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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24105: Notas de leitura (1559): Histórias Coloniais, por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus; A Esfera dos Livros, 2013 - Pidjiquiti, 3 de agosto de 1959: para cada um a sua verdade (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
Evento de indiscutível importância para o futuro da Guiné, o que se passou no cais do Pidjiquiti em 3 de agosto de 1959 foi alvo de diferentes olhares e os números apontados estão longe de coincidir. O PAIGC manifestou sempre uma certa reserva em chamar a si a greve. A hipótese posta por Leopoldo Amado foi que teria sido Rafael Barbosa e o seu Movimento de Libertação para a Guiné a dinamizá-la, parece próxima da realidade. Mas foi mesmo um momento de viragem, as autoridades sabiam perfeitamente que houvera mudanças nos países vizinhos, um já independente e o outro a caminho, era fatal a aspiração nacionalista.

Um abraço do
Mário



Pidjiquiti, 3 de agosto de 1959: para cada um a sua verdade

Mário Beja Santos

Histórias Coloniais, por Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus, A Esfera dos Livros, 2013, reúne a descrição de uma série de conflitos sociais que ocorreram nas antigas colónias portuguesas e que deixaram rasto para os movimentos de libertação, entre eles o massacre de Batepá, 1953, S. Tomé; a greve do Pidjiquiti, 1959, Guiné; a manifestação de Mueda, 1960, Moçambique; a greve da Baixa de Cassange, 1961 Angola, e o motim 1-2-3, 1966 Macau.

Foquemo-nos nos acontecimentos do Pidjiquiti. Nunca se demonstrou qualquer associação causa-efeito entre a greve de marinheiros e estivadores, mormente da etnia Manjaca, e as atividades do PAIGC. Há muita fabulação e os testemunhos posteriores são contraditórios. Luís Cabral, por exemplo, não insinua nem ao de leve a existência de uma associação. Isto para desdizer o que escrevem os autores, isto é, de que entre a meia centena de membros ativos do PAI (primeira designação do PAIGC) contavam-se marinheiros e estivadores, isto dito a cru e com o que se segue faz subentender o que os factos históricos não demonstram. Verdade era a miséria em que viviam estes trabalhadores: “Os salários mensais variavam entre os 150 e os 300 escudos. E por cada viagem, o tripulante recebia para alimentação certa quantidade de arroz e mais uns 50 centavos para o molho. Ora, o transporte de cabotagem era o que garantia mais elevados lucros às empresas, pois os custos por tonelada transportada estavam entre os mais baratos. Encorajados pelo descontentamento dos estivadores, cuja situação também era escandalosamente má, os marinheiros fizeram saber às empresas que estavam decididos a parar o trabalho se as suas reivindicações não fossem atendidas”. Mas nada aconteceu e veio a greve.

Os autores relevam as diferentes versões a que tiveram acesso, a do Tenente Sousa Guimarães, a de um responsável da Sociedade Comercial Ultramarina, a da PIDE e a do Padre Franciscano Henrique Pinto Rema. Sousa Guimarães envia uma carta em 18 de agosto ao Comandante Salgueiro Rego, alude ao impedimento feito pelos marinheiros da saída de uma lancha da Casa Gouveia, dois agentes da PIDE prenderam três dos identificados, os grevistas revoltaram-se, o patrão-mor chamou a PSP. Começa a pancadaria, dá-se a agressão dos 2 chefes da Polícia, vem então um corpo de agentes da PSP, há tiroteio, e ele escreve que destes acontecimentos resultaram 4 mortos, e vários feridos do lado grevista. A versão da Sociedade Comercial Ultramarina anda próxima da anterior, refere mortos, gente ferida e fugitiva, tendo os feridos sido retirados das embarcações e da água e conduzidos ao hospital, resultaram 7 mortos e numerosos feridos, destes viriam a falecer mais 3 ou 4. A versão da PIDE refere a precipitação dos acontecimentos, os grevistas a tentar libertar os companheiros detidos, as agressões aos polícias, atirando paus, remos e tijolos contra o piquete da Polícia. Houve detenções, o número de mortos foi de 12 e o de feridos de umas dezenas. A própria Polícia publica uma lista identificando 8 mortos. O Padre Henrique Pinto Rema diz explicitamente que estes trabalhadores respondiam às solicitações do Partido, não conseguiu haver diálogo entre as duas partes em confronto, houve 17 guardas feridos e a Polícia começou a matar em força, no final houve uns 13 a 15 mortos e mais cadáveres de marítimos e estivadores foram arrastados pelas águas do Geba, não se sabendo ao certo quantos.

A propaganda do PAI anunciou 50 mortos. Contudo, Amílcar Cabral, numa carta enviada ao angolano Lúcio Lara, refere 24 mortos e 35 feridos. Todo este grave acidente demorou a sanar, os grevistas fizeram exigências, reclamaram a libertação dos presos, aumentos de salários, a saída de António Carreira, gerente da Casa Gouveia, e também a do encarregado da secção marítima da Sociedade Comercial Ultramarina, atribuíram-lhes responsabilidades pelas mortes.

Para a PIDE, tudo se devia essencialmente ao contexto externo, ao papel catalisador da independência da República da Guiné e das emissões da Rádio Conacri, de infiltrações perniciosas. Já na década de 1990, Carlos Fabião, que foi o último Governador da Guiné, atribuía os acontecimentos do Pidjiquiti a três causas: o não cumprimento do administrador da Casa Gouveia da indicação dada pela CUF em Lisboa, no sentido de aumentar os salários aos trabalhadores; um desentendimento entre a PIDE e a administração civil; um ajuste de contas entre polícias Papéis e estivadores Manjacos. Todo este incidente irá transformar-se num símbolo de combate pela libertação, no decurso da reunião do PAI de 19 de setembro de 1959, em que Amílcar Cabral está presente, o líder procura retirar os devidos ensinamentos, a subversão deverá centrar-se nas zonas rurais, era inevitável a partir de agora caminhar-se para a luta armada, ficou decidido a transferência para o exterior de uma parte da Direção do Partido.
Aqui se recorda que há mais interpretações e testemunhos sobre os incidentes do Pidjiquiti. Já se escreveu sobre o relatório do Comando da Defesa Marítima, que vem apenso à História dos Fuzileiros, 3.º volume, dedicado à Guiné, de Luís Sanches de Baêna, Comissão Cultural da Marinha, 2006. António Duarte Silva, no seu livro "Invenção e Construção da Guiné-Bissau", Almedina, 2010, refere abundantemente estes factos a partir da página 102, apontam-se 9 mortos, 15 feridos de certa gravidade e hospitalidades e 23 marítimos presos. O autor recorda que este número de 9 se limita aos cadáveres transportados para a casa mortuária e que nenhum dos relatórios oficiais refere os grevistas que foram abatidos pelos guardas e mesmo alguns civis quando fugiam pela lama e lodo e cujos cadáveres foram arrastados pelas águas do rio Geba. António Duarte Silva cita o historiador Leopoldo Amado, o PAI não teria tido diretamente uma ação naquilo que veio a desembocar em Pidjiquiti. Terão sido ativistas do Movimento de Libertação da Guiné a empenhar-se. Rafael Barbosa era membro deste Movimento de Libertação da Guiné e reconheceu ter sido um dos responsáveis da questão do Pidjiquiti. Barbosa vai estabelecer um pacto com Cabral, o MLG fundiu-se com o PAI.
Em "Os cronistas desconhecidos do canal do Geba", Húmus Edições, 2019, relato a partir da página 252 a versão apresentada pelo responsável do BNU da Guiné. Dirá que houve 12 mortos, 15 feridos e a prisão de muitos e a fuga de alguns. Voltará a escrever em 20 de agosto anunciando que se voltara à normalidade e informa Lisboa do seguinte:
“Há a deplorar o número de vítimas resultantes da repressão prontamente efetuada na medida adequada à intensidade da investida dos amotinados e lamenta-se que estes tenham recorrido à greve como meio de revelar as suas reivindicações, numa ocasião em que o Governo da Província, por intermédio da Secção Permanente do Conselho do Governo estava há tempos procedendo ao estudo do ajustamento dos salários dos trabalhadores indígenas. Verifica-se com satisfação que a vida no cais retomou o seu ritmo normal e que cessou a perturbação provocada na economia da Província pela suspensão da atividade comercial portuária”.

