço, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, MansabáMansoa e Bissau, 1970/72

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Manuel Luís Rodrigues Sousa (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74

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Mensagem do nosso camarada Tony Levezinho, ex-Fur Mil das CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71:

Amigo Carlos
Peço-te o favor de seres o portador de um forte Abraço a todos os nossos Amigos e Camaradas da Tabanca Grande, com os melhores votos de Feliz Natal e de um 2013 com algum oxigénio para podermos todos respirar e aspirar a melhores dias.
 Abração
Tony Levezinho


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Mensagem do nosso camarada Francisco Palma, ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCAV 2748 / BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72

Estimado Carlos,
Se possível desejava enviar a todos os Administradores, Editores e colaboradores do "nosso" Blog e outros bloquistas, Tabaqueiros e o resto dos Combatentes em Geral um Grande Abraço Natalício.
BOAS FESTAS A TODOS, COM MUITA PAZ, AMOR E AMIZADE
Obrigado e tudo Bom para todos
Um abraço
Francisco Palma
CCAV 2748
Canquelifá
1970/72


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Do nosso camarada Armando Faria, ex-Fur Mil, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74:

Nesta quadra em que sempre trocamos/enviamos votos de PAZ, saúde e felicidade, quero repetir hoje e sempre esses salutares desejos que a todos nos irmana, Feliz Natal!
(Imagem recolhida por mim da colecção do museu do Convento de Mafra - Portugal)

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Mensagem do nosso camarada José Lima da Silva, ex-Soldado da CCAÇ 1496/BCAÇ 1876, BissumPirada e Bula, 1966/67: 

Caro Vinhal
Santo e Feliz Natal para si e família. Que o ano de 2013, não havendo certezas de nada, espero que vos seja o melhor possível.
Também se lhe for possível, transmita ao camarada Luís Graça e à tertulia, os meus cumprimentos, e também votos de Feliz Natal.
Com estima e consideração
JLS

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Mensagem do nosso camarada Jorge Picado, ex-Cap Mil na CCAÇ 2589/BCAÇ 2885, Mansoa, na CART 2732, Mansabá e no CAOP 1, Teixeira Pinto, 1970/72:

Amigo e Caro Camarada Mansabanho.
Aproveito esta oportunidade para te desejar e a todos os teus familiares um Bom Natal, com muita alegria e se possível um 2013 melhor do que o ano que está chegando ao fim (não é um mundo que está chegando ao fim).
Abraço- vos com o desejo de nos reencontrarmos no Novo Ano.
Jorge

Agora, mais uma tarefa, não uma ordem de velhos galões, mas um pedido. Pública ou envia aos Tabanqueiros a minha mensagem.

Um Feliz Natal e um Novo Ano de 2013 com muita saúde, são estes os meus sinceros votos e desejos para todos os Camarigos e respectivas Famílias.

Um abraço do tamanho do mundo, que vai continuar por séculos e séculos, do
Jorge Picado

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Mensagem da nossa amiga  Maria Teresa Almeida da Liga dos Combatentes:

Nesta quadra natalícia, tão importante para todos nós, quero deixar aqui, expresso, para os meus Inesquecíveis Editores deste Blog – e para TODOS os meus INESQUECÍVEIS COMBATENTES DO ULTRAMAR, e seus Familiares, os meus sinceros votos de Santo e Feliz Natal, e que o Ano Novo lhes traga tudo o que de bom tem a VIDA: A SAÚDE.
Teresa Almeida
Liga dos Combatentes



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Do nosso camarada Mário Fitas, ex-Fur Mil Op Esp da CCAÇ 763, Os LassasCufar, 1965/66


BOAS FESTAS E FELIZ ANO NOVO

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Da nossa amiga Gilda Brandão:

Aos meus Familiares e Amigos, um Santo e Feliz Natal, e que o novo ano vos traga saúde, paz e muita calma, para ultrapassar os momentos menos bom.

Abraços e beijinhos para todos.
Gilda
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Vd. último poste da série de 24 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10855: À volta do poilão da Tabanca Grande: Boas Festas 2012/13 (7): Nada chega ao meu natal de inverno / Com formigos, rabanadas / E o bacalhau com todos de Portugal ! (J.L. Mendes Gomes, Zewhlendorf, Berlin, Deutschland)

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10835: Notas de leitura (441): "Prece de um Combatente Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", por Manuel Luís Rodrigues Sousa (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Setembro de 2012:

Queridos amigos,
Trata-se de uma gema de sinceridade, aquilo que chamamos partilha de afetos.
Manuel Sousa toca-nos pela sua observação de todo aquele tempo em Jumbembém, está ali o registo de muita camaradagem e do saber superar tanta inquietação e provação. Os lazeres, os pequenos negócios de bar e barbeiro, os desvios manhosos de um cabritinho para o forno, a história da tijela do fuzileiro de Ganturé que ele irá oferecer ao Paulito, ficamos com a impressão de que estamos a assistir ao crescimento de um ser humano que ganha consciência que nada ficará como dantes.
E assim foi.

Um abraço do
Mário


"Prece de um combatente": memórias de um soldado em Jumbembém (2)

Beja Santos

“Prece de um Combatente, Nos Trilho e Trincheiras da Guerra Colonial”, de Manuel Luís Rodrigues Sousa, 1ª Edição, 2012, pode ser adquirido através do Sítio do Livro, Lda. (www.sitiodolivro.pt).

São as memórias de um nosso confrade, que combateu em Jumbembém, no sector de Farim, ali viveu em 1973 até Julho de 1974. 
Trata-se de uma escrita cuidada, profundamente afectiva, é alguém que se compraz a falar do quotidiano, das armas, dos patrulhamentos, da missão árdua e responsável do picador, dos reforços, da correspondência para as madrinhas de guerra. 

Respeita a ordenação temporal, descreve com pormenor o que aconteceu em Guidage, naquele terrível mês de Maio de 1973, fala do que viu, também. Em Março ou Abril de 1973, Jumbembém foi reforçado com um pelotão de caçadores nativos. Em 17 de Junho, um dos elementos deste pelotão pediu ao seu comandante, alferes Nuno Gonçalves da Costa, para seguir na coluna de Jumbembém para Cuntima, mas o alferes não autorizou a sua deslocação, tratava-se de um militar indisciplinado, aquela negativa era uma forma de o castigar. O militar desfechou dois ou três tiros de G3 no seu superior, recorde-se que nessa época não havia possibilidade de se evacuar quem quer que seja por falta de meios aéreos, o oficial veio morrer dos ferimentos.

Estamos perante um autor que não quer omitir até os seus pequenos pecados, como desviar laranjas que estavam ao seu cuidado, alambazou-se, mas sempre com o cuidado de ir tirando todas as caixas para que o desfalque não fosse notado. 

Manuel Sousa é um homem atento e a natureza prende-o, vemo-lo observador do arvoredo, das tempestades e dos tornados, dos obeliscos onde, perto, se hasteava a bandeira nacional, enumera as músicas que se pediam ao PIFAS (Programa Informativo das Forças Armadas). Dá-nos conta do que escrevia às suas madrinhas de guerra, caso de um aerograma datado de 12 de Março de 1973: 

“Vejo em si a minha confidente, imagino-a até como a minha Nossa Senhora que me ampara e, como tal, veja nesta minha missiva uma oração, uma prece deste combatente, para que continue a conceder-me a graça da sua simpatia e do seu conforto”.

Dentro deste espírito de observação, não regateia elogios a camaradas pela sua vigilância evitaram desaires. É o caso do Zé ou Zeca e também conhecido por “Oh Égua”. O Zé tinha olhos de lince, em 5 de Novembro de 1973, ia o pelotão ativar a picada entre Jumbembém e Lamel, em direção a Bricama, depois do esforço de desobstruir um caminho há muito sem uso, estavam a descansar mas o Zeca permaneceu de pé e veio dizer aos camaradas que tinha visto uns gajos entre o mato ali à frente. Quando logo a seguir foram atacados ripostaram e puseram em fuga o grupo guerrilheiro, tudo graças ao olho vivo do Zé.

