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domingo, 20 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21666: Blogues da nossa blogosfera (146): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (57): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


ALMAS GRANDES

ADÃO CRUZ
© ADÃO CRUZ

Há almas grandes, almas pequenas e almas… sem alma. Eu penso que quem sente necessidade vital da escrita ou de qualquer outra forma de expressão artística, seja autor, leitor ou contemplador, procura nela o mais sublime sentimento humano, o amor. Não é fácil, porque tenham de inato aquilo que tiverem, os sentimentos vivem-se, constroem-se, estruturam-se, apuram-se e afinam-se. Para o bem… e para o mal, infelizmente.

Quem quer que o consiga perceber talvez possa estar no caminho das almas grandes. E o que será, no meu entender, uma alma grande? Qualquer um de nós pode ser uma alma grande, uma alma pequena ou uma alma… sem alma.

Sem introduzir aqui quaisquer conceitos ou critérios de moralidade ou natureza mística, eu julgo que uma alma grande é a que consegue subir até àquela espécie de interface que separa a natureza antropocêntrica, mais ou menos egoísta do ser humano e a sua dimensão universal, ainda que esta não seja mais, como sempre tenho dito, do que um belo dia de primavera nos olhos de um prisioneiro. Uma paisagem onde a mente consegue vislumbrar o verdadeiro e autêntico sentimento do cósmico, do verdadeiro e autêntico sentimento do ser e do existir, do verdadeiro e autêntico sentimento do real e incompreendido sentido da vida, do verdadeiro e autêntico sentimento de irmandade humana, do verdadeiro e autêntico sentimento poético e artístico do ser humano, bem como a mais elevada relação do Homem com a dignidade, a honestidade e a fraternidade. Quem ama a arte da vida e a vida da arte procura dar à sua obra ou à sua paixão, muitas vezes de forma mais consciente ou menos consciente, toda a sua alma, tudo o que é, toda a sua vida, toda a sua estrutura mental e cultural.

Por isso eu penso que este amor, o único que enriquece e enobrece todos os nossos processos de humanização, o que mantém limpa e transparente a nossa consciência, o que afina todas as nossas emoções e sentimentos, o que nos aproxima de todos os mecanismos de identificação com a verdade, sim, é ele o difícil mas compensador caminho da harmonia que poderá definir as almas grandes.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21546: Blogues da nossa blogosfera (145): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (56): Palavras e poesia

domingo, 15 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21546: Blogues da nossa blogosfera (145): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (56): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


SER MÉDICO. OBSERVAR E TRATAR DOENTES

ADÃO CRUZ
O exercício da medicina é, sem dúvida, uma arte. Uma arte nobre e extremamente delicada. Assenta num pilar central e fundamental: a Competência. Mas a competência é multifactorial. Para além do inegável factor saber-conhecimento, outros há, sem os quais a competência poderá, simplesmente, não existir. Estes são muitos, mas podemos destacar como mais importantes uma sólida estrutura da consciência, a dignidade, a honestidade, o espírito de sacrifício, a humanidade e o BOM SENSO, indispensável em toda esta integração. Sabemos que o médico, como ser humano que é, está sujeito a erros, vicissitudes e até desvirtudes. Mas como todo o ser humano, tem direito a compreensão e perdão, quando as suas falhas são desvios meramente incidentais. O mesmo não acontece, como é óbvio, quando a sua conduta entra no campo lamacento da desonestidade, da irresponsabilidade e da perda dos valores éticos que integram esta incomparável profissão.
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Nota do editor

Último poste da série de 18 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21462: Blogues da nossa blogosfera (144): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (55): Palavras e poesia

domingo, 18 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21462: Blogues da nossa blogosfera (144): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (55): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


DIZEM QUE É LOUCA

ADÃO CRUZ

©ADÃO CRUZ

Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge dos comedores de cabeças
que vivem dentro de nós.
Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge da ferida aberta
no mais fechado segredo
dos brancos lençóis do nosso íntimo prazer.
Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge dos vampiros da mente
devoradores de sonhos e sentimentos
que habitam cobardemente
os cantos e esquinas da nossa cidade interior.
Dizem que é louca
mas não é.
Ela apenas foge do terror
de ver entrar a vida pela porta de saída
para os abismos da dor.
Dizem que é louca
mas não é.
Loucos somos nós.
Sorrimos
bocejamos
e calmamente nos sentamos
todos os dias
cegos e mudos
à mesa do café.

