Mostrar mensagens com a etiqueta Rio Corubal. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Rio Corubal. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18889: A travessia do Rio Corubal em Cheche: inquérito (1): resposta de Domingos Gonçalves (ex-alf mil da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)



Guiné > Zona Leste > Região do Boé > Cheche > 6 de Fevereiro de 1969 > A jangada, de reserva, com sobreviventes da tragédia de Cheche, no Rio Corubal, na retirada de Madina do Boé (*)

Foto (e legenda): © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Resposta, de ontem, às 8h55,  do Domingos Gonçalves Gonçalves ao nosso inquérito sobre a travessia do rio Corubal em Cheche.

[Foto à direita: Domingos Gonçalves foi alf mil da CCAÇ 1546 / BCAÇ 1887, Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68): tem cerca de 6 dezenas de referências no nosso blogue]
Bom dia,

A jangada era manobrada por um nativo, que residia no Che-Che. Em 1966 transitávamos com alguma segurança do Gabú, até ao Che-Che.


Não tinham lugar emboscadas, nem havia colocação de minas. Os problemas, graves, começavam depois da travessia do rio.

A jangada daquela época era insegura. O pessoal passava para o outro lado em pequenos grupos.

Recordo-me de pelo menos uma viatura carregada de munições ter caído no rio, com a respectiva carga.

Um abraço


2. Inquérito sobre a travessia do rio Corubal em Cheche:  questões a responder, no todo ou em parte,  por quem lá esteve ou por lá passou até ao trágico dia 6 de fevereiro de 1969 (Op Mabecos Bravios, retirada do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento de Cheche):

(i) quem manobrava a jangada ?

(ii) em princípio havia duas jangadas, sendo uma de reserva ?

(iii) também havia m sintex ou equivalente para ligar as duas margens ?

(iv) qual era a lotação habitual da jangada ? E a máxima ? Dois pelotões, 60 homens ? Menos, talvez 40 ?

(v) no caso das viaturas, a jangada podia transportar quantas e quais de cada vez ? Uma GMC ? Dois Unimog 404 ? Três Unimog 411 (burrinhos) ?

(vi) havia instruções  (explícitas, escritas ou orais) de segurança ?

(vi) no teu tempo, havia uma tabanca, em Che-Che, na margem esquerda (ou margem sul)  ? Eram fulas ? Era grande ou era pequena ? Quantas moranças tinha ? Havia milícias, abrigos, população em autodefesa ?

(vii) de que lado é que podia vir uma emboscada ou flagelação ? Da margem esquerda/sul (tabanca Cheche) ou do lado direita/norte  (destacamento de Checje / estrada de Canjadude) ? Ou de ambos ? 

(viii) alguma vez apanharam com minas anfíbias, minas /AC, minas A/P ou armadilhas, no rio, no ancoradouro, ou nas margens, ou na picada que leva até lá ?

(ix) imagino que os reabastecimentos fossem um inferno, e pior ainda no tempo das chuvas...

 (x)  quem guarnecia o destacamento de Cheche ? Talvez a CCAÇ 5, que estava em Canjadude, "Os Gatos Pretos", uma africana, a que pertenceu o nosso camarada e colaborador permanente, o José Marcelino Martins, fur mil trms ? Ou era outra subunidade ?

(xi) quantos homens tinha o destacamento de Cheche ?  Um pelotão ? Tinha armas pesadas (morteiro 81, metralhadora pesada, canhão s/r...) ?

(xii) quando se vinha do norte (estrada de Gabu e Canjadude) e  se fazia a trasvessia para o outro lado (tabanca de Cheche, destacamento de Béli, quartel de  Madina),  ficava  uma força a fazer a segurança ?... Era só o destacamento de Cheche ?  ou havia reforço da guarnição ?

 (xiii) O cabo que atrvessava o rio,  não era de aço, mas sim de  corda... Certo ? De aço seria pesadíssimo... E estava sempre montado e esticado ?

(xiv) e a jangada tinha motor auxiliar ? A jangada também era puxada a força de braço ? 

(xv) houve, no teu tempo, algum acidente ou incidente com a jangada ? Alguém (ou viatura) caído ao rio ?

(xvi) qual seria a largura e a profundidade do rio em Cheche ? No tempo seco e no tempo das chuvas
? (O desastre do dia 6/2/1969 foi no tempo seco...).

(xvii) Mais algum comentário ou observação:

_____________________________________________

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18871: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte III: A operação rotineira de manobra e montagem da segurança da jangada que fazia a travessia do Rio Corubal, no Cheche: fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)


Foto nº 1A >  O Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal, montando segurança à jangada que se desloca da outra margem (onde estava localizada a tabanca de Cheche), seguindo o cabo esticado de um lado a outro... Em baixo, em segundo plano, um sintex. O destacamento de Cheche ficava na margem direita, ou seja, no início da estrada que ia para Nova Lamego.


Foto nº 1 >  O Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal... É bem visível a jangada que se começa a deslocar da outra margem, seguindo o cabo esticado de um lado a outro... 



Foto nº 1B >  A  jangada que se começa a deslocar da outra margem (Cheche), seguindo o cabo, esticado de um lado a outro...  No ancoradouro, é visível uma segunda jangada. 


Foto nº 2A  >  O Manuel Coelho dentro da jangada com um guineense, que tanto pode ser milícia como militar do destacamento de Cheche... Ambos ajudam a segurar o cabo (ou a corda) ao longo do qual se desloca a jangada (que também tinha um pequeno motor auxiliar)... 



Foto nº 2  >  O Manuel Coelho,  dentro da jangada com um camarada guineense. 


Foto nº 3A >  Grande plano do Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal, montando segurança à jangada. Nesta margem ficava o destacamento de Cheche


Foto nº 3B >  O Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal, montando segurança... com  mais uma secção.


Foto nº 3 >  O Manuel Coelho, na margem direita do rio Corubal, montando segurança... Deslocou-se com uma secção num sintex. Ao fundo, a jangada que se começa a deslocar da outra margem, seguindo o cabo esticado de um lado a outro... 

Guiné > Região do Boé > CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, "Os Tufas" (Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Beli e Madina do Boé, 1966-68) > 1967 >  s/d > O Manuel Coelho montando segurança à jangada que fazia a travessia do Rio Corubal em Cheche (ou Ché Ché, a malta pronunciava Cheche...). Ou puxando a corda que ligava as duas margens e ajudava deslocar a jangada (que tinhaum pequeno motor auxiliar)... Uma operação rotineira, até ao fatídico dia 6 de fevereiro de 1969, o da retirada do aquartelamento de Madina do Boé e do destacamento de Cheche.