Grande parte do seu relato está centrado num chão cheio de minas e armadilhas, importa não esquecer que Jumbembém ficava perto de um corredor bastante frequentado pelos guerrilheiros que vinham do Senegal, todas as picadas apareciam minadas com bastante frequência e a propósito conta episódios onde prevaleceu a sorte e outros onde triunfou a morte. 

Em Janeiro de 1974 foi passar férias a Bissau, o seu sonho era tirar a carta de condução, juntara cuidadosamente 500 escudos por mês, quando acabou as férias fez exame e foi aprovado. Em Fevereiro regressa a Jumbembém por via do rio Cacheu. É informado que numa violenta emboscada entre Jumbembém e Lamel perdera a vida mais um camarada bem como três outros militares de um pelotão de madeirenses, ao que parece pelo mau manuseamento de um dilagrama. As minas são uma presença constante e ele escreve episódios felizes de minas desativadas nas diferentes picadas seja em direção a Cuntima ou a Canjabari ou a Farim. Em pleno carnaval Jumbembém foi flagelada, não houve feridos mas as paredes ficaram cravadas e esventradas pelo impacto das granadas do RPG7.

Constituem-se amizades e ele refere os nomes, tal como descreve quezílias e pancadarias, cenas de mau vinho, de um modo geral no dia seguinte a malta abraçava-se e desapareciam os ressentimentos. Havia empreendedorismo em Jumbembém, era o caso do Amadeu, que decidiu instalar um tipo de esplanada com serviço de cafetaria e também de barbeiro, bem como o serviço de fotografia, este então um verdadeiro sucesso.

Na véspera do 25 de Abril de 1974, Jumbembém experimenta uma flagelação com mísseis, era a primeira vez que viam o efeito desta arma, deu para perceber que os guerrilheiros iam progressivamente ajustando o fogo, mas não provocou grandes danos.

Com o 25 de Abril, inicialmente nada mudou, sucederam-se as minas entre Jumbembém e Lamel, a ponte de Lamel foi totalmente destruída, felizmente as minas anticarro foram detetadas a tempo e destruídas. Em 11 de Junho, os guerrilheiros do PAIGC visitam Jumbembém. Todos tiraram uma fotografia para a posteridade. E escreve: 

“Findo o encontro, foram disponibilizadas viaturas para transportar os guerrilheiros até Fabantã, através da velha picada em que o Zeca nos alertou. No dia seguinte, foi marcado encontro entre as suas partes junto a ponte de Lamel, para levantamento de minas que uns e outros tinham colocado ali nas proximidades. Reparei que um dos chefes do PAIGC se fazia transportar num pequeno jipe descapotável, de estrutura muito frágil. Era um veículo de origem sueca”

Segue-se a despedida de Jumbembém, há semblantes muito tristes de alguma população: 

“Deixávamos para trás aquela gente com quem tínhamos convivido desde Janeiro de 1973 a Junho de 1974 com a angústia estampada no rosto pela incerteza do seu futuro”

Passam por Canturé, aqui vão ficar a substituir os fuzileiros. O autor conta que trouxe uma tigela em inox que ofereceu a um menino, o Paulito, fora recolhido pelos seus pais, ele nunca esqueceu esta prenda, a tigela dos fuzileiros de Ganturé.

A comissão de Manuel Sousa está a acabar, em 29 de Agosto embarcam em Bissalanca para Lisboa, feito o espólio de fardamento segue para Santa Apolónia, está praticamente sem dinheiro mas a camaradagem tudo resolve. Do Porto parte em direção ao Tua, está sem cheta mas está por ali um táxi que pertence a Cândido “Russo”, de Castanheiro do Norte, aldeia que se situa entre o Tua e Carrazeda de Ansiães: 

“Sabia que ele era também proprietário de uma pequena indústria de alfaiataria, com sede naquela aldeia, onde um meu primo, o Orlando, tinha trabalhado. Solicitei então para me levar a casa, depois de lhe dar a conhecer a afinidade que eu tinha com o Orlando, com a condição dos seus serviços serem pagos pelos meus pais no destino”

É a alegria do regresso, segue-se a caminhada de 9 quilómetros até à aldeia de Folgares.

A vida recomeça sempre, Manuel Sousa vai para a GNR, chega a sargento-ajudante. As suas memórias chegam ao fim, há fotografias e lembranças de muita gente, depois os convívios polarizam a saudade destes homens de Jumbembém. Há fotografias do antes e do depois, há muitas fotografias, o blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné também cooperou.

O que é sincero e genuíno vem sempre ao de cima, acaba por tomar conta desta prosa, e tocar-nos pela autenticidade, do princípio ao fim. Vale mesmo a pena acompanhar o Manuel Rosa naqueles tempos de Jumbembém.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste anterior de 17 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10811: Notas de leitura (440): "Prece de um Combatente Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", por Manuel Luís Rodrigues Sousa (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10811: Notas de leitura (440): "Prece de um Combatente Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", por Manuel Luís Rodrigues Sousa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Setembro de 2012:

Queridos amigos,
O livro do soldado Manuel Luís Rodrigues Sousa “Prece de um Combatente”, é credor da nossa atenção. São memórias, reconstituições por vezes muito afetuosas, é uma escrita muito singela, é o seu modesto contributo para a história da guerra colonial (palavras suas).
Tudo começa no orgulho pelas suas raízes, a candura e a ingenuidade com que enfrentou os contratempos e os infortúnios tocam obrigatoriamente o leitor.
Pediu ajudas para ilustrar o seu relato. É uma sinceridade que nos prende do princípio ao fim. Ele fala em nomes das praças, fala e toca-nos no coração.

Um abraço do
Mário


"Prece de um Combatente": memórias de um soldado em Jumbembém

Beja Santos

Sabe bem juntar as memórias do soldado Manuel Luís Rodrigues Sousa perto dos diários dos soldados Calvário e Góis. É sabido que a literatura assente em memórias tem sido campo da eleição predominantemente de oficiais e de alguns sargentos, ora o estudo das mentalidades carece de apreciações pessoais das praças, saber como viveram a guerra, de onde vieram, em que se transformaram. O soldado Sousa satisfaz todos estes requisitos. Antes de partir para a Guiné, fala-nos da sua linhagem, provém de pais naturais de Carrazeda de Ansiães e de Vila Flor, Manuel Sousa veio à luz em Folgares, nasceu em 1951. Até ir para a tropa, viveu nesta ruralidade, visitar familiares entre os Folgares e Carrazeda de Ansiães eram cerca de dez quilómetros percorridos a pé ou de burrico, estrada não havia na época. Fala-nos desses vínculos: “Periodicamente a família encontrava-se em visitas mútuas, ora nos Folgares, onde viviam os meus pais, eu e todos os meus irmãos, ora na Carrapatosa, onde vivia a minha avó, o tio Armindo e esposa, a tia Aninhas, além dos meus primos, filhos deste casal que vivia com a minha avó, a Natália, o Alexandre, o Fernando e o Ricardo. Fazia ainda parte deste núcleo de familiares o meu primo Chico”. Conta-nos histórias familiares, e depois temo-lo a assentar praça, em finais de Julho de 1972. A saída de casa não foi fácil, estavam ali todos os seus tesouros: “Ali cresci e trabalhei no trabalho duro do campo, de sol a sol, melhor dizendo, de noite a noite, sem conhecer férias, fins de semana ou coisas parecidas”. Os pais, desgostosos, viram partir o “seu Manuel”.

