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segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24971: Notas de leitura (1650): "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde - Entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel"; FGV Editora, Brasil, 2021 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Junho de 2022:

Queridos amigos,
Entrevistado na dimensão ainda em voga da História Oral, o comandante Pedro Pires fala da sua vida ao serviço do PAIGC e do PAICV. Confesso que me toca positivamente o que ele comenta quanto à dedicação às causas pela luta da independência dos dois países, não há para ali nem charamelas nem o vemos atrelado a nenhuma carro triunfal, resistiu a muita insídia e comentários soezes por parte da oposição, quando perdeu em 1991, faz-nos ver que Cabo Verde caminha saudavelmente como uma democracia liberal, é um verdadeiro farol africano. Não se entenderá, à luz dos conhecimentos históricos, que continue a dar como certo e seguro que Spínola e a PIDE/DGS mandaram matar Amílcar Cabral, foi mantra de grande conveniência durante algum tempo, acontece que não há nenhum, absolutamente nenhum, documento que comprove qualquer ligação do Governo de Bissau, da delegação da polícia política com o assassinato de Cabral, houvesse e dele se teria feito a devida publicitação, mas não há, não houve marinha portuguesa à espera do barco de Inocêncio Kani, e é preciso ter um grande estômago para pôr como coordenador do complô Momo Touré, não sei como pessoas com pesadas responsabilidades históricas ainda têm e tanta desfaçatez, e parecem aliviadas quando propalam tais inverdades.

Um abraço do
Mário



Comandante Pedro Pires, memórias da sua vida e da sua luta na Guiné-Bissau (2)

Mário Beja Santos

Pedro Verona Pires, após a sua deserção das Forças Armadas portuguesas juntou-se ao PAIGC em Conacri, foram-lhe atribuídas múltiplas missões, acompanhou a luta da libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Após a independência de Cabo Verde, foi Primeiro-ministro entre 1975 a 1991 e seu Presidente de 2001 a 2011. Este livro sobre o Comandante Pedro Pires é o resultado de uma longa entrevista realizada em Cabo Verde por uma equipa da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas: Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde, entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel, FGV Editora, Brasil, 2021. O entrevistado regista a história da sua vida, mediada pelo método da História Oral. Obviamente que nos vamos circunscrever das suas declarações até à independência da Guiné-Bissau e sequelas da rutura Guiné-Cabo Verde.

Pedro Pires assume elevadas responsabilidades na luta da Guiné-Bissau, é um quadro político de peso e é nessa altura que é questionado pela equipa entrevistadora sobre o assassinato de Amílcar Cabral em 20 de janeiro de 1973. Começa por referir que Amílcar Cabral já tinha alertado sobre a probabilidade desse risco, a partir da recolha de várias informações de amigos no seio do exército português. Considera ter havido falhanço nos serviços de segurança, o próprio Amílcar Cabral não teria dado o valor necessário a tais informações. Nesse dia, 20 de janeiro, Pedro Pires encontrava-se na base de Kandiafara, na Frente Sul, as informações pareciam suspensas, só quase ao anoitecer é que alguém lhe veio dizer que ouvira na BBC a notícia do assassinato. Através de um emissário enviado a Boké receberam-se pormenores dos acontecimentos pelo responsável local, José Pereira, fora em Boké que Inocêncio Kani fora detido.

Uma semana depois, na companhia de outros líderes, como Nino Vieira e Cármen Pereira, estão em Conacri, assistem às cerimónias de homenagem a Amílcar Cabral, o ambiente encontrado era pesado e de muita tristeza. Pedro Pires propõe aos seus colegas do Comité Executivo de Luta a realização de uma reunião extraordinária para análise da situação, fez-se a reunião e traçaram-se novas linhas de orientação, todos voltaram para as frentes de luta, ele regressou à Frente Sul. Dá-se a sua visão sobre o apuramento das responsabilidades sobre os acontecimentos do assassinato, justifica a importância da operação Amílcar Cabral que tinha como objetivo geral a intensificação e multiplicação da ação militar nas três frentes, era necessário tornar a vida insuportável aos militares portugueses. Associa tais acontecimentos ao golpe de Estado de 25 de Abril, detalha ao pormenor o cerco a Guileje, e não deixa de ressalvar a diferença introduzida na luta pelos mísseis Strela. Fala num embate que teria tido lugar em território manjaco da qual um tenente dos Comandos africanos se passou para as forças do PAIGC.

A explicação para o assassinato do líder fundador do PAIGC pôde dar muito alívio a Pedro Pires, mas não tem qualquer consonância com factos documentais e elementos de prova. Que era urgente travar Amílcar Cabral antes que fosse tarde demais para a sobrevivência do Império português; que no plano interno português tinha crescido a oposição e o descontentamento pelos sacrifícios humanos, económicos e financeiros impostos ao país; que o prestígio e a credibilidade internacional de Amílcar Cabral atingira a sua quota máxima e estava em andamento uma dinâmica que devia conduzir à emergência do Estado soberano da Guiné-Bissau; que as autoridades coloniais, num esquema de guerra antissubversiva, aproveitara-se de alguns traidores que fomentaram a divisão do PAIGC entre guineenses e cabo-verdianos; refere antecedentes como a Operação Mar Verde, em que se procurara liquidar Amílcar Cabral; que Inocêncio Kani era o principal responsável pelo crime de traição.

Este mantra fez o seu percurso útil para liquidar os elementos do complô que os tribunais revolucionários decidiram, fez-se um hábil desvio histórico da fundamentada e multisecular tensão entre guineenses e cabo-verdianos, hoje é argumento de venda para puros nostálgicos, faz deliberadamente esquecer que não se podem entender os acontecimentos de novembro de 1980 e o afastamento da liderança cabo-verdiana na Guiné sem ter em conta a tensão existente em Conacri e mesmo nas bases do PAIGC no interior da Guiné, Pedro Pires nem refere que no dia do assassinato Inocêncio Kani esteve sempre na companhia de Osvaldo Vieira, e que este assistiu à distância ao assassinato do líder – pormenor de pouca importância, claro. Para consolo de nostálgicos e permanente enigma para a história é a destruição de todo o material que se acumulou sobre os julgamentos dos elementos associados ao assassinato. Há explicações que são de farsa, pôr o Momo Touré a liderar uma sedição de centenas de pessoas é por de mais caricato, não tinha nem envergadura nem credibilidade para tal cometimento. E penso que não se tem feito qualquer pressão para ouvir as figuras que participaram nos julgamentos (caso de Joaquim Chissano), que disseram ter lido toda a documentação (caso de Ana Maria Cabral), os testemunhos de quem compareceu em tribunal e não sofreu da pena capital, etc. São de presumir razões fundadas para manter esta pesada barreira de silêncio.

Pedro Pires fala do segundo congresso do PAIGC, da eleição de Aristides Pereira, a líder do PAIGC, e descreve-se o processo da Independência da Guiné-Bissau e tudo quanto aconteceu até ao reconhecimento de Portugal da Guiné-Bissau como Estado independente.

Não se pode desdizer que Pedro Pires não seja um homem de consciência tranquila sobre o seu comportamento político como Primeiro-ministro de Cabo Verde, e ele próprio explica os insultos miseráveis que sobre ele proferiram elementos de oposição. Teria tudo a ganhar em mostrar de corpo inteiro que soubera perder as eleições em 1991, que as calúnias proferidas ficaram por demonstrar, responde aos seus entrevistadores com elevado nível de tolerância, escusava de dizer qual era, no seu entender, a origem do MpD:
“Muitos foram militantes do PAICV. Por outro lado, houve gente de boa-fé entusiasmada com a abertura política que quis uma alternativa ao PAICV. Era um grupo heteróclito. Constituía uma autêntica frente dos contra. Faziam parte desta aliança ex-militantes do PAICV dececionados, os trotskistas, os herdeiros do colonialismo, os despromovidos socialmente que tinham perdido privilégios de classe, funcionários desonestos sancionados, os imediatistas à espera de resultados milagreiros em curto prazo, gente que discordava da Independência, também pessoas de boa-fé que queriam uma mudança do Governo e, ainda, os fiéis que acreditaram nas intrigas veiculadas pelo clero católico, pela rádio e pela imprensa escrita de inspiração católica. Foi mais ou menos isso. Era esse o contexto sociopolítico em que lutou o PAICV, naquela altura, e os adversários contra os quais se tinha batido”.

Comentários completamente escusados, diga-se em abono da verdade. Ao comandante Pedro Pires saem por vezes comentários que não o dignificam. Já aqui repontei com aquela sua tirada de que os Comandos Africanos cobiçavam trazer artigos das bases do PAIGC, eram artigos que eles não tinham à sua disposição no mercado da colónia, escreveu num prefácio do livro O PAIGC Perante o Dilema Cabo-Verdiano (1959-1974), de José Augusto Pereira, Campo da Comunicação, 2015. Enfim, dislates pouco abonatórios para um líder do seu tamanho.


