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quinta-feira, 25 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11470: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (17): Bissorã, a ouvir as notícias da BBC, depois de regressar, de manhã, de um patrulhamento noturno (Henrique Cerqueira, Bissorã)

1. Mensagem do Henrique Cerqueira (ex- fur mll, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, e CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74)

Data: 25 de Abril de 2013 à12 12:49
Assunto: O meu 25 de Abril de 1974


Luís Graça:

Hoje,  25 de Abril de 2013, resolvi narrar um pouco do meu 25 de Abril de 74 . Pretendo assim homenagear deste modo essa data já com 39 anos mas que ainda está bem presente nas minhas memórias.

O texto não tem grande novidade mas mesmo assim resolvi mandar para apreciação dos meus camaradas editores que se acharem por bem o publiquem no nosso blogue que ainda respira festividade pelo seu aniversário.
Um abraço

Henrique Cerqueira


2. O meu 25 de Abril em 1974

Pois é,  hoje dia 25 de Abril de 2013, trinta e nove anos depois trouxe-me á memória o meu 25 de Abril de 1974 passado na Guiné.

Tinha ido eu com o nosso grupo de combate no dia 24 de abril de 1974 fazer mais um patrulhamento para a zona situada entre Bissorã e Biambe,  o qual se porlongou por toda a noite e felizmente sem 
qualquer acontecimento a assinalar. 

Pese embora a nossa guerra noturna com os mosquitos tudo correu com normalidade. Pela manhãzinha foi a hora de regressar ao aquartelamento e como era normal a malta quando chegava a Bissorã dava uma passagem pelo bar dos Sargentos tanto para saciar a sede como para depositar o armamento mais pesado,  pois que era nas traseiras do bar que havia a arrecadação de armamento.

Então nós nos deparamos com toda a malta junto de um pequeno rádio a ouvir notícias da BBC sobre os acontecimentos na Metrópole. Lembro-me que na altura se encontrava lá um elemento da PIDE/DGS e não se cansava de ameaçar o pessoal por estar a ouvir as ditas notícias (mal ele sabia o que o esperava).

Toda a gente ainda incrédula com a possibilidade do fim da guerra mas mesmo assim foi como se nada mais importasse e, a partir daí,  começou logo a rolar cerveja a festejar. Eu até esqueci as ferradelas dos mosquitos da noite passada no mato.

Bom,  depois de já convencido das mudanças na nossa política e com o fim á vista,  lá me dirigi a casa onde me esperava a minha mulher e filho (pois que ambos viviam comigo em Bissorã) e dei a novidade,  o que foi recebida com alguma incredulidade. É que dias antes tinha sido avisado que devido ao agravar da guerra na Guiné teria que mandar embora a família para a Metrópole que até já estaria um navio em Bissau de prevenção para a evacuação dos civis .

A verdade é que,  como todos sabem,  nada disso aconteceu embora até meados de Maio tenha havido alguma atividade do PAIGC flagelando ainda a nossa posição com um ataque de misseis terra/ar sem que tenha havido qualquer estrago tanto humano como material, pois que os misseis caíram na periferia de Bissorã,  de certeza que intencionalmente.

A partir daí foi o que toda a gente sabe. Algumas convulsões populares contra as nossas tropas, possivelmente para mostrar um revolucionarismo de última hora. O que mais tarde se veio a revelar é  que a população temia era o futuro,  o que infelizmente se veio a confirmar pois que hoje a Guiné é "Independente" mas continua pobre e massacrada por interesses que nada tem a ver com o desenvolvimento daquele povo.

Bom,  e foi assim o meu 25 de Abril de 1974.

Henrique Cerqueira
Ex-fur mil CCAÇ 13,  Bissorã
Batalhão 4610 /72

_______________

Nota do editor:

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9399: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (16): Bissau, tinha 13 anos, era estudante no Liceu Honório Barreto... (Luís Vaz Gonçalves)


Luís Gonçalves Vaz, Bissau,  1974

História no Ultramar com Luís Gonçalves Vaz (Tabanqueiro 530)

Na Guiné o 25 de Abril “só chegou” no dia seguinte, pois na manhã do dia 26 é que se iniciaram as ações dos oficiais do MFA, nomeadamente os onze oficiais que se dirigiram ao Gabinete do General Comandante-Chefe (General Bettencourt Rodrigues) e exigiram a sua demissão e o regresso a Lisboa.

O meu falecido pai, Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, teve conhecimento durante a noite de 25 para 26 de Abril, pois na madrugada recebeu, pelo seu telefone “civil” (não o militar!), a notícia de que na Metrópole decorria um “Golpe de Estado” para derrubar o sistema político de então (sei que foi um oficial da sua confiança que lhe ligou aqui da Metrópole).

Logo de manhã o meu pai dirigiu-se para a reunião do costume, com o General Comandante-Chefe no Palácio do Governador. Quando lá chega vê o edifício cercado por tropas especiais e deparou-se com a “destituição” de Bettencourt Rodrigues. É claro que o coronel Henrique Vaz não pertencia ao MFA, mas isso não o impediu de se insurgir contra alguns “modos um pouco rudes” (em sua opinião, é claro) com que estariam a conduzir o processo de destituição (ou prisão?) do Comandante-Chefe, e ofereceu-se para o acompanhar ao avião que o conduziria de regresso a Lisboa, via Cabo-Verde.

O General Bettencourt Rodrigues despediu-se com um abraço do meu pai, e agradeceu-lhe o “respeito” demonstrado, apesar de saber que o meu falecido pai iria continuar a ocupar o seu posto no Teatro de Operações da Guiné. É claro que a situação não era para brincadeiras e tudo podia acontecer nas próximas horas, e como o Coronel Henrique Gonçalves Vaz era um militar íntegro, patriota e com espírito de missão (não afeto ao anterior regime), foi imediatamente convidado para continuar como CEM do CTIG, tendo aceitado e só regressou definitivamente a Portugal no último voo de militares portugueses, pelas 23 horas do dia 14 de Outubro de 1974, acompanhando o Brigadeiro Carlos Fabião, na altura já indigitado para CEMGFA.

Esses mesmos oficiais do MFA solicitaram ao Comandante Marítimo, Comodoro Almeida Brandão, que assumisse as funções de Comandante-Chefe interino das Forças Armadas na Guiné-Bissau. As primeiras medidas tomadas pelo MFA na Guiné, foram a “detenção dos agentes da PIDE” e a “libertação dos prisioneiros políticos”. Como tal, no dia seguinte, 27 de Abril, surgiram pela cidade de Bissau várias manifestações lideradas por esses presos, uma delas cercou e tentou invadir o meu Liceu, o Liceu Honório Barreto.

Ainda me lembro como se fosse hoje, um funcionário do Liceu, um homem de grande estatura, e de origem cabo-verdiana, pegou numa grande tranca e afugentou vários manifestantes (deu resultado!), tendo de seguida fechado a porta principal. Nas salas do andar inferior, que davam para o jardim, tivemos de fechar as persianas, pois havia muitos manifestantes que nos diziam aos berros, com paus e catanas “Tuga na ba p`Bó Terra”…

É claro que eu achei muita piada na altura, pois nunca temi pela minha segurança, já que tinha colegas com 16 anos ou mais (alguns vinham do interior da Guiné para estudar em Bissau) que sempre me fizeram estar à vontade. Fugi do Liceu com esse grupo de colegas mais velhos (eu tinha apenas 13 anos e frequentava o antigo 3º ano do Liceu), em direção à base militar de Santa Luzia, onde vivia com a minha família (a casa do Chefe do Estado-Maior do CTIG era aquela mesmo em frente do Clube Militar, na outra ponta da avenida).


O Clube militar em Stª Luzia, visto de minha casa. Nesta avenida formavam-se algumas colunas militares, que seguiam para o mato, e durante um ano vi a formação de muitas, em que diversos furriéis e alferes milicianos revelavam “alguma emoção”… Lembro-me muito bem como se fosse hoje, e marcaram-me para sempre.


Fotos: © Luís Gonçalves Vaz  (2012 ) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


Pelo caminho assisti ao episódio do "cerco da PIDE”, onde me lembro muito bem de ver a ação, de grande eficiência, de dois pelotões de Paraquedistas... Lembro-me muito bem... Estive bem ao lado daqueles Paraquedistas que estabeleceram logo de imediato um "Perímetro de Segurança". E, se bem me lembro, deveria ser o único "branco" a assistir à manifestação. Houve tiros e tudo. Depois fui pelas Tabancas até Stª Luzia, sempre acompanhado pelos meus colegas guineenses, que me protegeram e não permitiram que me acontecesse mal algum, só me deixaram após me entregarem aos elementos da PM, que faziam a segurança à entrada da Base Militar de Stª Luzia (a entrada estava barrada com rolos de arame farpado).

Quando cheguei a casa, soube que o meu pai tinha ido com uma pequena coluna militar buscar, ao Liceu Honório Barreto, os meus dois irmãos, tendo aproveitado para trazer, em segurança, algumas professoras e outros alunos, quase todos familiares de militares. Não me ralhou por eu ter vindo pelo meio de Bissau, entre as manifestações, com colegas africanos.

