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segunda-feira, 15 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17360: (De) caras (64): Quando o Papa era outro, italiano, e se chamava Paulo VI... Em 1/7/1970 recebia, no Vaticano, 3 católicos africanos, Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Marcelino dos Santos que, por acaso, eram dirigentes do MPLA, PAIGC e FRELIMO, respetivamente... Este acontecimento provocou na altura uma grave crise diplomática entre a Santa Sé e o Portugal de Marcelo Caetano (Recortes do "Diário de Lisboa", de 5/7/1970)

















 Recorte do Diário de Lisboa, nº  17075 Ano: 50  domingo, 5 de julho  de 1970, 1ª edição  (Director: Ruella Ramos)
Fonte; Portal Casa Comum / Fundação Mário Soares >  Pasta: 06615.153.24906 >  Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos

Fonte; (1970), "Diário de Lisboa", nº 17075, Ano 50, Domingo, 5 de Julho de 1970, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_6990 (2017-5-11)


1. No dia 1 de julho de 1970, um dia de semana, quarta-feira, o então Papa Paulo VI  recebeu Agostinho Neto, Marcelino dos Santos e Amílcar Cabral, na qualidade de dirigentes do MPLA, FRELIMO e PAIGC, respetivamente, reunidos em Roma por ocasião  da "Conferência Internacional de Solidariedade com os Povos das Colónias Portuguesas". 

No final da audiência, o Papa deu a cada um deles uma cópia em português da carta encíclica "Populorum Progressio" (1968) [Do esenvolvimento dos Povos], documento  que continha o pensamento da Igreja sobre a descolonização, a autodeterminação e o desenvolvimento dos povos.

Este acontecimento foi um série revés para a diplomacia portuguesa, embora a Santa Sé tenha procurado depois minizar o significado político da audiência, face aos protestos diplomáticos de Portugal, alegando que os três dirigentes nacionalistas africanos teriam sido recebidos, a título privado e na sua qualidade de católicos... 

O acontecimento desencadeou, na altura, uma crise nas relações entre o Governo português e o Vaticano. Anos mais tarde, a Rádio Vaticano vem falar de uma "histórica audiência" que tem que ser vista à luz do Concílio Vaticano II (concluído em 1965) e da Encíclica “Populorum Progressio”, publicada em 1967…

Submetidos à censura, os jornais portugueses da época, tais como o  "Diário de Lisboa" ou o "Diário de Notícias" (**), só deram a notícia quatro dias depois.

A Rádio Vaticano recordaria, em 2012,  34 anos depois da morte de Paulo VI, as palavras do cardeal Achile Silvestrini, que em 1970 colaborava com o então Secretário de Estado, o cardeal Agostinho Casaroli, e que, nessa qualidade, acompanhou de perto o processo que levou ao referido encontro do Papa com os três líderes africanos de língua portuguesa. Essas palavras foram proferidas num congresso sobre a figura e obra de Amílcar Cabral, realizado em Roma, na Rádio Vaticano, em 31/12/1999. Nele participaram, além do Cardeal Achile Silvestrini, outras personalides, "nomeadamente, Luís Cabral, primeiro Presidente da Guiné-Bissau independente e irmão do herói guineense" (sic)...  (O PAIGC, muito em particular, sempre teve na Itália fortes grupos de apoio à sua luta, incluindo comunidades e personalidades da Igreja Católica).

Achile Silvestrini ajuda-nos a perceber melhor o contexto em que se realizou o encontro do Papa com os 3 dirigentes nacionalitas lusófonos  (***):

"Tinha terminado não há muito o Concílio Vaticano e esta Encíclica veio como uma espécie de grande mensagem do interesse e do apoio da Igreja à promoção de todos os povos da África, da Ásia, e também da América Latina, que de algum modo estavam em condições de sujeição: ou de colonialismo, ou de subdesenvolvimento, ou de uma coisa e outra. Uma grande Encíclica que ainda hoje se lê com enorme admiração, porque foi um passo enorme. 

"Na minha experiência, que tive, se tivesse que dizer quais são os dois grandes acontecimentos da vida da Igreja nos últimos 50 anos, diria sem dúvida: o Concílio Vaticano II (sobre o qual estamos todos de acordo), mas o outro acontecimento paralelo é a descolonização.”