Pedro Pires no serviço militar em Portugal
Pedro Pires na Guiné-Bissau
Entrevista de Pedro Pires a uma equipa da Escola das Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas, junho de 2019: (https://www.youtube.com/watch?v=A7eXvPIwie8)
Ilha do Fogo, Cabo Verde
Pedro Pires nas cerimónias da Independência da Guiné-Bissau
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Notas do editor

Poste anterior de 11 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24943: Notas de leitura (1648): "Comandante Pedro Pires, Memórias da luta anticolonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde - Entrevista a Celso Castro, Thais Blank e Diana Sichel"; FGV Editora, Brasil, 2021 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 15 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24960: Notas de leitura (1649): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (3) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24697: Notas de leitura (1619): "PAIGC A Face do Monopartidarismo na Guiné-Bissau", por Rui Jorge Semedo; Nimba edições, 2021 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
É sempre meritório que investigadores guineenses se debrucem sobre a história do seu país, seja antes ou depois da independência, ao mesmo tendo em conta todo o histórico da guerra da libertação. O autor achou que já estava tudo dito quanto ao binómio Amílcar Cabral PAIGC, as resistências sentidas durante a presidência de Luís Cabral no contexto das tradições e de um círculo de interesses instalados na sua órbita de gente manifestamente corrupta e incompetente dentro do chamado Estado "suave" como observou Joshua Forrest, parece-me não ter cuidado da importância dos agrupamentos étnicos que obstaram à criação de uma consciência nacional, e é dentro deste quadro precário que se instituirá o regime de Nino Vieira, com as suas sucessivas intentonas, prisões e execuções. É incompreensível que um livro editado em 2021 omita, coletivamente ao estudo em apreço, bibliografia fundamental. Mais uma dissertação de mestrado com poucochinho.

Um abraço do
Mário



História do PAIGC monopartidário (1974-1990) por Rui Jorge Semedo

Mário Beja Santos

A história do PAIGC tem sido motivo de dezenas de livros de investigação, uma infinidade de ensaios, artigos, entrevistas. Rui Jorge Semedo [foto à direita] propõe-se a investigar a dinâmica política e a organização interna do PAIGC desde que a Guiné-Bissau se tornou independente até aos primeiros alvores de uma abertura ao multipartidarismo, processo que se iniciou, timidamente e controversamente, no início da década de 1990.

A investigação deste escritor, poeta e analista político guienense, intitula-se "PAIGC, A Face do Monopartidarismo na Guiné-Bissau", Nimba edições 2021. Algo surpreende, quer pela bibliografia utilizada, quer pelas entrevistas que o autor fez, estas últimas ocorreram em 2008 e 2009 e a bibliografia proposta no essencial é do século XX, apresenta lacunas incompreensíveis, desde o incontornável trabalho de Julião Soares Sousa sobre Amílcar Cabral, os trabalhos de leitura obrigatória assinados por Joshua Forrest (o seu trabalho mais importante não é citado), Patrick Chabal, Toby Green, Carlos Lopes, António Duarte Silva, Tcherno Djaló, entre outros. Fica-se com a ideia que o trabalho foi preparado alguns anos atrás e não atualizado para a presente publicação. Aliás, é o próprio autor que diz que ele resulta da sua dissertação de mestrado, numa universidade brasileira.

Nesta conformidade de trabalho de mestrado, o autor contextualiza, muito sumariamente o quadro das independências e tece um bilhete de identidade de um partido com duas nações, o seu alegado ato fundacional (sujeito a muitas dúvidas que tenha sido celebrado em 1956, recorde-se que só se começa a falar do PAI em 1960, quando se impôs que os movimentos independentistas tivessem partido e sigla), faz-se referência ao quadro político e militar decorrente do Congresso de Cassasá, a existência de certos conflitos internos, a sua organização como partido único, a sua passagem de opositor revolucionário para um controlo absoluto do poder governativo. Amílcar Cabral sempre anteviu os perigos de concentrar a nova classe política em Bissau, era um defensor da decentralização, como proferiu: “Queremos acima de tudo decentralizar o mais que for possível… Porque é que os ministérios não hão de estar dispersos pelo País? Ao fim ao cabo, o nosso País é um país pequeno… Para que é que havemos sobrecarregar com todo esse peso morto de palácios presidenciais, grande concentração de ministérios, tendo sinais evidentes de uma elite emergente que em breve se pode torna em grupo privilegiado?”.

O PAIGC que entra em Bissau em outubro de 1974 veio para se instalar, a sua elite ocupou os edifícios da administração colonial. Escreve o autor: “O que aconteceu foi apenas a substituição de uma força repressora estrangeira por outra nacional igualmente repressora. Pode-se dizer que não houve conciliação entre o que podemos chamar de projeto independência e uma liberdade efetiva com ações que visem melhorar as condições de vida das populações. E as contradições encontradas, principalmente na implementação de políticas públicas deveu-se a essa ausência limitada de liberdade que se acentuava sobretudo no medo de partilhar poder dentro do próprio partido”.

O autor elenca os preceitos constitucionais e a legitimação do PAIGC como única força política, ressalta a constituição da nova elite guineense, os atos de ajuste de contas com quem quer que lhe se opusesse, e mostra as contradições da Unidade Guiné-Cabo Verde, o rastilho de pólvora que fez eclodir o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980, revelam-se as discriminações constitucionais propostas para os dois países, inegavelmente ofensivas para os guineenses. Efetuada a rutura, entra-se num período cesarista encabeçado por João Bernardo Ninho Vieira, vão avultar as crises, logo com Víctor Saúde Maria, em 1984, e temos o tenebroso processo de 17 de outubro de 1985, que levou a prisões arbitrárias e as execuções sumárias de figuras cimeiras do sistema político-militar, com destaque para Paulo Correia. Para o autor é incontestável que o golpe de 1980 produziu o militarismo sobre o partido e o estado, o César foi afastando sistematicamente quem lhe pudesse fazer frente, recorrendo a uma polícia de segurança que a todos intimidada.

Passando para a estrutura organizacional do PAIGC, ela possuí a lógica de um partido único, todas as estruturas eram dóceis e espelhavam o que Nino Vieira deles esperava, desde sindicatos, organização da juventude ou organização das mulheres. Uma das lacunas de análise deste trabalho passa por não dar conta da incapacidade em montar uma rede de influência do PAIGC em toda a sociedade, Joshua Forrest explica claramente que os denominados comités de tabanca acabaram por ser aglutinados pelo sistema tradicional, Luís Cabral tinha imaginado grandes projetos visando aspetos socioeconómicos que acelerassem o desenvolvimento, foram um rematado falhanço, Nino Vieira também não soube fazer melhor, grassava o nepotismo, a ocupação de lugares estratégicos por gente incompetente que se locupletava com dinheiros e mercadorias desviadas. Rui Jorge Semedo esqueceu-se de um trabalho fundamental para analisar o sistema do amiguismo instituído por Nino Vieira quando foi forçado a abrir o mercado. O trabalho “Guinea-Bissau: politics, economics and society”, por Rosemary E. Galli e Jocelyn Jones, Frances Pinter, Londres, 1987, ainda hoje é o documento de referência que evidencia claramente como a classe possidente que gravitava nos círculos de Nino Vieira se apoderou da agricultura e de praticamente todos os negócios.

Surge, entretanto, em 1987, e no exterior, o Ba-fata, Resistência da Guiné-Bissau, apresentava-se como o grupo de pressão e alternativa ao regime de Nino Vieira, será mesmo até ao fim do regime de partido único, o único grupo de pressão constituído e atuante. A partir de 1991, o PAIGC vê-se compelido a autorizar o multipartidarismo, tudo vai começar pela lei constitucional n.º 1/91, de 29 de maio, foi assim que se abriu caminho para as primeiras eleições multipartidárias de julho de 1994, ganhas inequivocamente pelo PAIGC. Só que os conflitos persistiram, o que leva o autor a um conjunto de considerações finais, primeiro os conflitos internos, que perduraram desde a presidência de Luís Cabral até ao exílio de Nino Vieira, derrotado depois da guerra de 1989-1999.

O autor finaliza assim:
“A indagação a fazer é sobre o sentido da mudança e/ou revolução preconizada pelo PAIGC. Ou seja, até que ponto pode ser considerado a Guiné-Bissau um país independente? Ou, nesse caso, a independência pode apenas ser considerada a ausência de forças coloniais? Talvez, observando o cenário que se desenhou desde 1974 a este momento nos levaria necessariamente a considerar que houve apenas uma transição do poder das mãos de uma força repressora estrangeira para as de uma força nacional. A legitimação da repressão como uma prática corrente no período pós-independência tirou do PAIGC a possibilidade de estabelecer interna e externamente uma relação baseada no respeito pelos direitos humanos, por um lado e, por outro, desconstruiu o vínculo que o partido tinha com as massas populares. Além de conflitos e contradições gerados, outro fator determinante são falhas verificadas na gestão da coisa pública, o partido não só retrocedeu na promissora política agrícola e industrial iniciada nos primeiros anos da independência, como também não conseguiu aproveitar, principalmente a partir de 1980, o escasso quadro que o país dispunha para maximizar o desempenho”.