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Nota do editor

Último poste da série de 11 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21441: Blogues da nossa blogosfera (143): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (54): Palavras e poesia

domingo, 11 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21441: Blogues da nossa blogosfera (143): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (54): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


POEMA DE OUTONO

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ

Ainda caiem a meus pés
bolinhas de sol e pérolas de chuva
do alto da varanda que eu já fui
e fazem brilhar humildemente
a ilusão das cores e a frouxa luz
que há na sombra dos dias.
O poema mais lindo da minha vida
ainda não nasceu.
Sonhei criá-lo hoje contigo
neste princípio de Outono
semente e fruto de teus jovens abraços.
Mas tu caminhavas na outra margem
de rosto escondido atrás da máscara
fugindo do amor banal
olhos baços de chorar sem lágrimas
a alma tão resignada de cruéis memórias
que o beijo ardente se perdeu no rio.
O meu rio
outrora vivo e turbulento
hoje parado e vencido nos braços do estuário
onde me dizem que ainda há versos
voando perdidos e dispersos
como gaivotas bailando.
Mas o mar ali tão perto tudo engole
nas furiosas ondas do seu ancestral poder
devorando qualquer poema antes de nascer.
Que ao menos a réstia de luz do fim da tarde
mesmo sem bolinhas de sol e pérolas de chuva
me deixe pintar a memória da emoção
na tela sofrida e nua do teu corpo
deitado sobre a luminosa doçura da ilusão.

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Nota do editor

Último poste da série de 4 de outubro de 2020 > Guiné 61/74 - P21416: Blogues da nossa blogosfera (142): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (53): Palavras e poesia

domingo, 4 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21416: Blogues da nossa blogosfera (142): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (53): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.




 GUERRA NA GUINÉ (PEQUENAS MEMÓRIAS)

ADÃO CRUZ

Bigene


Esta velhota, fumadora de cachimbo, veio um dia ter comigo porque tinha o “Verme-da-Guiné”. Chamávamos a este verme “Dracontia”.
Embora Dracontia seja o nome de uma das vinte e cinco mil espécies de orquídeas, aqui é um parasita denominado “Dracunculus Medinensis” o qual produz uma doença chamada “Dracunculíase”. Pertence ao grupo das “Filarias” e é um parasita que é transmitido pela água infectada com larvas de Dracunculus. No intestino acasala-se com os machos, que depois morrem, e em seguida infiltra-se na pele, no tecido celular subcutâneo (gordura debaixo da pele), onde cresce e se desenvolve, podendo atingir o tamanho de um metro.
Aloja-se em qualquer parte do corpo, mas aparece sobretudo nas pernas e abdómen. Não tem tratamento, podendo causar graves infecções e processos inflamatórios. Vi alguns casos, e felizmente todos bem sucedidos, graças a uma técnica que alguém inventou, e quem a inventou, não há dúvida que “tinha esperto no cabeça”.

Reparem bem na maravilha desta invenção. O parasita vem pôr os ovos (um a três milhões) quando está dentro de água. Para isso abre um pequeno orifício ulceroso e muito doloroso, onde enfia uma espécie de cabeça, semelhante ao escolex da ténia. Nesta mulher, essa úlcera estava na parte interna da perna, logo acima do tornozelo. Então, com uma pinça, agarra-se a cabeça, puxa-se suavemente para fora alguns centímetros (nunca por nunca partir ou romper, pois dessa forma fica o caldo entornado e nunca mais o conseguimos tirar), e enrola-se num palito, fixando-o à perna com adesivo.
Ao outro dia, como o verme se sente preso, sai um pouco mais para o exterior e enrolamos mais uns centímetros, fixando de novo com adesivo. E assim sucessivamente, todos os dias, até sair por completo, o que pode levar semanas. Associamos alguma medicação analgésica, anti-infecciosa e anti-inflamatória.

Em 1986 havia cerca de 3,6 milhões de casos. Nesta altura, o Verme-da Guiné, existente em muitos outros países, está praticamente erradicado.

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Nota do editor

Último poste da série de 7 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21396: Blogues da nossa blogosfera (141): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (52): Palavras e poesia

domingo, 27 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21396: Blogues da nossa blogosfera (141): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (52): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.




 GUERRA NA GUINÉ (PEQUENAS MEMÓRIAS)

ADÃO CRUZ

Bigene - O nosso Corpo Clínico




O que está do meu lado esquerdo, de barbas, é o furriel Pimentinha, meu furriel enfermeiro, que ainda hoje me telefona uma a duas vezes por ano. A sua profissão, antes de vir para a guerra, era electricista, electricista do Hotel Estoril-Sol. Pois, meus amigos, transformou-se num excelente parteiro e melhor puericultor. Leu e releu a minha sebenta de obstetrícia e deixava os bebés todos perfumadinhos e polvilhados de pó de talco, o que fazia a delícia das mães.