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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24094: Notas de leitura (1558): Fernanda de Castro, uma figura de proa da literatura colonial guineense, autora de livros como África Raiz e Mariazinha (Mário Beja Santos)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24044: Notas de leitura (1551): Quem mandou matar Amílcar Cabral? (José Pedro Castanheira, jornalista, "Expresso", 22 de janeiro de 2023) - Parte I - Talvez "o maior mistério da absurda e inútil guerra colonial"... (Luís Graça)

Amílcar Cabral (1924-1973) > c. 1970 >  Foto  do líder histórico do PAIGC, incluída em O Nosso Livro de Leitura da 2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... A primeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares, tendo sido impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB. (Pormenor curioso: Amilcar Cabral fazia questão de se deixar  fotografar pelos fotógrafos estrangeiros com o barrete ou gorro "sumbia", usado por fulas e oincas... Foi-lhe oferecedo numa Tabanca do Oio ainda antes do início da luta armada,  escreveu o irmão no seu livro de memórias ... Dava-lhe um toque mais africano ou mais guineense. E na verdade tornou-se uma peça emblemática do seu vestuário ou "farda", e que ele usava sempre que visitava, de vez em quando, as "barracas" no mato...)

1. Na Revista do Expresso, edição de 22 de janeiro passado, José Pedro Castanheira (JPC)  (n. Lisboa, 1952), jornalista e escritor, volta a fazer a pergunta sacramental, que todo o mundo já fez e que se vem repetindo ao longo dos anos, "ad nauseam": "Quem mandou mandar Amílcar Cabral?"... São seis páginas de texto e fotografia (Revista, pp. E|32 - E|37), que merecem que façamos aqui uma condensação e uma breve análise.

Já em 1993, o jornalista havia publicado no semanário "Expresso" uma extensa reportagem, com o mesmo título interrogativo, e que depois iria desenvolver em livro, de 326 pp., com igual título, publicado em finais de 1995 sob a chancela da Relógio de Água. (Traduzido em italiano e em francês, teve na sua apresentação o gen Spínola e o Luís Cabral, ambos sentados lado a lado: os inimigos do passado não se conheciam até então pessoalmente.)

Essa reportagem de 1993, um verdadeiro trabalho de jornalismo de investigação, cada vez mais raro na nossa imprensa escrita, e justamente premiado,  levou-o, além da visita ao local, em Conacri, onde Amílcar Cabral foi morto a tiro por Inocêncio Cani, a outros sítios e a entrevistar cerca de meia centena de pessoas, oriundas de Portugal, Guiné-Bissau e Cabo Verde. 

Para a elaboração do livro fez uma nova ronda de entrevistas e teve acesso, em primeiríssima mão, a dois importantíssimos arquivos portugueses: (i) o Arquivo da PIDE/DGS, à guarda da Torre do Tombo; e (ii) o Arquivo Histórico-Diplomático, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, para além das Actas do Conselho Superior de Defesa Nacional

"O livro provocou uma enorme polémica. Principalmente porque questionava a versão oficial do crime, em que coincidiam, quer o Presidente Sékou Touré, quer o PAIGC, e que a generalidade das organizações anticolonialistas aceitou pacífica e acríticamente" (pág. E|34):  o autor moral do crime eram os colonialistas portugueses, dividindo-se as culpas pelo  gen Spínola e a PIDE/DGS.  

Ainda hoje há muita gente, a começar naturalmente por antigos altos dirigentes do PAIGC (como o 'comandante' Pedro Pires, cabo-verdiano, ex-presidente da República de Cabo Verde, entre 2001 e 2011) que continua a defender essa tese, a que não é alheio o trabalho de dois jornalistas que não podem ser considerados, segundo JPC, "independentes". Cita os casos do moçambicano, de origem goesa, Aquino Bragança e do russo Oleg Ignatiev.

Ainda hoje Pedro Pires, sem qualquer suporte documental, nem evidência factual, continua a incriminar Spínola e a PIDE/DGS, como de resto o fez no discurso de abertura do Fórum Amílcar Cabral, 18 de janeiro de 2013 (e que foi transcrito na íntegra por "A Semana 'On line'", Praia, Ilha de Santiago, Cabo Verde, 20 de janeiro de 2013, uma publicação mutimédia próxima, política e ideologicamente, do PAICV, o Partido Africano para a Independência de Cabo Verde). Vale a pensa transcrever um excerto:

(...) "Do lado das autoridades coloniais, estava em curso uma campanha militar desesperada, lançada pelo seu Comando político-militar, na tentativa de reverter a seu favor o estado de equilíbrio militar, portador de muitos riscos, que vinha prevalecendo, apostando na recuperação das regiões libertadas, o que estava a ser muito difícil, conjugada com uma intensa e diversificada campanha sociopolítica demagógica, em torno da chamada Guiné Melhor. 

"O recurso ao assassinato do Líder do PAIGC insere-se na busca de saída para o grave dilema em que vivia o poder colonial, precisamente, quando sentia que estava em vias de perder a guerra, com consequências desastrosas para o futuro do império colonial. Nada melhor do que decapitar o PAIGC, solução experimentada em outras guerras coloniais. Reside aí a razão principal da decisão última de avançar com a operação do assassinato de Amílcar Cabral pelos serviços secretos portugueses e por seus homens-de-mão."(...)

Mas voltando  ao Aquino de Bragança (1924-1986): era então um importante quadro e intelectual da FRELIMO, sendo  "o único jornalista estrangeiro autorizado a fazer uma investigação in loco", ou seja, em Conacri (estamos a citar o JPC.).

As suas fontes maioritárias terão sido as "confissões dos conspiradores arrancadas através de tortura", o que é ética  e deontologicamente inadmissível para jornalista profissional. Um mês depois, escreveu um artigo na "Jeune Afrique" e a sua versão "passou a ser uma espécie de verdade oficial"... E incontestada, durante anos.

Oleg Ignatieev foi outro jornalista a escrever sobre a trágica morte de Amílcar Cabral ("Três tiros da PIDE - Quem, porquê e como mataram Amílcar Cabral" (Lisboa, Prelo, 1975, 185 pp.). Para JPC, o Ignatiev não tinha a "indispensável credibilidade", tudo indicando que ele, na época, devesse  pertencer ao KGB, os serviços secretos da antiga União Soviética. 

É desta fonte a hipótese do envolvimento, na conspiração, de altos  quadros dirigentes do PAIGC, guineenses, como o Osvaldo Vieira, primo-irmão do 'Nino' Vieira...

A reportagem do JPC sobre "o maior mistério da Guerra Colonial" (que ele adjetiva como "absurda e inútil") partia de "quatro hipóteses plausíveis, muito provavelmente interligadas":

(i) uma ação do gen Spínola e dos seus homens, na iminência de "perder a guerra":

(ii) uma operação especial da PIDE/DGS, além fronteiras;

(iii) uma jogada maquiavélica e antecipada de Sékou Touré, um ditador que sonhava com a "Grande Guiné", e via no Amílcar Cabral um rival de estatura pan-africana;

(iv) o desfecho inevitável da crescente conflitualidade existente no interior do PAIGC, entre os combatentes (guineenses) e a "nomenclatura", dirigente (cabo-verdiana). 

A reportagem de 1993 não era conclusiva nem o livro de 1995 (tal como não o é nenhuma outra investigação, independente, feita até agora, em qualquer outra parte do mundo).     


O livro do  JPC foi mal recebido, nomeadamente em Cabo Verde, sendo o autor acusado de "branquear" o papel dos militares portugueses e da PIDE/DGS. 

Da Guiné-Bissau, o JPC não teve reações. O livro nem sequer lá foi apresentado. E o próprio Amílcar Cabral é, diz ele no fim deste artigo que estamos agora a recensear,  uma figura histórica, cada vez mais esquecida e ignorada, como se ele nem sequer fosse guineense de nascimento... (Em contrapartida, o aeroporto internacional de Bissau continua a ostentar, "suprema ironia", o nome do suspeito ou controverso Osvaldo Vieira.)

Mas,  nos anos seguintes, o JPC continuou a aprofundar a sua investigação, explorando nomeadamente o inesgotável poço de informação que é o arquivo da polícia política do Estado Novo e as entrevistas dadas por alguns dos seus antigos operacionais, com destaque para o ex-inspetor Fragoso Allas, homem da confiança de Spínola, e que chefiava a delegação de Bissau (foi entrevistado em 2017 pela historiadora Maria José Tíscar, vivia ele então na África do Sul).

O que o JPC constatou, "com surpresa" (sic), foi que a PIDE/DGS estava infiltrada ao mais alto nível, na direção do PAIGC, "com acesso direto a Cabral"!...

E quanto ao Spínola e o seu estado-maior? Contra ele, Spínola tem a Op Mar Verde, a invasão de Conacri em 22 de novembro de 1970, em que deliberadamente que se quis mudar o regime em Conacri e decapitar o PAIGC: a liquidação de Sékou Touré e de Amílcar Cabral. (Aqui o JPC parece ter esquecido que as instruções que o comandante Alpoim Calvão tinha era para apanhar o Amilcar Cabral, "vivo ou morto": mas ele valia muito mais vivo e trazido para Bissau).

 Fracassada a operaçáo ou gorados os objetivos político-militares mais importantes, Spínola passou a empenhar-se cada vez mais noutras soluções para o conflito.