Trabalho modesto, muito incompleto, manifestamente repetitivo do que já se encontra nas mais variadas investigações e pouco apreciador das políticas praticadas, como é o caso da referência que faz à promissora política agrícola e industrial de Luís Cabral, unanimemente condenada por todos a que a estudaram.


António Mamadu Camará, antigo soldado Comando com a sua foto da juventude (Tirada do Jornal Expresso, com a devida vénia)
Aristides Pereira
Nino Vieira
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24688: Notas de leitura (1618): "A Guerra de Moçambique 1964-1974", por Francisco Proença Garcia; Coleção Guerras e Campanhas Militares da História de Portugal, edição da Quidnovi, 2010 (Beja Santos)

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24669: Notas de leitura (1617): "Guiné-Bissau: Um Caso de Democratização Difícil (1998-2008)", por Álvaro Nóbrega; Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015 (3) (Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Não hesito em classificar este trabalho como incontornável para o estudo do que tem sido a tentativa de democratização na Guiné-Bissau. Álvaro Nóbrega prima pelo rigor e a independência de juízos, dá-nos um quadro minucioso do funcionamento do Estado e dos avanços e recuos democráticos, é muito cuidadoso a avaliar as questões étnicas e as ligações à terra, disseca a elite política da Guiné-Bissau, o papel político dos militares, a questão fulcral do semipresidencialismo que acaba sempre em presidencialismo, a personalização na vida partidária, a permanente atmosfera de intimidação onde não faltam os espancamentos e até as ameaças veladas. Espera-se que o investigador, que nos dá uma visão em ecrã gigante do que se passou na Guiné entre 1998 e 2008 continue os seus trabalhos, reconhecidamente de grande qualidade.

Um abraço do
Mário



Uma soberba investigação sobre uma Guiné-Bissau que viveu a guerra civil, dilacerante (3)

Mário Beja Santos


Álvaro Nóbrega, Doutor em Ciências Sociais e professor universitário, é autor de uma obra de referência "A Luta pelo Poder na Guiné-Bissau (2003)", e na sequência desse primoroso trabalho produziu Guiné-Bissau: "Um caso de democratização difícil (1998-2008)", Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015. Este ensaio, de leitura obrigatória, desvela o itinerário ziguezagueante das instituições democráticas e pluralistas na Guiné-Bissau; o investigador reflete a fundo sobre as condições do nascimento do Estado, após uma prolongada luta armada de libertação nacional, elenca sobre as fragilidades, os erros, a vertigem dos cargos, o nepotismo, a tentação tribal, a Nação firme, mas o Estado volátil; enfim, importa esclarecer se faz vencimento aludirmos a um Estado frágil ou falhado ou supor que haverá outros itinerários, que seguramente requerem imensa coragem, a trilhar para consolidar a democracia e o respeito pelas instituições.

Faz todo o sentido tratar de forma linear o presidencialismo e a personalização do poder. O chefe de Estado africano, de um modo geral, é tentado pela autoridade absoluta, não distingue a independência das instituições, assenta o seu poder em redes de relações pessoais, é um tutor paternal, gere um sistema de recompensas e de punições. Mesmo quando é eleito em eleições vincadamente democráticas é visto como um patriarca, não se vê obrigado em manter os poderes separados, e daí o sem número de dificuldades na coexistência entre presidentes e primeiros-ministros mesmos nos sistemas semipresidenciais. Como já se fez referência, no início do novo Estado da Guiné-Bissau pretendeu-se desvalorizar o papel das autoridades tradicionais e mostrou-se como o tempo se encarregou de tornar os representantes do PAIGC perfeitamente inócuos ao nível da vida das tabancas. E a legitimidade desses régulos foi retomada, até porque há um vazio no Estado na generalidade dos povoados. Não nos esqueçamos que esta obra foi editada em 2015, é só um aviso prévio para se entender o valor da narrativa.

Álvaro Nóbrega recorda os oito presidentes que até então exerceram funções na Guiné-Bissau: Luís Cabral, deposto em 1980, Bacai Sanhá, em 1999, Henrique Pereira Rosa e Raimundo Pereira foram presidentes interinos. Até 2009, apenas dois tinham sido democraticamente eleitos: João Bernardo Vieira (Nino) e Kumba Yalá. Estes dois últimos, se bem que separados pelas gerações e pelo percurso da vida, tinham afinidades no que respeita ao seu carisma pessoal e ao modo personalizado como exercera o poder. Nunca se conformaram ao papel moderador e arbitral constitucionalmente definido, muito fizeram para submeter todas as esferas do poder, ingeriram-se mesmo na vida partidária. Não se resignaram a viver em sistema semipresidencialista, contrapuseram a sua versão do presidencialismo. E aqui vem a necessidade de refletir sobre a legitimidade, tão difícil de resolver num país tão seccionado, étnica e culturalmente. Nino Vieira procurava jogar com o seu passado militar e o mito de grande guerreiro; Kumba não tinha pergaminhos guerreiros, pretendeu valer-se dos seus dotes intelectuais, falava várias línguas, evitava os seus pensamentos alegadamente filosóficos, com um certo espetáculo converteu-se ao Islamismo. Foi sempre patente a difícil coexistência entre presidentes e primeiros-ministros, rapidamente os primeiros invadiam o campo dos segundos. O autor refere entrevistas havidas com políticos guineenses sobre as vantagens deste sistema semipresidencial, face ao mostruário existente há sérias dúvidas do que é mais eficaz, o presidencialismo ou o semipresidencialismo.

Inicialmente o PAIGC apresentava-se como um partido de unidade, com a vida multipartidária surgiram problemas aparentemente adormecidos como as linhagens e os sistemas de clã. E o autor recorda que há dois partidos antigos, o PAIGC e a FLING, a RGB nasceu no exílio como o movimento de resistência ao PAIGC, na contagem que o autor fez em 2008 o número dos partidos ultrapassava os 30, o chefe é o elemento primário, é ele que agrega à sua volta os seus seguidores pessoais. Daí a conceção rigidamente hierárquica do poder, o que se pode traduzir em que um Presidente da República ponha e disponha da nomeação do Primeiro-Ministro ao arrepio das instituições e dos resultados eleitorais ou temendo o primeiro a visibilidade do segundo. Exemplos não faltam como o autor transcreve: No PRS, devido a um clima de suspeição, o seu congresso de 2002 decorreu com as portas cerradas por correntes e cadeados, para que ninguém saísse e ninguém entrasse. À vista de todos há partidos que se lançam no confronto interno, caso do RGB.

Recorda igualmente a exoneração de Carlos Gomes por Nino, as rivalidades no PRS entre os Balantas, partido em que se trabalhou para depor o presidente Kumba Yalá. E Álvaro Nóbrega dá mais exemplos. Há vários temas complexos em cima da mesa, desde a ausência de diferenciação dos programas partidários, as diferenças ideológicas mínimas, a inexistência de discussões sobre as políticas públicas, enfim, quer-se deter o poder como uma volúpia, um sistema de prémios e punições, pelo que se passa rapidamente de euforia ao pleno descontentamento. E há que ter em conta que se analisa um dos países mais pobres do mundo, os cargos do Estado são vistos como a solução para os problemas financeiros de cada um. E quando se é forçado a abandonar o poder há mesmo recusas em perder regalias, que podem ser casas ou carros, Kumba Ialá foi acusado de ter vendido o Bissau Hotel, na Líbia, pouco antes de ser deposto, por dois milhões de dólares.

E Álvaro Nóbrega dirige agora o olhar para uma matéria que lhe é muito cara, a luta pelo poder, como ele observa:
“A luta decorre em múltiplas instâncias. Joga-se na presidência, no governo, no parlamento, nos quartéis, nos tribunais, na própria sociedade civil e ainda numa outra que não é deste mundo cuja influência não se menospreza porque é respeitada a sua ação. A cosmologia africana contempla um mundo povoado por entidades sobrenaturais e pelos espíritos dos antepassados, em que os vivos constituem uma minoria perante a imensidão de mortos que os observam (…) Na política, como nas mais diversas áreas da vivência africana, a magia tem um papel central. A classe política culturalmente ambivalente tende a levar muito a sério as questões do poder dos espíritos. A magia joga um papel importante na política e na luta pelo poder”.

E são elencados alguns exemplos. O tema da justiça e dos direitos humanos é de tratamento obrigatório, há que ter em conta os relatórios da Liga Guineense de Direitos Humanos para perceber que a Guiné é um país de detenções arbitrárias, espancamento de jornalistas, tentativas de assassinato, a intimidação está sempre presente. A sociedade civil é observada, é pequena, o que é para lastimar dado que ela é considerada um dos principais pré-requisitos da democracia e o autor faz um diagnóstico:
“A maioria das associações não tem sustentabilidade para sobreviver fora do quadro dos financiamentos internacionais. Consequentemente, o que determina a sua ação não é o fim social que estabeleceram, mas a disponibilidade de fundos, o que faz com que seja um tipo de associativismo que não existe sem um fluxo continuado de financiamento internacional”.