Recruta em Vila Real, adaptou-se bem, como tinha pouco dinheiro, ali passou praticamente todos os fins de semana. Seguiu para Abrantes, a sua especialidade era de atirador. E é aqui que recebe convite para ingressar na polícia, decidiu recusar. Em finais de Novembro parte para Tomar, vai formar batalhão destinado à Guiné, o BCAÇ 4512. A despedida é emocionante, é recordação inesquecível, esta partida com destino a Tomar: “Desta vez não foi via Carrazeda de Ansiães, nem tive o apoio da velha mula no transporte da mala. Porque que guia de transporte só me permitia utilizar o comboio e como o dinheiro não abundava para pagar a camionete desde Carrazeda de Ansiães até ao Tua, desta vez tinha de descer ao vale do Tua, com destino à estação de Codeçais, através de um caminho íngreme e tortuoso, num percurso de cerca de oito quilómetros, passando pelas aldeias de Pereiros e Codeçais. Transportava eu a mala e um meu irmão mais novo, o Zé, que me acompanhou até a estação, transportava um saco que continha o fardamento camuflado que tinha trazido para a minha mãe ajustar no tamanho. O meu pai fez questão de me acompanhar até à saída da aldeia, até ao Barreiro, já com a aldeia de Pereiros à vista. Chegada a hora da separação, irrompeu destroçado em alto choro, envolvendo-me num longo e apertado abraço. As emoções e as lágrimas misturaram-se por alguns instantes, após o que nos desenlaçámos e, de lágrima no canto do olho, juntamente com o meu irmão, lá segui rumo à estação”.

Em 6 de Dezembro, o BCAÇ 4512 ruma para a Rocha do Conde de Óbidos, o Uíge vai levá-los para Bissau. Desembarcam e vão para o Cumeré, instalam-se em tendas no campo de futebol, fazem o IAO, é na limpeza das casernas do Cumeré, a varrer o chão, que ele apanha uma pequena medalha de ouro com inscrição “Deus de guarde”. Chegara a hora de abarcar para Jumbembém via Farim. Segue-se a descrição do local: “Situava-se numa ligeira elevação do terreno, pouco significativa na planura característica da Guiné, junto a uma linha de água designada por Rio de Jumbembém. No lado sul, salteada por algumas instalações de utilização militar, uma delas era uma antiga serração, com telhas em chapa a esvoaçarem ao vento, a que se chamava quartel. Na parte norte estava concentrada a tabanca, formada por casas quadradas, construídas em alinhamento, em várias filas, de blocos de terra, cobertas a chapas de zinco”. Detém-se sobre as comunicações, os costumes das populações, a relação com as crianças e as primeiras operações a Bricama, em meados de Janeiro, ainda com a CART 3359. Descobrem uma casa de mato, há para ali fogo intenso e ele escreve: “Vi um ancião negro no meio do terreiro, entre as palhotas, de pé, trémulo, com um dos braços cortados por uma rajada ou estilhaço, sensivelmente pelo cotovelo, apenas ligado por uma pele que ele sustentava com a outra mão”. Na segunda ida a Bricama, um guerrilheiro do PAIGC foi varado com uma rajada, um camarada teve ferimentos e foi evacuado.

Manuel Sousa esteve atento aos pormenores: ao que se disse sobre o assassinato de Amílcar Cabral, às estratégias de aliciamento das populações, a uma noite de cinema em Jumbembém em que foi exibido o filme “Os Três Mosqueteiros”, à chegada dos mísseis Strella. E em Maio de 1973, ele vai participar no inferno de Guidage. Primeiro, em 10 de Maio, parte para Guidage o 2º pelotão da sua companhia, o livro de Manuel Sousa inclui o relato do furriel Fernando Costa Gomes de Araújo sobre esta deslocação a Guidage. Em 23 de Maio, chegou a vez do pelotão de Manuel Sousa, ele vai descrever com muita singeleza e contenção a morte do seu camarada Domingues Martins da Silva Lopes. Manuel Sousa vai a picar, vão de Binta para Guidage. Vai trocando algumas palavras com Domingos Lopes e, imprevistamente, o drama aconteceu, já Manuel Sousa tinha picado cerca de 50 metros de uma árvore de grande porte, ocorreu atrás um enorme explosão, quando ele chegou à referida árvore viu o Domingos Lopes morto, enquanto um furriel dos Comandos, com o rosto esfacelado gritava “ai minha mãezinha”. E confidencia que a morte deste seu camarada o marcou, estivera com ele até ao último instante, depois do regresso de Guidage ajudou a reunir todos os seus parcos haveres para os devolver à família. E escreve: “A mala e um pequeno espólio de objetos que incluía um gravador de bobines que, dias antes, à cabeceira da sua cama e da minha, ao lado uma da outra, reproduzia frequentemente em alto volume o folclore minhoto, região da sua naturalidade que, a partir dali, se calou para sempre. Tenho bem presente aquela imagem da mala apertada com um cordel em volta e a sensação que me assaltou ao pensar no drama da chegada daquela encomenda aos seus destinatários”. Fez mais amizades, recorda Orlando Augusto Pires, que estava em Binta, criou-se uma forte amizade, em 1975 reencontraram-se, estavam ambos incorporados na Guarda Nacional Republicana. Com os desencontros da vida, passaram-se muitos anos e depois veio a saber que o Pires falecera, acometido de doença súbita no dia do casamento da filha mais nova. E exalta a simplicidade, a generosidade, a nobreza de carácter daquele seu amigo.

Sempre bom observador, colige notas sobre os macacos, as minas, os trabalhos do pelotão de serviço (ir buscar lenha, dar apoio aos cozinheiros, descascar batatas, confessa que desviava algumas, o jantar era sempre de fome, cozia aquelas batatas com algumas couves, supria as suas necessidades). É nisto que ocorre a morte do alferes Nuno Gonçalves da Costa.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 DE DEZEMBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10798: Notas de leitura (439): "Dona Berta de Bissau", de José Ceitil (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10266: Bibliografia de uma guerra (63): Uma foto de 1972 que documenta a visita da Cilinha a Cufar (Armando Faria)



1. A propósito do Power Point (enviado à tertúlia) elaborado pelo camarada Manuel Sousa para apresentação do seu livro "Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial", recebemos a seguinte mensagem do nosso camarada Armando Faria (ex-Fur Mil Inf Minas e Armadilhas da CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74):

Boa noite camarada.
Nem sempre é possível e fácil estar presente com alguma informação em tempo útil, mas face a esta mensagem apraz-me aqui um comentário.

A foto inicial da apresentação do livro deste camarada* onde está bem visível a Cilinha em visita, o local é CUFAR e foi de visita à CCAÇ 4740 que lá esteve estacionada de Julho de 1972 a Julho de 1974 e ao pessoal do CAOP na zona de CUFAR.

Ao lado da Cilinha nas suas costas e mesmo junto a ela sou eu, ex-Furriel Armando Faria da CCAÇ 4740, então de bigode à boa maneira militar.

Isto é só e apenas por curiosidade.

Parabéns ao autor e a todos aqueles que continuam a recordar/exorcizar momentos que teimam em ficar, nos seguem nos dias que passam e perseguem no sono que teima em não vir.

Um abraço a todos e não deixem de visitar a nossa pagina em: http://ccac4740.com/


Cumprimentos,
Armando da Silva Faria
Ex-Fur Mil da CCAÇ4740
Cufar/Guiné
1972/74
e-mail: asfaria.seguros@sapo.pt
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 2 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10219: Bibliografia de uma guerra (59): Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial, de Manuel Luís Rodrigues Sousa

Vd. último poste da série de 12 de Agosto de 2012 > Guiné 63/74 - P10255: Bibliografia de uma guerra (62): Primeiro Capítulo do próximo livro "Quebo", de Rui Alexandrino Ferreira (3): Primeira parte do depoimento do Major General Pezarat Correia (2)

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Guiné 63/74 - P10219: Bibliografia de uma guerra (59): Prece de um Combatente - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial, de Manuel Luís Rodrigues Sousa

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa* (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 27 de Julho de 2012:

Envio para todos os meus contactos o link que suporta o livro que acabei de editar, em situação de pré venda na livraria online de www.sitiodolivro.pt.

