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domingo, 27 de março de 2016

Guiné 63/74 - P15908: Manuscrito(s) (Luís Graça) (80): Páscoa... ou quando a travessia da picada da vida, com todos os seus riscos, medos, minas e armadilhas, é bem mais fácil, se for feita em conjunto, de maneira solidária, partilhada... Boa Páscoa para os nossos aniversariantes de hoje e para toda a Tabanca Grande!


O Natal e a Páscoa são datas incontornáveis, para nós, portugueses,  pelo menos os da nossa geração. 

É raro eu falhar, na Páscoa (e no Natal), a ida ao norte. Este ano, por um conjunto de circunstâncias, não me é possível lá estar. 

Mas não quis deixar de, à distância, me associar ao espírito festivo da Páscoa nas minhas tabancas do Norte... Acabei de fazer, de improviso, umas quadras que mandei, agora mesmo, quando a festa já está no ar... Sei que vou ter cartão amarelo por falta de comparência... mas espero que o árbitro releve a minha falta. 

Como este ano, por coincidência, há também 3 aniversariantes nortenhos da nossa Tabanca Grande (o Carlos Vinhal, o Eduardo Magalhães Rodrigues e a Maria Dulcinea) e   um ribatejano (o Armando Pires), quero partilhar convosco (ou "com vós", como se diz no Norte) esses versinhos, estendendo os meus votos de boa Páscoa a toda Tabanca Grande e demais homens e mulheres de boa vontade. 

Qualquer que seja o significado que a Páscoa possa ter para cada um de nós, há nela uma mensagem de sentido universal e intemporal: a travessia da picada da vida, com todos os seus riscos, medos, minas e armadilhas, é bem mais fácil, se for feita em conjunto, de maneira solidária, partilhada... Mesmo sabendo todos nós, que o nascer e o morrer são os atos mais intrinsecamente solitários da vida humana...  LG


Para as famílias Soares e Carneiro,
seus convidados
e compasso pascal da Madalena...

Para os aniversariantes de hoje...

Para toda a Tabanca Grande...

Para todos os homens e mulheres de boa vontade...


Olha o compasso pascal,
Visitando a freguesia,
Nesta casa, é bom sinal,
Traz-nos a fé e a alegria.

Traz-nos a fé e a alegria,
Que todos bem precisamos,
É a Santa Páscoa o dia
Em que as forças renovamos.

Em que as forças renovamos,
Como seres humanos e cristãos,
Boas festas desejamos,
Pais, filhos, amigos, irmãos.

Pais, filhos, amigos, irmãos,
Vizinhos da Madalena,
Mais os de longe que aqui estão,
E quem não veio vai ter pena.

E quem não veio vai ter pena,
De neste ano faltar,
Mas fez esta cantilena,
Para com vós partilhar.

Para com vós partilhar
As coisas boas do Norte,
E a amizade reforçar
Com um abraço bem forte.

Lisboa, domingo de Páscoa,
27 de março de 2016, 10h30
Luís Graça

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domingo, 5 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14434: Manuscrito(s) (Luís Graça) (52): A sagração da primavera, em louvor do sável






















O mundo visto da Tabanca de Candoz...

Foto: © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados





Sagração 
da primavera



por Luís Graça






Come-se o sável da tradição
que transborda as margens  dos rios da nossa memória,
na semana santa em que o pecado era a carne
ou a tentação da carne ou a falta dela.

Frita-se o sável no azeite dos pobres,
supremo luxo, na sexta feira santa
em que Cristo morreu por todos nós,
os inocentes, os pecadores 
e todos os que nunca tomam partido
entre a veemência do mal e a urgência do bem. 
E quem não tem sável, come savelha,
que de sáveis por São Marcos enchiam-se os barcos.

Vem o sável apanhado nas redes
das pesqueiras do Douro quando o sável e a lampreia 
chegavam a Porto Antigo e daqui à tua aldeia,
e os barcos rabelos eram endiabrados brinquedos
que caíam no buraco negro dos cachões,

carregados do vinho fino
que não matava a fome á pobreza.