"Todos (ou quase todos) os oficiais com responsabilidades em Bissau já abriram os seus baús de memórias. Memórias muito variadas, por vezes contraditórias, onde se denotam velhos ódios e ajustes de contas, mas que não incluem a eliminação do comandante inimigo, pelo menos em 1973. Com efeito, desde 1971 que Spínola se virara afanosamente para a busca de uma solução política, mulltiplicando-se em iniciativas para chegar à fala com Amílcar Cabral " (pág. E|36).

Por outro lado, das atas do Conselho Superior de Defesa Nacional, órgão que acompanhava toda a evolução dos acontecimentos nos três teatros de operações, não há sequer  qualquer alusão à morte do líder histórico do PAIGC. 

Em conclusão, pode dizer-se, segundo JPC, "que dos arquivos portugueses e das memórias dos seus principais intervenientes, já tudo ou quase tudo se conhece". O mesmo não se passa "do outro lado"...

Veremos, noutro poste,  a segunda parte do bem pensado e estruturado artigo do JPC.

(Continua)
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sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23794: Notas de leitura (1519): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Temos agora o repositório das aeronaves que a FAP foi adquirindo (ou procurou adquirir) para as três frentes da guerra de África. Recordo que me limito à recensão de factos que reputo de relevantes, julgo não ter aqui cabimento entrar em detalhes técnicos, em que os autores são competentes e rigorosos. Temos aqui o histórico das compras, uma boa parte delas bem-sucedidas, recusas e tentativas de aquisições a vendedores privados.Com o andar da guerra, foram crescendo as dificuldades, noto como curiosidade que perto do 25 de Abril o ministro Rui Patrício parecia estar a ter sucesso na compra de aviões Mirage, nessa altura já estava adquirido um sistema de defesa antiaérea para Bissalanca, o Crotale, admitia-se a probabilidade de ataques aéreos, o Crotale fora o sistema aprovado. Com o 25 de Abril, foi revendido.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (4)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Depois de sumariar o prefácio, entrámos no primeiro capítulo intitulado “O Vento da Mudança”, verificaram-se as alterações operadas no início da era de descolonização e as consequências que vieram a ter na colónia da Guiné. Começou a luta armada na Guiné, já se verificou que a NATO se recusou em ceder meios, considerou que as guerras de África excediam a defesa atlântica; o que obrigou a uma reviravolta substancial das prioridades do regime na área da defesa. Referiu-se que em 1957, Kaúlza de Arriaga, então Subsecretário de Estado da Aeronáutica, ordenou à Força Aérea que se preparasse para a sua implantação em África. Em conformidade, a FAP iniciou em 1958 um conjunto de missões para determinar quais os requisitos organizacionais nos territórios africanos. Em 1960, o Conselho Superior de Defesa Nacional decidiu as prioridades no planeamento num contexto exterior ao da NATO. No que respeita à Guiné portuguesa, a missão fundamental das Forças Armadas tinha dois objetivos: manter a ordem e a paz no território e garantir, a todo o custo, a manutenção da nossa soberania. Articularam-se três prioridades imediatas: formação de uma eficaz vigilância interna e das fronteiras, deu-se o reforço da presença da PIDE; disseminação das forças de segurança ao longo das fronteiras e em pontos estratégicos; estreitamento da cooperação civil-militar.

Peixoto Correia, governador, assumiu o comando das duas companhias de infantaria e tinha o apoio de uma bateria de artilharia, meios manifestamente insuficientes para a nova realidade; o Estado-Maior recomendou o reforço imediato e foram despachados contingentes militares, entre eles um pequeno quadro de aviadores, paraquedistas e pessoal de apoio – eles irão travar a campanha aérea mais intensa da história de Portugal.

Entramos agora no segundo capítulo “Aviões com a Cruz de Cristo”. Os autores recordam que a FAP foi formalmente constituída em 1 de julho de 1952, tinha dois serviços, o Serviço Aeronáutico Militar e o Serviço de Aviação da Armada. Foram adquiridas aeronaves atribuídas a cinco aeródromos operacionais, perto de trezentos aviões, é explicada a natureza e a utilização de tais aeronaves, detalha-se a sua fixação em aeródromos e composição orgânica. A FAP foi afetada por lhe ter sido alocada um equipamento obsoleto, manifestamente inadequado para uma guerra aérea moderna, mesmo para padrões da década de 1950.

Como membro fundador da NATO, Portugal obteve acesso a novas fontes de material e a formação compatível. Chegaram em 1952 dois aviões britânicos de treino Havilland Vampire T.55; no ano seguinte, os EUA enviaram cem novos caças-bombardeiros F-84G, a FAP entrava na era do jato, criaram-se dois esquadrões, era na Ota e em Tancos que se dava instrução complementar. Em 1954, a FAP recebeu o seu primeiro helicóptero, um Sikorsky YH-19 Chickasaw e 65 aviões Sabre F-86F. Estas aquisições custaram cerca de 348 milhões de dólares, qualquer coisa com um quarto dos gastos da defesa de Portugal nesse período.

A FAP está nesta altura sob a tutela do Subsecretário de Estado da Aeronáutica Kaúlza de Arriaga, que também criou o Batalhão de Caçadores de Pára-quedistas. Apesar destas novas aquisições, era manifesto o atraso da FAP face aos seus homólogos da NATO, isto no final da década de 1950. Na verdade, a maioria das forças aéreas aliadas já voavam em aviões de combate supersónicos, Portugal tinha acabado de receber o F-86F que tinha sido o avião de caça mais usado na Guerra da Coreia. Estes F-86F chegaram a servir em África, bem como os F-84G. Eram estes os aviões que estavam na linha da frente em Portugal e na Turquia. Com a eclosão da guerra em Angola, em fevereiro de 1961, a FAP levou para Luanda os F-84G. Este contingente F-84G representou o primeiro destacamento operacional de aviões militares portugueses para a África, desde o período imediatamente a seguir à Primeira Guerra Mundial.

Com a guerra de África em três frentes, a FAP adaptou as aeronaves de que dispunha às necessidades operacionais. O PV-2 Harpoon foi despachado para África para combater a guerrilha. Vários modelos da família T-6 foram adaptados para transportar armamento ofensivo. À medida que a década de 1960 avançava, a FAP procurou melhorar as suas capacidades adquirindo novas aeronaves, mas manteve uma frota largamente obsoleta na guerra de África. O F-86 era um avião de sucesso, mesmo na era pós-1945. Os pilotos gostavam deste avião de caça pela sua agilidade. Foi muito importante na guerra da Coreia e mostrou-se superior ao MiG-15 soviético e mesmo sobre o MiG-17. Teve uma apreciável carreira, até se “aposentar” ao serviço da Força Aérea Boliviana, em 1994. Portugal adquiriu 65 aviões em segunda mão aos Estados Unidos e à Noruega, deu origem aos “Falcões”, sediados na base aérea de Monte Real, foram entregues como parte do rearmamento da NATO e destinados ao uso na “Área da NATO”, o que os excluía dos territórios africanos.

Centenas de milhares de aviadores norte-americanos e aliados aprenderam a voar em T-6 norte-americanos, chamados SNJ na Marinha dos EUA e Harvard no Reino Unido, no decurso da Segunda Guerra Mundial. Com licença dos EUA, estiveram ao serviço nas forças armadas de 55 nações, participaram em 40 guerras, conflitos e revoltas. A FAP recebeu um total de 251 T-6.

O Fiat G.91 entrou em funções na NATO para apoio terrestre e reconhecimento de ataque. Só a Itália e a Alemanha Federal aceitaram o G.91. EM 1966, quando Portugal se apercebeu da inviabilidade em adquirir novos aviões de combate nos EUA e Reino Unido, recorreu à Alemanha Federal para obter o Fiat G-91. Portugal adquiriu 12 aviões para patrulha marítima Neptune construídos nos EUA, foram comprados em segunda mão através da Holanda, em 1960. Era originalmente destinado à vigilância marítima e à guerra submarina, foi depois adaptado para missões ar-terra, mas detetou-se a falta de um sistema de precisão que limitava a sua utilidade em ataque terrestre; podia transportar até 6 toneladas de bombas, rockets, torpedos ou cargas de profundidade. O último Neptune foi retirado do serviço de Portugal no ano de 1977.

O Douglas B-26 Invader fez uma breve aparição na Guiné. Era capaz de transportar grandes cargas, entrou em combate em 1944, fez a guerra do Pacífico e a da Coreia, destruindo dezenas de milhares de estradas e ferrovias inimigas, esteve presente na crise do Congo, na invasão da Baía dos Porcos e na guerra do Biafra. Portugal começou por pedir para comprar 24 B-26, mas foi-lhe recusado, tentou-se a sua compra através de um fornecedor privado norte-americano, apenas 7 foram entregues antes dos restantes terem sido apreendidos pelas autoridades norte-americanas. Dois B-26 foram enviados para a Guiné em 1971 para uma avaliação operacional antes de seguirem para a Angola. Na Guiné realizaram 55 missões de combate, incluindo três dúzias de bombardeamentos.