Duas histórias sobre o Pimentinha:

Primeira:
Um dia de madrugada, apareceu uma parturiente com uma apresentação de pelve, isto é, com o bébé a nascer de rabito em vez da cabeça. É um parto difícil e perigoso. Tentei, quanto sabia, algumas manobras, o mais suaves possível, mas não fui bem sucedido. Virei-me para o Pimentinha e disse: - meu caro Pimentinha, logo que comece a raiar a manhã, peça uma evacuação “Y” (urgente) de helicóptero, para levar esta mulher para Bissau, e fui-me deitar. Algum tempo depois, entra o Pimentinha no meu quarto, dizendo cheio de entusiasmo: - sr. Dr. o catraio já está cá fora. Com muito jeitinho lá consegui tirá-lo.


Segunda:
O Pimentinha ia de avioneta a Bissau, acompanhar um soldado que tinha um enorme hidrocelo (líquido nos testículos). Logo pela manhã, a avioneta, um Dornier levantou voo e meio minuto depois estatelou-se no solo. Felizmente não morreu ninguém, apenas o piloto fracturou uma vértebra. A carlinga da avioneta passou a ser a casota do nosso macaco.

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Nota do editor

Último poste da série de 20 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21376: Blogues da nossa blogosfera (140): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (51): Palavras e poesia

domingo, 20 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21376: Blogues da nossa blogosfera (140): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (51): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.




 GUERRA NA GUINÉ (PEQUENAS MEMÓRIAS)

ADÃO CRUZ

A Minha Chegada e os Primeiros Três Meses


O velho Uíge atracou em Bissau no dia 13 de Maio de 1966. Entrámos dentro do forno da cidade. Aí aguardei um mês até ao meu destacamento para o mato. Eu e o meu colega e amigo Gomes Pedro, hoje professor catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa e Director do Serviço de Pediatria do hospital de Santa Maria. Ele seguiu para Cuntima, no norte da Guiné, perto da fronteira do Senegal, e eu embarquei para Canquelifá, no leste, próximo da fronteira com a Guiné-Conackry.



Um velho Dakota levou-me até Bafatá. Dentro do avião, além de mim, ia o piloto, o co-piloto que tinha meia cara feita numa cicatriz, uma mulher negra sentada sobre o caixão do filho e um capitão que eu não conhecia de lado nenhum. Este capitão desembarcara momentos antes no aeroporto de Bissalanca, vindo do Porto, e seguia directamente para o mato. Confessou-me que transportava consigo alguma angústia, pois deixara para trás mulher e nove filhos. Três meses depois encontrámo-nos em Begene, no norte. Reconhecemo-nos e tornámo-nos muito amigos. Era o capitão Brito e Faro. De Bafatá segui numa Dornier (foto) até Canquelifá, fazendo uma curta escala no Gabu-Sara, pequena povoação chamada cidade de Nova Lamego. Permaneci em Canquelifá durante o terceiro trimestre de 1966. Muitas coisas boas e más aconteceram durante esse tempo. Relatá-las levava um livro. Na foto o “corpo clínico”. Eu, o meu furriel enfermeiro Alvim e maqueiros.



Como sempre gostei muito de crianças, deixo aqui apenas três momentos como referência das coisas boas dessa minha estadia, e que são três pequeninos poemas dentre os muitos que em mim floriram nesse tempo.


Fátima Demba, a minha companheira de todos os dias.


Este miúdo, cujo nome já se me escondeu no fundo da memória, percorria semanalmente cerca de vinte quilómetros pelo meio do mato, para me vir consultar, trazendo-me sempre uma velha lata com meio litro de leite. Tinha um fígado do tamanho da barriga.