Boa era a truta, bom o salmão,
e melhor o sável quando sazão,
diziam o fidalgo e o abade 
que eram mais carneiros do que peixeiros.
E quem tem bula, que coma carne!


Comia-se o sável um vez por ano,
na cozinha gourmet dos camponeses
de entre Douro e Minho.
Aleluia, aleluia, Cristo ressuscitou!, 
traz a boa nova o compasso
que bate a todas as portas dos cristãos.


E estalam foguetes no ar,
e rebentam em flor as cerejeiras 
(aqui chamam-se cerdeiras),
e as videiras dão gamões,
e o verde é mais verde
sob o azul do céu das serras
que estrangulam os vales e os lameiros
e o rio Douro quando era selvagem e livre.


É a primavera que chega,
e há de ser o solstício do verão,
regulando a vida circadiana dos adoradores do sol
e dos comedores de sável.


É vida que triunfa sobre a morte.
é a Páscoa aqui no Norte,
é a festa da brava gente
que sempre teve engenho e arte,
quer na paz quer na guerra.

Pois que seja boa e santa  e feliz a Páscoa,
para todos,
em toda a terra,
por toda a parte.

Tabanca de Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Canaveses,
4 de abril de 2015

v2

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Nota do editor;

Último poste da série >  28 de março de 2015 > Guine 63/74 - P14412: Manuscrito(s) (Luís Graça) (51): Morreu um poeta

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Guiné 63/74 - P14426: Brunhoso há 50 anos (4): A Páscoa (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Brunhoso - Com a devida vénia


1. Em mensagem do dia 31 de Março de 2015, o nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), fala-nos da Páscoa de antigamente na sua terra natal, Brunhoso.


Brunhoso há 50 anos

4 - A Páscoa

A Quaresma era o inverno das nossas vidas de meninos e adolescentes, depois do Natal, festa tão diáfana, tão alegre, do menino Jesus e da Sagrada Família, com prendas se bem que pobres, à medida da nossa pobreza mas que sendo as únicas, eram fantásticas. No período entre o Natal e o fim do carnaval havia tantas brincadeiras de garotos, o lançamento do pião, a bilharda, o arranca trigo, a louta, as raparigas tinham o jogo da macaca e outras. Logo após a terça-feira de Carnaval, essa grande festa pagã, com tanto desvario e diversão, caímos, mal dormidos como que empurrados por pecados que não sei se tínhamos cometido nas festas carnavalescas, na quarta-feira de cinzas, com missa bem cedo, era dia de trabalho, em que o padre Zé nos punha a cinza na testa, enquanto repetia a mesma advertência em latim: "Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris" - "Lembra-te ó homem que és pó e em pó te tornarás". Em termos teológicos e filosóficos, esta será uma afirmação discutível, mas este blogue não é um concílio de bispos, nem uma ágora ou assembleia de filósofos.

Nesse dia todas as pândegas e excessos vínicos dos homens e rapazes, bem como as nossas brincadeiras de garotos passavam a ser pecaminosas por ofender ao sofrimento de Nosso Senhor Jesus Cristo que tanto terá penado por nós, no Monte das Oliveiras, nas ruas de Jerusalém, na cruz, no gólgota ou calvário, há mais de 2000 anos.
Dias negros e sombrios, entre o Carnaval e a Páscoa, que iriam marcar as nossas vidas pela tristeza e pela culpa, para todo o sempre. Todos nós meninos, garotos e jovens, mais ou menos inocentes, tivemos que nos arrastar por esse túnel longo e escuro.

A Igreja ancestral, a velha Igreja institucional, pecaminosa e libertina, do poder imperial, temporal e espiritual, da Roma sagrada, depois confinada ao Vaticano, das guerras santas e cruzadas, da arte e da opulência, marcou-nos a alma com ferro em brasa, a nós filhos de Brunhoso e de tantas outras aldeias do vasto mundo, por pecados que ainda não conhecíamos.