Segundo um interveniente nessa missão, o 1.º Cabo Paraquedista n.º 551/73, Carlos Alberto dos Santos de Matos, relata como esta operação militar se teria passado, no site http://associacao-pq-alentejo.webnode.com.pt/noticias/

(…) “O objectivo era conter uma manifestação popular em frente ao quartel da PIDE/DGS e retirar os elementos da PIDE em segurança e transportá-los para local seguro, para posteriormente regressarem a Portugal com a finalidade de serem julgados por um Tribunal. Fiz parte integrante de um pelotão de Pára-quedistas que esteve a manter segurança no exterior do edifício, juntamente com outros elementos do Exército e Marinha. O outro pelotão de Pára-quedistas entrou no edifício da PIDE, os quais não ofereceram resistência à detenção. Os manifestantes bastante exaltados, no exterior, aos milhares, gritavam ‘morte à PIDE e aos colonialistas’.

“A cada instante que passava, a multidão apertava mais o cerco em volta do edifício e nós recuávamos mais um pouco. A operação que a princípio se afigurava simples estava a piorar a cada momento e já se notava algum nervosismo nos nossos militares. Entretanto recebemos ordem para efectuar disparos para intimidar os manifestantes. O tiroteio de algumas dezenas de militares, durou apenas alguns segundos, durante os quais os manifestantes se puseram em fuga. Os que caíram, durante a confusão eram pisados pelos companheiros. Houve um silêncio constrangedor durante algum tempo. Na poeira do chão ficaram alguns feridos, não pelas nossas armas, mas por terem sido atropelados pelos colegas manifestantes.(...)”



Guiné-Bissau, pós-25 de Abril de 1974 - Manifestações populares de regozijo mas também de contestação: na primeira foto, um manifestante empunha um cartaz onde se lê: "Abaixo a D.G.S." ; na segunda foto, um dos manifestantes exibe um improvisado autocolante nas costas, onde se lê: "Viva o General António Spínola! Viva o Povo da Guiné!".


Fotos: © José Casimiro Carvalho (2012 ) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

Em suma, afinal eu estive no Teatro de Operações da Guiné, no meio de uma operação militar, com tiros e tudo, mas felizmente sem mortos ou feridos. É um facto que esta é uma das muitas “experiências de vida”, que me marcaram muito, entre outras que vivi na Guiné. (**)

Braga, 13 de Janeiro de 2012
Luís Gonçalves Vaz
(Tabanqueiro 530)
____________

Notas de CV:

(*) Vd. último poste de 25 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9398: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte III)

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9392: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (13): Gadamael e tinha mais de 10 mil granadas de obus em stock... (C. Martins, ex-alf, cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

(**) Comentário do LGV, deixado no blogue da CART 3494, do nosso camarigo Sousa de Castro, em 18 do corrente:

(...) Caros amigos: Parece que a minha memória me traiu, o cerco à Pide terá sido no dia 29 de Abril e não em 27, segundo o Sr. general Mateus da Silva, in Estudos Gerais da Arrábida, A Descolonização Portuguesa, Painel dedicado à Guiné (29 de Agosto de 1995), a saber:

 "...A população da Guiné começou logo a virar e as manifestações prosseguiram a 27, 28 e 29 de Abril, num crescendo. No dia 29, cercaram a delegação da PIDE/DGS de lá, partiram montras, destruíram alguns carros em frente do palácio, atiraram pedras e partiram alguns vidros. E foi um bocado em consequência disso – eu estava no Palácio e os pára-quedistas controlavam mais ou menos a situação ..."

Eu acho que foi antes, mas o sr. general deve ter apontamentos... como tal fica aqui a observação.

Luís Gonçalves Vaz
18 de Janeiro de 2012 23:07

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9392: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (15): Gadamael e tinha mais de 10 mil granadas de obus em stock... (C. Martins, ex-alf, cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)

1. Seleção de comentários, ao poste P9368 (*), do nosso leitor (e camarada) C. Martins (ex-Alf Mil, Pel Art Gadamael, 1973/74, hoje médico, participou no nosso VI Encontro Nacional, em 4 de Junho de 2011, vd. foto à dierita, ao lado de J. Casimiro Carvalho):Só vou falar do que vivi no terreno e com factos concretos e sem especulações.


Sobre Copá, onde se encontrava um conterrâneo meu e que foi ferido, foi inqualificável a irresponsabilidade do comando de sector, colocar apenas um pelotão sem quase meios de defesa junto à fronteira.

Jemberém, deixo ao critério do camarada Joaquim Sabido comentar, apenas digo que fizemos fogo de artilharia de Gadamael para o perímetro de Jemberém, o que surpreendeu, digo eu, o PAIGC.

(,,,) [Nunca ouvi falar em] insubordinação do aquartelamento de Jemberém 'devido a frequentes ataques em junho' [...]. Se houve algum ataque a Jemberém foi nos primeiros dias de maio. Eu ainda não estou senil e recordo-me muito bem. [ O Joaquim Sabido diz que, no decurso do mês de maio, ainda embrulharam pelo menos umas seis vezes].

Bedanda foi atacada com viaturas blindadas, mas sem grande êxito, diga-se. Mais uma vez uma estratégia imcompreensível dos altos comandos, visto que entre Gadamael e Mampatá-Quebo não havia qualquer aquartelamento, o que tornava fácil a infiltração até Bedanda.

Gadamael: aqui falo com conhecimento de causa...

Se tentassem o ataque directo, nem com 3 mil homens lá entravam, e seria uma carnificina de parte a parte. Tínhamos material de guerra em quantidades astronómicas. Granadas de obus tínhamos à volta de 10 mil em stock, e em cada espaldão em média 300 e prontas a disparar, isto é, já com espoleta colocada.

Quando éramos flagelados era sempre ou quase sempre do território da Guiné-Conacri.

Foram mobilizados muitos graduados de artilharia de costa para serem reconvertidos em artilheiros de campanha.

Desde de janeiro até abril entregaram-se vários guerrilheiros.

Quando das conversações para o cessar fogo,vários altos quadros do PAIGC me confessaram que estavam exaustos de tantos anos de guerra. Quase metade dos efectivos, na principal base no sul, junto a Kandiafara, tinham gonorreia (isso mesmo,  "esquentamentos").

(...) Não sei precisar o dia, mas na segunda semana de Maio [de 1974] acompanhei Pedro Pires e outros altos dirigentes do PAIGC a Cacine,  onde decorreram conversações sobre o cessar fogo e retracção das NT.Para mim,  em termos políticos,  a guerra já estava perdida antes de ter começado, agora afirmar que estávamos a beira de um colapso militar em 74 vai uma grande distância.

Nos primeiros dias de junho iniciou-se a retracção em Gadamael. [...]


Em Gadamael, a retração para Cacine e Bissau foi feita como estava programada e em boa ordem e segundo as normas militares. [...] Aceitámos o cessar fogo com o PAIGC sem sequer consultar o QG, quanto mais pedir autorização. Eu, por exemplo, fui à Guiné-Conacri apenas com o consentimento do Comandante Heitor Patrício. [...]

A propaganda, mas que era apenas e só propaganda, faz parte de qualquer guerra.

Com todo o respeito pela opinião de cada um, eu falo de factos, EU ESTAVA LÁ.

Termino dizendo que "ainda bem que acabou daquela forma", porque se não tivesse sido assim, não sei se ainda estaria no mundo dos vivos.

Um alfa bravo para todos.

Um artilheiro de Gadamael,

C. Martins



Guiné > Região de Tombali > Gamael > Maio de 1974 > A primeira visita do PAIGC à tabanca e aquartelamento de Gadamael: Em primeiro plano, ao centro, o Comandante do COP5 (Cap Ten Fuzo Heitor Patrício ); do seu lado direito está o comissário político do PAIGC, de cigarro russo na boca. O nosso camarada José Gonçalves está atrás, na segunda fila,  entre os dois. Por sua vez, o capitão Pimentel, comandante da CCAÇ 4152,  está ao lado do José Gonçalves, por detrás do Comandante Heitor Patrício. 


Foto (e legenda): © José Gonçalves (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


PS - Comentário a esta foto, feita pelo C. Martins, em 6 de julho de 2011:

(...) "A foto supra onde aparece o Comandante Patricío com um emblema do PAIGC, um oficial de marinha fuzileiro excepcional e considerado o 'pai' dos fuzos,  é bom que não se façam juizos de valor precipitados. Aquilo foi apenas circunstancial, resultou apenas e só da troca de 'galhardetes' entre as partes.. É que se o meu amigo e conterrâneo 'Pedras',  fuzo e guarda costas do Comandante Patrício na altura, com três comissões seguidas na Guiné, sabe que estão a pôr em causa a honaribilidade do Comandante Patrício,  ainda dá uma 'latada'...ah, ah, ah,  em alguém".(...)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9368: Situação Militar no TO da Guiné no ano de 1974: Relatório da 2ª REP/QG/CTIG: Transcrição e adaptação de Luís Gonçalves Vaz (Parte I)

(**) Último poste da série > Guiné 63/74 - P9388: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (12): Bissau, Liceu Honório Barreto (Nuno Rodrigues / Luís Gonçalves Vaz)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9388: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (14): Bissau, Liceu Honório Barreto (Nuno Rodrigues / Luís Gonçalves Vaz)



São Tomé > s/d > Ensino - Liceu Nacional de D. João II, em S. Tomé, durante a época colonial. Esta foto poderia ter sido tirada no Liceu Nacional Honório Barreto, em Bissau. No dia 25 de Abril de 1974 dois filhos de militares portugueses estavam lá, o Nuno Rodrigues e o Luís Gonçalves Vaz (, este último membro da nossa Tabanca Grande). Foto, da Agência Geral do Ultramar,  de autor não identificado.