Fotos (e legendas): © Manuel Caldeira Coelho (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais fotos do álbum do Manuel Coelho, fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894 (Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68) (*), o nosso grande fotógrafo de Madina do Boé, que também alinhava, de G3 na mão, sempre que era preciso montar segurança à jangada que fazia a travessia do rio Corubal, em Cheche... 

Compare-se estas fotos de há 50 anos, com as de hoje, do Patrício Ribeiro (**).

A jangada tinha um pequeno motor auxiliar, e era puxada à força de braço, de uma margem para a outra, seguindo um cabo esticado... E sempre que era preciso atravessar o rio, impunha-se montar segurança de um lado e do outro... Para efeito, existia o destacamento de Cheche, na margem direita.

Uma operação rotineira,  durante anos... Até ao fatídico dia de 6 de fevereiro de 1969, o trágico dia da última jangada (Op Mabecos Bravios, retirada do quartel de Madina do Boé, por ordem do comando-chefe, gen Spínola: morreram afogados 46 militares e 1 civil, da CCAC 2405, que estava em Dulombi, e a CCAÇ 1790, que retirava de Madina).
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

25 de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P1869: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte II: A fonte da colina de Madina: mais fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)

24 de julho de 18 > Guiné 61/74 - P18867: Para que os bravos de Madina do Boé, de Béli e do Cheche não fiquem na "vala comum do esquecimento" - Parte I: seleção de fotos do álbum do Manuel Coelho (ex-fur mil trms, CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Bissau, Fá Mandinga, Nova Lamego, Béli e Madina do Boé, 1966/68)

(**) Vd. poste de 21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18861: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché

terça-feira, 22 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18663: Memória dos lugares (376): Cheche , rio Corubal e Madina do Boé, uma trilogia trágica (Xico Allen / Zélia Neno / Albano Costa)


Foto nº 1


Foto nº 2 


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5

Guiné-Bissau > Região do Boé > > Boé > 1998 > Embora esta zona ainda hoje seja pouco habitada, o Xico Allen encontrou e fotografou população civil quando lá esteve em 1998, com o António Camilo, o algarvio, e outros camaradas, mais a sua ex-esposa, Zélia Allen (, hoje Zélia Neno, ,membro da nossa Tabanca Grande). Na época o grupo de portugueses que se deslocou ao Boé, partiu de Quebo (Aldeia Formosa), tomando uma picada existente sempre junto à fronteira com a Guiné-Conacri até á povoção do Boé, nas proximidades da antiga Madina de Boé, nosso aquartelamento e tabanca (, cuja retirada, recorde-se, foi no dia trágico de 6 de fevereiro de 1969).

No regresso, o Xico Allen e amigos vieram pelo Cheche [foto nº 4], onde atravessaram o Rio Corubal, seguindo depois para o Gabu (ex-Nova Lamego). Em Cheche, ponto de cambança, fizeram questão de lembrar (e rezar por) os 46 camaradas desaparecidos (mais 1 civil) no trágico acidente de 6/2/1969, no decorrer da Op Mabecos Bravios.

Trinta anos depois da retirada de Madina do Boé (em 6 de fevereiro de 1969) ainda continuavam vísiveis os sinais das emboscadas e das minas... Restos de viaturas das NT abandonadas  eram verdadeiros fantasmas dos tempos de guerra... Julgamos que entretanto, nestes últimos 20 anos, foram retirados ou destruídos todos estes vestígios "arqueológicos" da guerra colonial. [Fotos nºs 1, 2 e 3]

Na realidade, eram fntasmas da guerra colonial que, de tempos a tempos, perturba(va)m a paisagem e o viajante...

A foto nº  4 foi tirada intencionalmente no meio do rio Corubal, de trágicas memórias para as NT, vemdo-se ao fundo a praia fluvia do Cheche, com rampa de acesso, na viagem de regresso a Quebo (Aldeia Formosa) - Boé - Cheche- Gabu (Nova Lamego).

A foto nº 5 mostra a famosa fonte da Colina do Boé, com ornamentação de azulejo português, pintado à mão, de 1945.  Os vestígios de impacto de balas de armas automáticas são mais do que óbvios.
O Xivo Allen

Esta famosa fonte da Colina do Boé é um sítio onde se concentra(va) alguma população civil da escassa que há (havia) nesta região semidesértica, e a única da Guiné que é, de resto, acidentada (com cotas que sejam quase aos 300 metros).


Fotos (e legendas): © Francisco Allen / Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. O Xico Allen (ex-1.º cabo at inf, CCAÇ 3566, "Os Metralhas", Empada, 1972/74, foto à direita), é  um dos primeiros membros da Tabanca Grande, registados em 2006,  tal como o Albano Costa,   foi um dos primeiros camaradas a voltar á Guiné, depois da independência. E nos últimos anos chegou lá mesmo a lá viver.

De acordo com as memórias da Zélia Allen, também nossa tabanqueira, o casal Allen visitou a Guiné do pós-guerra, em abril de 1992, mais um outro casal, o Artur Ribeiro e a esposa. Voltaram em 1994, desta vez foram 3 casais e conseguiram ir a Empada, onde o Xico tinha feito a sua comissão. Uma terceira viagem ocorreu em 1996 e uma quarta em 1998.

 E prossegue a ex-esposa do Xico, a Zélia Neno:

"Lá chegados, passamos uns 2 dias em Bissau e, num jipe alugado, viajámos para o interior, tendo como destino Empada, onde estivemos 2 dias. Aí sim, a experiência foi única até hoje, pois dormimos, comemos e tomamos alguns banhos na tabanca, onde luz só a da lua, das estrelas e da nossa lanterna pois desde a saída da tropa portuguesa não mais houve energia assim como outros bens essenciais, desde material escolar, medicamentos e alimentação. Os banhos, se assim se podem chamar, eram feitos despejando cabaceiras cheias de água retirada de um poço que gentilmente algumas mulheres nos iam entregando, fazendo-os passar por cima de um cercado e que funcionava como banheiro e não só...

(...)"No sábado regressámos a Bissau(...). No domingo à noite, com a chegada do avião,iria juntar-se a nós um grupo de 10 pessoas, 7 deles ex-combatentes, na sua 1ª romagem de saudade que,  como todos os outros era a concretização de um sonho, sendo um deles o Sr. Casimiro, aqui do Porto, que se fez acompanhar pelo seu jovem genro, o Carlos, e outros seus amigos e companheiros de guerra, tendo então eu a oportunidade de conhecer o Sr.Armindo, de Moreira de Cónegos, o Sr. Camilo, do Algarve, o Sr. Pauleri, de Vizela, o Sr.Amílcar, aqui de Gaia, único que levou a esposa sendo assim eu beneficiada pois tive companheira para o resto da estadia e dos restantes lamentavelmente não me recordo dos nomes.