Álvaro Nóbrega irá ainda fazer referência à liberdade de expressão e de imprensa e à africanização do voto.

Conclui o seu importante estudo relembrando o baixo grau de comprometimento político das elites com a democracia, um Estado com falta de soberania, os exacerbamentos étnicos, a personalização do poder, a colagem dos militares ao poder, e algo mais que acaba de se ver neste texto. A sua investigação termina quando se encetava a eleição do José Maria Vaz, o único Presidente da República que começou e concluiu o seu mandato em conformidade com o ato eleitoral. Nóbrega dirá no final que parecia estar reunido um conjunto de condições favoráveis para a estabilização e desenvolvimento, os doadores tinham voltado. Mas não cabe neste trabalho as novas disfuncionalidades enquanto Estado e democracia.

Oxalá Álvaro Nóbrega continue a trabalhar sobre a difícil democratização da Guiné-Bissau, tal o apuro e o rigor que ele põe nas suas investigações.


Kumba Yalá
O general António Indjai, líder dos militares no golpe de estado de 2012
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Nota do editor

Último poste da série de > 15 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24653: Notas de leitura (1616): "Guiné-Bissau: Um Caso de Democratização Difícil (1998-2008)", por Álvaro Nóbrega; Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015 (2) (Beja Santos)

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24653: Notas de leitura (1616): "Guiné-Bissau: Um Caso de Democratização Difícil (1998-2008)", por Álvaro Nóbrega; Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015 (2) (Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Publicada em finais de 2015, este trabalho de Álvaro Nóbrega facilita-nos, pela abrangência do estudo, a tomar o pulso à realidade política e social da Guiné-Bissau através da sua complexidade sociocultural, como emergiram as elites, como houve um processo etiológico durante a chamada luta de libertação que acabou por desaparecer dando lugar a formas por vezes amalgamadas de gente de diferentes partidos, até com formação superior, com valores tradicionais, vive-se a perene tensão entre os políticos e os militares, estes às vezes também se juntam para fazerem negócios que dão pelo nome de exportação de madeiras exóticas, tráfico de armas ou narcotráfico. Álvaro Nóbrega compulsa com rigor estes elementos do Estado, disseca a orgânica das elites e expõe os diferentes aspetos que têm vindo a contribuir para dificultar a construção de uma democracia na Guiné-Bissau. É um livro de referência, facilita o debate para entender e procurar superar as disfuncionalidades de um Estado a quem chamam de frágil ou falhado.

Um abraço do
Mário



Uma soberba investigação sobre uma Guiné-Bissau que viveu a guerra civil, dilacerante (2)

Mário Beja Santos

Álvaro Nóbrega, Doutor em Ciências Sociais e professor universitário, é autor de uma obra de referência "A Luta pelo Poder na Guiné-Bissau" (2003), e na sequência desse primoroso trabalho produziu Guiné-Bissau: "Um caso de democratização difícil (1998-2008)", Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015. Este ensaio, de leitura obrigatória, desvela o itinerário ziguezagueante das instituições democráticas e pluralistas na Guiné-Bissau; o investigador reflete a fundo sobre as condições do nascimento do Estado, após uma prolongada luta armada de libertação nacional, elenca sobre as fragilidades, os erros, a vertigem dos cargos, o nepotismo, a tentação tribal, a Nação firme, mas o Estado volátil; enfim, importa esclarecer se faz vencimento aludirmos a um Estado frágil ou falhado ou supor que haverá outros itinerários, que seguramente requerem imensa coragem, a trilhar para consolidar a democracia e o respeito pelas instituições.

Já se passou em revista o nascimento do Estado independente, subsequente a um período de luta, e revelaram-se equívocos e falhas em todo o processo da transição entre um Estado monopartidário para uma democracia pluralista. Agora Álvaro Nóbrega procura saber quem é a elite política da Guiné-Bissau, quem se pauta por princípios da modernidade e quem mantém valores tradicionais. E ajustadamente lembra-nos que o último estudo sério data do período colonial, intitulou-se Mudança sociocultural na Guiné Portuguesa, e foi o seu autor José Manuel de Braga Dias, 1974. Recorda os autores que estudaram o processo histórico da formação das elites, como os princípios por que se regia Cabral foram rapidamente pervertidos e voltaram a ganhar peso a ligação ao chão, a ligação patrilinear ao clã, a utilização de linguagem ofensiva para quem tem família fora da Guiné, invetivando-se a origem sírio-libanesa, cabo-verdiana ou são-tomense.

Como escreve:
“O Movimento Reajustador de 1980 espoletou uma reação popular e hostil aos mestiços, levando a que muita gente da praça, crioula portanto, fosse à procura da sua genealogia de referências étnicas que porventura já estavam algo esquecidas e as recuperasse. Outras optaram contrariados pelo exílio, dando início a um movimento migratória crioulo ou não-crioulo para o exterior. A crioulidade é expansiva e integra indivíduos sem quaisquer ligações biológicas europeias, cabo-verdianas, levantinas e até goesas. Tornaram-se eles próprios gente da praça, sendo vistos como brancos (por se considerar terem adotado os seus costumes) quando visitam as aldeias dos seus pais e avós. A este grupo pertencem, também, alguns islamizados que, pela educação de matriz portuguesa, alcançaram cargos administrativos importantes ainda no período colonial”.

O peso crioulo vai até aos bairros periféricos e aqui a elite moderna interseta-se com as tradicionais. Mas há um momento determinante que mudou a abrangência e a forma das elites: a chegada de novos grupos por via eleitoral. O conflito político-militar iniciado em 7 de junho de 1998 trouxe exacerbamento étnico, começou a falar-se do aparelho de Estado dominado pelos Balantas, do seu conflito permanente com os Mandingas, ganharam influência as elites religiosas, com as mudanças constantes de governos cresceu o apetite pela distribuição de lugares governamentais, lutas internas dentro dos próprios núcleos da elite governante, os interesses grupais, a avidez pela ascensão ao mando e controlo da ajuda internacional ou de fazer parte de um qualquer projeto prometedor de exportações ou até ligação ao negócio de armas ou droga, foi ganhando projeção. O autor não deixa de chamar a atenção para a presença feminina em atividades que ajudam a complementar o rendimento familiar e não deixa de ser curioso analisar os quadros que ele apresenta de distribuição dos deputados por profissão e partido, tendo também em conta a ligação ao funcionalismo público, o nível de escolaridade, onde estudaram, a pertença étnica.

Outra matéria que Nóbrega equaciona é a legitimidade histórica tradicional, isto é, as práticas políticas modernas precisam de se legitimar, em muitos casos, no primado das tradições, e dá exemplos que têm a ver com a retoma do fanado.

O peso político dos militares ganha expressão com o conflito político-militar iniciado em 1998, até aí Nino Vieira tinha mão de ferro sobre a conduta militar, sabia pagar lealdades e distribuir mordomias, isto para sublinhar que não havia uma separação efetiva entre a política e as armas.

A figura da Junta Militar espevitou violências, ressentimentos, descontentamentos, ajustes de contas, rivalidades, servir-se da tropa para conduzir negócios mais do que duvidosos: o abate ilegal de madeiras exóticas, o tráfico de armas, o narcotráfico. Estas Forças Armadas representam um pesado encargo que impediu, impede e impedirá qualquer saúde orçamental. Atenda-se ao que o autor escreve num livro publicado em 2015:
“É um exército de 1869 oficiais (42%), 1218 sargentos (27%) e 1371 soldados. Esta é a razão pela qual o Chefe da Missão Europeia de Apoio à Reforma das Forças Armadas da Guiné-Bissau, entretanto suspensa, declarou que a pirâmide invertida deveria ser normalizada, reduzindo o número anormal de oficiais e suboficiais fazendo aumentar o número de soldados. O problema é de natureza patrimonial. Como os salários são melhores em postos mais altos, há muita pressão dos homens para serem promovidos. A fim de os manter satisfeitos, de assegurar a sua lealdade e incumprimento das obrigações de parentesco, os chefes militares, que não estão condicionados ao controlo civil, são facilmente tentados a dar promoções. Soma-se a este problema a situação não resolvida pelos combatentes da Liberdade da Pátria”.

Todas as iniciativas para reduzir o número de efetivos não têm sucesso, cada vez que há um conflito reintegram-se militares desmobilizados juntamente com novas laivas de combatentes, a resistência dos militares à desmobilização tem a ver com uma vida civil que pouco lhes oferece, sentem que perdem estatuto social e rendimento. E igualmente o autor lembra que contrariamente à maioria dos funcionários públicos cujos salários são pagos com meses e meses de atraso, os salários militares são uma questão mais delicada.