Em breve estará à venda quer neste site, quer na livraria "Leya na Barata", na Av. de Roma, nº 11, Lisboa.

Vejam a apresentação do livro. Oportunamente, em breve, enviar-vos-ei uma apresentação mais detalhada do livro em pps.

http://www.sitiodolivro.pt/pt/livro/prece-de-um-combatente/9789892030685/

Cumprimentos
Manuel Sousa

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2. "PRECE DE UM COMBATENTE - Nos Trilhos e Trincheiras da Guerra Colonial"

Sinopse

Pela Pátria…

· Fomos arrancados ao convívio dos entes queridos, interrompendo e adiando promissores projectos de vida;

· Vivemos a pungente despedida do zarpar lento de um navio, pejado à proa de lenços brancos a acenar para outros que se agitavam no cais, pairando a incerteza de, um dia, podermos ali voltar;

· Aportámos em terras de África, cujo clima nos causticou a pele e nos tornou pasto fácil para turbilhões de insaciáveis insectos;

· Estreitámos relações com as populações nativas e as suas crianças que, no dia a dia, nos surpreendiam com os seus rituais, a sua cultura;

· Não resistimos à beleza das bajudas, (raparigas) vivendo com elas romances de “amor em tempo de guerra”;

· Calcorreámos trilhos e picadas, ora sob poeira asfixiante e calor intenso, ora sob chuvas tropicais diluvianas;

· Transpusemos linhas de água e pantanosas bolanhas que quase nos submergiam;

· Passámos fome e sede, bebendo, muitas vezes, a água insalubre das bolanhas;

· Fomos acometidos de doenças tropicais;

· Vimos rebentar minas sob viaturas e companheiros de armas, as quais deixavam rasto de destruição e de morte;

· Rastejámos e irrompemos sob o fogo intenso inimigo, debaixo do arrepiante sibilar das balas e dos estilhaços das granadas, ora a atacarmos, ora a defendermos;

· Como toupeiras impregnadas de pó ou de lama, abrigámo-nos do fogo inimigo nas labirínticas trincheiras dos quartéis, defendendo essas nossas posições;

· Vimos companheiros no campo de batalha a agonizar, balbuciando as últimas palavras que guardamos na alma como fiéis depositários;

· Disparámos para não morrermos;

· Pairaram sobre nós vorazes abutres, atraídos pelo sangue que nos jorrava da carne rasgada;

· Honrámos o nome dos companheiros que tombaram em combate, gravando-os de forma indelével em singelos monumentos, autênticas obras d’arte disseminadas no chão colonial africano;

· Sofremos mazelas físicas e psicológicas que nos vão acompanhar durante o resto da vida;

· Tivemos saudades que desfiámos em longas missivas na troca de correspondência com os familiares, namoradas e madrinhas de guerra, além do célebre “adeus até ao meu regresso”, difundido através da Rádio Televisão Portuguesa na quadra natalícia;

· Fomos irreverentes, brigámos, brincámos, rimos, cantámos e chorámos;

· Finalmente chegámos de regresso ao cais onde ternos abraços de saudade nos cingiram, contrastando com o drama daqueles que não tiveram a mesma ventura de abraçar os nossos companheiros, em cujo navio os seus lugares vieram vazios.

· Enfim, com sublime abnegação, tudo isto foi, por ela,

…LUTAR!


Ficha Técnica:

Editora: Edição do Autor
Colecção:
Data de Publicação: 08-2012
Encadernação: Capa mole - 398 páginas
Idioma: Português
ISBN: 9789892030685
Dimensões do livro: 149 x 210 mm
Capa / Paginação: Marco Martins / Paulo Resende
Depósito Legal: 343300/12

(Com a devida vénia a Sítio do Livro)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8310: As Nossas Madrinhas de Guerra (5): Avé-Maria do Soldado (Manuel Sousa)

Vd. último poste da série de 22 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9250: Bibliografia de uma guerra (58): Pequenas partes do Lugares de Passagem aqui juntas com algum sentido (José Brás)

domingo, 1 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9299: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (13): Mensagens dos nossos camaradas José Manuel Cancela, António Teixeira, Francisco Palma, Carlos Rios, Manuel Reis, Fernando Barata, Manuel Sousa e Manuel Joaquim

1. Do nossos camarada José Manuel Cancela, ex-Soldado AM da CCAÇ 2382, Bula, Buba, Aldeia Formosa, Contabane, Mampatá e Chamarra, 1968/70:

Caro Amigo Carlos
Um pouco atrasado, mas a época natalícia continua.
Quero deixar aqui os meus votos de um Ano Novo com tudo que há de melhor para todos os ex-combatentes e em especial para os da Guiné, e mais ainda, aqueles esquecidos da sociedade, que lutaram connosco, e não são reconhecidos como tal.

Aqui vai uma recordação do meu segundo Natal na Guiné, este em Safim.
José Manuel Cancela


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2. Do nosso camarada António Teixeira, ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 - Bedanda, 1971/73:


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3. Mensagem do nosso camarada Francisco Palma, ex-Condutor Auto Rodas da CCAV 2748/BCAV 2922, Canquelifá, 1970/72:

Para todos, votos de um Bom Ano Novo 2012, com saúde e felicidade.

Saudações do
Francisco Palma


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4. Do nosso camarada Carlos Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66:

Para os incansáveis e extraordinários responsáveis do blogue e todos os camarigos alguns dos quais tem feito o favor de ter paciência de ler e enviar os mais entusiásticos e agradáveis comentários aos meus incipientes
escritos e a tudo o mais, aos quais retribuo e agradeço, pois estes momentos e tudo o mais são partilhados por todos nós, envio os maiores desejos do mais maravilhoso 2012 ao encontro dos desejos mais íntimos de cada um.

Bem Hajam!
Carlos Rios


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5. Do nosso camarada Manuel Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350, Guileje, 1972/74:


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6. Mensagem do nosso camarada Fernando Barata, ex-Alf Mil da CCAÇ 2700, Dulombi, 1970/72:

Carlos
Para toda a equipa de editores da Tabanca votos de muita saúde para que possam continuar a desenvolver este genuíno "serviço público".


Abraço
Barata

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7. Do nosso camarada Manuel Sousa, ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma:


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8. Do nosso camarada Manuel Joaquim, ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67:

Vivam, meus caros Luís, Carlos e Eduardo:
Que as vozes destas crianças, na sua força e sua alegria, nos sustentem a esperança e nos dêem alento para continuarmos o caminho rumo a um futuro melhor.
Feliz Ano Novo, para os meus queridos camaradas e para todos os vossos entes queridos!

Um grande abraço
Manuel Joaquim


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9. Mensagem de CV:

Muitos outros camaradas se dirigiram a mim ou ao Blogue utilizando os célebres Power Point's que não são publicáveis, como tal, no Blogue. A todos o nosso muito obrigado pelos votos manifestados, os quais agradecemos e retribuímos.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 30 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9292: O nosso sapatinho de Natal: Põe aqui o teu pezinho, devagar, devagarinho... (12): Cartão de boas festas do Patrício Ribeiro, À sombra do poilão, Cacheu, Dezembro 2011

sábado, 21 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8310: As Nossas Madrinhas de Guerra (5): Avé-Maria do Soldado (Manuel Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa* (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, actualmente Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 18 de Maio de 2011:

Camarada Carlos Vinhal:
Na sequência das minhas memórias de guerra, cujos textos te tenho enviado, e já publicados no blogue, não me podia esquecer das nossas dedicadas madrinhas de guerra.

Em anexo envio-te um simples texto que escrevi em sua homenagem, com o título em epígrafe, ilustrado com algumas fotografias.