"O que não esquecerei nunca, foi poder ver a alegria misturada com a emoção, quando chegámos a Jumbembem, local bem conhecido deles, pois mais não me pareciam do que crianças irrequietas em pleno Portugal dos Pequeninos, tentando ver todo o canto e recanto onde viveram outrora." (...).




Guiné > Região do Boé > Rio Corubal > Cheche > 6 de fevereiro de 1969 > A famigerada jangada que servia para transporte de tropas e material, numa das últimas travessias, aquando da retirada de Madina do Boé. Foi neste pedaço de rio que pereceram 46 militares e um civil.

A foto, histórica, é do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio [Augusto Esteves ] Felgas (1920-2008). Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, n.º 5, abril-junho 1969, pág. 15 (publicação editada pelo Instituto Camões; o n.º 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).


2. Julgo que,  para a Zélia,  aquela, a de 1998, foi a sua última viagem à Guiné, mas não para o Xico, que continuou a lá ir rgulamente. As fotos que hoje republicamos, em formato "extra large", são dessa viagem de 1998, em que o Xico, a Zélia, o Camilo e outros camaradas e amigos, que foram até à região do Boé, a partir de Quebo, no sul, seguindo a estrada junto à fronteira. Estiveram em Boé, não sei se chegaram a ir a Beli, e seguiram depois pela antiga picada que, indo por Cheche e Canjadude, ia dar a Gabu (Nova Lamego)... 

Fizeram, por isso, o mesmo percurso das NT, no âmbito da Op Mabecos Bravios (1-7 de fevereiro de 1969), ou seja a picada Madina do Boé-Cheche-Canjadude-Gabu. 

Xico Allen (Vila Nova de Gaia)
Estas fotos do Xico Allen têm um enorme interesse documental (tal como as fotos do álbum do Manuel Coelho, ex-fur mil trms da CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), embora já tivessem sido publicadas, em formato reduzido,  em 6/2/2006, no poste 500 (*).


Na altura, o Xico ainda não era nosso tertuliano (ou tabanqueiro), alegadamente por não ter endereço de email... Mas creio que já estava reformado da atividade bancária. Aliás, em conhecia-o, pessoalmente, a ele, ao Albano Costa , ao Hugo Costa e ao Zé Teixeira, em 31/12/2005, na Madalena, Vila Nova de Gaia, quando me fizeram
uma visita de surpresa, na casa dos meus cunhados onde passei o Natal e o Ano Novo.

Albano Costa (Matosinhos)
Foi o Albano Costa quem , nesta transação, serviu de intermediário, sendo ele mais antigo no blogue (, é membro da nossa Tabanca Grande desde 21/11/2005).  Eis um excerto da mensagem do Albano (que voltaria à Guiné em 2000):

"Caro amigo Luís Graça: Envio sete fotos sobre Madina de Boé, a picada onde foram destruídas várias viaturas durante a guerra colonial, a fonte da Colina de Medina e a população civil de Madina. Luís, vou procurar nos meus arquivos para ofereceres essa imagem ao Mário Dias de uma placa que existe no Boé sobre o Domingos Ramos [, seu amigo e camarada do 1º CSM - Curso de Sargentos Milicianos, em 1959],

"Estas fotos são do arquivo do Francisco Allen: ainda hoje estive com ele, fica contente em saber que são úteis, as fotos. Um abraço, Albano Costa".



Guiné > Carta da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor da região do Boé > .Pormenor do Gabu (Região de Gabu), passando pela antiga Madina do Boé, Cheche e Canjadude.

Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018).


 3. Comentário do editor LG:

A independência unilateral da Guiné-Bissau foi declarada em 24/9/1973, não em Madina do Boé (como fez  crer a propaganda do PAIGC durante muitos anos...), mas na região fronteiriça, a leste, alegadamente em Orre Fello, perto de Lugajole, mas já em território da Guiné-Conacri.  Por razões óbvias de segurança... Foi uma das maiores operações de propaganda (e de ofensiva diplomática), a nível interno e externo, dirigidas pelo  PAIGC, já órfão do seu líder histórico, Amílcar Cabral.

Sobre o desastre do Cheche [, o toponómimo correto é Ché-Ché, mas todos dizemos e escrevemos... Cheche], vd aqui.

E a propósito, apraz-me dizer, aqui, aos meus amigos e camaradas da Guiné, que há umas semanas atrás, apareceu-me agora, ao telefone, o Diniz, o ex-alf mil José Luís Dumas Diniz (, da CART 2338), responsável pela segurança da coluna da retirada de Madina do Boé, a fatídica coluna que teve o trágico acidente, na travessia de jangada,  no Rio Corubal, em Cheche, em 6 de fevereiro de 1969 (. Eu já estava mobilizado para a Guiné mas lembro-me da comoção que me provocou a notícia, que foi título de caixa alta  nos jornais de Lisboa)...

O Diniz foi julgado, creio, em tribunal militar, e foi absolvido... O próprio Spínola terá sido uma das testemunhas de defesa... Era preciso um "bode expiatório", o elo mais fraco da cadeia hierárquica...  Ele quer dar-me/nos a versão dele... Vou combinar um almoço com ele... Ele chegou até nós através do Fernando Calado, nosso grã-tabanqueiro, outro camarada e amigo desse tempo (Bambadinca, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)... 

Portanto, felizmente,  o Diniz está vivo e está disposto a falar.,, Já correram rios de tinta sobre o desastre de Cheche, mas falta-nos, em primeira mão, o depoimento de um ator-chave, o nosso camarada responsável pela segurança da jangada... Ele vive entre Cascais e Coruche, se bem percebi... Um dia destes, eu, ele e o Fernando Calado, vamos até à Casa do Alentejo pôr a conversa em dia... LG

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18622: Notas de leitura (1065): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (34) (Mário Beja Santos)

BNU - Bissau


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
A Guiné não é só uma colónia-modelo na conceção imperial, a produção agrícola de um salto. O BNU, já um grande proprietário, também sonha com a expansão, imiscuiu-se desde a produção até à exportação agrícola, vai lançando os olhos à Sociedade Comercial Ultramarina, a empresa competidora dos interesses da CUF. Se até agora os relatórios mostravam uma impressionante desafetação ao poder político, a agulha mudou de rumo, bajula-se o poder instituído, basta ler aqui a louvaminha totalmente despropositada do gerente à viagem do General Craveiro Lopes.