Outro aspeto que se pode considerar relevante para as dificuldades da construção democrática na Guiné-Bissau tem a ver com o papel político das Forças Armadas, aí estão os golpes de Estado para o evidenciar. E o autor desdobra-se em exemplos: em 1999, Ansumane Mané vetou a candidatura de Saturnino da Costa para presidente do PAIGC, proibindo-o de participar no congresso; em 2004 o general Veríssimo Seabra vetou Aristides Gomes para Ministro da Defesa ou dos Negócios Estrangeiros; em 2007, Tagma Na Wai vetou a nomeação de Baciro Dabó para conselheiro presidencial, depois de ter pressionado para a sua exoneração de Ministro da Administração Interna.

São tudo menos pacíficas as relações entre políticos e militares. Atenda-se ao que escreve Nóbrega:
“O respeito pelo guerreiro, o sistema de recompensas e punições, as promoções e as depurações ajudaram a conter os descontentes, até ao dia 7 de junho de 1998. Os amadores, como diria Sori Djaló, passaram a profissionais e o poder político passou a estar refém de umas Forças Armadas que se autonomizaram. O sistema baseia-se na desconfiança e a nomeação de chefias militares próximas, bem como a incorporação de mancebos pertencentes à etnia governante, esta procura minimizar riscos, mas não os eliminam, daí a importância dos serviços de segurança, que vigiam militares e civis, e do sistema de defesa paralelo assente em forças paramilitares com capacidade de combate”. Tudo somado, temos um poder fraco que não controla o poder militar, dele é refém, o único poder temido é o externo. “Os militares estão conscientes de que há algures um limite que, se ultrapassado, pode acarretar a punição da comunidade internacional. É esse o único limite que temem”.

Vejamos agora o presidencialismo e a personalização do poder.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24641: Notas de leitura (1615): "Guiné-Bissau: Um Caso de Democratização Difícil (1998-2008)", por Álvaro Nóbrega; Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015 (1) (Beja Santos)

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24641: Notas de leitura (1615): "Guiné-Bissau: Um Caso de Democratização Difícil (1998-2008)", por Álvaro Nóbrega; Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015 (1) (Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
É um estudo rigoroso, bem datado, uma observação que cuida do mosaico étnico, das condições da luta pela independência, toma em consideração as sucessivas práticas do poder, visita a transição democrática em África para aquilatar o processo democrático formalmente encetado em 1991 mas que foi sujeito a inúmeros escolhos, interpreta o que há de completamente diáfano no chamado sentido do Estado, como se organiza o poder soberano do mando, e como permanece longínqua a distância entre as leis que se fabricam em Bissau e o quotidiano de quem vive agarrado à subsistência. Um estudo de leitura obrigatória, com bom trabalho de campo, oferece uma reflexão sobre os diferentes fatores que têm induzido a disfuncionalidade do Estado e do processo democrático na Guiné-Bissau, nada de moralização, factos são factos, os guineenses que ponderem sobre a revitalização da sociedade civil, a participação nas decisões de quem está longe dos jogos de Bissau, o tal caminho longe que deve ser feito para erradicar o narcotráfico, o fantasma tribal, as mil e uma manifestações da corrupção.

Um abraço do
Mário



Uma soberba investigação sobre uma Guiné-Bissau que viveu a guerra civil, dilacerante (1)

Mário Beja Santos


Álvaro Nóbrega, Doutor em Ciências Sociais e professor universitário, é autor de uma obra de referência "A Luta pelo Poder na Guiné-Bissau" (2003), e na sequência desse primoroso trabalho produziu "Guiné-Bissau: Um caso de democratização difícil (1998-2008)", Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa, 2015. Este ensaio, de leitura obrigatória, desvela o itinerário ziguezagueante das instituições democráticas e pluralistas na Guiné-Bissau; o investigador reflete a fundo sobre as condições do nascimento do Estado, após uma prolongada luta armada de libertação nacional, elenca sobre as fragilidades, os erros, a vertigem dos cargos, o nepotismo, a tentação tribal, a Nação firme, mas o Estado volátil; enfim, importa esclarecer se faz vencimento aludirmos a um Estado frágil ou falhado ou supor que haverá outros itinerários, que seguramente requerem imensa coragem, a trilhar para consolidar a democracia e o respeito pelas instituições.

O autor privilegia, no início do seu trabalho, a análise do processo de liberalização política encetado nos anos 1990, vai forçosamente a décadas atrás e enquadra com a evolução que ocorreu noutros países, regimes autocráticos que simularam ou com um certo grau de sinceridade aprovaram as instituições pluralistas, o respeito pela liberdade de expressão, a independência da justiça e a primazia do trabalho parlamentar. Quando Nino Vieira abriu caminho para as instituições pluralistas, fê-lo com uma pedra no sapato e com enormes resistências no seio do PAIGC. Quando este chegou ao poder em Bissau, em outubro de 1974, parece ter esquecido as advertências de Cabral para as armadilhas que potencialmente Bissau reservava; com a gula do poder, esqueceram-se questões medulares do mosaico étnico-cultural, que o autor elenca, vale a pena uma referência:
“No litoral registam-se as maiores densidades populacionais e congregam-se os povos de cultura animista que resistiram ao processo de islamização que vingou em toda a sub-região. Manjacos, Mancanhas, Felupes, Papéis ou Pepel, Baiotes, Bijagós e Balantas foram o grosso desta população de cultura animista. No litoral sul e no interior do país predominam, por ordem decrescente de importância populacional, Fulas, Mandingas, Beafadas e Nalus/Sossos, Jacancas e Saracolés. Há quem defenda hoje, como no tempo colonial, que o processo de islamização será rápido entre a população que ainda resiste animista. Pode ser que assim aconteça face a um proselitismo islâmico muito ativo, e é uma igreja católica que, pese a sua ação social valiosa, não parece em condições de travar o processo. Mas não se pode esquecer a ação das seitas evangélicas, especialmente as brasileiras, as da torna-viagem, intensamente prosélitas e com rituais e práticas que vão ao encontro do esoterismo das populações africanas”.

Não esquece as etnias transnacionais, são as que demograficamente mais pesam, que têm estreitas ligações com o Senegal, a Gâmbia e a Guiné-Conacri, e daí também um quadro de descentralização política, um verdadeiro tampão contra o Estado coeso. O PAIGC tentou infiltrar-se nas estruturas locais e perdeu, foram as estruturas locais que esvaziaram os comités e os representantes nomeados por Bissau foram desde muito cedo ostracizados. Igualmente a tentativa de modernização imposta não vingou. “A desorganização crescente do Estado, o processo de abertura política, que levou os políticos de volta às tabancas para disputarem intensamente o voto das zonas rurais, conduziu a uma reafirmação do poder tradicional que está bem consciente da importância que tem em tempos eleitorais. Assim se compreende a posição das autoridades administrativas que tanto escrevem documentos de reconhecimento ao poder tradicional, como aconteceu na investidura do novo régulo do Forreá, ou que, chamadas a intervir em chão Papel num conflito de direitos sucessórios, entregaram a sua resolução ao poder regular contra quem tinham sido chamados. Nestes momentos em que o Estado visita a tabanca não é raro que não consiga falar diretamente com o seu povo, nem ouvir o que ele diz, sem recorrer a um intérprete que domine a língua étnica e o crioulo”.


Assim se põe a questão da identidade nacional, ela existe ou não, é possível falar-se ou não de uma identidade guineense? O autor recorda que Amílcar Cabral contornou a questão adotando o princípio de que a nação se forjou na luta de libertação. Mas cedo surgiram clivagens e antagonismos internos, e o autor recorda aspetos nevrálgicos: “entre as etnias não abertas à modernização; entre as classes sociais em vias de formação”. Quando encaramos o conflito armado, era admissível tentar-se uma leitura de que havia uma resposta da Nação coesa contra invasores e opressores internos. O autor observa: “Vencido o opositor, as divergências emergem e começam a minar a unidade firmada nas trincheiras. Além disso a luta, porque é violenta, não é inclusiva e a vitória de uns sempre significou a derrota para outros. E essas são as etnias magoadas da Guiné: os Fulas no tempo colonial, os Balantas nos anos 1980 e os Mandingas nos anos mais recentes”. Como estamos a falar de Ciências Sociais, é apropriado que o autor também lance olhar sobre os escolhos à identidade nacional: “O guineense depara-se quotidianamente com a questão de múltiplas pertenças (comunitária, religiosa, étnica e política), o que, por um lado, coloca em questão a coesão nacional e, por outro, dificulta a governação e a gestão dos interesses nacionais, predominando a identificação, a autonomia e lógica étnica”.