Ali está bem patente a adversidade a que estávamos votados em terras da Guiné:
-O isolamento no interior do mato, lá no fim do mundo;
-O rigor do clima, ora o calor, ora as chuvas, a poeira vermelha, a chaga dos mosquitos;
-O suplício da guerra, que nos fez regressar sem a companhia de alguns dos nossos camaradas menos afortunados;

Também ali é notória a magia de uma carta ou de um aerograma, o célebre "bate estradas", o único meio de comunicação com os familiares, amigos, namoradas e as nossas madrinhas de guerra.
Na altura não havia telemóveis nem internete.

Um abraço
Manuel Sousa




AVÉ-MARIA DO SOLDADO

Jumbembém, 12 de Março de 1973

Dedicada madrinha:
Acabou de chegar um helicóptero a este fim de mundo.
O “pombo-correio” que trouxe no bico as sempre esperadas mensagens para todos nós militares, aqui neste cativeiro de guerra, no meio do nada. Melhor dizendo, no meio do mato, onde o calor intenso, a poeira vermelha, as tempestades tropicais e as ferradas de enxames de mosquitos já pouco incomodam, comparando com o silvo das balas, o troar dos canhões e morteiros, o metralhar da “costureirinha” e o cheiro a pólvora queimada, em dias de “festa” cá em Jumbembém e arredores.

Uma dessas mensagens era a sua para mim desejada carta, a que estou a responder através deste meu “bate-estradas”, cujas linhas os meus olhos percorreram avidamente, como sedento no deserto à procura de uma gota de água, bebendo as suas palavras uma a uma, que me transmitiram, bem haja por isso, esperança e coragem para melhor suportar estes momentos tão difíceis, neste meio hostil, longe de familiares e amigos.

Fixei-me demoradamente a contemplar o bonito sorriso do seu rosto, patente na fotografia que teve a amabilidade de me enviar, como que deslumbrado e encantado pela sua beleza e, particularmente, pela brancura da sua tez, já que há tanto tempo não via uma mulher branca e tão bonita.

Aqui as bajudas (raparigas), sendo algumas também bonitas, a cor da sua pele, como sabe, é diferente…, fazem parte de outra cultura.

Vejo em si a minha confidente, imagino-a até como a minha “Nossa Senhora”que me ampara, e, como tal, veja nesta minha missiva uma prece, uma oração, uma avé-maria deste soldado, para que continue a conceder-me a graça da sua simpatia e do seu conforto.

Termino, agradecendo-lhe esse seu gesto altruísta, de dispensar parte do seu tempo a confortar este simples soldado que sou, ao serviço da Pátria. Com as suas palavras, creia, neste quotidiano de guerra, - o perigo que espreita por entre o capim, por de trás de cada árvore, sob o chão das picadas - sentir-me-ei mais confiante, mais seguro, mais afoito, do que com a própria espingarda que tenho por companheira.

Adeus, até à volta do correio.
Manuel Luís Rodrigues Sousa


Na sequência das minhas memórias de guerra que tenho vindo a escrever, era inevitável não fazer referência às nossas simpáticas, dedicadas e altruístas madrinhas de guerra.

Como forma de as homenagear, escrevi esta carta, com data fictícia, a data do meu aniversário, tentando reconstituir, o mais fiel possível, aquilo que um dia escrevi para uma das minhas madrinhas, no decorrer dos anos de 1973 e 1974.

No fundo, condensei nesta carta as centenas de missivas que lhes dirigi, de tal forma “eloquentes” e de caligrafia aprimorada, modéstia à parte, mas elas é que o diziam, que não acreditavam que eu tivesse como habilitações literárias apenas a 4.ª classe.

Aliás, esses dotes eram-me também reconhecidos pelos meus camaradas de Pelotão, a ponto de, ainda hoje, aquando dos convívios anuais, eles me lembrarem dessa perfeição com que escrevia.

Um desses colegas, sabendo desses meus atributos, sugeriu-me para escrever a uma rapariga sua vizinha, em Castro D’Aire, uma beldade lá da terra, segundo ele dizia, mas prevenindo-me de que ela era “estudanta” e que, por isso, não ligava a qualquer um.

Sobranceria, talvez, que existia naquela época por parte dos estudantes, em relação aos menos letrados, ou, ao invés, o complexo de inferioridade por parte destes, em relação àqueles.
Aceitei a sugestão.

Escrevi-lhe, e, para admiração do Salvador Rodrigues da Costa, desse meu colega, a “estudanta” respondeu.
Foi mais uma simpática e dedicada madrinha de guerra, com quem tive o prazer de me corresponder.
Além das madrinhas de guerra com quem me correspondia, tinha uma forma peculiar de arranjar sempre mais uma.
Nunca eram de mais.

Escrevia um aerograma, o célebre “bate estradas”, com uma simples apresentação de quem eu era e fazendo o convite para o efeito.

Endereçava-o para determinada localidade da Metrópole, com a seguinte mensagem no exterior:
Para a menina que se dignar corresponder-se, como madrinha de guerra, com um soldado em serviço no ultramar

Utilizando a terminologia da pesca, o “isco” estava lançado.
Muitas vezes o “anzol” veio sem nada, ou seja, os “bate-estradas” tiveram como destino certo o caixote do lixo.
Outras vezes tinha mais sorte.

A mensagem era acolhida e iniciava-se então a troca de correspondência com mais uma das minhas confidentes, culminando algumas vezes com a troca de tórridas cartas de amor.

No final da comissão, aquando do regresso, desfiz-me do volumoso maço da correspondência trocada com as madrinhas de guerra, e não só, por falta de espaço na mala (hoje seriam uma relíquia).

Recentemente, ao fazer arrumações no sótão cá de casa, encontrei numa bolsa dessa mesma e já carcomida mala, uma pequena carteira em plástico, ressequida pelo tempo, com o desenho do crachá do Batalhão 4512, “Os Setas”, a que eu pertencia.

Já não me lembrava daquele objecto, recordando-me então que aquela mesma carteira tinha sido oferecida pelo Batalhão a todos os militares em Tomar, aquando da partida para a Guiné.
No seu interior, numa pequena bolsa, encontrei a fotografia de uma jovem que reconheci como uma das minhas madrinhas de guerra, há 38 anos atrás, de cuja naturalidade não me recordo.
 No verso tem a dedicatória: “Com muita dedicação da madrinha sempre amiga Isabel”, e tem a indicação de que foi revelada na FOTO CRISTO.

A velha carteira onde se encontrava esta fotografia, de uma das minhas bonitas madrinhas de guerra!

Verso da fotografia com a dedicatória.

Foi este achado que me levou a mais rapidamente prestar esta homenagem a todas as madrinhas de guerra, personificadas por esta jovem, hoje aproximadamente da minha idade, cuja fotografia, para o efeito, faço questão de inserir neste texto.

Como dizia no final da carta, as suas palavras produziam em nós mais confiança e mais segurança do que as próprias armas com que calcorreávamos os trilhos da mata e as picadas.
Eram a nossa arma secreta.

Assim, para todas elas, as madrinhas de guerra de Portugal, e em particular para aquelas com quem directamente me correspondi, inclusive a Isabel, como reconhecimento da estima e dedicação que nos dispensaram, tão importantes para o levantamento da moral e auto-estima de todos nós, escrevi esta carta como forma de, em meu nome pessoal e de todos os ex-combatentes, lhes prestar a mais sincera homenagem.

Maio de 2011
Manuel Sousa
Até breve

(Reeditado em Outubro de 2011-10-14)
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8233: Blogpoesia (147): Senhora Aparecida, freguesia de Torno, concelho de Lousada (Manuel Sousa)

Vd. postes relacionados com a nossas Madrinhas de guerra de:

22 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2572: As Nossas Madrinhas de Guerra (4): Madrinhas de Guerra (II) (José Teixeira)

23 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3348: Tabanca Grande (93): José Pinho da Costa, ex-1.º Cabo Op Mensagens da CCS/BART 1914, Guiné, 1967/69

16 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6746: Tabanca Grande (230): Felismina Costa, madrinha de guerra de Hélder Martins de Matos, ex-1.º Cabo Escriturário, Bafatá, 1963/64

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8233: Blogpoesia (147): Senhora Aparecida, freguesia de Torno, concelho de Lousada (Manuel Sousa)

1. Segunda parte das Memórias de um ex-combatente, trabalho enviado pelo nosso camarada Manuel Sousa* (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), enviado em mensagem do dia 1 de Maio de 2011:

Camarada Carlos Silva:
Mando-te em anexo um texto sobre a lenda e o contexto em que conheci a Senhora Aparecida, que tem a ver com o contacto que tenho com um nosso camarada ex-combatente, António Pereira Magalhães, natural da vila com o mesmo nome, que também integrava o meu pelotão em Jumbembém.