Um abraço do
Mário

BNU - Bissau


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (34)

Beja Santos

A década de 1950 é marcante na vida do BNU da Guiné: na colónia sopram ventos de desenvolvimento, e por isso a Sociedade Comercial Ultramarina é cada vez mais atrativa para investimento. O património do Banco é gradualmente mais valioso, composto de prédios, de propriedades, não esqueçamos que inicialmente funcionou como casa de penhores, o aliciante agrícola é indisfarçável, será assim até ao período da independência. Em Maio/Junho de 1953 há uma nova inspeção ao Banco, determinada por Lisboa, no relatório subsequente aparece um documento revelador dessa aproximação entre a banca e os investimentos abarcando a produção, a transformação, o transporte, a exportação, nomeadamente para a metrópole. É do seguinte o documento que surge solto dentro do relatório da inspeção:

“Exma. Administração da Sociedade Comercial Ultramarina
Exmos. Senhores:

A Sociedade é uma grande organização, espalhada por toda a Guiné, é bem administrada.
Tive ocasião de visitar as suas actividades comerciais e industriais e fiquei com a impressão de que é organismo que pode viver e expandir-se mais. A Guiné é rica, está a desenvolver-se, não fica longe de Portugal e portanto da Europa, importante vantagem para os fretes, por isso as actividades podem seguramente, com a prudência necessária, encarar com confiança o futuro.

Ainda que a cotação das oleaginosas venha um dia a cair fortemente, como se supõe, é certo que fica o recurso da exploração orizícola, cuja produção é hoje insuficiente para as necessidades internas da Província e para a exportação, e pode ser muitíssimo aumentada, dada a extensão de regiões próprias para a sua cultura. Haverá apenas que preparar tais regiões e mecanizar a cultura.
Ainda outros recursos existem que podem ser explorados; portanto, não há motivos para desanimar, antes pelo contrário para, com entusiasmo, se explorarem. O clima da Guiné tão mortífero há algumas dezenas de anos, e raros eram os que pensavam em se fixar aqui, está profundamente alterado para melhor. Isto também é um factor importante pois mais fácil é o concurso de europeus.
Não obstante o que deixo dito do clima, ele não é bom e há muitos pontos da Província em que a modificação não é tão acentuada.

Se V. Exas. pensarem, um dia, em virem até aqui, e ainda que seja na época melhor, devem contar com violento calor principalmente em Farim e Bafatá, poeira vermelha e incómoda, e, por vezes, grandes vespas a entrarem no carro e há que ter atenção à mosca transmissora da doença do sono, já não falando nos incómodos mosquitos.
Não vi a mosca do sono, posto que um médico da respectiva missão me dissesse que ela estava muito espalhada e havia muitos casos.

Os vapores que daqui vão para a metrópole ficam ao largo e não atracam, dizem que por causa da febre-amarela, todavia pergunto se há casos e ninguém os conhece. Parece que não missão médica especial para esta doença.
Nos desembarques nas margens dos rios, se a maré está em baixo ou ainda pouco alta, a grande extensão de lodo só pode ser atravessada dentro de pirogas deslocadas à força de braços dos pretos e às vezes até é necessário aceitar a ‘cadeirinha’ que fazem com os braços para pequenas travessias, ou onde não há pirogas.
Na navegação dos rios é necessário, contar por vezes, com os encalhes, e esperar que a maré suba, no rio Cumbijã ali estivemos encalhados três horas.

Nas residenciais do interior, onde há instalações para hospedagem, tirando Bafatá, elas deixam muito a desejar quanto a rudimentares comodidades.

As actividades da sociedade estão a ressentir-se com a falta de fundos, não porque não lhes tenham sido concedidos créditos mas pelo desvio destes e das suas disponibilidades para a construção do bloco industrial na Bolola.
Estão já ali investidos 9.500 contos. Esta soma tem saído parte dos créditos concedidos à Sociedade, parte das suas disponibilidades. Representa uma imobilização cuja importância faz falta às operações comerciais e há que atender que os produtos estão mais caros e por isso a sua aquisição demanda maior quantidade de dinheiro.
Em minha opinião devia conseguir-se um crédito especial de 15 mil contos garantido pelo bloco industrial, garantido pelo bloco industrial: edifícios existentes, em construção e a construir, maquinismos existentes e ainda a adquirir.
Com tal importância, creio que tudo se poderia concluir. Dele havia que retirar os 9.500 contos já ali empregados e reverterem para o maneio da sociedade. Se o Banco Nacional Ultramarino o não quiser conceder, poderia tentar-se de outra origem”.

No relatório da gerência de 1954 a análise à situação das colheitas continua a merecer a melhor atenção. Volta a referir-se a mancarra como o pilar em que assenta a vida económica bem como todo o comércio da Guiné. Por grau de importância, a seguir às oleaginosas é o arroz, mantém-se como o produto base da alimentação dos guineenses. Não é esquecido o óleo de palma, o relator diz que é extraído dos palmares de cultura espontânea em toda a Província, predomina nos Bijagós e na circunscrição de Cacheu, cobrindo uma área de cerca de 90 mil hectares.

“Uma das primeiras medidas tomadas pelo novo governador foi convocar todos os régulos e ‘grandes’ de maior prestígio e tendo-os com ele reunido em Bissau, expôs-lhes as suas ideias quanto ao problema da produção, mostrando-lhes a necessidade de aumentarem as áreas agricultáveis e procurando, assim, interessar mais a massa indígena nos trabalhos agrícolas e implicitamente no aumento da produção desta província, pois é preciso que ela modifique as suas estatísticas que há dezenas de anos acusam os mesmos índices, sem animadoras oscilações, denotando o marasmo e rotina que, à primeira vista, se não explica, embora se creia que a produção tenha aumentado, dados os esforços desenvolvidos nos últimos anos. O que é certo, porém, é que o movimento da exportação, o único meio de que se dispõe, ainda que sem rigor, para se avaliar a produção agrícola, continua a não apresentar alterações que correspondam ao interesse e cuidados havidos.

Assim, servindo-nos dos dados respeitantes às exportações do ano findo de 1954, verifica-se que a produção da mancarra foi inferior em tonelagem. Declínio também se verificou na exportação do coconote, mas este resultante apenas de não ter sido possível a exportação de toda a produção, não só por desinteresse dos mercados estrangeiros como porque foi atingido o contingente destinado à metrópole.
Contudo, e tendo em consideração não só os quantitativos de mancarra exportados em anos anteriores, como a boa produção de arroz que, sem dúvida, foi superior à do ano anterior, pode-se afirmar que foi bom o ano agrícola que findou”.

Imagem extraída da revista "O Mundo Português"

O discurso do relator mudou radicalmente de agulha, aquilo que até agora era uma observação profunda e independente, quer na análise do mercado quer na observação socioeconómica e política, entra em sintonia com a mística do Estado Novo. Basta ler esta introdução à primeira parte do relatório de 1955:

“O facto de maior transcendência e importância, ocorrido na vida desta Província no ano findo, e pode dizer-se que em toda a sua História, foi, conforme toda a imprensa metropolitana e ultramarina o noticiou, a visita a esta Província de Sua Excelência o Senhor Presidente de República que, acompanhado do Senhor Ministro do Ultramar e das respectivas comitivas, aqui chegou no dia 2 de Maio e foi recebido com delirante patriotismo e entusiástica vibração.
Em cinco séculos de existência, foi esta a primeira vez que a Província da Guiné recebeu a visita do chefe de Estado.