Copyright:  © 2008-2011 IICT [Instituto de Investigação Científica Tropical, Arquivo Histórico Ultramarino, Calçaada da Boa-Hora, nº 30. 1300-095 Lisboa,  Portugal. Fonte: ACTD [Arquivo Científico Tropical Digital Repositpry] (Reproduzido com a devida vénia...)

1. Comentário, de 15 de dezembro último, ao poste P9194 (*), assinado pelo nosso leitor Nuno Rodrigues que no 25 de Abril de 1974 tinha 12 anos, vivia em Bissau, andava no 3º ano do Liceu Nacional Honório Barreto e era filho de um militar paraquedista do BCP 12:


Caro LGV [ Luís Gonçalves Vaz]


Se a memória não me falha, a fuga do Liceu Honório Barreto foi logo no dia 26 [de abril de 1974]. Nesse dia fugi,  mais um colega,  em direcção à Câmara Municipal (onde a minha mãe trabalhava),  escoltado pelo meu pai. Lembro-me depois de chegar a casa (uma rua por trás da messe de sargentos praquedistas, corpo a que o meu pai pertencia) e de haver buracos de balas visíveis em alguns sítios.

Foi também esse o dia das primeiras manifestações com o slogan "Vivó Spínola" e da quebra e pilhagem de montras. No dia 27 faltou já na nossa turma um colega (o Martinho) cujo pai era agente da DGS. Pelo que se comentou na altura,  penso que quando o pai foi preso a família foi junto (não foi presa mas acompanhou-o).


Um Abraço

Nuno Rodrigues

2. Comentário de Luís Gonçalves Vaz, com data de 19 de de dezembro:



Olá,  Nuno. O que conta,  é muito familiar!!! Será que fomos colegas? Eu também tinha um colega que faltou no dia seguinte.... Não me lembro se era o "Martinho"! Sei que era de São Tomé e filho de um elemento da DGS, sei pelo meu pai, (na altura Chefe do Estado-Maior do CTIG,) que foram reunidos todos os Pides com as respectivas famílias no Cumeré (centro de instrução perto de Bissau)...

Pergunto: Tinha 13 anos e frequentava o antigo 3º ano do liceu, o Honório Barreto?

Aguardo uma resposta,  meu caro Nuno!

Outra coisa, na data de 26 de abril não houve libertação de presos... só em 27 ou 28!!! Brevemente enviarei essa "estória", mas fiquei a saber que mais colegas fugiram do Liceu, para "viverem na 1ª pessoa tais momentos históricos"!

Forte Abraço, Luís Gonçalves Vaz (Tabanqueiro nº 530)


3. Resposta de Nuno Rodrigues, de 26 de dezembro:

Caro LGV:

Às vezes a memória prega-nos partidas e reconstroi ela mesmo os eventos. Tinha para mim que a confusão havia começado logo a 26, mas pode muito bem ter levado mais um dia ou dois.


Tivemos necessariamente de ser colegas, pelo menos de Liceu (de turma já era pedir muito, mas não sei quantas turmas havia do 3º ano). 

No ano lectivo de 73/74 frequentava o 3º ano dos Liceus no Liceu Nacional Honório Barreto, em Bissau, mas tinha 12 anos (nessa altura andava um ano "desfasado"). Ainda por cá tenho, algures, a caderneta do Liceu se quisermos aferir a turma. A nossa sala ficava em baixo, com janelas para a rua (acho que todas tinham), mas já não sei identificar qual delas era, sei que não era logo a primeira. Dessa turma reencontrei cá dois colegas, um dos quais ainda contacto diariamente.

Na manhã do "estouro" (aquilo pareceu um estouro de pânico da manada) nunca percebemos o que lhe deu origem. Só me lembro do pânico irracional e da fuga subsequente, da malta a saltar aquele portão, liso e altíssimo, como se tivesse asas, só para depois voltar para trás porque, mais à frente, estavam uns miúdos ao pé do campo da bola a atirar pedras.

Mais tarde apareceu no largo do Liceu, penso que era a P.M. [Polícia Militar,] em jipes e com megafones a mandar evacuar as ruas. Foi nessa altura que o meu pai apareceu a pé, não sei de onde, e lá fugimos atrás dele,  direito à Câmara Municipal (atrás não será o termo correcto, quem ficou para trás foi o meu pai). Também me lembro de na altura dizerem que o pessoal da DGS estava detido no Cumeré com as famílias.

Fico a aguardar a "estória" com expectativa.
Um abraço
Nuno Rodrigues




Guiné > Arquélago dos Bijagós > 1974 > Luís Vaz, estudante, com 13 anos de idade,  na pista da Ilha de Bubaque


Foto: © Luís Gonçalves Vaz (2011). Todos os direitos reservados


4. Resposta de Luís Gonçalves Vaz:

Meu caro ex-colega Nuno Rodrigues:


É cada vez mais "nítido" que fomos colegas da mesma turma no Liceu Honório Barreto!!! Basta que me confirme que o nosso colega "Martinho" era ou não natural de S. Tomé?! Pois se me confirmar, era o mesmo colega que nós no dia 28 de Abril sentimos falta e ficámos a saber estava "retido" no Cumeré com a família para a sua segurança e da sua família ... (Lembro-me de ver várias "perseguições" a informadores da PIDE ... e no fim entregavam-nos à Polícia Militar...). Gostei da sua estória, conte outras neste blogue.

Sobre o episódio do "Cerco da Pide" que presenciei, já está publicado em no blogue da CART 3494  [, editado pelo Sousa de Castro]... Pois não sei se o editor chefe (Luís Graça) irá publicar aqui a minha História... (**)


Forte Abraço, Luís Gonçalves Vaz.
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Notas do editor:

(*) Vd. posted e 13 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9194: Tabanca Grande (310): Luís Gonçalves Vaz, professor, filho do Cor CEM Henrique Vaz (1922-2001)

(**) Último poste da série > 27 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7181: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (11): Lisboa a viver num apartamento com mais três estudantes (José Corceiro)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7181: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (13): Lisboa a viver num apartamento com mais três estudantes (José Corceiro)

1. Mensagem de José Corceiro (ex-1.º Cabo TRMS, CCaç 5 - Gatos Pretos , Canjadude, 1969/71), com data de 24 de Outubro de 2010:

Caros amigos, Luís Graça, Carlos Vinhal, E. Magalhães.
Envio este testemunho, onde exponho como eu senti o 25 de Abril na época, antecedentes e algumas consequências, que publicarão caso entendam que tem algum interesse para o blogue.

Um abraço
José Corceiro


NO 25 DE ABRIL EU ESTAVA EM...

Os anos sessenta foram fabulosos em acontecimentos musicais, e testemunharam uma criatividade ímpar, que fez florir uma grande multiplicidade de inovações nos géneros musicais e nos ímpetos comportamentais dos jovens. São dignos de destaque os talentosos artistas ingleses, no campo da música, tais como os Beatles, os Rollings Stones, os The Who, o Cliff Richard e muitos outros ídolos americanos, que se sobrepuseram com o seu estilo cultural original, a cuja corrente a irreverente juventude aderiu voluntariosa, obrigando as comunidades a romper com muitas tradições sociais, que estavam arreigadas nos comportamentos dos povos há séculos. Muitos conceitos que se pensavam bem alicerçados, desabaram, e outros se inovaram, no campo da política, comportamento, moda, sexo, religião, etc. Foi a adesão em massa por parte da juventude, sempre ansiosa por novas experiências, que ao aderir a esta original onda do estilo de vida destes ídolos, que em parte contribuíram para o aparecimento nos anos de 1966/67, das manifestações dos movimentos Hippies, com a sua doutrina filosófica contra cultura, manifestando a sua rebeldia no campo das ideias, no modo de vestir, nos comportamentos contestários, questões ambientais, emancipação sexual, vida comunitária, discordância dos valores tradicionais face a tudo o que os cercava. Os adeptos do movimento Hippie, filosofavam e procuravam uma nova identidade, purificada e liberta de tudo o que consideravam impuro e nefasto no seio da sociedade reinante. Algumas das ideias dos Hippies rasgaram com as concepções há muito instituídas, deixando campo vazio aos novos conceitos por eles propagandeados, que se foram dispersando na sociedade, acabando por ser absorvidos. Os Hippies, adoptaram como seu, o símbolo da paz, e o lema que apregoavam bem alto, era: Paz e Amor.

Em Portugal os anos 60 foram tempos agitados, tempos problemáticos e difíceis, para o regime Salazarista e para o povo português.

O nosso País não tinha tradição de música Pop & Rock, este género musical foi uma onda importada da cultura dos países anglo-americano, no princípio da década de sessenta, acabando por nascerem assim, as primeiras correntes de rock no nosso país.

Quando começaram a surgir as primeiras bandas musicais, influenciadas pelos artistas do rock americano, os grupos portugueses não tinham raízes nem tradição de música contestaria, e não enveredaram pela atitude do inconformismo, mas antes porém, optaram pelo facilitismo da via da ingenuidade e simplicidade do género musical “Yé-Yé”, que o mesmo é dizer, tudo gente bem comportada que não quer provocar sarilhos, mas sim assegurar uma vida calma e tranquila.

O regime fascista controla a governação do País, onde se instalou há mais de 30 anos. Com raras excepções a juventude portuguesa não se envolve em questões de política, nem lhe são dadas oportunidades para tal, já que a macabra polícia ”Pide” tem tudo minado e controla os passos de meio mundo, servindo-se da rede tentacular dos seus impúdicos informadores, que estão infiltrados em tudo o que é repartição pública, devassando a vida de quem lhes aprouver, não permitindo que algum cidadão, mais atrevido, ponha o pé em ramo viçoso.