Um abraço
Manuel Sousa


Senhora Aparecida

Senhora Aparecida é um santuário que dá o nome à vila de Aparecida, formada pelas freguesias de Torno e Alentém, no concelho de Lousada, situada nas fraldas da serra da Cumieira.

Tem origem numa lenda em que um eremita, um mendigo cuja nacionalidade se desconhecia, vagueava periodicamente naquela localidade, muito estimado por todos, pela sua bondade, fazendo-se acompanhar de uma imagem de Nossa Senhora.

Depois de alguns anos de deixar de aparecer por lá aquele ermitão, populares aperceberam-se de raios de luz que incidiam sobre uma mina, no meio de um silvado, onde era costume ele pernoitar, próximo da Igreja de Nossa Senhora da Conceição.
Levados pela curiosidade sobre o fenómeno, descobriram então no local os restos mortais do ermitão e a imagem de Nossa Senhora de que ele se fazia acompanhar.
Daí o nome de Nossa Senhora Aparecida e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição ter tomado a designação de igreja da Senhora Aparecida.

Decorrem ali as festividades em sua honra nos dias 13, 14 e 15 de Agosto, cujo ponto alto é a majestosa procissão no dia 14 e a imponência do andor, com mais de 20 metros de altura, transportado por cerca de 80 rapagões.

Em 2009 estive presente, pela primeira vez, naquelas festividades, a convite de um colega e amigo ex-combatente, que integrava o meu pelotão em Jumbembém, António Pereira Magalhães.

Fiquei encantado pela beleza do local e não resisti fazer-lhe este poema:

Igreja de Nossa Senhora Aparecida
Foto pesquisada na Internet



POEMA A NOSSA SENHORA APARECIDA

No fundo do vale verdejante,
Entre ramagem exuberante,
Corre o rio Sousa a serpentear!
Vai ligeiro e cioso dizer ao Douro,
Que para trás deixou um tesouro,
Lá na cumieira a branquejar!

É Nossa Senhora Aparecida
Na sobranceira e bonita ermida,
Erigida, imponente, de pedra e cal!
Sentinela em alerta permanente,
Protectora de toda a sua gente,
Dispersa ao longo de todo o vale!

Em Agosto, no majestoso andor,
Sobre ombros fortes com fervor,
Percorre as ruas de todo o burgo.
A multidão, em solene romagem,
Segue devota a altaneira imagem,
Rogando-lhe graças em sussurro!

Ao cair da noite em arraial profano,
Para esquecerem as agruras do ano,
Novos e Velhos animam a romaria!
Entre acordes em coro de concertinas,
Foguetes, repastos e boas cardinas,
Cantam ao desafio até ser dia!

Oh Nossa Senhora Aparecida,
Mãe por muitos nomes conhecida:
Fátima, Monserrate, Conceição…!
Por qualquer deles que eu te invoque,
Dá-me a ventura, dá-me a sorte,
De ser outro teu mendigo ermitão.

Manuel Sousa
Julho/2010


Em 2010, voltei a estar presente naquelas festividades, novamente a convite do meu amigo Magalhães, fazendo-lhe a surpresa de lhe oferecer o poema escrito sobre a fotografia seguinte, que, para o efeito, mandei emoldurar.

Andor da Senhora Aparecida
Foto pesquisada na Internet
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 19 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8134: Memórias de um ex-combatente (2): O desembarque, a viagem e a estadia no Cumeré (Manuel Sousa)

Vd. último poste da série de 23 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8157: Blogpoesia (146): Elegia para um paisano (Luís Graça)

terça-feira, 19 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8134: Memórias de um ex-combatente (2): O desembarque, a viagem e a estadia no Cumeré (Manuel Sousa)

1. Segunda parte das Memórias de um ex-combatente, trabalho enviado pelo nosso camarada Manuel Sousa* (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), enviado em mensagem do dia 15 de Abril de 2011:


MEMÓRIAS DE UM EX-COMBATENTE (2)

O desembarque e a viagem até ao Cumeré

Atracou o navio ao porto de Bissau no dia seguinte de manhã cedo, onde desembarcaram os contingentes militares.

O meu Batalhão, o 4512, seguiu em coluna de viaturas em direcção ao Cumeré, a cerca de 40 quilómetros, atravessando primeiro a cidade, passando pelo Hospital Militar, pelo aeroporto de Bissalanca, Safim, Nhacra, por aí fora e, ao longo do percurso, fui registando sensações que ainda hoje tenho bem presentes na memória:

As populações indígenas e os seus trajes, - ora já a trabalhar nas bolanhas ao longo da estrada, ora agrupadas na berma a verem passar a coluna - os seus instrumentos agrícolas, especialmente a sua inseparável catana, a terra vermelha e os baga-bagas, o cheiro a terra seca e a capim queimado (era a época seca), as rectas intermináveis e onduladas da estrada, a neblina do calor intenso que se começava a sentir, à medida que o sol se levantava no oriente, não obstante de manhã ter estado um pouco frio, o aparecimento aqui e ali dos primatas, a plumagem e o canto das aves, etc.

Enfim, era o primeiro contacto com terras e culturas diferentes.

Chegados ao Cumeré, ali junto ao rio Geba, fomos instalados no campo de futebol em tendas, por não haver instalações disponíveis, por estarem ocupadas por militares em fim de comissão a aguardarem transporte para a metrópole.

Era um calor insuportável que se tentava atenuar pela frescura de uma cerveja, mas que tão difícil era obtê-la em intermináveis filas para o bar.


O meu achado

Um dia ou dois depois, fui incluído num grupo de militares recém-chegados para proceder ao arrumo e limpeza de uma das casernas que entretanto ficou de vago.

A desordem e o desarrumo era total, provocadas pela compreensível efusiva alegria dos“velhinhos” na última noite que ali passaram antes de embarcarem rumo à metrópole, precisamente no paquete Uíge que nos tinha levado.

Ao varrer sob uma das camas, entre papéis e poeira, vislumbrei algo minúsculo que me despertou a atenção.

Apanhei então uma pequena medalha em ouro, normalmente usada num fio ao pescoço, que ainda hoje guardo como relíquia, com a inscrição “Deus te Guarde”.

Uma medalha que teve comissão dobrada. Guardou alguém antes e continuou a proteger-me a mim depois.


O primeiro Natal na Guiné

Cerca de dez dias depois aproximou-se o Natal.

Na noite de consoada, já durante a instrução do IAO, o meu Pelotão pernoitou no mato, entre o Cumeré e Nhacra, onde, ali naquela zona, o nosso principal inimigo eram os mosquitos, as chamadas melgas, que nos deixavam o corpo numa autêntica chaga, por muito repelente que se aplicasse nas zonas descobertas, nos braços e no rosto.

Regressámos ao quartel no dia de Natal de manhã.

À hora do almoço, reparei que nas paredes do refeitório estavam afixados alguns motivos de natal.

Que Natal tão estranho! Não era só por estar longe dos meus familiares, mas porque para mim o Natal estava associado ao frio. A 40 graus de temperatura, pensava eu, não podia ser Natal.


Os turnos do camarada “porquinha”

Numa das muitas noites que ficámos no mato ali nas imediações de Nhacra, no decorrer do IAO, embora não houvesse grande risco de contacto com o IN, eram levadas a preceito todas as regras de segurança do Pelotão, preparando-nos assim, no âmbito do referido IAO, para a realidade futura que nos esperava no local de destino operacional.