A Igreja comandava a nossa vida espiritual dentro da moral rígida que esses bispos e padres formados na escolástica de S.Tomás de Aquino e no cantochão igualmente antigo, falando, nas igrejas, esse latim clássico que ninguém entendia, mas que dava mistério e pompa aos rituais solenes que se celebravam em igrejas e catedrais.

A quaresma, esse tempo de luto, em que o padre e toda a igreja se cobriam de roxo, era o tempo da penitência, da abstinência, das cruzes, das bulas, da desobriga tão exigente sobretudo para os homens que fugiam à confissão, como o diabo da cruz.

Para divertimento dos rapazes e exasperação das mulheres mais velhas, havia nessa época o ritual que numa noite, que não recordo, percorria toda a aldeia, que se chamava "o serrar das velhas" que imitando o barulho duma serra manual e fingindo um prolongado carpir, iam recitando quadras, das quais só recordo uma: "Estamos no meio da quaresma, sem provar o bacalhau, serramos esta velha, como quem serra um pau".
Achei sempre este ritual desumano e violento para as avós da nossa terra, não faço ideia qual será a sua origem.

Antes da Páscoa, no sábado de aleluia, o ambiente começava a desanuviar, deixavam de se ouvir as matracas que na semana santa convidavam os crentes para as cerimonias religiosas, para dar lugar a alguns toques de sinos, ainda tímidos.

Os sinos tocariam com entusiasmo e continuadamente a partir da meia-noite de sábado. Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitara e isso era motivo de júbilo para todos os cristãos. Os rapazes não iriam dormir nessa noite, atarefados em enfeitar o campanário da igreja com as melhores flores que encontrassem no campo, e em manter os sinos a tocar durante toda a noite e todo dia de Páscoa.

Saídos dos grandes fornos de lenha, esses grandes pães feitos de farinha, azeite, ovos, presunto, linguiça e toucinho, abençoados com gestos e rezas por essas sacerdotisas, nossas mãe, avós, irmãs, eram, continuam a ser, melhores, mais saborosos e mais divinos do que o pão ázimo da Páscoa dos judeus.

A festa da Páscoa já estava a ser preparada pelas mãos das mulheres que na sexta-feira ou sábado, faziam os folares.

Os fornos, aquecidos com giestas e estevas, eram como altares de fogo onde a alma dessas mulheres se elevava em preces de amor à família e a esse Deus que ressuscitava.

A Páscoa era a festa das flores, os rapazes davam o tom ao enfeitar o campanário, a festa do folar, a festa da primavera, a festa da renovação.

Os rapazes, os mais felizardos, vestiam fatos novos, tal como as raparigas, vestidos novos, nesse dia.

De muito novo e já adolescente, lembro-me de ir com amigos, amigas, irmãos, irmãs, primos e primas, a comer o folar pelos lameiros dos vales cheios de flores primaveris

Em Brunhoso, no tempo do padre Zé, que terá pastoreado a aldeia quase tantos como o Salazar governou o país, não havia visita pascal, ou compasso. Depois da morte dele, foi para lá um padre da terra que quis instituir essa cerimonia. No primeiro ano acabou por entrar em choque com a tolerância do povo que não lhe perdoou a facto de não ter entrado numa casa onde o homem e a mulher não eram casados.

Durante muitos anos não voltou a haver compasso em Brunhoso. A Páscoa, sempre a associei a prados verdejantes e floridos, ao renascer das folhas, das árvores e das flores, à grande festa da natureza, à festa da primavera festejada por muitos povos antigos e modernos de muitas culturas e religiões.

Pelo sabor do folar, pelo repicar dos sinos, pela família, a presente e a que já partiu, pela beleza renovada dos vales e dos montes, gosto muito de Brunhoso no dia de Páscoa, somente não fui lá em dois anos da minha vida, foram os dois anos que passei lá longe, na Guiné do nosso descontentamento mas que apesar disso nos deixou tantas saudades.