O povo politicamente é amorfo, o balão do descontentamento, devido à repressão do regime, está prestes a rebentar, as injustiças contra o cidadão comum agravam-se a cada dia que passa, o ódio sufocado do povo contra o regime, já é difícil de ocultar, o desejo para vingar as atrocidades cometidas pelo poder, ameaça explodir a qualquer momento.

Rebentam as primeiras contestações de vulto, levadas a cabo por algumas personalidades bem integradas no regime salazarista. É o caso da candidatura do General Humberto Delgado, em 1958… - obviamente, demito-o… - palavras de Humberto Delgado, a referir-se a Salazar. O assalto e o desvio, do paquete Santa Maria, foi em 22 de Janeiro 1961, a responsabilidade deste acto é também assumida pelo General “Sem Medo”. O massacre do porto de Pidjiguiti, na Guiné, foi em 3 de Agosto de 1959.

O assalto da prisão, em Luanda, foi em 4 de Fevereiro de 1961, esta acção dá mais um rombo e um abanão na estrutura do poder, inicia-se o alvorecer e despertar das consciências dum povo adormecido, que amanhece, acorda e abre os olhos para outras realidades, e com outros sentimentos, começando por condenar a resposta de retaliação do assalto à prisão, dada pelas autoridades portuguesas, que arrasaram aldeias inteiras com bombardeamentos, massacrando inocentes indefesos.

A Índia invade, Goa, Damão e Diu, em 18 de Dezembro 1961, que nós dizíamos serem nossas possessões há séculos; estoira a guerrilha em Angola, no ano de 1961; a rebelião do assalto ao Quartel de Beja, foi em 1 de Janeiro de 1962; aparece a Frelimo em Moçambique, em 1962; começa a luta na Guiné com o ataque ao quartel de Tite “que foi a primeira acção armada do P.A.I.G.C”, em 23 de Janeiro de 1963. Portugal, do dia para a noite, vê-se obrigado a um enorme esforço suplementar, com o envio de contingentes militares, para combater em três frentes distintas.

A juventude estudantil portuguesa inquieta-se e acorda, começa a desperta e a politizar-se, ganhando consciência de luta contestando o regime vigente, eclode a crise universitária de 1962.

Crise Universitária, de 1962 (http://www.manuelgrilo.com/rui/artigos/crise.html)

O envio de tropas para o ultramar começa a ser em massa, e todos temem que a sorte lhes vá bater à porta num futuro muito próximo, caso se continue com a mesma política, que está a absorver as sinergias de toda a juventude dum País, ao ser mobilizada para os Teatros Operacionais de Guerra das colónias e é inevitável que terão que se confrontar, empunhando armas, frente a frente com os nossos irmãos, alguns dos quais são amigos e seguem o mesmo percurso universitário. (O eloquente Poste 3543 – encontro de Dois Amigos no TO, frente a frente os “Inimigos”- Mário Dias e Domingos Ramos patentearam um leal exemplo de amizade e generosa sensatez, ditosos intervenientes, apanágio que só contempla Homens com grande dignidade e honradez, porque só estes são bafejados com esta sabedoria. Para mim um marco Importantíssimo no Blogue, um comportamento a raiar o mitológico, coincidências da vida. Parabéns para os dotados com este discernimento). A maioria dos jovens não compreende o que é que está em causa no conflito, duvidando se vão defender a soberania da Pátria ou os interesses de alguns colonialistas. As instâncias internacionais estão todas contra as nossas pretensões, deixando-nos isolados e orgulhosamente sós. Estamos envolvidos em três frentes de combate, numa guerra de guerrilha que poucos são os que sentem estímulo para a alimentar, nem há simpatia pela doutrina que a apoia, duvidando-se se efectivamente estamos a contribuir para o interesse do país, ou a desbaratar a sua economia. Falta motivação combativa.

A somar a este desinteresse, as forças mobilizadas quando chegam ao destino, vão encontrar instalações com péssimas condições de alojamento, algumas são degradantes, a aclimatização é dificílima, a alimentação é de má qualidade e pobre. Eu, na Guiné, tive um períodos que durou mais de dois meses, em que a alimentação foi diariamente arroz, algum misturado com caganitas de rato, atum e salsichas, duvidando-se do estado de conservação de cada um destes géneros alimentícios, se eram próprios para consumo, porque o odor era nauseabundo, mas nada mais havia para comer (e éramos só cerca de 40 arranchados). Honra seja feita, ao Sr. Capitão Costeira, na altura Comandante da CCAÇ 5, homem sensível, e dotado de excepcional carácter e compreensão humana, que a determinada altura, crendo que esta injustiça estava a ultrapassar o limite do razoável, deslocou-se a Bissau, onde comprou vários alimentos, fretou uma avioneta, creio que civil, para os transportar para Canjadude, onde foi logo confeccionada uma ceia condigna, (jantar) que comemos sôfregos, confraternizando todos reunidos, sentados à volta da mesma mesa.

É notório que se está a atingir o auge do limite das capacidades do Estado, era incomportável exigir tanto sacrifício à nobre juventude dum País, tão pequeno e com tão limitados recursos económicos, forçado por interesses de alguns monopólios, que não souberam nem quiseram aproveitar e criar condições oportunas e atempadas, para solucionar o problema, arrastando-nos agora para uma guerra fratricida em três frentes, guerra que já dura há mais duma década, sem perspectiva de paz à vista, estando a ceifar milhares de vidas e a deixar outras tantas com deficiências físicas, dum lado e do outro, não poupando a vida a inocentes, a agravar, ainda ocasiona traumas psíquicos, supliciando os que assistem aos horrores da guerra, traumas que só a morte lhos vai apagar. A guerra é sempre uma catástrofe… que provoca horrores e excessos de parte a parte… uma imbecilidade… Não se vislumbra no horizonte fim à vista para esta contenda.

O País continua cada vez mais só. O regime está tão obcecado com a linha da sua política que se convenceu (ou quer convencer) que só ele é o detentor de virtudes e da verdade, despreza toda e qualquer proposta no sentido de encontrar uma via diplomática alternativa, para solucionar o caso e pôr fim à guerra, alheando-se de todos os contra-argumentos que lhe sejam desfavoráveis, preferindo antes enterrar a cabeça na areia, para não ver, não ouvir, nem dar diálogo a vozes conscienciosas e sensatas, que exprimem outras opiniões… Progressivamente vai-se avolumando e generalizando a contestação ao regime vigente, e surgem resistências à mobilização dos militares para o ultramar.

Já antes da década de sessenta, surgiram algumas vozes de intervenção (protesto) no campo da música e da poesia, que com palavras dissimuladas contestam o regime. O José Afonso é a figura emblemática da canção de intervenção em Portugal, figura proeminente no combate contra a opressão do regime, através da canção. Dizia o Zeca Afonso sem pretensões algumas: - Semeio palavras na música. Assim, através das suas palavras disseminadas através das baladas, umas vezes com letras mais veladas, outras, mais explícitas, contesta o regime. Eu tenho algumas músicas do José Afonso, que algumas vezes ouvia com amigos mas com muito recato e quase em silêncio, havia receio (isto em 66 ou 67).

Vampiros: ( http://www.youtube.com/watch?v=ZUEeBhhuUos&feature=related)

Dentro da música de intervenção, há outros nomes que merecem ser lembrados, é o caso: José Mário Branco, Janita Salomé, Fausto, Sérgio Godinho, Vitorino, Manuel Freire (Pedra Filosofal), etc. que tiveram um percurso de vida, utilizando a canção de intervenção, para se manifestarem contra o antigo regime, o que os molestou, tendo alguns sido perseguidos acabando por se exilarem.

Pedra Filosofal: (http://www.youtube.com/watch?v=2DA-mzhk0s4)

FOTO 1 - Coimbra, 17 de Abril de 1969, o desfile militar, povo, estudantes e cartazes!

FOTO 2 - Coimbra, 14 de Junho de 1969, estudantes na R. Ferreira Borges, operação balão.

FOTO 3 - Coimbra, 22 de Junho de 1969, Final da Taça de Portugal. Comunicados caem sobre os espectadores

Por sua vez o regime também aproveitou a imagem e a popularidade dos artistas da época, (conveniência ou ingenuidade destes) ao promover espectáculos com os cantores mais conotados com a ideologia política do poder, espectáculos esses que serviam para serenar o cidadão, e ao utilizar os meios de comunicação divulgava-se a mensagem enganosa, que havia união entre o poder e o povo, ao qual o regime servia e administrando com rigor e controlo o erário público. Um embuste. Também eram enviados artistas em digressão pelas Províncias Ultramarinas onde eram fomentados espectáculos para impressionar e confundir a opinião pública, ao passar a mensagem que a guerra era obra de grupelhos conflituosos, que não intimidavam nada nem ninguém, visto que até os nossos artistas se deslocam livremente em segurança, a locais que difamadores dizem ser perigosos. A actuação dos artistas era a prova de que há paz e tranquilidade e não guerra! Era o continuar das “Conversas em Família” e o renovar o velho discurso do ditador dos anos trinta: - «Às almas laceradas pela dúvida e pelo negativismo, nós procuramos restituir o conforto (com bastonadas e prisão) das grandes certezas. Nós não discutimos Deus e a sua virtude, não discutimos a Pátria e a sua História, não discutimos a Família e a sua moral, não discutimos a Glória do trabalhador e a sua obrigação. Assim foram construídas as pilastras do edifício.»