Vamos seguidamente falar do Alouette II.


Salazar conversa com Dirk Stikker, Secretário-Geral da NATO, 1961, os dois primeiros à direita são Gomes de Araújo e Franco Nogueira
Kaúlza de Arriaga, Subsecretário de Estado da Aeronáutica
A Base das Lajes nos Açores, em meados de 1950, veem-se aviões da FAP e da Força Aérea dos Estados Unidos
As bases da Força Aérea em 1952-1959
Um dos aviões de treino Havilland Vampire T-55 entregues a Portugal

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 11 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23776: Notas de leitura (1515): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (3) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23793: Notas de leitura (1518): "Uma longa viagem com Pulido Valente", de João Céu e Silva (Lisboa, Contraponto, 2021, 2924 pp) - O Estado Novo, a guerra colonial, o Exército e o 25 de Abril (Luís Graça) - Parte II: A guerra de África não foi nada parecido como o trauma da I Grande Guerra...

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23703: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (53): A Sebastiana Valadas (1º episódio da série da SIC, "Despojos de Guerra") e os "cantineiros do mato" em Angola


Angola > Grupos étnicos > Distribuição geográfica (1970). Actualizados os nomes das cidades.Todos estes povos são bantos, com exceção dos Khoisan (Boximanes e Hotentotes)

Fonte: Angola_Ethnic_map_1970-de.svg / Wikimedia Commons (adaptado, com a devida vénia).


1. Mensagem de António Rosinha (ex-fur mil, Angola, 1961/62, topógrafo na vida civil, retornado, tendo mais tarde vivido e trabalhado na Guiné-Bissau, na TECNIL, no período de 1987/93; tem mais de 130 referências no blogue, é autor da série "Caderno de Notas de Um Mais Velho":

Data - 12 out 2022 15:19 
Assunto - Sebastiana Valadas (SIC) e um pouco da guerra no Leste de Angola.

Sebastiana Valadas contou um episódio da sua vida em Angola, na SIC (*), empolado, ou não, mas esta mulher sabe mais mas muitíssimo mais sobre o assunto e sobre aquilo que passou, mas quem quis como estas pessoas retornadas, que ficaram" para ver o fundo ao tacho", com certeza que terão dificuldades para abordar muitos pormenores que inevitavelmente viveram.

Conclusão, Sebastiana não disse "nem da missa metade"..

Pelo que se depreende daquele pedaço de entrevista fica a ideia que a vida dela teria sido sempre comerciante naquele fim de mundo.

Ora se assim foi, aquela mulher fala no mínimo uma língua indígena, e ali talvez falasse duas, pois aquela estação está situada numa região onde predominavam ganguelas  (**) e quiocos ou chócues. 

Atenção, para quem não é nem foi comerciante, "quem não é competente, não se estabelece", quero eu dizer que, aqui especialmente, se alguém quisesse ter sucesso, tinha que ter muitas competências, uma delas era ser poliglota.

Eu nunca consegui aprender nem crioulo, mas também problema do meu ouvido, ao contrário de colegas que tive que chegavam a falar 2 e 3 dialetos, a quem chegávamos a fazer exames, tínhamos muitos juris, os contratados, se era verdade ou falso.

Esses poliglotas não precisavam de intérpretes para nada, era uma vantagem enorme para poder entrar facilmente em ambientes tribais.

Como é que se fazia um "comerciante do mato"? Ou já herdava o negócio que pode ter sido aqui o caso, muita família em volta, ou praticando de jovem como empregado de uma casa deste género.

E, chegando a adulto, se sentisse as tais competências necessárias, era fácil estabelecer-se, mesmo sem capital, entrava em contacto com um grande armazenista/fornecedor... um historial que só conheço de ouvir, enfim, vi fazerem-se grandes endinheirados, e outros dar com os burrinhos na água.

Quando num jornal em anúncio se pedia empregado de balcão, para Luanda, se fosse para trabalhar no muceque, até sotaque de Luanda tinha que demonstrar para se considerar apto.

Voltando a Cassai-Gare, Cassai é um lindo rio, de águas límpidas e com diamantes, e que será o rio que dá o nome àquele lugar.

Andei na tropa em 1962, naquela zona numa companhia indígena, ainda aparece o nome no Google Earth a aldeola onde ficava a Companhia, era Nova Chaves, bem perto de Cassai-Gare, mas há ainda a sanzala Cassai onde tivemos um pelotão, de vez em quando vou ao Google, está ainda tudo no mesmo lugar.

Vim de Luanda para este fim de mundo, voluntário, para escapar a um capitão que me garantiu que ainda me havia de arranjar 9 dias de prisão, já me tinha dado 3 dias de detenção.

Já outra vez me tinha oferecido em 1961 para o Norte, como voluntário para fugir a outro capitão, que levou uma rabecada do Comandante do RIL, de Luanda, por minha culpa porque como sargento de dia não obriguei os faxinas a fazer a higiene da companhia, exemplarmente, numa revista semanal de sábado.

Talvez passasse o meu tempo de guerra todo em Luanda na santa paz das praias de Luanda, pois não me convocavam porque não havia arma para mim, armas pesadas de infantaria.

Mas voltando a estes comerciantes, em geral começavam como jovens, solteiros, e origem de quase todos eles, com raríssimas excepções vinham por esta ordem, Trás-os-Montes e Alto Douro, Minho e um ou outro beirão, poucos, e mais antigos também havia açorianos e madeirenses.

Para mim, aquilo em Angola, se não fossem estes comerciantes, e se em 1961 Salazar tivesse "dialogado" com Agostinho ou Holden Roberto, milhões de angolanos tinham ficado sem brancos, sem saberem o que foi haver branco em Angola, nem Angola dizia qualquer coisa àquela gente.

No caso daquele fim de mundo onde já havia uma linha de caminho de ferro com estação e tudo, vem tudo na Internet, sabemos que foi iniciativa do tal inglês que Norton de Matos queria copiar, Cecil Rodes, e que era para transportar os minérios ingleses e belgas, para o porto do Lobito.

E tinha estação naquele fim de mundo para quê? Aqui entram também os tais comerciantes como Sebastiana.

Sabemos que o negócio era de permuta, e ali era uma região de muita mandioca, muitíssima cera, peles de caça, muitas onças em armadilhas, e toda essa mercadoria ia para os fornecedores (em conta corrente), que ou eram de Nova Lisboa ou Lobito.

Pormenores que muita gente mesmo em Angola nem sabia para que era esta linha, mas no tempo da safra da mandioca, o caminho de ferro deixava em cada estação entre Silva Porto e Teixeira de Souza, um vagão de mercadorias, onde os comerciantes depositavam a mandioca da permuta, e no dia combinado vinha uma locomotiva e rebocava todos os vagons para o porto do Lobito, era uma composição enorme digna de se ver, como eu cheguei a ver, ao longe, com a mandioca branca devido a um tratamento próprio que se chamava crueira,

Mas havia,  além dos comerciantes, outras figuras que entravam nesta guerra do Leste (ZIL). Eram os madeireiros que se dizia que estariam feitos com o duvidoso Savimbi.

E naquelas regiões havia ainda outras figuras muito variadas, uns a fazer negócios de diamantes, outros a enfiar barretes com diamantes, aquilo era uma guerra muito interessante.

Mas uma coisa era que naqueles distritos os Governadores de distrito (militares) tinham um trabalho muito especial directamente com as populações e todas as autoridades, PIDE, Chefes de Posto, judiciária, milícias, e ligados sempre com a tropa.

Conheci em 1970, na Lunda o trabalho de Major Soares Carneiro, mais tarde candidato a Presidente da República..

E, no Cuando Cubango até 1974, conheci o Major Branco Ló, ali os movimentos "andavam na linha", mas não vamos trazer aquela guerra para aqui, pormenorizando, que traria muitas discussões. Mesmo lá em Angola, Cabinda era uma coisa, e o Norte era outra coisa e o Leste outra. Só não trabalhei nem lutei em Cabinda.

Eu defendo sempre os comerciantes do mato, porque sei que muitos militares que passaram os 24 meses em Angola, saíam com a convicção que eram uns "gatunos dos negros", que tratavam mal os negros, enganavam os negros, na balança, no livro, etc.

Tal como se dizia do merceeiro da aldeia e o rol do merceeiro.

Penso que é tudo o que me ocorre sobre sobre os comerciantes, colonialistas e imperialistas.