Como em Bissau, o Senhor Presidente da República foi alvo de carinhosas manifestações patrióticas no interior da Província, que percorreu durante alguns dias e onde visitou grandes obras em curso, como seja a nova ponte sobre o rio Corubal, e inaugurou o importante melhoramento que constituiu a construção da ponte Salazar, em Bafatá, no rio Geba.
Várias foram as grandiosas cerimónias e festas realizadas em homenagem ao Senhor Presidente da República durante a sua estadia na capital da Província, tendo em, todas elas o nosso Banco sido representado pelo nosso Ilustre Administrador, Excelentíssimo Senhor Doutor António Júlio Castro Fernandes, e também pelo gerente desta Filial.
Porque muito bem se enquadrou no esplendor dessa visita presidencial, não queremos deixar de aqui fazer referência especial à cerimónia da inauguração em Bissau da nova estátua de Teixeira Pinto, pois constitui uma impressionante homenagem ao heróico e valente pacificador da Guiné”.

(Continua)
____________

Nota do editor

Poste anterior de 4 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18602: Notas de leitura (1063): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (33) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18614: Notas de leitura (1064): Retrato do colonizado e retrato do colonizador, por Albert Memmi; editado por Gallimard (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18585: FAP (103): Pedaços das nossas vidas (3): Madina do Boé, "O Algarve na Guiné", por TGeneral PilAv José Nico (José Nico / Mário Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Santos (ex-1.º Cabo Especialista MMA da BA 12, 1967/69), com data de 20 de Abril de 2018:

Caros amigos.

Este texto, revela um dos muitos episódios vividos na primeira pessoa pelo então Ten PilAv José Nico em Abril de 1968.

De algum modo, ainda que na retaguarda, sinto ter contribuído para o sucesso de muitas missões protagonizadas pela Força Aérea no apoio ao nosso Exército. Cooperei por dois anos com todos os Pilotos da “Esquadra de Tigres” executando com rigor as tarefas que ao longo do tempo me foram atribuídas na preparação e operacionalidade dos Aviões Fiat G-91 R/4.

É por ter tido uma especial empatia e admiração pelo então Ten PilAv J. Nico, (isto sem qualquer menosprezo por todos os outros) e ligado por uma amizade que perdura até aos dias de hoje, que vos envio este magnifico e pragmático episódio de guerra para publicação. 

O Ten Nico,  além de um excepcional Piloto,  foi também o fotógrafo de serviço, já que o Fiat G-91 estava equipado no nariz com Câmaras Fotográficas cujas fotos muito contribuíram para a detecção de armamento inimigo e sua subsquente destruição.

Mário Santos

**********************

PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS (3)

V Madina do Boé,  “O Algarve na Guiné”

TenGen PilAv José Nico

Cumpri muitas missões durante a minha carreira na Força Aérea Portuguesa. A comissão na Guiné, porém, sobrepôs-se a todas as outras e marcou-me indelevelmente para o resto da vida. A mim e certamente a todos os que, de algum modo, partilharam a mesma experiência. É dela ou de acontecimentos com ela relacionados, que vos irei dando conta…

O passar do tempo vai tornando cada vez mais difícil reavivar os acontecimentos que, por alguma razão significativa, mas especialmente aqueles que foram episódios de confronto directo com o inimigo, mereciam ficar registados na nossa memória colectiva. O detalhe das acções vai-se diluindo no nevoeiro do esquecimento e só a permanência de alguns flashes e de uns poucos registos me permite recuperar a sequência daqueles momentos que vivi ou testemunhei e que merecem ser divulgados.

Dentre esses flashes que persistem, seleccionei um para construir este meu testemunho dos "PEDAÇOS DAS NOSSAS VIDAS"


1966, Base Aérea n.º 12, com a nova pista.

A imagem que perdura é clara. Vejo-me no espaço que existia entre os pré-fabricados onde estava instalado o Grupo Operacional 1201 da Base Aérea n.º 12, com a sala de equipamentos e as Esquadras de um lado e a sala de briefings, o bar e sala de estar, gabinete do comandante do Grupo e a Secretaria, do outro. 

Sei que foi ao começar o dia de trabalho, pouco depois de ter chegado à Base, vindo de Bissau. Alguém que passa por mim, entrega-me um papel com uma mensagem rádio e é esta mensagem que me vejo a ler com alguma surpresa e ao mesmo tempo com satisfação porque, finalmente, tínhamos conseguido desferir um rude golpe nas forças com que o PAIGC matraqueava, há anos, a companhia do Exército instalada na isolada posição de Madina do Boé, no Leste do território. 

Depois de muita pesquisa e com o apoio do ex-comandante da CCaç 1790,  cheguei à conclusão que este flash da minha memória respeita ao dia 11 de Abril de 1968, uma quinta-feira.


MADINA do BOÉ – O alvo para a estreia dos cubanos em combate

Desde o início da luta que o PAIGC escolhera o aquartelamento de Madina do Boé como um alvo preferencial. Terá sido até esta a primeira posição do Exército que o inimigo pensou aniquilar ou pelo menos forçar o seu abandono, muitos anos antes de tentar o mesmo com o Guilege. 

Com essa finalidade criou uma base dedicada em território da Guiné-Conacri, junto à fronteira e a curta distância de Madina do Boé, numa povoação chamada Kambera. Era ali que se organizava para as incursões e era para ali que retirava depois das flagelações.

De facto, Madina era uma posição em que o apoio de outras unidades terrestres não era viável e o apoio de fogo da Força Aérea, além de só ser possível durante o dia, só era imediato em termos relativos, dada a distância. A posição estava isolada e só podia contar com os seus próprios meios.

As limitações no apoio a Madina do Boé, a que se somavam outras vulnerabilidades,  como era o facto de estar rodeada de pequenas elevações[1], são a justificação para que a zona tenha sido escolhida para uma espécie de campo de exercícios e carreira de tiro do PAIGC. 

Era ali que os quadros, regressados dos países onde recebiam formação militar, se exercitavam e ganhavam experiência. A ideia de que a zona era difícil de proteger,  levou mesmo a URSS a prometer ao PAIGC construir uma pista para aviões de transporte Antonov para apoio logístico directo, assim que conseguissem desalojar os portugueses daquela posição. Esta ideia era inexequível enquanto a Força Aérea mantivesse a superioridade aérea mas o PAIGC, segundo declarações de Nino Vieira, acreditou durante muito tempo nela.