Os dois gémeos filhos do Anso, dois enternecedores bebés que me preencheram alguns momentos de solidão. O Anso era chefe da milícia integrada na nossa companhia. Emprestava-me, muitas vezes, uma velha espingarda de carregar pela boca, para eu caçar uns patos na bolanha. Constou-me que fora fuzilado após a independência.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21356: Blogues da nossa blogosfera (139): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (50): Palavras e poesia

domingo, 13 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21356: Blogues da nossa blogosfera (139): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (50): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


A DÍVIDA

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Adoro ir a restaurantes antigos, clássicos, velhos, modestos mas excelentes, que não troco, de forma alguma, pelo mais requintado gourmet. Há sempre uma cena, uma história que o acaso nos oferece como deliciosa sobremesa. Neste restaurante a que fui com um grupo de amigos, onde a vitela assada no forno não tem comparação com outra qualquer, aconteceu o seguinte: no fim da refeição, pedi a conta, e um dos donos do restaurante disse-me que estava tudo pago. Tanto eu como os meus amigos ficámos de boca aberta. Perguntei o que se passava, quando ele me respondeu:  
Senhor Doutor, isto não é para pagar nada, mas eu tenho uma dívida para com o Senhor Doutor há mais de vinte anos. O Senhor não se recorda, mas vai lembrar-se depois de eu contar. Há vinte e tal anos diagnosticaram-me, em Lisboa, uma leucemia e deram-me seis meses de vida. Indicaram-me todos os tratamentos e cuidados a ter e mandaram-me para a minha terra, dizendo que gozasse o melhor possível o tempo que tinha de vida. Quando cheguei à minha aldeia alguém me disse para consultar o Dr. Adão, e eu assim fiz. O Senhor Doutor ficou meio triste e disse-me compreender a minha angústia, mas que não eram coisas das suas mãos de cardiologista. No entanto, iria recomendar-me um grande amigo, hematologista, o Prof. Arnaldo Mendonça, pois não via melhor pessoa a quem me entregar.

Abro aqui um parêntesis para dizer que o Arnaldo Mendonça, ainda hoje meu grande amigo, foi meu colega no Internato Geral do Hospital de Santo António, seguindo depois para o Hospital de S. João, onde fez a especialidade de hematologia e se doutorou.

Andei no Prof. Arnaldo Mendonça durante doze anos, continuou o dono do restaurante. Ao fim deste tempo, ele mandou-me para casa e recomendou-me que fizesse a vida normal e tentasse viver o mais possível, nada impedindo, dentro do que lhe dizia respeito, de durar até aos cem anos de idade. Como vê, Senhor Doutor, um almoço não é nada comparado com a minha vida.

A mim, confesso, soube-me muito melhor esta sobremesa do que a oferta de mil almoços.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21330: Blogues da nossa blogosfera (133): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (49): Palavras e poesia

domingo, 6 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21330: Blogues da nossa blogosfera (138): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (49): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


CANÇÕES ANTIGAS

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Na recordação das canções antigas
veste-se meu coração das verdes folhas do desejo
e entoa na fragrância dos campos
a melodia dos olhos pendurados na profundidade do céu.
Na sombra da figueira diz-me adeus o sol
em acenos de azul e violeta
por entre os ramos e os sons de uma flauta de lábios doces
que por ali poisou entre sonhos infinitos do lusco-fusco.
As primeiras chuvas do verão humedecem como lágrimas
as palavras ditas e não ditas
no silêncio dos caminhos perfumados de terra e folhas molhadas.
E nada se reconhece na lembrança muda das tardes
que para sempre morreram
mas os passos ecoam em silêncio por entre os pés das oliveiras
onde outrora floriram mil risos de criança.
Que fez de mim este crepúsculo azul
como flecha espetada no vento
ferindo de morte toda a vida de meu sonho-menino?
Onde está a pedra que se fez montanha
o regato que se fez rio
a tripla chama da vida nua
quando sagradas selvas e misteriosas crenças de punhal à cinta
quiseram que fosse santa?
Meu coração peregrino de seu perdido tesouro
entre o sol e as desgarradas nuvens de infinitos céus
ainda hoje se arrasta entre a razão e o abismo
em pálido reflexo de ouro para ser criança na hora de partir.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21304: Blogues da nossa blogosfera (132): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (48): Palavras e poesia

domingo, 30 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21304: Blogues da nossa blogosfera (137): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (48): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


UM BRAMIDO DE RAIVA

ADÃO CRUZ

© Pormenor de quadro de ADÃO CRUZ


Senti um frio arrepiante e um buraco negro nas entranhas, 
tão fundo como a silhueta daquele maldito comboio da 
inglória velocidade rebentando a dor direito à morte que está 
em pé na berma do cais, pela mão de uma criança.

O pai, nos braços de um escombro deste mundo sem sol 
e sem lua, destino bárbaro e cruel da perda total, de mão dada 
com o filho contra a majestade de um gélido cadafalso de 
ferro, parido pela força de um desumano progresso contra o 
qual se esmagam os pobres e desamparados que vivem em 
contramão.