Um abraço, Antº Rosinha (***)

PS - O soldado nunca teve tempo de compreender que a guerra durava e o comerciante continuava no seu posto, no meio daquela gente, sempre com a mesma tranquilidade


"Despojos de guerra": é uma série de 4 episódios sobre a guerra colonail, que está a passar na SIC Notícias, durante o mês de outubro. No passado dia 6, 5ª feira, foi a estreia da série, com a exibição do 1.º episódio ("A informadora", 51' ). Próximos episódios: dias 13, 20 e 27.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23677: Agenda cultural (818): "Despojos de guerra", série em quatro episódios, de 40' cada, sobre a guerra colonial: estreia hoje na SIC, no Jornal da Noite

Vd. também postes de:

9 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23677: Agenda cultural (818): "Despojos de guerra", série em quatro episódios, de 40' cada, sobre a guerra colonial: estreia hoje na SIC, no Jornal da Noite

10 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23689: "Despojos de Guerra" (Série documental de 4 episódios, SIC, 2022): Comentários - Parte II - Luís Graça: Percebe-se agora melhor por que é que a PIDE/DGS, os seus agentes e os seus informadores, tiveram um tratamento tipo "português suave", a seguir ao 25 de Abril de 1974

(**) Vd, poste de 21 de novembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12319: Manuscrito(s) (Luís Graça) (13): Três histórias ganguelas, três pérolas da sabedoria angolana... E onde se fala da atualidade dos Baratas, dos Cavetos e dos Heróis

(***) Último poste da série > 15 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17862: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (52): Das pequenas recordações dos vários quartéis a mais artística que ficou lá a "apodrecer", foi o memorial na ponte de Caium

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23689: "Despojos de Guerra" (Série documental de 4 episódios, SIC, 2022): Comentários - Parte II - Luís Graça: Percebe-se agora melhor por que é que a PIDE/DGS, os seus agentes e os seus informadores, tiveram um tratamento tipo "português suave", a seguir ao 25 de Abril de 1974


Carta de Angola (1968). Escala 1 / 2 milhões. Posição relativa de Luso, Luanda e Benguela. 

Fonte: Excerto de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo I; Angola; Livro 2; 1.ª Edição; Lisboa, 2006, pág. 8 (Com a devida vénia...)


1. Comentário de Luís Graça ao poste P23677 (*):

Vi na quinta feira (e revi depois, com mais atenção) este 1º episódio ("A informadora"). 

Não tinha expectativas muito altas, porquanto o jornalismo de investigação  em televisão é caro, muito caro. E depois gostava que a série documental, em 4 epísódios, fosse mais explícito sobre o sentido do título genérico "Despojos de guerra"...

Cortesia de Mosurlow / 

Mas, pensando bem, parece haver um fio condutor entre os vários episódios: 

(i) o trabalho (sujo e perigoso, em todas as guerras) do "colaboracionismo" (1º episódio);

(iii)  a "ingratidão" e a "injustiça" do colonizador que abandona os seus "harkis" (o termo, de origem árabe, tem um sentido depreciativo, na Argélia, e refere-se aos "auxiliares" norte-africanos que lutaram do lado dos franceses, durante a guerra da independência da Argélia, em 1954-62 (2º episódio); 

(iii) menos óbvia, é a inclusão do episódio do Miguel Pessoa e da sua futura companheira Giselda, nossos queridos amigos e camaradas, na sequência do abate, por um Strela, do primeiro Fiat G-91, em 25 de março de 1973, sob os céus de Guileje (3º episódio, "Corredor da Morte";

(iv)  e, no quarto episódio, esse mais óbvio, os "filhos do vento", os "restos de tuga": como em todas as guerras, esses, sim, são "despojos de guerra", já o Miguel e a Giselda não sei se não se vão ofender...

Quanto às fontes documentais, não me pareceu haver nada de novo (nomeadamemte filmes de arquivo inéditos, a não ser talvez imagens de tropas do MPLA e de um interrogatório, no mato, a prisioneiros portugueses) e com o reparo de não se identificar a sua origem, com exceção das imagens do Arquivo RTP...

Voltaram a usar-se, sem citar a fonte, imagens já estafadíssimas do documentário "Guerre en Guinée" [, "Guerra na Guiné", ORTF, Paris, 1969] , há muito disponível no portal do INA - Institut national de l'audiovisuel (13' 58'') e... no nosso blogue

O vídeo da ORTF, feito no decuros da Op Ostra Amarga,  tem sido utilizado "ad nauseram" pelas nossas televisões quando se fala da guerra colonial, à falta de "material nacional" (que era isso que competia fazer  à RTP de então e aos fotocines do exército).

A única novidade é o uso da técnica de "colorização" de filmes e imagens antigas, a preto e branco. É uma técnica há muito disponível no mercado mas pouco frequente em documentários da nossa televisão... Imagino que não seja uma técnica barata... Gostei de ver imagens de Luanda de 1961, cidade que só conheci a partir de 2003...

Quanto à Sebastiana Valadas..., bom, temos de reconhecer que é um achado. Como e onde é que a terão desencantado? Através, seguramente, dos arquivos da PIDE/DGS... Parece que vive no Alentejo, pelo que li no Expresso, de 18/2/2022. Teria ido  com os pais, com oito anos, para Angola, fugindo presumivelmente da miséria onde nasceu... E, como não terá conhecido outro paraíso, sentia-se angolana (mais do que portuguesa) de alma e coração...

A entrevista, semi-diretiva, feita pela Sofia Pinto Coelho, acho que é de "antologia"... A jornalista consegue obter informações que são dignas de nota: 

(i) Angola em 1961 não tinha "nada a ver com Portugal" (sic); 

(ii) Luanda "rivalizava" com Lisboa, no desenvolvimento, no  progresso, no chique, no "glamour"; 

(iii) "Gostava de viver a guerra" (sic), apesar de ter vivido com o credo na boca e ter estado entre fogos cruzados dos militares dos vários movimentos nacionalistas em confronto em Luanda; 

(iv) Admirava a Kalash, russa, que os guerrilherios do MPLA empunhavam  quando vinham à sua loja para se abastecerem de tabaco, sal, peixe seco, vinho  e outros produtos ("umas vezes pagavam, outras não"); 

(v) "eu e o meu marido demos cabo da 4ª Região Militar do MPLA" (uma fanfarronada...): 

(vi) e, afinal, fomos utilizados como "carne para canhão", lá no cu de Judas,  e aqui estou eu, expulsa de Angola, a morrer na miséria, sem direito sequer a uma pensão pelos meus serviços (e do meu marido) ao País... enquanto a PIDE/DGS estava, em 1972,  no "bem-bom" do Luso.

O casal (a Sebastiana e o marido, Avelino Durães, nome de guerra "Ferro",  apresentados como "agentes duplos") caiu na asneira de ficar em Angola, depois da independência, apesar dos avisos da própria polícia política de que ambos poderiam  correr sérios riscos de morte pelos resultados da Op Fina Flor, em 1972, em que foi preso entre outros o comandante João Arnaldo Saraiva de Carvalho, futuro general embaixador e chefe da polícia nacional de Angola... (Com ele terão sido captutados 6 elementos do MPLA e 3 terão sido mortos, não sabendo nós se esta Op Fina Flor foi exclusivamente pela PIDE/DGS ou pelo Exército.)

A expressão "agente dupla" é talvez abusiva: estes "cantineiros do mato", lá no "cu de Judas" (título de um conhecido romance do António Lobo Antunes), limitaram-se a "jogar com o pau de dois bicos", como aconteceu na Guiné com os comerciantes, poucos, que restaram no interior depois do início da guerra, em 1963.

A entrevista com o João Arnaldo Saraiva de Carvalho (nome de guerra, "Tetembwa", mestiço, que eu presumo ser  filho de pai português e de mãe angolana, que vem do interior para estudar em Luanda, tendo feito o 7º ano no Liceu Salvador Correia, onde teve como colega de turma o futuro presidente da república José Eduardo dos Santos, e que depois vai para Coimbra frequentar o curso de direito... e que entretanto é mobilizado para Guiné e decide desertar, fugindo com a esposa, também colega de curso, e seguindo o caminho que trilharam muitos outros africanos que estudavam nas universidades portuguesas (Lisboa, Coimbra e Porto): neste caso, a França, a Zâmbia, a URSS...)... Essa entrevista, dizíamos, não é feita pela equipa da SIC, portanto não é material de "primeira mão", remonta a 2015, é de fonte angolana, está disponível na Net:

https://www.tchiweka.org/pessoas/joao-saraiva-de-carvalho

Ficámos a saber que a Associação TCHIWEKA de Documentação (ATD) "é uma pessoa colectiva de carácter voluntário e sem fins lucrativos, com a missão fundamental de promover e divulgar actividades culturais, científicas e educativas que contribuam para preservar a memória e aprofundar o conhecimento da luta do Povo Angolano pela sua independência e soberania nacional"...

No sítio da ATD publica-se também a "Ordem de serviço do MPLA nº 28/71 (Lusaka), de Daniel Chipenda",  com a nomeação do Comando da 4ª Região: Mwandondji (comissário político com funções de comandante), Augusto Alfredo «Orlog» (operações), João Saraiva de Carvalho «Tetembwa» (adjunto do comando). 