Durante a noite, para uns descansarem, em cada equipa de um Cabo e quatro Soldados, um avançava para a frente uns passos, cerca de 5 a 10 metros, no meio do mato, e ficava de vigia em turnos de duas horas.

No silêncio duma dessa noites, ouvindo-se apenas em fundo o som dos batuques das tabancas ali próximas, ficámos sobressaltados quando o camarada “porquinha”, o vigia àquela hora, se lançou literalmente sobre nós, numa espécie de vala onde descansávamos, de tal modo em pânico que mal podia gritar:

- Ai que aí vêm eles…, aí vêm eles.

Perante este alerta de desespero, todo o pelotão se movimentou rapidamente e tomou uma posição de defesa para o que desse e viesse.

Entretanto apercebemo-nos, de facto, da presença de alguns “turras”já em debandada, mas deu para perceber que eles estavam disfarçados de esquilos.

Conhecida a fraqueza do “porquinha”, num dos dias imediatamente a seguir, no mesmo local, a sua coragem foi posta de novo à prova:

À hora do turno dele, o Cabo da equipa, o Martins, pegou numa garrafa de cerveja vazia, que tinha acabado de beber a acompanhar a ração de combate e, já com a intenção de o assustar, arremessou a mesma garrafa para longe, sobre o local onde se encontrava o “porquinha” em cujo trajecto o gargalo da garrafa em contacto com o ar provocou um silvo característico.

Qual corredor de meia maratona seria tão rápido como o “porquinha” que imediatamente correu e se precipitou em pânico sobre nós, completamente gago.

Os risos duraram até de manhã.

Gostaria imenso de reencontrar esse meu camarada, de seu nome verdadeiro, Salvador Rodrigues da Costa. À parte os seus receios, era um bom companheiro.


A viagem em ziguezague

Próximo do fim do IAO, nos primeiros dias de Janeiro de 1973, o Comando facultou-nos a passagem de um dia de folga em Bissau, disponibilizando-nos o respectivo transporte.

Boina, camisa n.º 1, calções, meias até ao joelho e sapato era o fardamento obrigatório.

A mesma indumentária punha em evidência a brancura das nossas pernas que denunciava o nosso escasso tempo de Guiné, que nos conferia o estatuto de “periquitos” de que os “velhinhos” tanto gostavam de nos lembrar.

Como transporte, coube-me em sorte um Unimog 411, o chamado “burrinho do mato”, conduzido pelo Soldado da minha Companhia, o Fernandes.

Saímos a porta de armas do Cumeré com destino a Bissau e entrámos na tal estrada, cujo traçado, como acima referi, é de longas rectas.

Só que o unimog era tão velho, com tanta folga no volante, e o condutor tinha tão pouca experiência, que não conseguimos fazer a viagem, quer de ida, quer do regresso, alinhados na estrada.

Ora guinava para a esquerda até à berma, ora guinava para a direita até à outra berma, a estrada era toda nossa e, com o consequente desequilíbrio provocado pelo peso dos seis ou oito militares que seguiam nos bancos laterais a trás, várias vezes estivemos prestes a despistar-nos para fora da via.

Conclusão: Um dia de canseira e preocupação. Num percurso de cerca de 80 quilómetros, ida e volta, devíamos ter percorrido quase o dobro com todas aquelas curvas, com muitas paragens forçadas pelo meio para evitar o despiste.


Desabafos do “Rio Mau”

Albino de Lima e Sá na foto, o primeiro da esquerda na fila de trás.

Albino de Lima e Sá de seu nome completo, natural de uma localidade chamada Rio Mau, algures em Vila Verde ou Viana do Castelo, no alto Minho, também conhecido por “santa mãe”, pelos motivos que adiante vereis, integrava também o meu Pelotão.

Um militar alto, bem constituído, de semblante carregado, de voz grave.

Quer no decorrer do IAO no Cumeré, quer mais tarde em Jumbembém na nossa zona operacional, quando o Pelotão se encontrava no mato, e principalmente de noite, era-nos exigido o máximo silêncio para a nossa própria segurança.

Por diversas vezes o “Rio Mau”, provavelmente em momentos de nostalgia, quiçá de desânimo, quebrava todas as regras de segurança e, com aquela voz grave, profunda, que no silêncio da noite parecia a voz de um fantasma, desabafava:

- Ai sannnnnta mãeeee, caraaaaalho...

Este camarada ex-combatente foi, ou continua a ser, motorista de transportes públicos em Cascais.

Num dos encontros de convívio dos ex-combatentes, a única vez que ele compareceu, já tive oportunidade de lhe relembrar estes seus sentidos desabafos.

A 12 de Janeiro de 1973, terminado o IAO, o Batalhão seguiu para o seu destino operacional, Farim, cuja viagem foi relatada por mim em O MISTÉRIO DO RIO CACHEU*.
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Notas de CV:

Vd. poste anterior de 18 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8129: Memórias de um ex-combatente (1): O desenrasca e a chegada a Bissau (Manuel Sousa)

(*) Vd. poste de 31 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P8020: Tabanca Grande (273): Manuel Luís Rodrigues Sousa, ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512 (Jumbembem, 1973/74)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8129: Memórias de um ex-combatente (1): O desenrasca e a chegada a Bissau (Manuel Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Sousa* (ex-Soldado da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, Jumbembem, 1972/74, Sargento-Ajudante da GNR na situação de Reforma), com data de 15 de Abril de 2011:

Camarada Carlos Vinhal:
Envio-te em anexo, como tinha prometido, um bloco de memórias, desta vez colaterais à guerra da Guiné.
Junto também em anexo as duas fotografias que já estão inseridas nos textos, caso sejam úteis para uma melhor edição no blog.

Um abraço.
Manuel Sousa


MEMÓRIAS DE UM EX-COMBATENTE (1)

Por Manuel Luís Rodrigues Sousa, ex-Soldado do 3.º Pelotão da 2.ª Companhia (Jumbembém) do BCAÇ 4512 sediado em Farim 1973/1974.

Como introdução a este memorando de episódios colaterais à guerra da Guiné, queria aqui fazer referência a um tema tão actual na nossa sociedade, de que muito se fala, que é a “geração à rasca”.

Só para dizer que eu e os meus contemporâneos dos anos sessenta e setenta, com todas as dificuldades conhecidas da época, inclusive a obrigatoriedade de bater com os costados na guerra colonial, e comparando com as dos jovens de hoje, também pertencíamos, e de que maneira, a uma geração não menos “à rasca”.
Contudo, havia um vocábulo que toda a gente conhecia e o punha em prática e que era o antídoto para este mal: “o desenrasca”.
Então na tropa este conceito era um lema.


“O desenrasca” ( a minha recruta em Vila Real)

A 31 de Julho de 1972, apresentei-me no RI 13 em Vila Real, para frequentar a recruta.

Depois de me ser atribuído o número mecanográfico (09030772) e de ser indicada a 5.ª caserna como os meus futuros aposentos, impunha-se a atribuição de todo o fardamento.

O átrio de acesso à caserna era comum à arrecadação a cuja porta me dirigi, numa extensa fila e, chegada a minha vez, estenderam no chão um dos cobertores que me distribuíram, para onde foram atirando com todas as peças de fardamento e calçado sem qualquer critério em relação ao número dos tamanhos.

Uma vez a dotação completa, juntei as quatro pontas do cobertor, coloquei aquela trouxa às costas, que era maior do que eu, sem saber bem o que é que ia fazer a tudo aquilo, e dirigi-me para a caserna.

Fardei-me imediatamente, como nos foi ordenado, notando que as calças eram um pouco justas.
Depois de fardado foi-me dada a tarefa, juntamente com outros colegas, de varrer a caserna.