Meu menino sonâmbulo, de olhos negros e pálida doçura 
quase luminosa, firme, terna, inocente, confiante na verdade 
desfeita em sangue pela mentira das mãos fatalistas de uma 
sociedade podre.

Podia ser um menino nascido no berço do lado, ao colo de um 
pai ou de um avô milionário, desiludido porque a sua fortuna 
não havia atingido o limiar do absurdo, o que não deixava de 
ser triste, mas a vida filha da puta, meu menino pobre, nada 
mais te deu do que um pai sem nada, sem prendas, sem força 
nem entreactos que te enxergassem melhor sorte do que a 
morte.

O monstruoso comboio entra na tua boca a toda a brida, o 
ar louco sai em turbilhão do teu pequenino peito sem eco, 
a vida estilhaça-se em ruidoso estrondo e o teu corpo frágil 
cai em pedaços sobre os bonecos das tuas meias, no pavoroso 
silêncio dos teus olhitos redondos.

E o mundo continua como se nada tivesse acontecido.

Quando vi que eras tu o menino que estava no curto 
caminho da morte pela mão de um pai que não dominava 
a fome, e não tinha dinheiro para te comprar uma bola, um 
pai que não sorria nem cantava para ti porque a alma se 
perdeu na praça do medo com o sol congelado na boca, senti 
um bramido de raiva e uma louca vontade de pedir contas a 
Deus.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21006: Blogues da nossa blogosfera (131): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (47): Palavras e poesia

domingo, 24 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P21006: Blogues da nossa blogosfera (132): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (47): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

MÃE

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Mãe
a palavra universal
a palavra mais consensual da humanidade.
Nem Deus…
Deus é de uns e não de outros
Deus é conceito de muitos
e negação de outros tantos.
A mãe é de todos sem excepção
a mãe é de todos e é só nossa
a mãe é do crente e do ateu
a mãe é do pobre e do rico
do sábio e do ignorante.
A mãe é dos poetas
dos filósofos e artistas
dos bons e dos maus
a mãe é do amigo e do inimigo.
Não há mãe de uns e não de outros
não há ninguém sem mãe
e não há mãe de ninguém.
A mãe é de toda a gente
a mãe é de cada um
a mãe é do mundo inteiro
e do nosso mais pequeno recanto.
A mãe é do longe e do perto
da água e do fogo
do sangue e das lágrimas
da alegria e da tristeza
da doçura e da amargura
da força e da fraqueza.
A mãe é certeza e aventura
medo e firmeza
dúvida e crença
a haste que se ergue no céu
ou se aninha rente ao chão
para que a morte a não vença.
A mãe é a outra parte de nós
sem mãe somos metade
sem mãe nada é exacto
igual a um
igual a infinito
onde se tocam princípio e fim
onde os tempos se encontram
sem presente passado e futuro.
A mãe é a lágrima que não seca
no sorriso que não se apaga
a nuvem que chove no sol que aquece
a mensagem da luz e da harmonia
e dos acordes matinais
com que abre o nosso dia.
A mãe levanta-se nas lágrimas da noite
e mesmo cansada
não perde a voz nem a cor da madrugada.
A mãe é a voz que se não teme
a voz que se confia
a voz que tudo diz
nas consoantes do grito
nas vogais do silêncio
nos abismos da agonia.
Mãe
primeira palavra a nascer
a última palavra a morrer.
A mãe é sempre a mesma
a mãe nunca é outra
na sua infinita diferença.
A mãe é criação
a mãe é sempre o fim
da obra-prima inacabada
a mãe nunca é ensaio
nem esboço nem projecto.
A mãe é um milagre
no milagre do mundo
o único milagre concebido
real e concreto.
Chora para que outros riam
ri para que a dor a não mate
mistura-se com a luz das estrelas
para vencer a escuridão
devora as nuvens por um raio de sol.
A mãe é beleza e poesia
aurora fulgurante
aurora adormecida
a mãe é bela porque é simples
porque nasce da silenciosa lógica da vida.
A mãe é fragilidade da semente
a força do tronco
a beleza da flor
a doçura do fruto
o dom de renascer.
A mãe é tudo numa só coisa
AMOR.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20960: Blogues da nossa blogosfera (130): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (46): Palavras e poesia

domingo, 10 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20960: Blogues da nossa blogosfera (131): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (46): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