Nunca tínhamos ouvido falar desta IV Região Militar do MPLA. Recorde-se que o Daniel Chipenda (1931-1996), antigo jogador de futebol  da Académica de Coimbra e do Benfica, saído clandestinamente de Portugal em 31 de agosto de 1962, foi o responsável pela abertura da Frente Ldo este do MPLA.  A primeira acção a primeira acção no Leste terá ocorrido em 16 de maio de 1966, na região de Lumbala,  e nela terão morrido sete soldados portugueses. Mas depois perdeu influência, em 1972, devida à contra-ofensiva das NT. (Vd. CECA, 2006, op cit, p. 152).

... Em 1972, o "Tetembwa" é preso por denúncia dos agentes duplos, a Sebastiana e o marido... Como recompensa, a PIDE, face ao grande "ronco" (como dizíamos na Guiné), aumenta a avença mensal do "Ferro"  para o dobro, oito contos  (antes recebia quatro contos pelos seus serviços, dele e da esposa), além de uma recompensa choruda de 30 contos (o equivalente, a preços de hoje, a 7.253,42 €)... (Tudo isto documentado em papel timbrado da PIDE.)

Depois da independência, o casal que decidira, levianamente (?),  continuar em Angola, é preso, certamente por denúncia ou buscas da polícia, o "Ferro" é torturado pelo próprio "Tetembwa" mas nunca terá confessado quem denunciou a presença deste comandante e do seu grupo na loja, em Cassai-Gare (estação do caminho de ferro da linha de Benguela, província de Moxico, cuja capital era o Luso, hoje Luena), no leste, na região dos diamantes... Ao fim de ano e meio de prisão, foi solto, sem julgamento, e expulso para Portugal onde entretanto viria a morrer...

Acho que o episódio vale sobretudo pelas "confidências" (cruas, despudoradas, mas sinceras e serenas, autênticas, com alguma basófia aqui ou acolá, quiçá demasiado ingénuas..., confundindo-se às vezes ingenuidade com desassombro) desta mulher, que é entrevistada na cozinha da sua casa (no Alentejo?) enquanto ela e outra matam e depenam um enorme galo (que seguramente não era o da UNITA)...

Claro que ela sabia que, na vida e na guerra, é difícil (e sobretudo perigoso) servir dois senhores, manter dois amores, defraldar duas bandeiras... (Sem querer, ela denuncia alguma atração por aqueles rapazes de vinte anos a que ela chama "turras", que até eram bem parecidos e educados...).

Malhas que o império teceu... e cujos "despojos" ainda chegam às "praias lusitanas" da nossa memória...

Por que é que eu gostei da entrevista? Porque a verdadeira "vedeta", a protagonista, é a Sebastiana, a entrevistada, não a entrevistadora... É importante que estas pequenas grandes histórias fiquem registadas, para a História, para a nossa memória e para memória futura, sem retoques, sem comentários, sem quaisquer preocupações com o "politicamente correto"... Ficamos também a saber o importante papel que a PIDE/DGS desempenhou na guerra, com a sua tentacular (e eficaz) rede de "informadores"...

E não brincavam em serviço: quando a Sebastiana e o marido são descobertos e denunciados pelos "negócios" com o MPLA (afinal, um bom "cliente", naquele cu de Judas...), o casal, que tinha filhos pequenos, terá ficado sem alternativa: ou colaboravam com a PIDE (correndo o risco de ficar sem  ou o então o  Durães "apanhava 20 anos no Tarrafal" (sic)... 

Percebe-se melhor então por que é que o rapaz era um grande consumidor de ansiolíticos... enquanto a mulher, com o seu ar "felino" (a avaliar pela foto de quando era nova) adorava a guerra e o cheiro da pólvora e devia ter fantasias com as  fardas e as armas ("lindas") dos "turras"...
 
...Percebe-se também agora melhor por que é que a PIDE/DGS, os seus agentes e os seus informadores, tiveram um tratamento tipo "português suave" a seguir ao golpe militar do 25 de Abril... Amor com amor se paga... E, como dizia o outro, não há almoços grátis... (**)
___________

Notas do editor:

(*) Vd,. poste de 6 de outubro de  2022 > Guiné 61/74 - P23677: Agenda cultural (818): "Despojos de guerra", série em quatro episódios, de 40' cada, sobre a guerra colonial: estreia hoje na SIC, no Jornal da Noite

(**) Último poste da série > 9 deoutubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23687: "Despojos de Guerra" (Série documental de 4 episódios, SIC, 2022): Comentários - Parte I - António Rosinha e Valdemar Queiroz: as diferenças entre a guerra de Angola e o "inferno da Guiné"

domingo, 9 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23687: "Despojos de Guerra" (Série documental de 4 episódios, SIC, 2022): Comentários - Parte I - António Rosinha e Valdemar Queiroz: as diferenças entre a guerra de Angola e o "inferno da Guiné"


Cortesia da SIC (2022)

1. "Despojos de guerra": série de 4 episódios, está a passar 
na SIC, durante o mês de outubro. No passado dia 6 
foi a estreia da série, com a exibição do 1º episódio ("A informadora", 51' ).  Publicam-se os primeiros comentários dos nossos leitores, António Rosinha e Valdemar Queiroz.




Sinopse: 

No auge da guerra colonial em Angola, uma comerciante e o marido avisavam a PIDE (polícia política) quando os guerrilheiros iam à sua loja abastecer-se de mantimentos. Sebastiana Valadas revela qual era o seu nome de código, quanto recebiam pelas informações e como prendiam os “turras”. Depois da descolonização, um deles ajustou contas e mandou prendê-la.
 
"Com recurso a imagens de arquivo extraordinárias e pela primeira vez submetidas a um processo de colorização inédito em Portugal", a série documental "Despojos de Guerra" é uma coprodução da Blablabla Media com a SIC, tendo o o apoio à inovação audiovisual do ICA – Instituto do Cinema e Audiovisual. A realização é da jornalista Sofia Pinto Coelho cuja equipa contactou o nosso blogue para cedência de algumas imagens e contactos.
 

Vd, também artigo no Expresso, de 18/2/2022.

Entretanto, apareceram  já, no nosso blogue, alguns comentários sobre a série e este primeiro episódio, que parilhamos com os nossos leitores, na montra grande (*).

(i) Antº Rosinha (**)

Antº Rosinha,
II Encontro Nacional
da Tabanca Grande,
Pombal, 2007.
Foto: LG


Valdemar, esta pequena reportagem sobre a senhora 
comerciante, que atraiçoou o comandante do MPLA  [João Sebastião Arnaldo de Carvalho, "Tetembwa", comandante adjunto da 4ª Região do MPLA] já bem nos finalmentes da nossa guerra [, em 1972] , dá um pouco para entender as enormes diferenças entre o que se passava em Angola durante 13 anos e o inferno da Guiné.

Embora a reportagem vá buscar as lembranças dos massacres 
do Norte com a UPA do 15 de Março de 1961, que foi mesmo e apenas na região dos Bacongos, mas que apesar de esse partido UPA/FNLA ainda hoje apenas continue nas eleições com 1%, continua sempre na nossa memória aqueles massacres, mas que não teve nunca a ver com esta região do Luso, que a senhora da galinha   [Sebastiana Valadas] que estava a mais de 1000 Km.

Também trabalhei nesta região pela Junta de Estradas. A povoação de Cassai Gare, que tem uma estação dos caminhos de ferro de Benguela, é uma região onde nunca houve guerra a sério, ou seja a UNITA andava por ali mas bem controlada pelos Flechas e PIDE, e já quase no fim uma franja do MPLA instalou-se na vizinha Zâmbia, dizia-se que seria a "facção Chipenda". Mas seria em número tão reduzido e com pouco armamento, que não se lhe conheceu qualquer actividade.

De notar que medido no Google Earth, de Cassai Gare até à fronteira mais próxima (Catanga) são 150 km, mas se for para a fronteira da Zâmbia que vai pelo Cazombo,  são mais de 300 Km.

Portanto, esse grupo atraiçoado pela senhora da galinha já demonstrou muita audácia onde dominava a UNITA e mesmo esta não andava muito à vontade porque os Ganguelas não gostavam deles.

Valdemar, vou dar uma informação sobre esses comerciantes que durante os treze anos de guerra em Angola, em todo centro, sul, litoral sudoeste e interior sudeste (Congo à parte) falavam em geral mais que um idioma, que era uma arma de defesa muito importante.

O angolano naquele tempo vivia em tribos muito fechadas umas das outras e falava apenas a sua língua e mal o português.

É o que me cumpre informar sobre o que vi na SIC e o que me lembro há mais de 45 anos, e o que vi no Google Earth, onde se reconhecem as casas dos comerciantes já meio em ruinas.

7 de outubro de 2022 às 00:16


(ii) Valdemar Queirox (foto à esquerda) 
(ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70):

Antº. Rosinha, não dá para comparar a guerra na Guiné e o que se passava na extensa Angola.