Paralelamente a estes acontecimentos, começa a germinar uma juventude mais esclarecida e mais politizada, que se organiza contestando o regime e as suas instituições, e rebenta a Crise Académica na Universidade de Coimbra, nos meses de Abril, Maio e Junho, de 1969.

Crise Universidade de Coimbra: (http://www.youtube.com/watch?v=FV5cFbvK5p8&feature=related)

Crise Universidade de Coimbra: (http://www.youtube.com/watch?v=IqC6H0Ry17c)

Crise Universidade de Coimbra: (http://videos.sapo.pt/vFw8pzw6tGnH7JYATOlz)

Fotos: (http://caminhosdamemoria.wordpress.com/2009/06/02/crise-academica-coimbra-1969/)

Enquanto a guerra no ultramar ceifava a vida a militares e a inocentes dos dois lados, a polícia continuava a dar bastonadas nos contestários, e estes por sua vez aperfeiçoavam os seus métodos de reposta. Os embarques em massa para a guerra continuam, por vezes utilizando transportes marítimos cujas condições e instalações são humilhantes e degradantes para o homem, como me aconteceu a mim quando fui para a Guiné no Niassa, em 24 de Maio de 1969, mais parecendo que carregavam massa humana já destinada a carne de canhão. Estas condições eram aceites por muitos jovens, todos praças, por imposição e servilismo, mas com revolta contida, pois não tinham outras condições, sócio-económicas que lhes permitissem alternativa.

Progressivamente alguma juventude começa a adquirir consciência política, e concluí que a guerra é incomportável e de finalidade duvidosa, e decidem-se por abandonar o País a assalto, mancebos com 17, 18, 19 e 20 anos, fogem da tropa (nem sempre por medo). Vão para França e outros países Europeus, onde alguns já tinham familiares ou amigos, que lhe serviam de orientação e sustento nos primeiros tempos. Da minha terra foram muitas dezenas que tomaram esta atitude, assim como em toda a zona fronteiriça do País, como é a minha aldeia. Eu próprio cheguei a dar guarida, numa casa dos meus pais, durante uma semana, a 5 jovens naturais do Porto que estavam por ali de passagem, e que na hora de nos despedirmos me confidenciaram que estavam de abalada para o estrangeiro, para fugir à tropa, isto no Verão de 1967. Havia também os que desertavam quando estavam já a cumprir o serviço militar, ou já depois de estarem mobilizados com embarque agendado para o Ultramar, na minha aldeia houve casos destes. Estas deserções aconteciam com mais frequência em jovens militares oriundos de famílias da média burguesia, que tinham recursos monetários que fizessem face ao sustento no estrangeiro, até arranjarem emprego ou poderem continuar a estudar, tirando cursos superiores, como alguns da minha aldeia fizeram. Particularizando, tenho um caso na minha família, dum tio meu, da minha idade, que com 18 anos, para se livrar do serviço militar partiu para França, onde estava bem integrado e optou em 1968 por vir voluntariamente a cumprir a tropa. Logo em 1968 foi mobilizado para Angola, onde tombou em combate no dia 04 de Fevereiro de 1969. Já eu estava na Guiné quando se realizou o funeral do meu tio.

Era insustentável para um país com os recursos que Portugal tinha, sustentar uma guerra desgastante do género desta, com três frentes, onde não havia uma razão mobilizadora, nem uma causa justa que aglutinasse os seus efectivos em torno dum ideal, que motivasse os seus combatentes à luta. Faltava o ideal e a causa era injusta, estávamos condenados. Estávamos envolvidos neste conflito há mais duma década, não havia fim político ou militar à vista… estava já tudo saturado e cansado.

FOTO 4 - Corceiro, em Lisboa, ao fim da tarde, no dia 24 de Abril de 1974, o edifício em plano de fundo é o Palácio da Justiça.

FOTO 5 - Dia 25 de Abril de 1974, em Lisboa, Corceiro com garrafa na mão na casa onde vivia mais três amigos a festejar a Revolução dos Cravos. Não tinha whisky nem champanhe, abri uma garrafa de conhaque, Pedro Domecq. Quem não se aguentou nas canelas foi o meu amigo Freitas que já não se tinha na vertical e está na cama na horizontal. Pode ler-se num papel na parede – Comemoração de 25-04-1974

Em 25 de Abril de 1974, eu vivia em Lisboa num apartamento na R. Viriato, (paralela à R. Fontes Pereira de Melo) com mais três estudantes. De madrugada, às 04:30h, tocou o telefone insistentemente, atendeu-se e era a irmã do meu amigo Freitas, que hoje deve ser médico. A irmã do Freitas trabalhava como jornalista num órgão de comunicação social, e telefonou a alertar o irmão que tinha havido uma revolução militar e a preveni-lo para não sair de casa. O Freitas ainda não tinha cumprido a tropa. Ainda não eram 5 horas, já o Corceiro, o Freitas e outro amigo, estávamos junto ao Marques de Pombal, pois do apartamento até lá eram dois minutos a caminhar. Acompanhamos durante todo o dia, na via pública, as movimentações militares, sem mais voltarmos a casa, quisemos assistir ao evoluir da Revolução dos Cravos. Palmilhámos a Avenida da Liberdade, Restauradores, Rossio, na Rua do Carmo e na R. Nova do Almada, assistimos a pilhagens em duas ou três casas comerciais, fomos para a Praça do Comércio e a culminar, ao fim da tarde, assistimos aos acontecimentos do render no Largo do Carmo.

Recordo deste dia a força aglutinadora e a impulsividade manifestada pelo povo, no apoio aos militares com os quais se misturava e queria proteger, no Rossio foi o apogeu, as floristas a abraçarem e a colocarem espontaneamente cravos nos canos das G3 dos militares, que transportavam uma arma na mão, mas guardavam dentro do peito um coração que palpitava e esvoaçava qual pomba branca a anunciar a paz, foi dum simbolismo de ensoberbecer; o povo anónimo dava as mãos e enlaçava-se, dando abraços a irmãos desconhecidos, era o comungar e saudar o novo porvir de esperança e paz, erguendo em uníssono o ramo de oliveira, simbolizando um pacto de concórdia; era uma alegria esfuziante, que só os momentos de glória dum egrégio e pacífico povo, com notável história, sabem enobrecer…

O 25 de Abril foi aquilo que todos sabemos que é! Poderia ter sido melhor? - Podia… Poderia ter sido pior? - Podia… Mas era muito urgente a mudança… É de louvar os homens que tiveram os ideais de Abril. O País estava a ficar incomportável, não havia viabilidade para o status quo

FOTO 6 - Dia 28 de Abril de 1974, ao fim da tarde, na R. Fontes Pereira de Melo, antes de chegar às Picoas. Começou espontaneamente o pessoal a aglomerar-se, já depois da Rotunda, e enquanto o diabo esfregou o olho, estruturou-se uma manifestação, com muitos militares da força aérea, como se pode ver nas linhas da frente com farda azul e boina verde. As palavras de ordem – Nem mais um soldado para o ultramar…

FOTO 7 - Dia 30 de Abril, de 1974, na parte da tarde na Ave. da Liberdade, antes de chegar à Rotunda, veja-se a destreza e o à vontade, dum pai ou avô, a passear a criança. O Sr. que está no meio do trânsito, está a distribuir panfletos para a convocação do 1º de Maio.

O 25 de Abril foi obra feita por seres humanos, com as suas virtudes e defeitos, portadores duma carga genética com as suas dominâncias, detentores das suas experiências de vida, e até limitados por contingências diversas: ideologias políticas, interesses pessoais, valores humanos, houve muitas determinantes que condicionaram o bom evoluir dos acontecimentos, e até, talvez, os seus ideólogos e operacionais não esperassem que fosse este o evoluir do rumo revolucionário que sonharam e queriam dinamizar, e que o seu querer tenha sido ultrapassado pelo progredir!?

FOTO 8 - Dia 1º de Maio, 1974, tirei esta foto ao princípio da tarde, na Alameda. Posicionei-me junto da Fonte Luminosa.

FOTO 9 - Dia 1º de Maio, de 1974, tirei esta foto ao meio da tarde, na Alameda, podem ver-se muitos militares da Marinha. Estava posicionado, para fotografar, no lado do Técnico. Veja-se o mar de gente.

Seguiram-se dias de salutar entusiasmo sibilante, aos quais tive a fortuna de assistir, que culminaram com a realização da festa do 1.º de Maio de 1974, na Alameda, nunca mais houve outra igual. Tive o privilégio de presenciar nos dias a seguir ao 25 de Abril, à progénie de manifestações espontâneas, em que o povo circundante aderia apaixonadamente à torrente da multidão, onde era regra invariável e obrigatória serem sempre gritadas, bem alto, as mesmas palavras de ordem: - Nem mais um soldado para o ultramar… Regressem do ultramar os soldados já… Para o ultramar nem mais um militar… Não à guerra no ultramar…

Estava sempre presente o Ultramar, nas preocupações do Povo.

FOTO 10 - Agosto 2010, Corceiro na Madeira, junto à cascata Véu da Noiva, na costa Norte.