Foram essas vulnerabilidades que também justificaram o facto de Madina do Boé ter sido o alvo escolhido para a primeira acção de combate com o envolvimento dos cubanos. Amílcar Cabral,  que estava nessa altura muito preocupado com a segurança dos seus novos apoiantes internacionalistas[2], enviados por Fidel de Castro na sequência da Conferência Tricontinental de Havana, em Janeiro de 1966, escolheu Madina para fazer uma demonstração das capacidades dos seus guerrilheiros. 

Esta decisão, em princípio acertada, não evitou porém o desastre que, por acaso, foi relatado por uma testemunha privilegiada, o cubano Oscar Oramas, que foi o embaixador de Fidel em Conacri e simultaneamente o executivo para o apoio ao PAIGC. É assim que ele descreve essa acção no seu livro “Amílcar Cabral para além do seu tempo”[3]

“A primeira operação militar de envergadura que se realiza com a participação dos assessores cubanos é a efectuada contra o quartel português de Madina de Boé, em 10 de Novembro de 1966.
Esta instalação militar conta com uma edificação na sua superfície, a partir da qual combatem os guineenses fulas incorporados no exército colonial, enquanto os Portugueses se mantêm em trincheiras e refúgios subterrâneos, onde instalam a sua artilharia.

O comando guerrilheiro  situa-se para esta operação, a uns 500 metros do quartel, instala um canhão B-10 junto de uma grande árvore, com a ideia de o proteger do fogo inimigo. A operação é dirigida pelo Comandante Domingos Ramos, um dos principais dirigentes do PAIGC. Pela parte cubana encontra-se o tenente Artemio, chefe dos assessores cubanos, com umas dezenas de combatentes guineenses e cubanos, e Ulisses Estrada, Chefe da 5ª Direcção do Ministério do Interior cubano. Junto deles, encontra-se a operadora de câmara argentina Isabel Larguia, que participa na operação com o fim de filmar um documentário que sirva para propagandear, principalmente na Europa, a luta que o PAIGC está a liderar.

Domingos dá ordem para o início das acções e o canhão B-10 começa a disparar acompanhado pelo fogo de espingardas dos guerrilheiros. A resposta dos Portugueses não se faz esperar; têm coberta a pequena elevação de onde ataca a guerrilha e as suas granadas de morteiro começam a produzir impactos certeiros sobre o comando guerrilheiro, provocando a confusão e a desorganização.

Domingos, atrás da árvore onde está situado o canhão, atira-se para cima do corpo de Ulisses com a clara intenção de o proteger, quando é atingido por um estilhaço de morteiro, que lhe provoca uma ferida que sangra copiosamente. Ulisses, ajudado por outro cubano, transporta-o para o posto médico, situado a uns 100 metros na retaguarda, mas o seu corpo chega a este já sem vida.

O grupo guerrilheiro dispara todas as munições que em Boké haviam decidido utilizar neste combate e empreende uma retirada desorganizada, a qual é aproveitada pelos Portugueses para lançar uma salva de morteiros para os atingir.

Ulisses considera que o mais importante nesse momento é evitar que o cadáver de Domingos caia nas mãos do Exército português, e, acompanhado por outro cubano, toma um camião e condu-lo até Boké, República da Guiné, entregando-o a Aristides Pereira para que seja enterrado com todas as honras que merece como um dos fundadores da luta do PAIGC”.

Depois deste episódio,  que naturalmente abalou a direcção do PAIGC, as acções contra Madina do Boé só voltaram a intensificar-se novamente em Outubro de 1967 (na época das chuvas quando todo o Boé ficava completamente isolado). 

Dessa vez, durante 13 horas consecutivas,  a posição foi violentamente bombardeada, e os combatentes do PAIGC conseguiram mesmo aproximar-se das redes de protecção. Logo às primeiras horas do dia seguinte, com a chegada do apoio aéreo e o bombardeamento da zona envolvente pelos G-91, o ataque cessou imediatamente.


Como apoiámos Madina do Boé em Abril de 1968

Por todos os motivos já indicados, o apoio de fogo a Madina do Boé pela Força Aérea, era fundamental. No entanto, a nossa eficácia nessas situações era, na generalidade, muito limitada. Isso acontecia tanto no caso de Madina do Boé como no dos outros aquartelamentos apoiados. 

É certo que,  quando os aviões chegavam ao local, os ataques terminavam porque o inimigo tinha receio de ser localizado e não se revelava mas, por outro lado, era muito difícil infligir-lhe danos dada a dificuldade de referenciar com precisão os alvos. As indicações dadas pelas forças terrestres em termos de direcção e distância eram apenas estimativas e, do ar, mesmo que a direcção fosse uma indicação satisfatória,  já a distância era impossível de medir a olho, com alguma precisão, sobre o manto verde da mata. 

 Em Madina, nas curtas visitas dos DO-27 e em conversa com os comandantes de companhia,  fomo-nos apercebendo que o inimigo utilizava repetidamente bases de fogos que já estavam bem identificadas o que correspondia às características de campo de treino de tiro que a zona tinha para o PAIGC. Foi por isso que em 10 de Novembro de 1966 a reacção da companhia CCaç 1416 fora tão certeira.

No início de Janeiro de 1968,  a CCaç 1790 que na altura se encontrava em Bissau como unidade de intervenção do Comando Militar, iniciou a sua deslocação para Madina do Boé onde assumiu a responsabilidade de todo o Boé, com uma pequena guarnição destacada em Béli.

O ex-comandante da CCaç 1790 descreveu-me assim a posição que foi ocupar:

“Madina do Boé é uma pequena povoação com características físicas específicas. É rodeada por pequenas elevações (com cerca de 300 m de cota média), que são a continuação na Guiné da cordilheira do Futa Djalon da Guiné Conacri. 

Madina fica num vale fértil com muita água, tem um clima agradável, a ponto de em brincadeira os militares que ocuparam anteriormente a posição terem ali colocado uma tabuleta com a expressão “Madina do Boé, o Algarve na Guiné”, e que ali permaneceu até ao fim da presença portuguesa. 

Não havia um aquartelamento militar propriamente dito, mas antes uma dezena e meia de abrigos enterrados dispostos em círculo com um diâmetro de cerca de 1,5 kms e ocupados, cada um, por 5 a 7 militares. 

No centro da povoação havia três casas edificadas. A população que ali vivia também dispunha de abrigos junto das suas tabancas. Por razões óbvias os abrigos estavam ocupados em permanência; era ali, e em cada um, que se tomavam as refeições e se fazia a rotina dos dias. 