Boa Páscoa, um abraço.
Francisco Baptista

Fotos: Com a devida vénia a Brunhoso
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14399: Brunhoso há 50 anos (3): Festejos do Entrudo (Francisco Baptista)

domingo, 20 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13013: 10º aniversário do nosso blogue (14): Manhã de Páscoa, ao som da Sonata Moonligth, de Beethoven (J. L. Mendes Gomes)

Nos "sete momentos"
Dia de Páscoa


por J. L. Mendes Gomes

Cerraram-se as cortinas brancas das janelas.
As portas largas de alumínio
Ainda estão fechadas.

Dormem na manta do silêncio,
Sob os telhados,
As gentes cansadas do labor.


J. L. Mendes Gomes
Pelas estradas ainda ermas,
Só a chuva corre
Pelas bermas e valetas.

Pelas encostas cobertas
De giestas amarelas,
Correm fios de correntes,
Lá dos cumes.
Rumo ao rio que corre grosso,
Lá mais ao fundo.

É deles que lhes vem
A força toda
E aquela vontade de correr
Com pressa.
De chegar depressa até ao mar.

Oiço Beethoven. 

Na sua Sonata Moonligth,
Ao piano.
Com toques tão brandos.
Quase tristes.
Me dá vontade de chorar...

Mafra, 20 de Abril de 2014, 11h23m

Joaquim Luís Mendes Gomes


[ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66; jurista, reformado; autor do livro de poesia "Baladas de Berlim", Lisboa, Chiado Editora, 2013, 232 pp., preço de capa;: € 14; encomendar aqui]
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Nota do editor:

sábado, 19 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13009: Estórias e memórias de Silvério Dias, radialista, PFA, 1969/74 (2): Relembrando outras Páscoas bem mais amargas...







Fotos: © Silvério Dias (2014). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Silvério Dias, enviando-nos uma divertida sequência com o PIFAS lá de casa, mais este pequeno texto, que se segue e nos vem relembrar outras Páscoas, bem mais amargas do que as de hoje para muitos portugueses, ex-combatentes ou não...


Nesta Quadra e relembrando, "Páscoas do Passado", veio-me à memória uma iniciativa levada a cabo pela já falada "Senhora Tenente do P.F.A." [, foto à esquerda,] ao tempo, "madrinha" de um sem número de "afilhados", dispersos por aquela Guiné.

Batendo às portas do comércio local de Bissau, como. por exemplo, "Casa Gouveia", "Pintosinho", "Mussá Soda", "Taufik Saad" e outras, angariou uns quilos de amêndoas.  Com paciência de "madre", embrulhou-as em pequenos pacotes e através do S.P.M., enviou-os aos "castiços" espalhados pelo "mato".

Calculem, quantos "bate estradas" de agradecimento! E foi tão simples, adoçar a boca, cumprindo a tradição!...

Fica o registo e uns singelos versos, dedicados a tantos que, como nós, tiveram várias Páscoas de Solidão:

Páscoa, celebra-se agora.
E as outras, de outrora?
Quando, em distante missão,
Se sofria de saudade,
Naquela amarga verdade
Do viver em solidão?

Tantas Páscoas se perderam.
Tantos sonhos feneceram,
Porque não foram vividos?
E o que foi, já não regressou.
A vida depressa passou,
Com mágoas nos cinco sentidos.

Silvério Dias
"Poeta Todos os Dias" - Abril 2014.
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Nota do editor:

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Guiné 63/74 - P12469: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (12): Férias da Páscoa em Bubaque - Bijagós

1. Continuação das "Memórias da Guiné" do nosso camarada Fernando Valente (Magro) (ex-Cap Mil Art.ª do BENG 447, Bissau, 1970/72), que foram publicadas em livro de sua autoria com o mesmo título, Edições Polvo, 2005:


MEMÓRIAS DA GUINÉ

Fernando de Pinho Valente (Magro) 
ex-Cap Mil de Artilharia

12 - Férias da Páscoa em Bubaque - Bijagós

Na Páscoa de 1971 consegui uns dias de férias.
Resolvemos eu, a Lena e o nosso filho Fernando Manuel, passá-las no arquipélago de Bijagós.
Esse arquipélago "ocupa uma área de 1478 Km2, distribuídos por cerca de cinquenta ilhas e ilhéus, que emergem do extenso planalto submarino que se localiza a menos de vinte metros do nível das águas"(1).