AntiDeuteronómio II

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


No tempo em que as sardinheiras das varandas dos pobres
faziam parte dos nossos sonhos
florindo em poemas de sol e de cor
no tempo em que as andorinhas
teciam grinaldas de vida nos beirais
no tempo em que os rios bordavam a terra de areia branca
no tempo em que a brisa sussurrava
por entre as flores
e as fontes murmuravam seus amores
a aurora da nossa inquietação tinha o cheiro a maçãs
e o pulsar das coisa vivas
e o levíssimo sorriso dos jardins do paraíso.
Tudo amávamos em nobre sentimento de exaltação
o mundo era transparente e fácil de amar
e cheirava a feno
a razão ondulava a frágil seara
em suave alento na quietude universal da liberdade
como harmoniosa mulher suspirando ao vento.
Tão inocente amor
tanta alegria
quem pensaria que os rios de pranto
haveriam de chegar um dia
em negra nuvem de calado voo.
Não podemos deixar que a nuvem negra
se abata sobre nós e o pensamento…
e o pensamento nos agarre no desértico silêncio
sentados ao vento
no falso sol da varanda da ilusão
e da erosão da consciência adormecida.
Não podemos deixar que a todos nos transforme
em filhos da morte
filhos de nenhum lugar e de toda a parte
figuras do vale das sombras
esgueirando-se nas sombras de outras sombras
sonâmbulos fantasmas
sem gestos de vida que nos façam acordar.
E quando for dia de sol bem alto
porque haverá sempre um dia
a rasgar a deuteronómica nuvem negra
que ameaça os campos do futuro
e o sereno assombro das pedras
e os peixes verdes dos poemas
e os rubros sorrisos que cheiram a mar
e os passos dos que aprendem a andar
e os rios que correm nos olhos de uma criança
e a memória sem tempo
jamais a exaltação da santidade
estará na morte e nas cinzas da cidade.
E não haverá espinhos nos olhos
e aguilhões nos flancos da vida…
e não haverá armas de destruição maciça
no coração das mães dos filhos exterminados.
Na diáfana manhã de um novo dia
apenas a plangente harmonia de um Stabat Mater.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20937: Blogues da nossa blogosfera (129): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (45): Palavras e poesia

domingo, 3 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20937: Blogues da nossa blogosfera (130): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (45): Palavras e poesia


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

AntiDeuteronómio I

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


A cidade está deserta por dentro e por fora de nós.
Começa a não haver vivalma neste lusco-fusco brumoso
neste irracional azul de um céu de chumbo
nesta descrença de manhãs de sonho
tem bicéfalas e bárbaras bandeiras de um
mundo informe e medonho.
Seguir em frente no deserto do fim do dia
dilatar a esperança até que raie a claridade
no ventre da manhã de fogo e sangue
entrar na vereda enlameada e fria
dos homens de aço sem perfil e sem destino
virar na esquina sem luz da esperança perdida
no contra-senso divino…
ou voltar para lugar algum.
Como seria bom continuar eternamente
o caminho que nascendo dentro de nós
em fio de regato cristalino
se perde ingloriamente à flor da pele.
Assim que for dia
se dia chegar a ser nesta aparência de paisagem
não podemos deixar que a nuvem negra sombria
e a negra miragem
venham toldar a aurora da razão
e semear ruínas no coração apodrecido das nações
e no cérebro corrompido por obscenas falas
armas e cifrões
de imperiais e acéfalos patrões.
Se libertarmos da nuvem negra
a aurora da nossa interrogação
se impedirmos a negra nuvem
de apagar a luz da inquietação
na incontornável unidade do pensamento e da razão
o poema incendiará as asas do vento
e queimará as garras dos abutres
devolvendo à humanidade algum alento.
A terra engolirá os exércitos genocidas
que à sombra da nuvem negra
de deuteronómicos evangelhos
a ferro e fogo se empanturram de vidas
e se embebedam de sangue
para glória do Senhor dos Exércitos…
e jamais haverá Deuteronómio que resista
por mais petróleo que na terra exista.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20906: Blogues da nossa blogosfera (128): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (44): Palavras e poesia

domingo, 26 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20906: Blogues da nossa blogosfera (129): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (44): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


Abril abriu muitas portas, por uma delas passou o Serviço Nacional de Saúde que, justamente, se enaltece no dia da Liberdade. Nesta data histórica, a Direção do Sindicato dos Médicos do Norte realça a importância de um Serviço Público de Saúde universal e inclusivo, sem o qual não seria possível o combate sem tréguas à epidemia que nos assalta.