Os montes em redor davam comandamento e capacidade de observação contínua sobre as nossas posições. Evitávamos, por isso, ajuntamentos de pessoas que constituíssem alvos fáceis; mesmo quando se jogava futebol, fazíamo-lo junto de valas a céu aberto onde nos podíamos rapidamente abrigar em caso de ataque.

O PAIGC atacava Madina do Boé quase diariamente, normalmente com armas pesadas, morteiros de 82 mm e canhões sem recuo de 75 e de 82mm. A partir dos meados de 1968 passou também a utilizar atiradores especiais que,  embora fazendo tiro a grande distância, e sempre à mesma hora, acertaram algumas vezes; nunca causaram mortes, mas provocaram alguns feridos graves, e criaram uma enorme instabilidade emocional. 

O desencadear das longas flagelações com armas pesadas tinha características próprias: ocorria normalmente aos crepúsculos, especialmente no vespertino, por razões de segurança das unidades do PAIGC que realizavam o ataque. É que durante a noite não havia operações aéreas na Guiné; por isso após o pôr-do-sol, estavam seguros que só na madrugada seguinte poderiam aparecer os Fiat G91; quando atacavam ao raiar da aurora faziam-no muito rapidamente sendo esses ataques intensos, mas terminando logo de seguida para evitarem qualquer ataque aéreo de resposta.
[...]
Está hoje completamente comprovado que o PAIGC teve sempre nos arredores de Madina oficiais e sargentos cubanos que regulavam o tiro das suas armas pesadas com muita eficácia; como nos montes em redor tinham excelentes postos de observação de tiro, e meios adequados para o efeito, escolhiam facilmente as zonas a bater, e faziam correr as salvas por todo o aquartelamento.”

Quando se chegou ao final de Março de 1968 o PAIGC começou a aumentar novamente a pressão sobre Madina do Boé mas dessa vez houve três novos factores que jogaram um papel fundamental.


O primeiro foi que face à rotina dos ataques,  o comandante da CCaç 1790 desenhou uma quadrícula alfa numérica de referenciação que se sobrepunha às cartas 1:50.000 que todos utilizavam. Quando a situação começou a ficar complicada,  um exemplar desta quadrícula[4] foi entregue a um piloto de DO-27 que passou por Madina e depois passou a ser utilizada como elemento de coordenação entre a CCaç 1790 e os pilotos dos G-91 nas acções aéreas de apoio de fogo.

O segundo factor era uma vulnerabilidade dos cubanos que utilizavam emissores-receptores nas frequências da banda FM dos 80 Mhz que podiam ser escutadas nos rádios (transistores) do pessoal. Por essa razão, era normalmente possível ouvir-se em Madina as comunicações do inimigo, em castelhano, e por vezes deduzir onde iria caír a próxima salva, e também conhecer os resultados dos ataques aéreos quando estes se realizavam.

O terceiro factor foi a decisão de pôr uma parelha de G-91 no ar ao fim do dia e tentar o contacto rádio em rota para Madina. Se o inimigo não se tivesse manifestado, a parelha entrava em espera, por alturas de Bambadinca, na esperança de poder intervir imediatamente se o PAIGC entretanto desencadeasse alguma flagelação. 

A espera era efectuada alto para reduzir o consumo de combustível e depois, se tudo corresse de feição, bastavam apenas 6 minutos de voo a 400 KIAS[5] para atingir um alvo na zona de Madina do Boé. 

Quando os aviões iam armados com foguetes e metralhadoras (caso da parelha de alerta) o tempo de espera podia atingir cerca de 40 minutos mas, nessas condições, com tão baixa capacidade letal, era difícil provocar danos sérios no inimigo. Com bombas nas estações internas, dada a curta autonomia do G-91 sem tanques externos, a espera tinha uma janela muito estreita, no máximo 20 minutos, e portanto era necessário muita sorte.

Foi com estes preparos já em força que ao fim da tarde de 9 de abril de 1968, o PAIGC desencadeou uma flagelação com armas pesadas. Logo após caírem as primeiras salvas,  o comandante da companhia conseguiu contacto rádio com os G-91, na frequência do apoio aéreo (FM 49.0 Mhz), e utilizando a quadrícula de coordenação indicou a localização da base de fogos do inimigo. 

Os aviões apareceram rapidamente sobre o local e atacaram com foguetes 2,75” e metralhadoras as posições indicadas o que fez parar imediatamente o ataque ao aquartelamento. Logo a seguir o pessoal do Exército começou a ouvir nos “transistores” vozes cubanas pedindo macas e enfermeiros para socorrerem as muitas baixas que tinham sofrido. Estes resultados foram divulgados de imediato através de uma mensagem “relâmpago” que não chegou ao meu conhecimento.

Lembro-me, no entanto, que na manhã do dia seguinte, 10 de Abril de 1968, fui escalado para uma missão com o Cap Vasquez que era na altura o comandante da Esquadra 121. A caminho da linha da frente disse-me que íamos ver se Madina do Boé precisava de apoio e que os aviões iam armados com bombas incendiárias e foguetes, para além das metralhadoras, é claro. Percebi depois que ele estava ciente do resultado do ataque no dia anterior e pretendia tentar uma segunda oportunidade.

Nem sonhava o que o destino me tinha reservado quando levantei a tampa que escamoteava o botão vermelho do STARTER e o cartucho de arranque do motor disparou. Depois, a rotina das operações aéreas não exigia grandes explicações e, que me lembre, não houve praticamente quaisquer comunicações entre os dois pilotos. Descolámos e eu segui o n.º 1 em escalão de combate a cerca de 300 mts de distância. O comandante da parelha voava o G-91 5403 e eu o 5427.

Ainda estávamos a subir, acompanhando o Rio Geba, quando o n.º 1 tentou o contacto rádio com Madina do Boé:

- Madina, Madina, Tigres chamam!

Mal terminara a chamada,  ouvimos imediatamente a voz do Capitão Aparício, sinal de que estava à espera que aparecessem aviões na frequência de apoio ar-solo:

- Tigres, aqui é Madina! Informo que o inimigo está a instalar-se a meio da encosta no ponto 2! - disse isto muito de seguida como se tivesse a informação presa na garganta e estivesse em pulgas para a soltar.

Acho que, embora bem sentado e amarrado, até estremeci. É desta que levam, pensei logo eu. Na quadrícula verifiquei que o ponto 2 era uma pequena elevação chamada Felo Gorlige que ficava mais ou menos no enfiamento da pista de Madina. Conhecia perfeitamente o local. A resposta do Cap Vasquez, no seu estilo peculiar que mais parecia um sussuro, foi extraordinariamente pausada e lacónica,  não deixando transparecer a emergência que subitamente nos caíra no colo:

- Madina, entendi que estão no ponto 2 a meio da encosta. Confirme!
- Afirmativo Tigres, afirmativo!