A descolonização das ex-colónias foi mal negociada, foi um autêntico desastre, não se garantiram a segurança e direitos aos residentes e o que aconteceu após a entrega foi uma indignidade para o povo português e para os movimentos de libertação, que não se entendiam porque lhes faltava coesão Nacional, no caso da Guiné eram muitas as tribos (interferências e interesses em jogo etc., etc.)… O êxodo de milhares e milhares de retornados…?! Questiono-me, se perante o momento conturbado que atravessava o País, se seria possível fazer melhor descolonização? A culpa do que aconteceu, terá sido de quem negociou, ou de quem não soube atempadamente ir preparando os nativos das colónias para a autodeterminação, deviam ter acordado mais cedo, dando um rumo diferente à política ultramarina…?! Já havia muitos exemplos de descolonizações! Sabemos a aceleração com que foi feita a saída das nossas tropas, deixando ao Deus dará o destino das Novas Nações, que seguiram um rumo desastroso que descambou num caos, que foi aproveitado para vinganças vis, que provocaram o derrame de muito sangue, mas nunca saberemos o que aconteceria se fosse feita doutra maneira! Após o 25 de Abril, era dificílimo a Portugal manter-se nas ex-colónias, o desinteresse era geral, e aos Novos Países faltava-lhes formação governativa. Era complicadíssimo continuar a enviar tropas em massa e desmotivadas para o ultramar! E o que poderia acontecer? Quem estava na disposição de continuar a ir? Quem dos que estavam no ultramar não estavam desejosos e impacientes para regressar ontem? Como reagiriam os movimentos de libertação? Quem estava disponível para permanecer lá, ou ir policiar? Há muitas interrogações e dúvidas… mas são sempre os imbróglios provocados pelos horrores da guerra que conduzem a estes embaraços, a guerra é perpetuamente uma destruição do espírito humano, mas infelizmente tem muitos apologistas que por ela nutrem paixão, e que astutamente conseguem argumentar e convencer os incautos, das reais “virtudes e necessidades” que a guerra comporta… a culpa nunca querer morrer solteira. A Portugal faltou um estadista para orientar os destinos da Nação, já tínhamos muitas fontes onde nos podíamos rever e inspirar, para poder dar um rumo diferente com mais dignidade e mais ordem à descolonização…

Um abraço e boa saúde para todos.
José Corceiro

PS – As fotos 1, 2 e 3, assim como os endereços dos links foram retirados do Youtube
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7063: José Corceiro na CCAÇ 5 (17): Coincidências no dia 3 de Agosto de 1970

Vd. último poste da série de 26 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6251: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (10): Canfuja, sector de Piche, com o Jamanca e a CCAÇ 21, no rasto do PAIGC (Amadú Djaló, Alf Comando Graduado)

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6251: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (12): Canfuja, sector de Piche, com o Jamanca e a CCAÇ 21, no rasto do PAIGC (Amadú Djaló, Alf Comando Graduado)

Mensagem vinda do Com-Chefe

AGÊNCIAS NOTICIOSAS INFORMAM QUE GOVERNO PROFESSOR MARCELO CAETANO FOI DERRUBADO POR MOVIMENTO DAS FORÇAS ARMADAS. NÃO RECEBIDA QUALQUER COMUNICAÇÃO OFICIAL. ADMITINDO QUE IN POSSA TENTAR EXPLORAR SITUAÇÃO INCREMENTO SUA ACTIVIDADE SUBVERSIVA. TODOS OS COMANDOS DEVEM ADOPTAR MÁXIMA VIGILÂNCIA E GARANTIR PRONTA CAPACIDADE REACÇÃO. COMANDANTES UNIDADES SÓ DEVEM RESPEITAR ORDENS QUE RECEBAM APÓS RIGOROSA AUTENTICAÇÃO SUA ORDEM. AUTENTICADO.

Transcrição manual da mensagem original, em impresso normalizado, recebido em Guidaje, em 26 de Abril de 1974 (*)

Fonte:  © João Dias da Silva (2008). Direitos reservados



Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Em quase todos os aquartelamentos do CTIG, houve a seguir ao 25 de Abril de 1974, entre Maio e Junho,  tentativas mais ou menos bem sucedidas de aproximação do PAIGC com vista ao cessar-fogo, ao fim da guerra e à reconciliação (e vice-versa). Nesta foto, vemos o camarada, amigo, ex-Fur Mil José Manuel Lopes (o poeta Josema)  com um guerrilheiro do PAIGC. Mais difícil terá sido a aproximação entre o PAIGC e os militares guineenses que estavam do lado das NT, como foi o caso dos Comandos Africanos.

Foto: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

 
 



Guiné > Zona leste > Paúnca > CCAÇ 11 > Junho de 1974 > O J. Casimiro Carvalho (ex-Fur Mil Op esp., oriundo da CCAV 8350, Guileje, 1972/73) em convívio com guerrilheiros do PAIGC.

Fotos: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.





Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Pirada > 3ª CCAV / BCAV 8323 (1973/74) > Bateria anti-aérea montada pelas NT, em Pirada, já depois do 25 de Abril. Chegou-se a recear, em entrada em cena, de Migs soviéticos, em relação aos quais estas anti-aéreas, do tempo da II Guerra Mundial, seriam completamente inúteis...

Foto: © Joaquim Vicente Silva (2009). Direitos reservados

 
 1. Em 5 de Junho de 1973, o Amadu Djaló (agora Alferes Comando graduado)  foi tranferido com mais oito oficiais do Batalhão de Comandos para a CCAÇ 21, com sede em Bambadinca… Na véspera do 25 de Abril de 1974, a CCAÇ 21 está em Piche, “no rasto do PAIGC”…Será a última saída do Amadu… A 27 de Abril de 1974, regressa a Bambadinca. Eis como ele descreve os seus últimos dias de guerra (publicados no seu livro, sendo resultado - esta e outras partes - das entrevistas feitas pelo Virgínio Briote):

No dia 22 de Abril de 1974 encarregaram-nos de seguir o PAIGC, visitar também essas tabancas procurando obter informações sobre a actividade da guerrilha. O plano era sair de Piche, a pé, passar pelas tabancas de Ufoias, Pajama, Ufra e Unago e passar a noite numa tabanca abandonada, entre Unago e Canjufa (p. 272). (…)

De manhã, tínhamos recebido, por rádio, a ordem de retirada. E depois dessa hora nunca mais nos contactaram. Estávamos no dia 24 de Abril de 1974. Passámos a noite em Canjufa, com a intenção de recolhermos ao Gabu. No dia seguinte, 25 de Abril, às 9h00, ouvimos o rádio [, de um mílícia]. Golpe de Estado em Lisboa ? Ficámos todo o dia à espera de mais notícias e decidimos permanecer no local até nova ordem. Depois começámos a chamar pelo rádio todos os postos. Piche, Pirada, Gabu, Bambadinca, ninguém respondia. Mais uma noite aqui, ordenou o Jamanca [, tenente graduado comando, que comandava a CCAÇ 21] No dia 26, já passava das 16h0, depois de constantes chamadas pelo rádio, fomos contactados pelo Comando-Chefe, em Bissau. Que estavam a ouvir as nossas chamadas e perguntavam-nos quem éramos. Jamanca respondeu, disse quem éramos e do Comando-Chefe mandaram-nos continuar em escuta. Ouvimo-los chamar o Gabu e ficámos a a aguardar, até que mais ou menos um hora depois, chegaram três Unimogues 404 para levar uma companhia inteira. (…) (p. 275).


Depois do 25 de Abril, outros encontros 


Nunca mais vou viver dias assim. Depois de sabermos que tinha havido um golpe militar em Lisboa, aqueles dias a seguir não sei bem como os descrever. Nos últimos dias de Abril ou princípios de Maio de 1974, encontrei-me frente a frente com o PAIGC, com o cabo-verdiano Antero Alfama, um bom homem. Na altura ainda todos, brancos e pretos, tinham armas nas mãos. O Antero perguntou-me quem eu era, como me chamava. Eu estava acompanhado de um furriel da nossa companhia, a CCAÇ 21, e no grupo também se encontravam, alguns furriéis, cabos e soldados de Bambadinca, negros, da nossa companhia africana. [Alguns, possivelmente oriundos da CCAÇ 12].


Abro a conversa assim: 
- A nossa maior preocupação é que nós somos irmãos, andámos na guerra durante muitos anos, houve um muro entre nós que foi agora derrubado. Precisamos de falar com vocês, para nos aproximarmos. 


No local estava muita gente e cada vez se juntavam mais pessoas. Então fomos para outro lado, com aquela gente toda atrás de nós. Antero olhou-me e disse:
 -Olha, Amadú, nós não temos militares, o que temos é guerrilheiros. Amanhã, para formar o Exército da Guiné vocês vão ser precisos. Têm formação militar completa, o que os nossos homens ainda não têm. 


O que acabava de me dizer podia ser verdadeiro, mas pareceu-me uma saída política. E a conversa terminou com a promessa de nos voltarmos a encontrar. (…) (pp. 276/277).

Amadu voltará a encontrar o homem do PAIGC no Xime e em Bafatá, nos dias seguintes. O Amadú foi utilizado, em pleno chão fula, em Bafatá, para servir de “intermediário” nas reuniões do Alfama com a população. “Não tinha ainda suficiente confiança no povo, desconfiava que podia estar gente ligada à DGS que o pudesse matar” (p. 277).

Passados mais uns tempos (em finais de Maio ou princípios de Junho de 1974), o Amadú tem um encontro com o comandante João Silva, numa tabanca senegalesa, junto à fronteira, a seguir a Cambaju. A descrição do encontro e a transcriação do teor das conversas são importantes para se perceber as contradições de sentimentos e de ideias que havia no seio do PAIGC, relativamente ao passado, ao presente e ao futuro dos guineenses que se alistaram nas fileiras do Exército português.