A Direcção do SMN


HOMENAGEM

Adão Cruz

Sou médico há 56 anos. Lembro-me de sentir muitas vezes na minha vida profissional, vida que procurei levar o mais eticamente, o mais competentemente, o mais dedicadamente e conscientemente possível, desilusões e mesmo algum sentimento de desonra em pertencer à classe médica. Tudo isto, por comportamentos desviantes dentro da própria classe, dentro da sua especial missão de vida, que feriam o nosso principal tesouro, a dignidade e o profundo sentimento humanista.

Sempre tive e ainda tenho muitos amigos das mais diversas profissões, desde trabalhadores mais humildes até cientistas, empresários, políticos e banqueiros. A todos, de formas obviamente diferentes, nunca os deixei de homenagear com a minha leal e sincera amizade, e com o reconhecimento e admiração por muitos exemplos das suas vidas. Porém, esta pandemia que hoje está a roer a nossa existência individual, familiar e social criou em mim, no meio de todos os males, sentimentos que eu nunca havia experimentado de forma tão emocionada e profunda. Por isso a minha homenagem, nesta altura, a todos os profissionais de todas as áreas, amigos e desconhecidos, não pode caber dentro de limites, pois em situação tão complexa, tão intrincada e tão interactiva, é muito difícil separar os mais importantes dos menos importantes.

Nesta infelicidade que nos bateu à porta, há, no entanto, uma multidão de seres humanos que me levaram, indiscutivelmente, à reconquista de uma honra especial em pertencer à sua classe, a classe médica e o Serviço Nacional de Saúde. Um Serviço Nacional de Saúde, fruto do glorioso Vinte e Cinco de Abril, prestes a ser celebrado, um Serviço Nacional de Saúde que abrange políticos, autoridades sanitárias, administrativos, médicos, enfermeiros, auxiliares e pessoal mais anónimo, todos imprescindíveis ao seu funcionamento e ao seu mais sólido e nobre futuro. A todos a minha homenagem.

Fiz cuidados intensivos há largos anos, quando as unidades de cuidados intensivos começavam a aparecer, de forma muito primária, comparadas com as de hoje. Mesmo assim, senti bem fundo a responsabilidade e a abnegação que elas exigiam. Por isso, não me levem a mal que eu deixe aqui uma homenagem muito especial, acima de todas as homenagens, ao trabalho de todo o pessoal que de uma forma heróica dedica as suas vidas, nestes dias tão negros, à prática intensivista, em Portugal e fora de Portugal. São para mim, sem margem de dúvidas, os Heróis da actualidade, aos quais cada país, depois da vitória, deveria erguer o mais majestoso e merecido monumento.

20.04.2020
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20874: Blogues da nossa blogosfera (127): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (43): Palavras e poesia

domingo, 19 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20874: Blogues da nossa blogosfera (128): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (43): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

A MORTE DO POETA

ADÃO CRUZ

© MANEL CRUZ


O dilema entre o silêncio e a palavra
invade a lógica discursiva
que há no ridículo do poema.
Quem tudo vê e nada sabe
ou é poeta
ou patético peregrino
da teatral mentira que emoldura a poesia
mascarada nos buracos negros das palavras.
Morre a razão e a mente
no espaço vazio do poeta
engolido nas areias movediças
da estupidez do verso.
Nasce a poesia
na semântica farsa das palavras
escondida nos simbolísticos restos do dilema
entre o silêncio do mundo
caído em pedaços
ou erguido nos absurdos de um poema.
Ninguém conhece a metáfora
da verdade e da mentira
só o poeta
na sua indomável vertigem da ilusão
descobrindo a poesia
nos avessos da razão.
Morre o poeta em suas manhãs de pedra e gelo
entre a verdade da mentira e a mentira da verdade
e todos lhe cobrem o corpo
com lençóis de sedução
no primeiro e último poema
do silêncio e da razão.
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20848: Blogues da nossa blogosfera (126): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (42): Palavras e poesia

domingo, 12 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20848: Blogues da nossa blogosfera (127): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (42): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

DELICADAMENTE

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Delicadamente ela abriu a blusa
e levantou os olhos decidida.
Era uma mulher de guerra combatida
daquelas cuja face conta a história.
Mansamente
baixou a medo as alças do soutien
inclinou a cabeça e fechou os olhos
à espera da minha mão.
Depois comemos pão de centeio
molhado num golpe de azeite
bebemos um capitoso vinho
e fomos à procura de uma paisagem com cegonhas.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de Abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20816: Blogues da nossa blogosfera (125): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (41): Palavras e poesia

domingo, 5 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20816: Blogues da nossa blogosfera (126): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (41): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