A galinha pareceu-me um galo. A senhora tinha naquele lugar, junto da estação, quase a família toda, ficou sozinha mais outra e nunca lhes fizeram mal, nem com um dedo.

Estes comerciantes "colons" eram conhecidos por serem informadores dos dois lados, e tanto uns como outros sabiam disso.

O meu compadre, casado com a madrinha do meu filho, teve durante muitos anos um restaurante no norte de Angola, junto da fronteira com o Congo e zona de implantação da UPA/FNLA. Dizia que camionistas faziam milhares de quilómetros para ir lá comer bife à ...(não me lembro). Tínhamos grandes discussões por ele ser salazarista, mas tinha uma bandeira da FNLA.

A realização da reportagem arranjou a coisa de maneira a não ferir suscetibilidades.

7 de outubro de 2022 às 02:59


(iii) Antº Rosinha;

Valdemar, a Guiné não tinha nenhuma comparação com Angola, no entanto o grande sonho de Cuba e União Soviética era alcançar primeiro Angola e depois África do Sul.

E taticamente, usaram o ponto fraco e mais fácil e mais barato e com menos riscos, a Guiné-Bissau.

E mesmo depois da independência usavam a Guiné e Cabo Verde para apoio logístico para aquela guerra de 28 anos em Angola. Essa, sim, guerra africana a  sério.

Mas essa dos comerciantes, e toma atenção, os camionistas que faziam milhares de quilómetros por um bife. Camionista era uma profissão considerada como se fosse uma especialidade, em Angola, tinham a mesma fama de jogar com pau de dois bicos.

Em geral ser-se Camionista era ser dono do próprio camião e que no Congo da UPA deslocava-se em coluna militar mas no resto de Angola viajava por conta e risco e até contrabando fazia para os países vizinhos com mercadorias sem "guia", vez por outra apanhados pela polícia.

Essas duas actividades, comerciantes e camionistas, tipo caixeiros viajantes,  é que foram no meu entender os grandes colonialistas à portuguesa, contacto total com as etnias porque o resto não passávamos de uns funcionários à espera do tempo passar.

Mas não pensemos que esses comerciantes "do mato" e os camionistas, durante a guerra não estavam conectados com os Governadores de distrito e com a PIDE e com os Chefes de posto.

Essa gente comprovadamente eram aqueles que melhor sabiam utilizar a Psico, a maneira deles, e como sabiam utilizar os idiomas tribais, conseguiam pôr os clientes a fazer-lhe a protecção que precisavam.

E como em 1961 aconteceu com a UPA no Norte o tal terrorismo, que a mulher do galo fala nisso, serviu de lição e dali para a frente tudo ficou de pé a trás.

Eu e centenas de colegas das Estradas, outros de Geologia e Minas, e várias outras missões, também agrónomos, corríamos tudo, mas olho no burro olho no cigano, e onde houvesse comerciantes estacionavamos sempre, e até se pernoitava e pedíamos conselhos.

Essa insignificante reportagem da mulher com o galo, é muitíssimo elucidativa de um dos pormenores que se passavam em Angola.

Quase incompreensível para quem tenha vivido a guerra da Guiné, e até para muitos milhares de portugueses que apenas viveram nas cidades de Angola.

O povo não tinha a mínima fé nos 3 movimentos, 3 sem falar nas facções do MPLA que depois se viu a mortandade do 27 de maio de 1977 entre eles.

Era o povo que nos segurava, 13 anos fabulosos "escandalosamente" que eu vivi.

Evidentemente que enquanto houvesse uma mina na estrada estávamos em guerra.

Mas o mais perigoso para a tropa, onde ficou muita gente,  foi aquelas estradas para pequenas velocidades, mas que os unimog guiados por jovens motoristas largavam-se,  até eu andei aos trambolhões.

7 de outubro de 2022 às 12:09


(iv) Valdemar Queiroz:

Então, quer dizer que aqueles milhares de jovens que morreram na guerra da Guiné, em Angola e Moçambique foi para defesa dos interesses dos EUA, e não teve nada a ver com o barrete salazarado do Portugal de Rio de Onor a Timor ...e quem se lixou foram os mexilhões da costa vicentina?|

7 de outubro de 2022 às 13:44
__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 6 de outubro de  2022 > Guiné 61/74 - P23677: Agenda cultural (818): "Despojos de guerra", série em quatro episódios, de 40' cada, sobre a guerra colonial: estreia hoje na SIC, no Jornal da Noite

(**) António Rosinha: 

(i) ) beirão, tem mais de 130 referência no nosso blogue;

(ii) é um dos nossos 'mais velhos' e continua ativo, com maior ou menor regularidade, a participar no nosso blogue, como autor e comentador;

(iii) andou por Angola, como topógrafo, nas décadas de 50/60/70, do século passado;

(iv) fez o serviço militar em Angola, sendo fur mil, em 1961/62;

(v) diz que foi 'colon' até 1974 e continua a considerar-se um impenitente 'reacionário' (sic);

(vi) 'retornado', andou por aí (com passagem pelo Brasil, já sem ouro, nem pedras preciosas...), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência';

(vii) o seu patrão, o dono da TECNIL, era o velho africanista Ramiro Sobral;

(viii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho'';

(ix) pelo seu bom senso, sabedoria, sensibilidade, perspicácia, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, fazendo gala de ser 'politicamente incorreto' e de 'chamar os bois pelos nomes';

(x) a ele poderá aplicar-se o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado debaixo da árvore a fumar o seu cachimbo". 

quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23677: Agenda cultural (818): "Despojos de guerra", série em quatro episódios, de 40' cada, sobre a guerra colonial: estreia hoje na SIC, no Jornal da Noite



1. Press release da produtora Blablabla Media, com data de 3 do corrente:



Despojos de Guerra estreia esta quinta-feira 
no Jornal da Noite da SIC


É já esta quinta-feira, dia 6, que a SIC promete mostrar a guerra colonial portuguesa como nunca a viu: a cores. 

A estreia do primeiro dos quatro episódios da série documental DESPOJOS DE GUERRA terá lugar no Jornal da Noite. 

Assinada por Sofia Pinto Coelho, a mais recente coprodução documental da Blablabla Media revela histórias extraordinárias de espionagem, patriotismo, sobrevivência e romance, dando voz às encruzilhadas que inesperados protagonistas enfrentaram em tempos de guerra e de descolonização. 

Figuras como a de Sebastiana, a informadora — uma anónima comerciante portuguesa que, no auge do conflito em Angola, se viu tornar agente dupla e influenciar o curso da guerra naquele país. 

Disponível na Opto desde o dia 19 de fevereiro, DESPOJOS DE GUERRA destaca-se pelo recurso a imagens de arquivo inéditas e pela primeira vez sujeitas a um processo de colorização.



Cada semana, um novo capítulo (40' ):

A INFORMADORA (Ep. 1 - 6 out) |

 No auge da guerra colonial em Angola, uma comerciante e o marido avisavam a PIDE quando os guerrilheiros iam à sua loja abastecer-se de mantimentos. Sebastiana Valadas revela qual era o seu nome de código, quanto recebiam pelas informações e como prendiam os “turras”. Depois da descolonização, um deles ajustou contas e mandou prendê-la.

Disponível na Opto, em versão alargada

COMBATENTE AFRICANO (Ep. 2 - 13 out) | 

Milhares de africanos combateram ao lado dos portugueses na guerra colonial. Com a descolonização, foram deixados à sua sorte. Alguns foram fuzilados ou perseguidos pelos novos poderes e mesmo para receber tratamentos médicos é-lhes dificultada a vinda a Portugal. Como é possível que não se faça justiça perante estes homens que estiveram na dianteira da guerra, como é o caso do antigo Cabo Luís Silva?

Disponível na Opto, em versão alargada

CORREDOR DA MORTE (Ep. 3 - 20 out) | 

O que significará dar a vida pela pátria? Contrariados ou voluntariosos, foi o que fizeram 800.000 jovens a partir de 1961. A Guiné estava transformada no mais duro e mortífero campo de batalha e foi para lá que foram enviados o piloto-aviador Miguel Pessoa e a enfermeira paraquedista Giselda Antunes.

Disponível na Opto, em versão alargada

LAÇOS DE SANGUE (Ep. 4 - 27 out) | 

Chamam “filhos de tuga” aos mestiços nascidos das relações entre militares portugueses e mulheres africanas que foram deixados para trás. Entre a revolta e a esperança, ainda hoje tentam encontrar um nome de pai e descobrir a outra metade da sua identidade, como sucede aos irmãos Elva e José Maria Indequi.