(…) À minha frente estava um homem de aspecto afável, mais ou menos da minha idade [, c. 43 anos,], o comandante João Silva, um balanta muito prestigiado entre o PAIGC. Apertámos as mãos e convidou-me a acompanhá-lo. (…) Entrámos numa sala, eu, Cassamá [, antigo soldado do esquadrão de Bafatá, agora dono de um carrinha de caixa aberta que fazia serviço de táxi entre Bafatá e Cambaju,],o Maude Embaló, conselheiro, um comissário político de que não me lembro o nome, o comandante João Silva, o Pedro Nazi, responsável pela segurança da zona e vários soldados armados do PAIGC.


Depois de ter dito o meu nome, que era alferes dos Comandos Africanos, feita a minha apresentação, o João Silva virou-se para o Pedro Nazi e disse-lhe.
- Então, já ouviste ? - E convidou-o a falar.


(…) O Pedro Nazi começou assim
- Está bom. As minhas palavras… eu não tenho muito a dizer. Este camarada que está aí sentado, nunca se lembrou que este dia chegava. Para mim, Pedro Nazi, um trapo no ombro não me engana para matar os meus irmãos. Branco não se engana com dinheiro na mão para matar os meus irmãos. Os Comandos fizeram grandes crimes nas zonas libertadas. Se os comandos entravam numa dessas zonas, essas zonas andavam a chorar três ou quatro meses, um pai que perdeu um filho, o filho que perdeu o pai, uma mulher que perdeu o marido, um homem que perdeu a esposa. Foram matanças, crimes! Os brancos têm número de militares superior a nós, os brancos têm carros, carros de combate, aviõees, mas Deus deu-nos a razão e os brancos perderam a guerra. Agora hoje está aí sentado para falarmos de Guiné! Ele nunca pensou, nunca passou pela cabeça dele, que algum dia viria ter connosco para falarmos da nossa terra, da Guiné. Eu já falei o que tinha a falar.


Então quando João Silva se estava a preparar para falar, eu, que tinha ficado muito chocado com as palavras do Pedro Nazi, disse:
 - Desculpa, João, eu quero responder às palavras que ouvi. - E enfrentei os olhos do Pedro Nazi. -Camarada Pedro, é ainda muito cedo para falar da maneira que o camarada falou agora. Muito cedo. Nós não viemos cá saber o que se passou. Porque se nas zonas libertadadas vocês apresentam mil órfãos, nós vos mostramos órfãos aqui na zona. O chicote da guerra é cumprido, muito comprido. Quando quer bater no inimigo também pode tocar em inocentes. Nós levámos em consideração os orfãos e as viúvas que vocês fizeram cá. Foi a guerra. Tenho a certeza que as bombas que vocês lançaram em Bafatá, aquelas bombas mataram população inocente. A vossa ideia era matar militares, mas mataram civis. Nós, quando entrámos nas zonas libertadas, quando havia disparos contra nós, disparámos também e matávamos civis. O povo das zonas libertadas não nos pode julgar porque sempre considerou os militares como criminosos e por isso quando viam tropa,  fugiam. E o povo das zonas urbanas também não vos pode julgar nem considerar o PAIGC criminoso. Por isso, vamos deixar essa parte de lado, camarada. 

Logo, João Silva gritou Viva PAIGC, Viva PAIGC e as pessoas que estavam com ele gritavam Viva PAIGC. E João Silva continuou:
 - Hoje fiquei satisfeito. Já sei que nós vamos ter a independência. Temos homens como este no Exército Português, que reconhece o passado, porque nós não somos militares, somos guerrilheiros. Exército são eles. Este irmão esteve onze anos num lado, eu estive no outro, um contra o outro. Ele não morreu até hoje, eu também não, estamos aqui sentados a conversar, o que nós pedimos é que não haja mais motivos para ele ou eu fazermos mais guerra. Fiquei muito satisfeito. A única coisa que peço ao camarada é coragem, é coragem que eu te peço. (…) (p. 279)

Foi um encontro afável, mas com algum tensão, de certo modo premonitória. E o Amadú conclui:

Com as palavras do comandante João Silva fiquei mais satisfeito, mais aliviado, mas houve uma altura, quando estava a falar o Pedro Nazi, eu perguntei a mim próprio, por que é que eu tinha vindo. O Cassama, o motorista (..) quando comecei a falar vi-o a escorregar do banco para o chão e enfiar a cabeça entre as mãos. No fim do encontro, o Cassamá estava com presa de sair dali. (…) O João Silva, o Pedro Nazi e a comitiva acompanharam-nos até à fronteira. Apertámos as mãos e a abraçámo-nos. Recordo que Pedro me recomendou coragem (… ) (pp. 279/280). 

E bem precisa foi, a coragem, para o Amadu conseguir sobreviver e chegar, mais tarde, são e salvo, a Portugal… Ele está entre nós desde 1986, depois de ter sido preso mais do que uma vez na sua terra natal… Com 70 anos, velho e cansado, o Amadú agora só quer é voltar ao seu chão, à sua gente, à sua família...

Depois do encontro com o João Silva e o Pedro Nazi, os novos senhores da Guiné-Bissau, Amadu sabia que “agora, 25 de Abril, nova era” (p. 280)… (**)
__________________

Notas de L.G.

(*) Vd. postes desta série >


14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (1): Guidage (João Dias da Silva, CCAÇ 4150, 1973/74

(...) 25 de Abril de 1974 – Parece que hoje houve um GOLPE DE ESTADO MILITAR, em Lisboa.


Passámos todo o dia à volta do rádio, ouvindo as edições especiais da BBC em língua portuguesa, a tentar saber algo sobre o sucedido.

Por enquanto está tudo muito, muito confuso, pois todas as notícias são precedidas de "parece que" ou finalizadas por "não confirmado". Vive-se por aqui um certo estado de tensão por não se saber nada em concreto. Há que aguardar.

Pelas 22H45 chegou uma mensagem relâmpago confidencial do COM-CHEFE (Brig Bettencourt Rodrigues) a informar que corriam notícias que o Governo de Marcelo Caetano tinha sido derrubado, mas que eram só boatos (...).

19 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2963: No 25 de Abril eu estava em... (2): Gadamael e a vontade de lutar do PAIGC também era pouca (Anónimo, Alf Mil Op Esp)

(...) Depois do 25 de Abril nós tivemos muitos encontros com quadros do PAIGC em Gadamael e é óbvio, pelas nossas conversas, que o poder militar deles não era assim tão superior ao nosso assim como não era a vontade [de] luta[r].

No meu parecer Portugal teria arranjado meios de defesa para uma guerra convencional porque esta envolveria seguramente a Guiné Conacri e os nossos aliados (se é que os posso chamar assim) enviariam material.

Para terminar, na minha opinião se o 25 de Abril não tivesse acontecido, a guerra duraria muito mais tempo até uma solução política ser arranjada e muitos de nós por lá teriam ficado. Uma guerra de guerrilha não se ganha nem se perde desde que haja interesses dos dois lados a financiá-la. (...)


1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3262: No 25 de Abril eu estava em... (3): Gadamael e depois Cufar (José Gonçalves, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 4152)

(...) Era em principio de Maio de 1974, pouco depois do 25 de Abril . Estava na messe de oficiais a beber o meu whisky quando o barman me diz que estava um preto a querer falar com o comandante. Eu fui ver o que era e deparo com um indivíduo, desconhecido, bem vestido e com muita cortesia me pediu para falar com o comandante. Perguntei-lhe quem era e o que queria do comandante. Para minha surpresa disse-me que era o comissário político do PAIGC para a zona de Gadamael e que queria falar com o comandante sobre o 25 de Abril. Fiquei de boca aberta, como é de calcular, e mandei-o entrar e pedi para chamarem o comandante. (...)

22 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3498: No 25 de Abril eu estava em... (4) Agrupamento de Transmissões, Bissau (Belarmino Sardinha)

(...) Após grande agitação no Agrupamento de Transmissões, uns dois ou três dias imediatamente anteriores ao 25 de Abril de 1974, por parte de alguns oficiais que perguntavam com frequência se tinha vindo esta ou aquela mensagem, acordámos todos, os que não estavam de serviço, com a certeza de que algo se tinha passado na noite de 24 para 25 de Abril de 1974.

O nosso comandante, à data Tenente-Coronel, Mateus da Silva, tinha substituído interinamente o então Governador e Chefe Supremo da Forças Armadas Bettencourt Rodrigues. Esta situação manteve-se durante e até à chegada do Coronel, graduado em Brigadeiro, Carlos Fabião.

Foi este o nosso despertar, no Agrupamento de Transmissões, no dia da revolução dos cravos. (...)

 4 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3561: No 25 de Abril eu estava em... (5) Bissau, ouvindo vivas a Spínola, pai do nosso povo (J. Casimiro Carvalho)
 
(...) Carta, Bissau, 30/4/74

Querida mãezinha: (…) Isto aqui anda a ‘ferver’. Os africanos andam aos montes na cidade e partem montras e há porrada. Acabou a DGS e eles andam loucos de alegria, só querem é apanhar ex-membros da extinta DGS., que estão a ser evacuados da Província.