HABEMUS PACEM

ADÃO CRUZ


© ADÃO CRUZ


Magnífica surpresa
nesta saga de poetas para as cinzas nocturnas.
Há um labirinto de ismos que se entrecruzam de pontes
sobre um rio seco
ou um rio desviado para lá de mim.
Um lago de silêncio com a cidade ao longe
regateando simbolismos de esferas ocas
semeadas pelo parque monumental
de outros ismos já mortos
à espera de uma ressurreição
sob o reflexo de mil janelas
empoleiradas nos altos muros da cidade virtual
em serena ode à quietude universal.
Ali na esquina há fumo branco
e o estribilho feroz de um surrealismo macabro
de um débil concretismo experimentalista
hermeticamente grosseiro
gritando aos ares habemus pacem.
Na deserta anatomia do silêncio
onde outrora a poesia já morou
grita bem alto o histórico fóssil da verdade
em pedaços de vida fumegante
e monstruosas resmas de páginas em silêncio.
Montanhas de nomes a apodrecer
entre escombros de pensamentos
que embrulharam a consciência adormecida
durante séculos inglórios
emoldurados de paz e de vida.
Lida a vida a vida inteira
em semânticas fraudes simbolísticas
este atalho de fim de mundo
nada encurta e tudo alonga.
Verdadeiro a correr e a cantar
esgueirando pela rua a frágil seara do corpo
só o paraplégico
fazendo cavalo na cadeira de rodas.
Verdadeiro
apenas aquele gajo sujo
de vanguardas audazes
colado à soleira numa caixa de cartão
mostrando os dentes que não tem
em arremedo de sorriso de ilusão.
Por isso o poeta é um descalabro
à procura de se erguer.
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Nota do editor

Último poste da série de 8 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20714: Blogues da nossa blogosfera (124): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (40): Palavras e poesia

domingo, 8 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20714: Blogues da nossa blogosfera (125): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (40): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.


IN LIMINE

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Pelos caminhos de prantos e sorrisos
dentro de um tempo farto de horas sem minutos
a vida vai colhendo flores que murcham
por não serem simples flores ou flores simples
sem exigências de estufa ou jardim
flores de terra húmida
céu por cima e sol de permeio.
Em tudo o que me é vida
interfere a vergonha de ser adulto.
Descortino as janelas
que me disseram haver dentro dos homens
e só vejo muralhas.
Nada de crianças.
Os homens comeram as crianças
os homens comeram-se crianças
os homens pariram-se adultos.
Os pongídeos chegaram a homens.
Quinze milhões de anos
para o homem ser bicho…!
Bicho erecto
rastejo de púrpura.
Eu nasci na erva e dormi no feno
e acordei com a voz dos melros e rouxinóis
e saltitei com os pardais
vesti-me de sol e despi-me de luar
estreei o mundo no abraço das árvores e no beijo dos rios.
Meus olhos dormidos casavam a noite e o dia
no mesmo silêncio de sonho-menino.
A vida viveu em mim
crescendo todos os tamanhos
e medindo todos os céus.
Também eu fui criança
e matei em mim a criança que procuro
ao pensar que eram de amor
as mãos que a mataram.
Passei a vida a correr tropeçando nas sombras
arrumei ao canto da luz mil horas vazias
sangradas a curricular futuros
para ser gente na praça dos homens.
Pisei os passos pequeninos nos avessos da verdade
e palmilhei léguas vagarosas a tossir poeira.
Vestido de ausências
fui renascendo de amor pela vida fora
nos infinitos da fantasia
que outros foram matando lentamente
com fruído prazer.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20697: Blogues da nossa blogosfera (123): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (39): Palavras e poesia

domingo, 1 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20697: Blogues da nossa blogosfera (124): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (39): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

TODOS SOMOS FEITOS DE CORDAS

ADÃO CRUZ

© ADÃO CRUZ


Todos somos feitos de cordas
qual cérebro qual coração!
Cordas de violino
cordas de guitarra
cordas de enforcar
cordas daquelas que amarram cruelmente os barcos ao cais
e os fazem soluçar.
Já viram coisa mais triste do que os barcos a soluçar
presos às argolas do cais?
Felizes os que têm por amarra
as cordas de um violino
ou as cordas de uma guitarra.
Lá para os lados da evasão
no caminho de Santiago
em dias de vibração
uma floresta de cordas
uma floresta de sons
explode em fogo de artifício
nos dedos de Uriarte
e as cordas que nos prendem
por mais duras que sejam
tocam sempre uma canção.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20677: Blogues da nossa blogosfera (122): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (38): Palavras e poesia