As ilhas mais importantes do arquipélago de Bijagós são: Orango, a maior, com 313 Km2; Bubaque, sede de circunscrição, com 48 Km2; Caravela (117 Km2); Formosa (115 Km2); Orangosinho (94 Km2); Roxa (90 Km2); Uno (82 Km2); Coraxe (72 Km2); Maio (52 Km2); Ponta (35 Km2); Meneque (35 Km2); Cagono (27 Km2); Uracane (27 Km2); Rubane (18 Km2); Unhacomo (13 Km2); João Vieira; Cavalos; Meio; Poilão; Soga...

A origem do povo do arquipélago de Bijagós é duvidosa.
Lemos Coelho diz ter recolhido a tradição de ter este povo sido expulso do continente pelos Beafadas.
Durante séculos os Bijagós exerceram pirataria na costa, trazendo nativos da parte continental com os quais se cruzavam.
"Os Bijagós distinguem-se dos demais povos por viverem em regime de matriarcado, no qual a mulher, como dirigente da economia familiar, desfruta de prerrogativas especiais.
É ela que toma a iniciativa do casamento.
O convite é expresso por um cabaço de arroz cozido enviado ao pretendido.
No caso de separação é ela também que toma a iniciativa. Põe a esteira e os apetrechos do companheiro à porta da palhota, significando com isso não o desejar mais no lar"(1).

Álvares de Almeida já em 1594 diz que os homens Bijagós nada mais fazem na vida do que três coisas: guerra, embarcações e tirar vinho da palma.
As mulheres, essas fazem as casas, as searas, pescam e mariscam e todo o mais serviço que fazem os homens em outras partes.

Na Páscoa de 1971 desloquei-me em barco militar para a Ilha de Bubaque, sede administrativa do arquipélago.
A viagem foi muito agradável, de tal forma agradável que, por muitos anos que viva, não mais a poderei esquecer.
O mar estava calmo, o céu luminoso, o ar quente.
Quando comecei a aproximar-me do arquipélago fiquei surpreendido com as ilhas que se me desfilavam ao longe.
Os golfinhos davam grandes saltos na proximidade da embarcação.

Entrando propriamente na área do arquipélago, o mar era um canal e a vista sobre as ilhas deslumbrante.
Até ali nunca tinha feito um cruzeiro no Mar Jónio, visitando as ilhas gregas. Na altura supunha que seria uma situação parecida com a que estava a viver.
Mais tarde, quando tive oportunidade de fazer esse cruzeiro pelo Arquipélago Grego, cheguei à conclusão de que a viagem por Bijagós me foi mais agradável, dando-me maior prazer.

Em Bubaque instalámo-nos na Estalagem do Teodoro.
O Teodoro era um negro, já aculturado, que explorava a única instalação hoteleira de todo o Arquipélago.
Essa instalação era composta por umas tantas palhotas que, exteriormente, eram semelhantes às dos Guinéus, mas que interiormente eram dotadas de um quarto, uma saleta e um quarto de banho, divisões devidamente equipadas.

As refeições tinham lugar numa construção de madeira com dois pisos.
No piso superior havia um amplo terraço sobranceiro ao mar onde eram servidas as refeições.
Jantar nesse terraço com o mar praticamente por baixo, o mar que era um canal, uma vez que defronte, não muito longe, se viam perfeitamente outras ilhas; com os golfinhos a exibirem-se continuamente, jantar naquele terraço era uma situação de encantamento e muito prazer.