E chegamos a um novo elemento do Estado: o “Tchon”. Nova dissertação histórica nos é apresentada pelo autor, o “Tchon” é o local de nascimento, onde vive a família, a etnia, tem um poder soberano. Do “Tchon” passamos para a fragilidade do Estado, e vem uma recordação datada de 10 de outubro de 2003 em que um jornal de Bissau alerta para as ruínas da Casa da Independência em Lugadjole: “A placa comemorativa da proclamação da independência já desapareceu. Onde foi parar? Ninguém sabe. É provável que o metal deste símbolo da liberdade já tenha sido fundido para fabricar algum objeto fútil, de uso vulgar. Triste reciclagem dos valores da independência!”. É brandido o espetro do narcotráfico e passamos para a sede real do poder que é pertença de militares e civis ligados por interesses patrimoniais e por outros níveis de solidariedade. “É este núcleo informal que detém, em última instância, a capacidade de terminar o exercício da força e da violência do Estado. Tudo tem de ser negociado. Nenhum ato de força do Governo é possível sem a sua concordância e não há poder interno capaz de se lhe impor”.

Nesta teia de constrangimentos, todas as instituições são abertamente frágeis, logo o desempenho e a eficácia da Justiça, o quadro da anormalidade é patente:
“Todos os dias são estabelecidas inúmeras relações jurídicas na Guiné, não se pode dizer que não recorram com normalidade e satisfação para os seus intervenientes. A maioria destas decorre, contudo, ao abrigo da personalização das relações, de contratos ritualizados que comprometem pelo nível de sanções de índole social e espiritual que decorrem do seu incumprimento. A desonra, a vergonha do indivíduo perante as suas relações sociais e o medo dos castigos provindos do mundo espiritual coagem, a quem a honra não obriga, ao cumprimento. Mas no mundo da ambivalência cultural que é a cidade de Bissau, onde as práticas e os povos se misturam, os conflitos são mais frequentes e as instâncias tradicionais, que auxiliariam à sua resolução de uma qualquer comunidade rural, não têm a máxima força. Assim sendo, tende a vigorar a lei do mais forte”.

Tudo é ténue, precário, dominado pelo princípio da anulação ou revogação. Acresce que tudo se promete para melhorar o bem-estar e tudo fica na mesma ou pior por causa das coligações precárias inter e intrapartidárias, é um poder de sátrapas, em que se multiplicam os ministros, secretários de Estado e secretários-gerais, lugares que dão acesso aos benefícios de função com o longo cortejo de chefes de gabinete, assessores e colaboradores, tudo inevitavelmente transformado em mecanismos de corrupção, onde o fantasma tribal não está ausente.

E temos por último a instabilidade política e militar, os ajustes de contas entre Nino Vieira com Carlos Gomes Júnior é um bom exemplo, o assassinato de Veríssimo Seabra só porque houve atraso no pagamento das Nações Unidas ao contingente de manutenção de paz na Libéria, tem-se permanentemente a sensação de que não há avanços seguros, que rapidamente se pode recuar até práticas selváticas ou cavernícolas.

E o autor seguidamente vai-nos dar uma poderosa reflexão sobre a elite política da Guiné-Bissau.


(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 8 DE SETEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24633: Notas de leitura (1614): "Uma História do Mundo em 100 Objetos", por Neil MacGregor; Temas e Debates e Círculo de Leitores, 2014 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 10 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24467: Direito à indignação (16): Senhores da RTP, retirem dos arquivos aquelas provocatórias, hipócritas e desajustadas imagens da visita de 'Nino' Vieira ao marechal António de Spínola, no Hospital Militar Principal (António Ramalho, ex-fur mil at cav, CCAV 2639, Binar, Bula e Capunga, 1969/71)


RTP Arquivos : Vídeo (1' 28'') > 1996-08-13 > Evocação da visita de Nino Vieira a António de Spínola > RTP 1 > Telejornal > 'Nino' Vieira, Presidente da Guiné Bissau, visita o Marechal Spínola, Primeiro Presidente da República pós-25 de Abril, internado no Hospital Militar Prinicipal. 'Nino' Vieira na qualidade de Presidente da Guiné-Bissau estava a fazer uma visita de Estado a Portugal (que decorreu entre 1 a 4 de julho de 1996. Spíbola, já muito debilitado, viria a morrer, em Lisboa, um mês depois, em 13 de agosto de 1996, aos 86 anos.

Resumo analítico do vídeo: "Imagens de arquivo; Spínola, entubado, a conversar com Nino Vieira e a dar-lhe a mão; imagens a preto e branco, militares a consultar um mapa; Spínola a caminhar no mato; Spínola, vestido à civil, a visitar aldeias guineenses na qualidade de Governador da Guiné; 00H19M41, Nino Vieira conta como a sua mãe admirava Spínola; Spínola e Nino Vieira a dar as mãos."

Imagem, legenda e resumo analítico: RTP Arquivos 

Fotograma do vídeo (com a devida vénia...) | Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)


1. Mensagem de António Ramalho  [natural da Vila de Fernando, Elvas, a viver em Vila Franca de Xira, foi fur mil at da CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71), membro da Tabanca Grande, com o nº 757: tem 36 referências no nosso blogue]

Data - sábado, 8/07/2023, 15:53 

Assunto - Programa - Sociedade Civil, RTP2,  semana de 3 a 7/6/2023

Exmo. Senhor Luís Castro.

Apresento-lhe os meus mais respeitosos cumprimentos.

Atento aos seus programas, elegendo aqueles que me parecem ter interesse para a minha pessoa, por força das circunstâncias elegi os da semana que termina hoje, sobre as figuras em apreço: António de Spínola, Álvaro Cunhal, Mário Soares, Sá Carneiro e Freitas do Amaral.

António de Spínola: retirem dos arquivos da RTP aquelas provocatórias, hipócritas e desajustadas imagens da visita de 'Nino' Vieira a Spínola, no HMP (Hospital Militar Principal), destruam-nas ou no mínimo retirem-lhe o áudio!

Respeitem a memória das famílias daqueles que tombaram às suas mãos, onde inclúo e não esqueço os nossos queridos três majores e um alferes, nas célebres tréguas fingidas, em Abril de 1970.

Veja-se o triste final de Nino Vieira, assassinado pelos seus...

Também consta dos vossos arquivos, o célebre Capitão Peralta, um cubano, ferido e capturado numa operação que visava capturar 'Nino' Vieira, em 1969, fazendo a mesma farsa, procedam da mesma maneira!

Faltou um apontamento da Operação Mar Verde, em 1970, onde foram libertados alguns camaradas das prisões, na Guiné Conacri, de Sékou Touré.

Sobre Sá Carneiro e seus acompanhantes, continuo a crer que se tratou de um acidente, pela descrição feita por um investigador, em quem acredito: arranjar à pressa como co-piloto um Controlador Aéreo que estava de folga, num avião que aguardava reparação, não me parece uma solução acertada, muito menos segura. Além do famoso Cozido que todos apreciamos, mais uma solução à Portuguesa, esta com sabor bastante amargo!

Passei por uma situação parecida, na Guiné, mais propriamente em Teixeira Pinto, que se ajusta e me ajuda a acreditar na tese de acidente.

Às outras personalidades não me refiro por só as conhecer pelo seu percurso político e por aquilo que os historiadores nos relatam, tendo simpatia e respeito por todos, pelo seu passado.
Renovo mais uma vez os meus respeitosos cumprimentos.

António Ramalho
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quarta-feira, 3 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24280: Memórias de Luís Cabral (Bissau, 1931 - Torres Vedras, 2009): Factos & mitos - Parte VI: Sexo, álcool e amuletos... A maldição ou a premonição do Amílcar Cabral ?..."Só nós somos capazes de destruir o Partido" (Boké, Guiné-Conacri, finais de 1970)


Guiné-Bissau (sic) > PAIGC > s/l > Março-abril de 1974 > Mulher com criança /Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - B 29 - Life in the Liberated Areas, Guinea-Bissau - Woman with child - 1974.tif

Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)






1. A seguir à invasão de Conacri por tropas portuguesas e forças da oposição ao governo de Sékou Touré, em 22 de novembro de 1970 (Op Mar Verde), Amílcar Cabral (AC) reuniu as cúpulas do PAIGC em Boké, na Guiné-Conacri, próximo da fronteira sul com o território da então Guiné Portuguesa, em data que não podemos precisar mas sabemos, pelo testemunho de Luís Cabral (LC) ("Crónica da Libertação", Lisboa, O Jornal, 1984, 464 pp.), que foi ainda em 1970, por volta do final desse  ano. (*)

AC aproveitou para fazer o balanço da "bárbara agressão do inimigo contra a capital da República da Guiné", segundo o relato do seu mano, LC (pág. 373).

Difícil para ambos  era compreender "a traição de muitos dos principais colaboradores do presidente Sékou Touré" (sic) (pág. 374). Naturalmente o AC não revelou,  aos seus  colaboradores mais próximos,  as tremendas dificuldades  (económicas, politicas,  sociais, etc.) por que estava a passar a Guiné-Conacri nem ele alguma vez denunciou a natureza ditatorial do regime de Sékou Touré. Obviamente, não iria cuspir na sopa nem dizer mal dos seus hóspedes.... e aliados. Amílcar Cabral (e o seu estado-maior) estava nas mãos do "camarada" Sékou Touré (em relação ao qual, de resto, havia um temor reverencial, visível na maneira como o LC se  referiu a ele da primeira vez que o conheceu, à distância, chegando na sua viatura presidencial ao aeroporto da capital).