O Papa Paulo VI, o primeiro a vir a Portugal, em 1967, no 50º aniversário das aparições de Fátima,  não era das simpatias de Salazar, nomeadamente desde a sua visita a Bombaím, em 1963. Recorde-que em em finais de 1961 forças da União Indiana tinham invadido e ocupado os territórios de Goa, Damão e Diu.  A visita de Paulo VI a um congresso eucarístico a Bombaím foi vista pelo regime de Salazar, e o próprio Salazar, como uma grave ofensa a Portugal e ao catolicismo português. (****)

Para Amílcar Cabral, este terá sido um dos seus momentos de glória. Numa carta para Carmen Pereira, datada de Conacri, 13 de julho de 1970, comenta os sucessos da diplomacia do PAIGC nestes termos: "No plano internacional, acabamos de ter uma grande vitória contra o inimigo, com a conferência de Roma e com a entrevista com o Papa".
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Notas do editor:

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9151: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (17): Quando Paulo VI visitou o Santuário de Fátima

1. Mensagem do dia 10 de Novembro de 2011, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos mais uma das suas histórias e memórias.


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (17)

Maio de 1967
Paulo VI visita o Santuário de Fátima

No dia 1 de Junho de 1966, acabado de chegar da Guiné, fui colocado no Colégio Militar, como alferes miliciano, em regime de voluntariado.

No ano seguinte, em Abril, mandaram-me ir a Fátima para conseguir que a entidade que tratava das cerimónias atribuisse ao C.M. um pedaço de terreno onde uma delegação daquela Escola pudesse acampar durante uns dias para assistir às comemorações.
O C.M. seria representado por cerca de 20 alunos, o capelão, 2 ou 3 oficiais, 1 sargento, cozinheiros e soldados.

No dia 9 de Maio segui de novo para Fátima “capitaneando” uma coluna de viaturas diversas levando comigo o pessoal de apoio e o material considerado necessário para montar o acampamento: instalar tendas, montar cozinhas, cavar latrinas, etc.

No dia 11 à noite quando os restantes elementos chegaram, já tudo estava em ordem – tudo funcionou na perfeição... possível.

No dia 12, ao fim da tarde, tive uma visita muito especial (provavelmente quase tão importante como a do Papa – digo eu): a minha noiva, uma prima brasileira já viuva e a sua dama de companhia.
Pensei que se tratava apenas duma visita de cortesia ou, quando muito, que se auto-convidavam para o jantar. Mas não! Elas pretendiam algo bem diferente.
Deslocaram-se a Fátima sem reserva de alojamento; pretendiam pernoitar algures que não fosse dentro do carro (já lá dormia o condutor) nem ao relento.

Os hotéis e similares de Fátima deitavam clientes pela “cova do ladrão”; uma multidão das mais variadas gentes “invadiu” aquela povoação para assistir às cerimónias... e ver o Papa.

No nosso acampamento havia ainda uma tenda disponível. Falei com o sargento e em poucos minutos a tenda estava armada e pronta para alojar as ilustres visitas que se fizeram convidadas... ou quase. Já não havia “burros” de campanha (uma espécie de cama articulada com um pedaço de lona a servir de colchão). O sargento mandou espalhar no chão uma espessa camada de palha, colocaram um cobertor por cima, 2 lénçois e outro cobertor. Para campanha não estava mal! Foi uma autêntica dádiva... do Papa!

Acompanhei as três senhoras até junto da tenda; estava ali o sargento, muito solícito; explicou como tudo funcionava e, compenetrado, perguntou:
- As senhoras não são alérgicas à palha, pois não?!
Nenhuma respondeu: coraram e cerraram os lábios. Se abrissem a boca sairia uma estrondosa gargalhada em resposta às boas intenções daquele sargento.

Pela manhã, elas transmitiram que dormiram muito bem, que ficavam clientes e que, pela primeira vez na vida tiveram direito a um pequeno almoço de pé, com o copo de inox na mão e... sem pagar qualquer verba! Nada mau!

Aquela prima brasileira falava pelos cotovelos! Durante anos, sempre que nos encontrávamos, comentava jovialmente:
- Gostei muito daquela noite junto da tropa! Foi única! Acima de tudo gostei de saber que não sou alérgica... posso comer palha!