Aí encontramos o Major Lemos Pires (que mais tarde viria a ser o último Governador de Timor e hoje é General), que também se encontrava em Bubaque em gozo de umas curtas férias com a sua esposa.
Logo que nos viu convidou-nos para a sua mesa, pelo que desfrutámos da sua agradável companhia por alguns dias.
Mais tarde encontrei também o meu colega Linderbrün (engenheiro técnico como eu mas de uma especialidade diferente - enquanto a minha especialidade era engenharia civil a dele era engenharia mecânica).
Estava colocado como Capitão Miliciano em Bissau no Serviço de Material.
Era bom pescador e marisqueiro.
Muitas vezes nos convidou (a mim e à minha família) para a sua palhota, onde preparava peixe grelhado e assava ostras.
Também estava em Bubaque, nessa mesma altura, o Capitão Otelo Saraiva de Carvalho (o estratega do 25 de Abril de 1974) mas não se instalou na Estalagem do Teodoro. Era convidado, segundo julgo, do Administrador.

Os oito dias de férias em Bubaque decorreram com muita satisfação e calma.
Fazíamos praia. A algumas centenas de metros da areia havia, mar dentro, uma protecção contra tubarões, que existiam naquelas paragens. A sua presença era notada sempre que víamos cardumes de pequenos peixes fugindo da sua perseguição até terra firme.
Conversávamos com o casal Lemos Pires.
Comíamos peixe de grande qualidade na Estalagem do Teodoro. E muitas vezes apanhávamos um fartote de ostras na palhota do Linderbrün.

Quando as férias acabaram voltámos a Bissau num barco militar.
Nele vinha o Capitão Otelo Saraiva de Carvalho, a sua mulher e os três filhos, o Intendente e a esposa, o Linderbrün e a mulher e outros de que não me recordo.

A viagem foi iniciada dentro da maior normalidade.
O barco vinha superlotado.
Pouco tempo depois de zarparmos de Bubaque, o vento começou a fazer-se sentir com alguma intensidade.
O mar começou a encapelar. As ondas atingiram alguns metros de altura.
O nosso barco parecia uma casca de noz no meio daquele mar imenso.
As pessoas começaram a assustar-se.
O Intendente, homem já de certa idade, foi-se abaixo.
Numa ocasião em que o nosso barco caiu no cavalo de uma onda para aí de oito metros de altura, a esposa do Capitão Otelo agarrou-se às minhas mãos e, aflita, gritou:
- Senhor Capitão, vamos morrer todos aqui!

Serenei-a como pude, enquanto o marido protegia os filhos.
Surpreendentemente, a Lena e o Fernando Manuel enfrentaram a situação com alguma coragem.
Anoiteceu. Estávamos relativamente perto de Bissau.
As luzes da cidade eram perfeitamente visíveis.
Acabámos por entrar no rio Geba que, tal como o mar, estava também com ondas alterosas. Parecia que o tormento nunca mais acabava.
Finalmente aportámos sãos e salvos.
Foi um alívio.

Desta situação o Capitão Otelo Saraiva de Carvalho, mais tarde, em 1990, sendo entrevistado pelo jornal Público, e sendo-lhe perguntado qual a pior recordação de férias da sua vida, respondeu assim:
"- Na Páscoa de 71, na Guiné-Bissau, regressávamos eu, minha mulher e os nossos três filhos da ilha de Bubaque, no arquipélago dos Bijagós, depois de duas óptimas semanas de férias, quando o barco em que seguíamos, superlotado, esteve prestes a naufragar com um rio/mar encapelado e tormentoso como o Geba o pode ser."

Como não mais me esquecerei da viagem de Bissau até Bubaque por ter sido muito agradável e pelos momentos de encantamento que me proporcionou, não poderei também esquecer, por muitos anos que viva, a viagem de regresso a Bissau, pelas razões que descrevi.

(1) - Enciclopédia Luso-Brasileira
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE DEZEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12435: "Memórias da Guiné", por Fernando Valente (Magro) (11): Passagem de ano na Associação Comercial

domingo, 31 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11332: Blogpoesia (332): Santa Páscoa (Luís Graça)







Candoz, 30 de março de 2013. Fotos de L.G.