Mas não deixou, o AC,  de avançar com a sua própria teoria espontânea  sobre os riscos que estava a correr o próprio PAIGC, cujas sementes de destruição não eram exógenas (ou seja, vindas do exterior) mas endógenas (geradas a partir de dentro), insistindo repetidas vezes que "só nós" (sic) (...) "estávamos em condições de destruir o Partido" (pág, 375). Uma premonição, quiçá, do seu próporio assassinato dois anos mais tarde, em Conacri, a 20 de janeiro de 1973, e onde a participação do Sékou Touré, como autor moral,  está  ainda por esclarecer, bem como a de dirigentes do PAIGC como o Osvaldo Vieira, primo do 'Nino'.

E contou, o AC, para gáudio geral da audiência,   a história ou a fábula do bode que, numa pequena terra se havia celebrizado pela sua extraordinária capacidade de procriação, até ao dia em que o presidente do município local se apressou a comprá-lo e instalá-lo num estábulo-modelo, promovendo-o a "bode municipal"...

A partir daí, bem comido e melhor dormido, o bode desinteressou-se totalmente das cabras. Quando o seu antigo proprietário, indignado, lhe pediu explicações, face às reclamações do seu novo dono ( o presidente do município). o bode limitou-se a responder, cinicamente: "Agora sou funcionário público." (pág. 376).

A mensagem que o AC quis transmitir  aos seus "generais", depois da prova de fogos  que fora, para todos aqueles que  lá estavam, a invasão de Conacri e a tentativa de derrube do regime, era clara: ninguém nos destrói,  a partir de fora, a começar pelos "tugas", se continuarmos de mãos dadas a certar fileiras... Mas nós podemos destruir-nos uns aos outros...

Foi nesta reunião de Boké que apareceu, pela primeira vez, a figura do Partido-Estado. Foi criado o Conselho Superior de Luta no seio do qual era eleito o Conselho Executivo da Luta (pág. 377). Foi também nesta reunião que passaram a fazer parte das Forças Armadas, "as forças regulares - o Exército Popular, a Marinha Nacional e, mais tarde, a Aviação Militar" (pág. 378). Por seu lado, "a Guerrilha e a Milícia foram juntas numa única organização, as Forças Armadas Locais (FAL)", cabendo a sua direção ao Comité Nacional das Regiões Libertadas (sic).

E chegamos ao ponto que nos interessa. No final da reunião, o AC punha mais uma vez o dedo na ferida, manifestando as suas reiteradas preocupações com a "vida pessoal dos quadros e dirigentes do Partido" (pág. 378).

Escreve o irmão, LC:

"Sei bem quanto era doloroso para o Amílcar ter de abordar sempre esta questão delicada cuja origem nascia do comportamento de alguns dos dirigentes da luta" (Negritos nossos)...

E o LC exemplifica, com algum prurido, duas condutas altamente perniciosas para um partido que se pretendia "libertador": 

(i) "o consumo exagerado da bebida alcoólica" (pp. 378/379); 

e (ii) a prostituição, o assédio sexual, a poligamia (pp. 380/383), 

e (iii) implicitamente a cultura do "cabra-macho"... (Claro que ele nunca usa as palavras prostituição, assédio sexual e cabra-macho..).

As questões do álcool e do sexo eram extremamente incómodas e até fracturantes num  "partido revolucionário", de inspiração marxista, como o PAIGC, que se queria frugal, puritano, impoluto. 

Os dirigentes e os quadros sabiam quem eram os visados pelas palavras de AC. Um deles seria o Osvaldo Veira, grande apreciador da "água de Lisboa", acrescentamos nós. 

No caso do álcool, LC conta que havia dirigentes que se davam ao luxo de ter os seus "furadores" privativos (!) para extraírem o vinho de palma, bebida que rareava no mato tal como as bebidas alcoólicas que eram importadas (e disputadas em Conacri).

A questão da "violência sexual" (outra expressão que nunca é usada, por falso moralismo) era outro grave problema que já vinha de trás. Diversos "senhores da guerra" haviam sido denunciados, julgados e condenados à morte, em Cassacá, no I Congresso do PAIGC, em fevereiro de 1964, acusados de brutais abusos sexuais e atrocidades para com a população, e nomeadamente para com as  raparigas e outras mulheres jovens (mas também contra os que os que se opunham a estas práticas horrendas). LC só volta a referir a persistência deste problema por ocasião da reunião de Boké, em finais de 1970.  Isto significa que ele nunca fora resolvido ao longo daqueles anos todos...

"Todos os homens normais gostam de mulheres, dizia ele [ o Amílcar Cabral] (...). No auge do seu desespero em ter de abordar esta questão uma vez mais, o Amílcar acrescentou, elevando ligeiramente a voz: 'Se pensam que são mais machos do que nós, estão enganados, se quiserem podemos ir ao quarto ao lado e fazer a experiência! Temos as nossas mulheres, a nossa família, e sabemos a responsabilidade que nos cabe nesta fase da vida do nosso povo`".(...) (pág. 382).

O que estava em causa era a cultura, então dominante no seio do PAIGC, do "cabra-macho", de peito feito às balas, de "peito vermelho", aguerrido, corajoso, mas também violento, machão, predador sexual...

Umas terceira preocupação do AC (e do LC) era o uso e abuso de amuletos, já abordado nas pp. 166/167. LC revela que os dirigentes do PAIGC, no mato, "tinham sempre um combatente muito jovem, que transportava,  num saco, os variados amuletos a que cada um tinha direito, dada a sua condição de chefia" (pág, 166). 

No caso do 'Nino' Vieira, por exemplo, não se deslocava no mato em situações de combate,  sem o seu arsenal de amuletos, e de pelo menos dois ajudantes (!),  que os carregavam, além de um bigrupo reforçado,  segundo o testemunho (suspeito) do Bobo Queita (que não gostava dele, e ainda mais depois do golpe de Estado de 14 de novembro de 1940).    [ In: Norberto Tavares de Carvalho, "De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita". Edição de autor, Porto, 2011. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes. p. 197.)

O AC, de formação católica, filho de ex-padre e professor primário (todavia, sexualmente muito promíscuo, com muitos filhos de várias mulheres), não apreciava também estes "aspectos menos racionais" do comportamento dos seus homens... Mas teve que engolir este e muitos  outros sapos (como, por exemplo,  a "mutilação genital feminina" praticada pelos povos "islamizados" da Guiné: não me lembro de ele alguma vez se ter pronunciado, ou pelo menos escrito, sobre este problema, ele que, de resto,  era pai de duas meninas, filhas de uma portuguesa... que foi alegadamente o "amor da sua vida").

"O amuleto - mezinho, como lhe chamávamos - era uma fraqueza que foi transformada em força pelo Partido" (pág. 166). Quando ainda não havia armas para se defenderem, "o Amílcar entregava-lhe(s) o dinheiro necessário para mandar fazer o mezinho - algumas citações do Corão, escritas em caracteres árabes" (...), amuleto que depois era "cuidadosamente forrado de cabedal, e que tinha a virtude de reforçar no combatente a confiança em si próprio, trazendo-lhe a confiança psíquica indispensável ao bom cumprimento da sua missão (pág. 167).

Umas páginas à frente, LC conta a história caricata de um grupo de estrangeiros, o sociólogo sueco Rolf Gustavson e uma equipa de cineastas e fotógrafos franceses, constituída por Michel Honorim, Giles Caron e Michel Carbeau" (pág. 385). Os franceses vinham do Biafra e queriam ver cenas de guerra e sangue...

Isto passa-se entre Farim e Jumbembem, quase nas barbas das NT. Face ao risco de serem apanhados por uma emboscada das tropas portuguesas, LC deu ordem à escolta, comandada por Bobo Queita, para fazer uma "retirada forçada" até à fronteira... Não tendo nada de interessante para filmar (nem sequer umas tabancas em ruínas, carbonizadas pelo napalm dos colonialistas... ), "o chefe da equipa francesa disse em voz alta que éramos um bando de mentirosos" (sic).

Apesar da desculpa do cansaço físico e da tensão acumulada, o LC é obrigado a ameaçar confiscar-lhe as películas há utilizadas. Resultado: 

"Do documentário que devia ser feito das filmagens de Michel Carbeau, pelo realizador Michel Honorim, chefe da equipa, nunca tivemos notícias" (pág. 387). 

Restou o fotógrafo Gilles Caron que terá feito, mesmo assim, algumas belas imagens dos sítios por onde passou...