Andam com cartazes deste género: Abaixo a repressão, Abaixo a DGS, Viva Spínola, pai do nosso povo, Liberdade ao nosso povo, etc

Andam às centenas. Tropas às centenas (armadas até aos dentes) patrulham a cidade dia e noite, até dormem nas ruas com ração de combate. Parece Belfast. À noite não me atrevo a ir à cidade. É por isso que estou a escrever-lhe senão levava mais uns dias.(…)

30 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4106: No 25 de Abril eu estava em... (6): Pirada, a ferro e fogo (Joaquim Vicente Silva, 3ª CCAV / BCAV 8323)

(...) No dia 25 de Abril de madrugada, saímos dois pelotões, mais os sapadores. Fomos levantar algumas minas que estavam na picada em direcção a Gabu (Nova Lamego). Regressámos a Pirada por volta das dez da manhã. Participei nesta saída, tínhamos de fazer a protecção aos sapadores.

Eram mais ou menos dez e meia, eu já tinha tomado banho e estava no meu quarto, abrigo nº. 1, deitado em cima da minha cama e ouvi um pequeno estalido. Um colega que estava cá fora sentado num banco, gritou logo:
-Saiam para a vala que isto é o início de um ataque!...

Naquele dia o PAIGG bombardeou Pirada com muitos mísseis e morteiros, alguns caíram bem perto do local onde eu me encontrava, eu não morri por sorte. A meu lado, morreram três africanos nossos colegas, um míssil caiu-lhes aos pés e cortou-os em pedaços. Nunca tinha visto nada daquilo. Fiquei horrorizado, ainda hoje mexe comigo. (..)

(**) Amadu Bailo Djaló - Guineense, comando, português. Lisboa: Associação de Comandos, 2010.  Sobre o Amadu, ver mais postes aqui.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4425: No 25 de Abril eu estava em... (11): No Xitole, a guerra não acabou no dia 25 de Abril de 1974 (Joaquim Macau)

1. Mensagem de Joaquim Macau, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616, Xitole, 1973/74, com data de 25 de Maio de 2009:

Camarada Carlos vinhal

É com satisfação que vou responder às questões que me colocavas, mas antes, gostaria de fazer umas pequenas correcções.

Eu e outros camaradas só chegamos à Guiné no último dia do ano de 1973, houve outros que foram chegando até 5 de Janeiro de 1974, se o ingresso na vida militar foi para todos em 1973, alguns de nós só abalaram de Portugal já em 1974. Portanto nós, 2.ª CCAÇ só fomos para Xitole já em 1974.

A entrega do Xitole, não foi feita um mês depois da emboscada, foi muito tempo depois.

A 15 de Junho de 74 foi o primeiro contacto entre (forças inimigas), disso já o Zeferino fez referência anteriormente.

No mesmo dia, um GCOMB já tinha saído do quartel para ir buscar a correspondência, algures, ao rio Corubal, eu, nesse dia, fui com o Grupo como acontecia frequentemente para aquele lugar, onde nunca se consta que tenha havido algum encontro entre as forças inimigas.

Chegados ao local, como era normal, entrei em contacto com o quartel, para anunciar que tínhamos chegado ao destino, sem qualquer problema, foi quando, do quartel, o camarada que comigo trocou de serviço, me informou que o Capitão tinha saído para um encontro com elementos do PAIGC. 

Como devem calcular quando informei o Grupo do que se estava a passar, a alegria e a satisfação de todos era enorme. Assim que recebemos o correio, partimos em festa para o quartel e, quando chegamos, ainda o grupo do Capitão não tinha chegado. Os camaradas que estavam no quartel, também eles estavam em festa. Quando ia a caminho do posto de transmissões, atirei 2 ou 3 tiros de pistola para o ar, eram os foguetes festivos, logo criticados por um sargento do quadro que não me recordo o nome, pensava ele que tinha sido um acidente e não uma comemoração.

Pouco depois chegou o Comandante e seus acompanhantes que nos descreveu como tinha corrido o encontro e que a guerra felizmente tinha acabado.

Nos dias seguintes começamos a receber visitas e a conviver com os, outrora, inimigos. Na altura receava-se que pudesse haver alguma tentativa de aproveitamento por parte de elementos de um grupo há muito inactivo, mas o tempo mostrou que de facto só o PAIGC existia como organização.

Pelo menos uma vez formamos uma equipa de futebol que foi a Bambadinca disputar um encontro na sede do BCAÇ 4616. Na picada onde aconteceu a tragédia de 15 de Maio de 74, combinado com as nossas tropas, estavam os elementos do PAIGC, a fazer segurança para que nada de mal acontecesse.

O convívio com eles foi sempre cordial, nunca houve qualquer tipo de problemas. A única vez que existiu uma situação quase complicada, foi uma tentativa de assalto ao armazém de géneros alimentícios por parte de um grupo de milícias que eram parte integrante das nossas tropas. As nossas forças conseguiram dominar a situação sem incidentes.

Na nossa zona, o primeiro quartel a ser entregue ao PAIGC, foi o do Saltinho. Uma parte significativa do nosso equipamento, ficou nos quartéis, os meios de transmissões ficaram todos, eles, no inicio, tiveram dificuldade em conseguirem utilizá-lo convenientemente. Já depois do Saltinho estar entregue, as baterias dos rádios não recarregavam, as frequências utilizadas não eram as mesmas e logicamente os rádios não funcionavam, foi então enviada uma equipa do Xitole, em missão solidária, ajudar a resolver os problemas que entretanto surgiram. Corrigidas as deficiências, falámos àcerca da guerra já terminada, trocamos peças de fardamentos e fomos ao rio. Terminada a visita, os cumprimentos de despedida e os desejos de felicidade recíprocos, partida de regresso ao Xitole onde chegamos já ao escurecer. Foi uma viagem agradável e a única vez que visitei aquele sítio maravilhoso.

No Xitole tudo corria calmamente, os contactos e o convívio continuavam sem problemas e os acontecimentos menos bons faziam parte do passado, estávamos ansiosos pela nossa vez de partirmos a caminho de Bissau.

A data de partida do Xitole não me recordo, talvez o Zeferino no trabalho que está a preparar, me consiga complementar, mas foi muito tempo depois de 15 de Junho. Estivemos algum tempo em Bambadinca, depois fomos para Bissau, onde estivemos mais alguns dias a aguardar a nossa vez de embarque, o que aconteceu a 12 de Setembro de 74.

Por agora é tudo, se entenderem que alguma parte merece divulgação estejam à vontade.
Gostaria imenso que divulgassem o meu e-mail: joaquimmacau@gmail.com, para possíveis contactos com camaradas da 2.ª CCAÇ 4616, os quais, aguardo esperançado.

Para todos, um grande abraço, até logo.
Joaquim Augusto Pombinho Macau
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4354: Tabanca Grande (142): Joaquim Macau, camarada do último morto em emboscada do PAIGC (2.ª CCAÇ/BCAÇ 4616, Xitole, 1973)

Vd. último poste da série de 9 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4311: No 25 de Abril eu estava em... (8): Chugué, num buraco com um tecto de quatro toros (José Pedrosa)

sábado, 9 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4311: No 25 de Abril eu estava em... (10): Chugué, num buraco com um tecto de quatro toros (José Pedrosa)

1. Mensagem de José Pedrosa (*), ex-Alf Mil Inf/Minas e Armadilhas da CCAÇ 4747, Chugué/Bedanda, 1974, com data de 26 de Abril de 2009:

Caro Amigo,

Com um abraço a todos, remeto a postagem de hoje no meu Blogue.

http://cerrodocao.blogspot.com/2009/04/onde-e-que-estavas-em-26-de-abril.html

Cumprimentos,
Zé Pedrosa


2. Assim, com a devida vénia ao nosso camarada, reproduzimos o seu poste

Há 35 anos eu estava onde, precisamente, esta hora do dia se chamava "hora sexual". Durante duas horas tinha de estar pronto para a acção, pois, se elas viessem, não podia estar desprevenido: tinha de reagir imediatamente, caso contrário, era o fim ...


Estava em Chugué, na vala de acesso ao meu abrigo de guerra (um buraco no solo com um tecto de quatro toros de árvore pau sangue), aguardando vigilante que passassem as duas horas de prevenção total - cumprindo as regras militares e as do bom senso, face à permanente iminência de ataques e bombardeamentos das tropas do PAIGC na zona do Tombali - Guiné Bissau.

Posto o sol, a descompressão ia ganhando ânimo entre aquele monte de gente de morte encomendada. O meu hábito de tentar saber notícias pelas ondas curtas da rádio teve sorte. Numa emissora de lingua francesa consegui ouvir as notícias do meu país.

Assim que as percebi (sabedor que já era do Março em Caldas da Rainha) gritei para a minha gente: "pessoal, há reviravolta em Lisboa, parece ser coisa grande, se calhar, vamos saír daqui com vida..."

Depois, seguiram-se horas angustiantes tentando confirmações por todas as ondas da rádio, por tudo quanto eram comunicações militares. A cinco minutos da meia-noite, finalmente, o Menezes dos fuzileiros "abriu o livro" na primeira página: o 25 de Abril e o MFA foram sucintamente explicados e assim resumidos: "a guerra vai acabar, vamos pra casa !"

E, mesmo sem o cessar fogo ordenado, para todos nós, os de infantaria, de artilharia e fuzileiros que ali estávamos, a partir desse dia: "guérra cába pâ nôs".
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

9 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3590: O Nosso Livro de Visitas (48): José Pedrosa, ex-Alf Mil da CCAÇ 4747 (Guiné, 1974)
e
17 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3639: Blogues da Nossa Blogosfera (11): Do Cerro do Cão, em Peniche, ao Apocalipse Now (José Pedrosa / Luís Graça)

Vd. último poste da série de 4 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4280: No 25 de Abril eu estava em... (7): RI 15, Tomar, à espera de ir para a Guiné (Magalhães Ribeiro)