A Santa Páscoa da Madalena

Páscoa em Março, fome ou mortaço,
Diz o povo, sem razão,
Na Madalena há o compasso,
Há festa, há união.

Viva o compasso pascal,
Que nos vem visitar,
Franqueando nosso portal,
Santas bênçãos nos quer dar.

Páscoa é vida e vale a pena,
É tradição cá do norte,
E também da Madalena,
Gente alegre e de altivo porte,

É simples a sua mensagem:
Triunfa a vida sobre a morte.
Segue o compasso a viagem
E a todos deseja sorte.

É casa de boa gente,
É um casal abençoado,
Vamos agora dar ao dente
E atacar…o anho assado.


Madalena, Vila Nova de Gaia, 31/3/2013

terça-feira, 26 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11320: Feliz Páscoa para a tertúlia da Tabanca Grande (Manuel Joaquim)

1. Mensagem do nosso camarada  Manuel Joaquim (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, BissauBissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 25 de Março de 2013:

Meus caros Luís, Carlos e Eduardo, queridos camaradas da Guiné:
Para vós e, em vosso nome, para os membros deste blog, desta Tabanca Grande, vão os meus votos de Feliz Páscoa.

Como seria lindo, se fosse possível, todos nos abraçarmos a todos!
Junto um video que pode simbolizar a união para o cumprimento de um objectivo, neste caso uma união de base religiosa, uma procissão para glorificar a ressurreição de Cristo, "inneggiamo al Signore" (louvemos o Senhor).
Que em todos nós, religiosos ou não, crentes ou não na ressurreição, revivam (se for caso disso) ou não esmoreçam os sentimentos de fraternidade e de solidariedade tão necessários nos dias de hoje para acreditarmos nas nossas capacidades, como sociedade e como país.

Um grande abraço
Manuel Joaquim




A propósito do video:

O video que anexo é um excerto da ópera de Pietro Mascagni, "Cavalleria Rusticana", cinematografada por Franco Zeffireli em 1982. Nele intervêm o Coro e a Orquestra do "Teatro alla Scala" de Milão e a mezzo-soprano Yelena Obraztsova (Santuzza) .
Vale bem a pena ver o filme, para quem gosta de ópera e não só, está disponível no Youtube, com Placido Domingo (Turiddu), Renato Bruson (Alfio), Fedora Barbieri (Mamma Lucia) e Axelle Gal (Lola).

Esta cena espectacular de uma procissão pascal está composta por imagens, símbolos e atitudes populares que representam bem esta forma de expressão de religiosidade católica muito comum, há uns bons anos atrás, por toda a Europa mediterrânica. Algumas dessas procissões ainda hoje se fazem. Também em Portugal, basta lembrar Braga.

Sou, religiosamente, agnóstico mas este naco de filme emociona-me, faz-me voltar à minha infância. Vejo estas imagens e revejo-me, garoto, a saltar nas bermas do caminho e a subir a muros para melhor ver passar a procissão, amedrontado e ao mesmo tempo excitado pela visão do andor do Cristo Crucificado à frente de outros como os da Senhora dos Milagres, do S. Jorge, do S. Tiago, do S. Sebastião cravado de setas e a sangrar das feridas ...
A acompanhar esta memória visual vem também a memória olfactiva, vêm os aromas do fumo de incenso e os saídos da murta e do alecrim pisados durante a procissão, o cheiro dos foguetes queimados cujas canas eram um chamariz a que não sabia resistir e, por fim, os belos, aromáticos e doces folares ofertados pelos padrinhos.

Como é bom sentir assomar à superfície de mim a criança que sei que me habita. Mesmo não dando por ela muitas vezes, não a quero perder de maneira nenhuma.

Havemos de continuar juntos, precisamos de estar juntos para vivermos. Até ao fim.

Manuel Joaquim
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