Destes (e doutros nomes que andaram pelas "áreas libertadas" a documentar a luta do PAIGC) há escassíssimas referências na Net: vd. Journal of Film Preservation, 77/78, october 2008.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24083: Notas de leitura (1557): "Reportagem, uma antologia", por Jorge Araújo; Assírio & Alvim, 2001 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
O sucesso obtido em sucessivas edições do "Comandante Hussi" que começou por ser uma reportagem do conhecido jornalista cabo-verdiano Jorge Araújo acerca de uma criança que foi envolvida no conflito político-militar de 1998-1999, um estafeta-mascote que recusou abandonar o campo de batalha para ficar ao lado do pai, antigo combatente que aderiu à causa de Ansumane Mané. António Hussi vai viver em cheio a guerra desde junho de 1998 a maio de 1999, e enquanto em Bissau e um pouco por todo o país se sente o vento libertador do fim de uma tirania, Hussi veio a correr a casa à procura do seu tesouro, uma bicicleta desconjuntada, comoveu-se ao ver que o seu tesouro mais valioso estava são e salvo. "Pintado de lama, pedais amputados, selim desengonçado, os raios das rodas a contorcer-se de dor. A sua bicicleta estava suja e abandonada. Mas era a sua bicicleta". Metáfora de uma criança contente com a simplicidade do seu tesouro, e temos aqui algumas das páginas esmaltadas da literatura da lusofonia.

Um abraço do
Mário



Comandante Hussi: uma reportagem que deu brado, inesquecível

Mário Beja Santos

Comandante Hussi[*], uma das obras mais dramáticas e ternas do que se pode designar por literatura de guerra, antes de aparecer sob a forma de livro foi editado como reportagem num jornal, e por tal razão, atendendo à altíssima qualidade do texto, José Vegar [foto à direita], selecionador, prefaciador e anotador do livro "Reportagem", uma antologia, Assírio & Alvim, 2001, deu primazia ao trabalho de Jorge Araújo, experiente em cenários de guerra. Como Vegar escreve: 

“No caso do conflito na Guiné-Bissau, Jorge Araújo – profissional desde 1986, na Televisão de Cabo Verde, BBC, Já e O Independente – foi particularmente feliz. Quis o acaso que nas ruas de Bissau alguém lhe indicasse o miúdo António Hussi, o mais jovem guerrilheiro de Ansumane Mané. O repórter deixou-se ficar junto dele, ouviu-lhe confidências e narrações dos episódios da guerra. Através dele, contou a Batalha de Bissau e revelou ao leitor o desejo de um miúdo recuperar a sua bicicleta”

Mas antes de se falar das aventuras de António Hussi, retorne-se ao prefácio de Vegar:

“Das vinte reportagens reunidas nesta antologia, seis são sobre a guerra, uma, a de Timor, sobre uma operação militar contra um povo indefeso, oito sobre problemas ou acontecimentos sociais importantes, duas sobre personagens ou factos na nossa História contemporânea, uma sobre um tycoon dos media, outra é puro jornalismo de viagem e uma última sobre política”

Elogia o papel que a reportagem tem no jornalismo, deplora cada vez menos espaço que a reportagem tem na substância dos jornais, mas também recrimina o jornalista, assim: 

“A restante parte da culpa pertence aos próprios jornalistas portugueses, à sua cultura profissional. Por não considerarem o jornalismo como uma Arte, que tem história, estilos, períodos, ruturas e mestres, que importa conhecer. Por ignorarem que nenhuma história se faz sem alma, essa entidade imaterial que gera curiosidade, paciência e o supremo gozo de encontrar os factos e as pessoas a escrever sobre eles”.

Jorge Araújo [foto à esquerda] publicou "Comandante Hussi" no jornal “O Independente”, em fevereiro de 1999, e arranca com um parágrafo que captura imediatamente o leitor:

“Era uma vez um menino. Pobre mas feliz. Feliz porque tinha um tesouro. Não era um vistoso boneco do Rambo – daqueles que se transformam em carro de combate e em avião supersónico –, nem mesmo uma sofisticada metralhadora de brincadeira, que acende uma luzinha irritante e faz mais barulho do que qualquer arma de verdade. Muito menos um computador capaz de navegar pela Internet e com jogos que desafiam até as madrugadas mais longas. Era um tesouro que só uma criança pobre pode ter”.

E descreve esse tesouro, uma bicicleta reduzida a um escombro, pintada de lama, pedais amputados, selim desengonçado, os raios das rodas a contorcer-se de dor. Mas um tesouro, era o único presente que o pai algum dia pôde oferecer-lhe. “Porque era tudo o que dinheiro de pobre pode comprar”.

Segue-se o contexto familiar e um acontecimento inopinado, o princípio da guerra, as famílias em fuga, naquele dia 7 de junho rapidamente a população de Bissau se apercebeu que o inferno lhes batera à porta. Acompanhou a família, choroso por deixar a sua bicicleta, mas chegado a Nhacra, justificando saudades do pai, Ablei Sissé, um dos muitos antigos combatentes da liberdade da Pátria que se juntaram ao brigadeiro Ansumane Mané, deu meia volta, fugiu, fintou bombas e tiros e chegado a Bissau perguntou pelo pai, deu-se o reencontro, o pai furioso, sovou-o, aquilo não era lugar para uma criança, mas António Hussi insistiu em ficar, o pai cedeu. 

“Transportou armas e munições para a linha da frente, fez de pombo-correio, foi ajudante de cozinheiro. Aprendeu a cozinhar arroz de todas as maneiras e feitios, mas durante quase 11 meses o principal prato do dia era uma mão-cheia de nada. Não matou mas viu morrer. E conviveu com o cheiro nauseabundo dos cadáveres em decomposição”.

Assistiu à humilhação dos milhares de soldados do Senegal e da Guiné Conacri que morreram ou fugiram sem honra nem glória. Tentou-se a paz. Até que no dia 6 de maio de 1999, a Junta Militar lançou-se no ataque final, as tropas de Ansumane Mané puseram todos os apoiantes de Nino Vieira em debandada. Nino, considerado o maior herói da luta de libertação vivo, vencido, humilhado, procurou refúgio na Embaixada de Portugal.

O estado de Bissau era calamitoso, o Hotel Hotti e o Mercado de Bandim num perfeito abandono. Hussi estava exultante. 

“Durante toda a noite, deliciou-se com o fogo de artifício da artilharia. Quando a madrugada acordou, o menino-soldado pedalou com as suas sandálias de plástico até à Praça Che Guevara. Assistiu à confusão em frente ao Centro Cultural Francês, com a população a gritar por vingança e a querer reduzir o edifício a cinzas. Viu os civis franceses a abandonarem o local amedrontados e as tropas especiais de Paris encurraladas na sua arrogância a sair com o rabinho entre as pernas. Uns e outros refugiaram-se na Embaixada de Portugal. Viu também os livros, que nunca teve, serem consumidos pelas chamas assassinas. E a pilhagem que se seguiu. E apanhou uma fitinha tricolor, que agora coloca à volta da testa. É o seu único troféu de guerra”.

E depois do triunfo veio a redenção ou melhor o reencontro com a bicicleta, o seu tesouro, e se até agora acompanhámos as ditas e as desditas de uma criança que prestou serviço na guerra, uma mascote dos vitoriosos, tudo culmina quando António Hussi saiu daquela guerra e partiu para a guerra da sua vida:

“Uma das primeiras coisas que Hussi fez mal a guerra terminou foi dar um salto até à sua casa ali para os lados do Bairro de Santa Luzia. Foi uma viagem-relâmpago, que nem deu para abraçar os amigos ou participar num animado jogo de futebol. Como no início dos confrontos, todos os seus pensamentos continuavam amarrados a uma única coisa. Hussi quase chorou de alegria quando se apercebeu que o seu tesouro mais valioso estava são e salvo. Pintado de lama, pedais amputados, selim desengonçado, os raios das rodas a contorcerem-se de dor. A sua bicicleta estava suja e abandonada. Mas era a sua bicicleta”

Texto prodigioso que veio a dar edições ilustradas, e não menos comoventes. Aquela guerra de 1998-1999 deu azo a diferentes textos e relatos, mas nenhum deles possui a luminosidade e o prodígio de encantar como Comandante Hussi, estão ali, com marca-de-água, algumas das mais belas páginas da literatura lusófona, convém acarinhá-las e dá-las a saber às mais novas gerações para que não esqueçam o que a guerra custa e como uma criança, naqueles lugares de caos, de desespero, guarda como maior triunfo o escombro de uma bicicleta. Que texto maravilhoso, oxalá que circule na memória das novas gerações guineenses.
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Notas do editor:

[*] - Vd. poste de 6 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23236: Notas de leitura (1443): Comandante Hussi, por Jorge Araújo e ilustrações de Pedro Sousa Pereira, a história do menino-soldado que não perdeu a capacidade de sonhar, é edição do Clube do Autor, 2011 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 17 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24075: Notas de leitura (1556): O Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau: Imagens Para Uma História (Mário Beja Santos)