A caserna era muito grande com um corredor lateral, que dava acesso a vários compartimentos das camaratas.
Ao baixar-me para varrer sob uma das camas, as calças descoseram-se entre pernas, numa extensão de cerca de 20 centímetros.
Recorri então ao meu “kit de sobrevivência”, ao carrinho de linhas e uma agulha que a minha mãe me tinha metido na mala e sentei-me numa cama a coser as calças.

Confesso que não me estava a sair nada bem na minha aventura de iniciação ao corte e costura, porque lá em casa isto era tarefa da mãe e das irmãs.
Felizmente alguém lá ao fundo da caserna bradou:

- Quem quer trocar umas calças?

Respondi logo:

- Troco eu - tirando imediatamente a agulha e a linha das calças.

Concretizou-se rapidamente a troca e, prevendo já no que aquilo iria dar, vesti-me num ápice e regressei à tarefa da limpeza.

Volvidos alguns instantes, vem disparado corredor abaixo o tal militar com as calças na mão a vociferar, perguntando compartimento em compartimento quem lhe tinha acabado de trocar as calças, visto que não me conseguiu conhecer no meio de tanta farda verde.
Percorreu todos os compartimentos, mas como ninguém lhe respondeu, inclusivamente eu, o “criminoso”, indignado com a situação, berrou a plenos pulmões pelo corredor da caserna. “Quem foi o filho da puta que me trocou as calças”.


Foi nesta camarata que teve lugar a célebre troca das calças, as que uso nesta foto.

Quase de certeza que o militar a quem eu impingi as calças descosidas também é um dos ex-combatentes.
À pergunta que ele fez na altura estou-lhe a responder agora, 38 anos depois, embora não me identifique pelo “nome” que me chamou.
Seria interessante agora o contacto entre ambos para revivermos esse passado em que a tropa mandava desenrascar.


“Roubaram-me” a mala

Uma vez iniciada a recruta em Vila Real, à medida que os dias iam decorrendo, fui-me integrando na rotina do dia a dia.
Os meus aposentos eram na 5.ª caserna, situada entre a 4.ª e a 6.ª , ao lado da parada, gémeas umas das outras. Eram exactamente iguais.

Eu estava instalado no segundo compartimento, ao lado esquerdo do corredor, em relação à entrada, e partilhava o armário de chapa com outro militar.
Sobre as coisas do armário estava descansado, visto estar fechado a cadeado.
Quanto às que estavam na mala, que coloquei sobre o mesmo armário, não estava muito tranquilo, porque, embora também fechada à chave, estava mais vulnerável aos amigos do alheio que na tropa existiam, principalmente no inicio enquanto ninguém conhecia ninguém.

Preocupado, quando entrava na caserna, ao regressar da instrução, tinha o cuidado de olhar imediatamente para a mala, para me inteirar de que estava intacta.

Um dia entrei na caserna e reparei que a mala tinha desaparecido. Não estava sobre o armário.

Fiquei em estado de tensão com a preocupação e reparei que na caserna entraram militares que não era habitual vê-los por ali.
Deduzi logo que, provavelmente, tinha sido algum deles a furtar-me a mala.
Corri imediatamente para fora para me dirigir para a secretaria a comunicar o facto e fazer referência aos militares suspeitos.

Quando cheguei à rua, apercebi-me de que estava na caserna errada.
Estava na 6.ªcaserna.

Ufa! Que alívio!
Fiquei então mais tranquilo com o mistério desvendado e cheguei à conclusão que o único intruso na 6.ª caserna era eu.


A aventura da segunda refeição (no RI 2 em Abrantes)

Terminada a recruta no RI 13 em Vila Real, em finais de Setembro de 1972, fui transferido para o RI 2 em Abrantes, a fim de, como se dizia, tirar a Especialidade.

Dado o elevado número de militares ali concentrados, em instrução e a própria guarnição do quartel, o refeitório não comportava as refeições em simultâneo de todo o contingente, pelo que eram distribuídas por duas mesas.

Um dia, depois de ter tomado a refeição do almoço da primeira mesa, que não foi suficiente para saciar a voracidade provocada pelo esforço da instrução, um militar que integrava o meu círculo restrito de amigos sugeriu ao grupo para entrarmos na segunda mesa, para repetirmos a refeição.

Entrámos então, um grupo de quatro ou cinco, dispersos na fila que aguardava a entrada no refeitório, mas todos próximo uns dos outros.
O companheiro da sugestão era o primeiro dos “repetentes” e era uma das caras que não passava despercebida e lado nenhum, dada a sua irreverência, a que vulgarmente se chamava de “reguila”.

À porta do refeitório encontrava-se um aspirante ou um aferes, o oficial de dia, que controlava as entradas no refeitório, permitindo apenas a entrada de cada vez do número de militares para completar cada mesa.

Chegada a vez do primeiro “repetente” passar no “filtro”, reconhecido pelo oficial como intruso, ali mesmo, na nossa frente, foi esbofeteado e pontapeado e posto imediatamente na rua.

No meio da confusão, aos restantes só restava fugir para a frente.
Entrámos normalmente, com cara de sonsos, sem que ninguém nos tivesse reconhecido.
Confesso que pouco comi na segunda refeição, depois do calafrio porque passei..

Saliento a lealdade do camarada esbofeteado que não denunciou os restantes “repetentes”.
Recrimino a atitude do oficial em causa.

Não obstante a nossa atitude ter sido um acto reprovável, revelando até falta de ética, mas que com vinte anos não se tinha muito a noção disso, o mesmo oficial não deveria ter tido o despudor de desfeitear o militar daquela maneira. A aplicação de uns reforços ou de umas faxinas resolveria a situação e seria mais digno para ambas as partes.
Atenua-se, contudo, a sua atitude, também pela sua juventude, da nossa idade, também imaturo.


O embarque na metrópole e a chegada a Bissau

Ao romper da manhã do dia 6 de Dezembro de 1972 todo o Batalhão 4512 se deslocou em coluna de viaturas desde o quartel de Tomar, de onde era originário, até à estação local de Caminhos de Ferro, onde tomou um comboio especial com destino a Lisboa.

Na estação de Braço de Prata a agulha direccionou-o para a direita, passando por Campolide, Aqueduto das Águas Livres, terminando a viagem cerca das 11 horas no Cais da Rocha em Alcântara, defronte do paquete Uíge ali fundeado.

Durante a tarde decorreram ali cerimónias de despedida e, ao fim da tarde, num dia de chuva miudinha e nevoeiro, depois da emocionante despedida entre os militares e os familiares, zarpou do cais o Uíge, levando a bordo dois Batalhões, entre eles o 4512 a que eu pertencia, além de uma ou outra subunidade, rumo à Guiné.


O meu pelotão no paquete Uíge. Atrás, da esquerda para a direita, sou o 5.º
Fotografia cedida pelo ex-alferes Pedroso (a meio, de pé, de camisa clara).

Volvidos seis dias após a partida depois de uma viagem um pouco tormentosa devido ao mau estado do mar, entre enjoos e consequentes descargas no mar, principalmente para quem viajou nos porões como eu, a 12 de Dezembro de 1972 aproximou-se o paquete “Uíge” do cais de Bissau, ao cair da noite, ficando ao largo até ao dia seguinte de manhã.

Como horizonte de um dos lados, bem diante dos nossos olhos, via-se a iluminação da cidade de Bissau.
No convés tentava eu sintonizar o meu pequeno receptor de rádio, à procura de alguma emissão em português, já que na Onda Média apareciam algumas estações em língua francesa.

Procurei e fixei-me numa estação de sinal mais forte, que na altura transmitia música popular africana.
Aguardei pacientemente até que, terminado o trecho musical, ouvi a voz cristalina da locutora, como acordes de cordas de violino:

- Aqui Bissau, Portugal…!

É indescritível a sensação que tive, ao ouvir a língua de Camões na emissão, sabendo que já estava em terras de África.

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8084: Blogpoesia (143): Vila do Conde é um poema (Manuel Sousa)