Belmiro Tavares
Lisboa, 10 de Novembro de 2011
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9033: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (16): As cábulas

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Guiné 63/74 - P2136: Bibliografia de uma guerra (19): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte III) (V. Briote)

O Congresso de Cassacá

Um ano depois do início da luta armada travou-se a batalha do Como (ou Komo, como também aparece escrito). Foram cerca de 70 dias de luta, com uma e outra parte fortemente envolvidas. O PAIGC a defender o que chamava terra libertada e as forças do exército português empenhadas em desalojar os guerrilheiros dos seus santuários.

Enquanto a batalha prosseguia, realizou-se em Cassacá, de 13 a 17 de Fevereiro de 1964, o 1º Congresso do PAIGC.

A caminho de Cassacá, em 1964, desembarque numa praia da Guiné-Conacri

Um dos motivos que levaram Amílcar Cabral e a direcção do PAIGC a convocar uma reunião de quadros do partido tinha por base as repetidas queixas das populações sobre abusos de responsáveis pela guerrilha, que iam do consumo exagerado de álcool e castigos corporais até a abusos sexuais e fuzilamento de populares, crimes estes que estavam a minar a relação com as populações.

Quacuta Mané, Aristides, Abdulay Barry, Manuel Saturnino, Armando Ramos, Amílcar, Rogério Oliveira e Osvaldo Vieira, a caminho do Congresso

Em Cassacá tomaram-se medidas que vieram a projectar-se até ao fim da luta. Foi decidido criar o Exército Regular, a Milícia Popular, escolas e hospitais e formar pessoal de enfermagem.

A direcção do PAIGC saída do Congresso de Cassacá
Nino, Chico Mendes, Rui Djassi, Aristides, Constantino Teixeira, Amílcar, Domingos Ramos, Luís Cabral e Osvaldo Vieira

Ao Exército (FARP*) , a que podiam aceder os melhores guerrilheiros (passou a ser considerada uma promoção), foi cometida a missão de abrir novas frentes, em especial a Norte e a Leste do território.

À guerrilha competia fustigar as tropas portuguesas na retaguarda, tornando-lhes a vida cada vez mais mais difícil e a Milícia ficava responsável pela defesa e segurança das populações das áreas sob controlo do partido.


sessão de encerramento do Congresso

Em Cassacá, o partido deixou de ser apenas uma organização política e militar; assumiu a organização e administração da justiça, da educação, da assistência médica e do comércio.

Muita e muita coisa aconteceu depois de Cassacá. Mas até ao fim da luta, o Iº Congresso do PAIGC ficou como uma marca de viragem e correcção e os seus efeitos perduraram até à década de 70. As armas, o transporte das mesmas de Marrocos até ao interior da Guiné, o difícil trânsito do material através da Guiné-Conacri com as dificuladades que Sekou Touré levantou durante muito tempo, as movimentações internacionais do partido, os debates sem fim na Nações Unidas, a recepção que o então Papa Paulo VI concedeu aos chefes da luta armada contra o colonialismo português, já na década de 70.

Não há aqui espaço, nem provavelmente o leitor tem paciência, nem tão pouco nós temos artes de historiador suficientes para descrever todo o trajecto da luta do PAIGC.

Foi uma década decisiva para o alcance da independência da Guiné e de Cabo Verde. As flagelações a Bissau, as batalhas dos três Gs (Guidage, Guileje, Gadamael), a preparação das eleições para a Assembleia Nacional Popular, a decisão dos países nórdicos (Suécia, Finlândia e Dinamarca), alguns deles parceiros de Portugal na Aliança Atlântica, de conceder apoio humanitário ao PAIGC, estes e muitos outros factores concorreram para que o desenlace da luta se viesse a dar a muito curto prazo.

(*) Forças Armadas Revolucionárias do Povo

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Nota de vb:

Fontes e imagens do livro "Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países", de Aristides Pereira. Editorial Notícias.

(1) Vd. post de 18 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - P2114: Bibliografia de uma guerra (17): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte I)

(2) vd. post de 24 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2128: Bibliografia de uma guerra (18): Guiné-Bissau e Cabo Verde, uma luta, um partido, dois países (Parte II)