Disponível na Opto, em versão alargada


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Nota do editor:

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23640: Notas de leitura (1497): "Orgulhosamente Sós - A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira; Publicações D. Quixote, 2022 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Setembro de 2022:

Queridos amigos,
Livro de referência, pela organização cuidada, pelo elevado acervo documental diplomático manuseado, releva aspetos essenciais do que se viveu na Guiné, de 1962 a 1974. Referi em texto anterior que o autor repete erros de apreciação quanto à governação de Schultz, não consultou fontes primordiais; é o primeiro investigador a ignorar o argumentário do PAIGC, muito apreciado na época de que Spínola e a PIDE estavam envolvidos no assassinato de Cabral, não havia coragem para denunciar o segredo de polichinelo de que os guineenses não tolelariam ser governados sob alçada cabo-verdiana, durante anos vendeu-se uma conspiração montada pela PIDE para infetar as consciências em Conacri e chegou-se ao desplante de pôr à frente da intentona Momo Touré, um guerrilheiro libertado em 1969 e que fora criado de mesa no restaurante Pelicano, isto sem questionar como é que este senhor iria mobilizar pelo menos largas dezenas de sediciosos, muitos deles altos quadros do PAIGC. Mas esta mitologia fez voga, era um excelente pretexto para esconder a realidade. Futscher Pereira foi bastante cuidadoso a tratar as relações diplomáticas com o Senegal e revela as diferentes tentativas de Marcello Caetano de chegar às negociações com o PAIGC, a partir de fevereiro de 1974. Obra de leitura obrigatória.

Um abraço do
Mário


A Guiné no importante livro de Bernardo Futscher Pereira, Orgulhosamente Sós (2)

Mário Beja Santos

Orgulhosamente Sós, A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira [foto à direita], Publicações Dom Quixote, 2022, asseguro-vos, é uma obra de referência, muito bem sistematizada, o ponto focal, em diacronia, é uma área que o investigador domina. Trata-se de um trabalho de pesquisa e organização de grande solidez e onde um olhar sobre as relações internacionais correspondentes à guerra que travámos em África regista os dados fundamentais da luta de libertação e a permanente resposta portuguesa. O autor trata este livro como uma crónica, onde se “procura apresentar uma narrativa coerente deste período centrada na história diplomática, mas abarcando os principais aspetos políticos e militares que a enquadram”. Considera que uma visão completa deste período carece ainda de uma história militar pormenorizada das guerras coloniais. Adverte-se o leitor que quer neste texto como no anterior circunscrevemos a análise aos comentários do investigador exclusivamente no teatro da Guiné.

Estamos agora em 1971, as relações com o Senegal deterioram-se com as incursões de forças portuguesas em Casamansa, o PAIGC não abranda a onda de hostilidade. É neste contexto que Rui Patrício, o ministro dos Negócios Estrangeiros recebe uma carta de Spínola propondo um virar de página na politica portuguesa para a Guiné, escrevendo mesmo “a ninguém restam dúvidas de que o problema da Guiné não é passível de solução exclusivamente limitar” e que, “numa guerra deste tipo, as operações militares apenas se destinam a criar as condições à solução de fundo”, e “essas condições estão criadas, pelo que, do ponto de vista militar, se me afigura impossível ir mais além”. Spínola preconizava uma consulta ao povo da Guiné. “Spínola considerava que a sua ação apenas serviria para ganhar o tempo necessário para encontrar uma solução política e diplomática do conflito”. Irá expor essa tese a 7 de maio no Conselho Superior de Defesa Nacional, incomodará muita gente, o Governo não estava disposto a ir tão longe. Lúcido quanto à impossibilidade de uma vitória militar, Spínola empenha-se numa tentativa de negociação com o PAIGC, recorre a um colaborador de confiança, o chefe da PIDE em Bissau, Fragoso Alas, e a um intermediário como Mário Rodrigues Soares, considerado capaz de passar recados. É assim que é aprazado o encontro com Senghor, 18 de maio de 1972. Não há documentação que comprove que Amílcar Cabral desse o beneplácito a tais negociações. Depois das conversações com Senghor Spínola vem a Lisboa, Marcello Caetano contrariou todos os seus propósitos, alegando que a sociedade portuguesa não estava preparada para esse passo. É o início da rotura das relações entre os dois, Spínola irá escrever a Caetano dizendo que só existem duas alternativas, “ou uma viragem de ordem política ou uma prolongada e inútil agonia”.

Spínola irá ainda encontrar um alto dirigente senegalês, escreverá no seu livro de memórias País Sem Rumo que em outubro de 1972 Amílcar Cabral sugeriu um encontro com ele em território português. E o autor refere que a ausência de documentos não permitem esclarecer a consistência desta proposta. É exemplar a correspondência trocada entre Spínola e Marcello Caetano, e ficará para a história o seguinte comentário de Caetano: “para a defesa global do Ultramar, é preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra, do que por um acordo negociado pelos terroristas, abrindo o caminho a outras negociações”. Caetano supunha que iria haver uma derrota militar na Guiné que manteria intactas todas as possibilidades de defender o resto dos territórios. Falhadas as negociações, também Senghor tirou as suas ilações, passou a dar todo o apoio às atividades do PAIGC no Senegal. Importa referir que entre 2 e 8 de abril, três diplomatas ao serviço da ONU, acompanhados por dois funcionários do secretariado da mesma organização, percorreram a zona de Catió e Quitafine, confraternizado com as populações.

Estamos chegados ao assassinato de Amílcar Cabral e é bom que se diga que Bernardo Futscher Pereira é o primeiro investigador a justificar os acontecimentos fugindo à propaganda do PAIGC pôs a correr, estabelecendo ligações diretas com Spínola e a PIDE, e que teria havido até uma operação tenebrosa envolvendo a Marinha portuguesa. O autor faz avultar o ressentimento secular dos guinéus contra os cabo-verdianos, os cabo-verdianos eram oriundos da pequena burguesia ao passo que os guinéus eram essencialmente camponeses sem instrução. “O PAIGC contava com cerca de 6000 guerrilheiros, quase todos guineenses. Cabo-verdianos seriam talvez uma centena, quase todos dirigentes”. Fala nos indícios de comprometimentos de figuras como de Nino Vieira e Osvaldo Vieira, é sabido que toda a documentação decorrente dos inquéritos desapareceu sem rasto. A liderança do PAIGC preparou a resposta, ela virá, com toda a sua brutalidade, graças ao míssil terra-ar Strella, o ataque a Guileje e a Guidaje. Costa Gomes visita a Guiné no rescaldo destes empates, apresenta como única alternativa “a adoção de uma manobra visando o encurtamento da área efetivamente ocupada, evitando-se, desse modo, a contingência de aniquilamento das guarnições de fronteira”. Como o autor observa, Spínola concordou com o diagnóstico, mas recusou pura e simplesmente aplicá-lo.

Há agora o esforço frenético para encontrar armas compatíveis com a escalada do armamento, pretende-se comprar uma bateria antiaérea para a eventualidade de haver ataques com MiG-17. Para agradecer a cedência das Lajes na guerra do Yom Kippur, Kissinguer, não podendo fornecer diretamente os mísseis Red Eye encontrou um intermediário israelita. “Portugal acabou por encomendar 500 mísseis a Israel que, no 25 de Abril, esteavam na Alemanha Ocidental à espera de serem expedidos para Lisboa. Costa Gomes e Spínola cancelaram a encomenda.”

Futscher Pereira desvela igualmente as negociações tentadas à última hora por Marcello Caetano: negociar com o PAIGC a independência da Guiné. Alude aos acontecimentos de janeiro de 1974, a ofensiva sobre Copá e Canquelifá, a ida do diplomata José Manuel Villas-Boas a Londres, foi o MI6 que serviu de intermediário, o chefe da delegação guineense era o ministro dos Negócios Estrangeiros Vítor Saúde Maria. “Os guineenses exigiam negociações Estado a Estado e o reconhecimento de Portugal do Governo do PAIGC no exílio. Villas-Boas não estava obviamente habilitado a responder. Ficou agendado novo encontro, mas não antes de maio. Marcello Caetano procurava também outros canais. A 5 de abril, Pedro Feytor Pinto foi enviado a Paris, onde se encontrou com Jacques Foccart, o todo-poderoso monsieur Afrique do Eliseu, a quem pediu ajuda para mobilizar Senghor e Houphouët-Boigny para esta tentativa de última hora de negociar com o PAIGC. Iniciaram-se também preparativos para um encontro entre Bethencourt Rodrigues e Senghor.”

Aqui findam todas as considerações sobre a Guiné, insiste-se que se trata de um documento altamente probatório, indiscutivelmente um olhar refrescado sobre o que foi a diplomacia portuguesa que demonstra inequivocamente que não estávamos “orgulhosamente sós”.

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Nota do editor

Último poste da série de 19 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23628: Notas de leitura (1496): "Orgulhosamente Sós - A Diplomacia em Guerra (1962-1974), por Bernardo Futscher Pereira; Publicações D. Quixote, 2022 (1) (Mário Beja Santos)