Depois destas comunicações nenhum de nós disse qualquer palavra. Cada um ficou a pensar com os seus botões. Eu pensava que,  apesar da situação parecer favorável a indicação de “a meio da encosta”,  deixava em aberto uma grande margem de erro. Além disso, se a vegetação na zona fosse relativamente densa,  a cobertura ia ser reduzida e, em consequência, a margem de erro aumentava.

Vi o avião da frente voltar ligeiramente á direita porque baixou a asa desse lado durante uns momentos e a seguir começou a descer e a afastar-se, indicação de que estava a acelerar. Calculei que fosse adquirir à volta de 400 KIAS e foi isso que aconteceu.

Estávamos nessa altura a cerca de 60 Kms em linha recta e nessas condições era impossível descortinar a zona onde se localizava Madina. Na trajectória que seguíamos passámos praticamente sobre a confluência do rio Corubal com o rio Geba e foi sempre a descer suavemente que fomos perdendo altitude. Aproveitei para ir ligando o armamento e certifiquei-me, por diversas vezes, que tinha os “pylons” internos ligados e os externos, que suportavam as calhas dos foguetes, desligados. Faltava apenas armar as espoletas o que normalmente se fazia já muito perto do alvo mas dessa vez resolvi deixar tudo pronto para o ataque. Não queria falhar. No visor seleccionei 140 milésimos que era a minha referência pessoal para as incendiárias em voo rasante a 400 KIAS.

Quando cruzámos novamente o rio Corubal, a cerca de 15 kms de Madina, começámos a perceber os contornos do terreno e pensei então que o melhor seria largar as bombas no seguimento do impacto das do n.º 1 para tentar aumentar a extensão da zona coberta. Estas conjecturas foram interrompidas porque entrámos em voo baixo e deixámos de ver a zona do alvo. De Madina, no prolongamento da pista, o terreno eleva-se ligeiramente para Oeste e os aviões vinham a voar abaixo dessa lomba. Foi bom porque isso iria garantir uma surpresa total e, apesar de por alguns momentos não vermos o objectivo, sabíamos que os aviões voavam alinhados com ele. 

A partir desse momento entrámos numa final longa e alucinante, característica dos ataques a muito baixa altitude, em que o terreno parecia escorregar freneticamente por debaixo da barriga do avião. Só quem passou por situações como esta poderá entender o que senti naqueles momentos porque eu não sou capaz de o reproduzir por palavras com a eficácia merecida. Os dados estavam lançados e a expectativa do que estava prestes a acontecer devia estar a injectar-me “toneladas” de adrenalina no sangue.

Concentrado no controlo do voo e no seguimento do avião da frente,  vi de repente o n.º 1 desaparecer quando passou a pequena lomba antes da pista e continuou rente ao solo. Segundos depois foi a minha vez e nessa altura já vi o outro avião parecendo trepar a encosta do Felo Gorlige. De repente vi o clarão das bombas a explodir mas, à distância, pareceu-me que o espalho não tinha sido grande coisa.

Focado na encosta onde ia largar o armamento e com a velocidade que levava, não via mais nada. Não vi sequer as casas e abrigos do aquartelamento que ficaram á minha direita, mesmo ali ao lado.
Naqueles poucos segundos de acção o meu Mundo encolhera-se espantosamente e resumia-se ao Felo Gorlige.

Foi então que passei por uns momentos de confusão porque, de repente, apercebi-me que não era seguro entrar na fumarada que alastrava sobre a zona do alvo. Não podia largar mais acima como queria e só me restava a possibilidade de largar mais curto e foi o que fiz. Foi tudo muito rápido. Depois entrei na nuvem de fumo do lançamento anterior e limitei-me a puxar o nariz do avião para cima para ter a certeza que não colidia com o solo.

Ainda estava a subir voltando apertado pela direita, todo torcido e comprimido na cadeira de ejecção, a tentar localizar visualmente o avião do Cap Vasquez, quando a voz do Cap Aparício me encheu o capacete:

- Em cheio,  Tigres, em cheio. Era mesmo aí!

De seguida detectei o n.º 1 já a voltar sobre o Dongol Dandum numa trajectória que só podia ser para lançar os foguetes no alvo. Armei também os meus e executámos depois 4 circuitos de tiro em que fomos disparando os foguetes aos pares procurando bater a zona envolvente ao redor da mancha de fogo. 

Depois, como o combustível não dava para mais, o n.º 1 entrou em contacto rádio com Madina para nos despedirmos ao mesmo tempo que iniciámos uma subida para os 20.000´ de regresso a Bissalanca. 

Ainda me parece, ao recordar este episódio, estar a sentir a intensa calma que, depois daqueles minutos esfusiantes, pareceu inundar-me o espírito. Como de costume nestas missões entrámos numa inicial curta com o COLLECT TANK a debitar e o respectivo indicador a mostrar menos de 250 lbs de combustível remanescente.

Duas horas depois, descolei numa segunda parelha de G-91, armada com foguetes e metralhadoras, que bateu outros pontos nas imediações do aquartelamento, segundo a orientação dada pelo comandante da CCaç 1790. Dessa vez levei o G-91 5401 mas já não consigo determinar quem foi o outro piloto.


O que disseram os cubanos naquele dia

As comunicações rádio dos cubanos escutadas em Madina, na sequência deste ataque, prolongaram-se por várias horas. No essencial pediam apoio para a evacuação da enorme quantidade de feridos que tinham sofrido e referiam também a existência de cerca de 30 mortos. O tom de aflição e a insistência nos pedidos de socorro reflectiam claramente uma situação de extrema gravidade. 

Foi um apanhado dos indicadores recolhidos nessas escutas que o capitão Aparício plasmou pormenorizadamente numa nova mensagem “Relâmpago” e que eu tive oportunidade de ler no dia seguinte de manhã. Foi com alguma surpresa que tomei conhecimento dos resultados pois nada me indicava com segurança que tinhamos atingido o alvo e que as consequências tinham sido tão devastadoras para o PAIGC[6]. A única informação que podia ter algum significado fora a dada pelo comandante de Madina quando largámos as bombas no Felo Gorlige mas essa era uma avaliação visual a uma distância de 3 Kms, portanto pouco fiável.

Não é pois de estranhar que este momento me tenha marcado e se tenha somado aos instantâneos que, passados quarenta e seis anos, ainda perduram na minha memória.

Nos dias 12, 14, 16 e 17 de Abril continuámos a efectuar saídas com os G-91 em apoio de Madina de Boé. 

A partir de 16 de Abril desistimos da configuração com foguetes e metralhadoras e passámos a levar os aviões armados com duas bombas de 200 kgs nos “pylons” internos e mais duas de 50 Kgs nos “pylons” externos. Só não os levámos à carga máxima (2 bombas de 200 Kgs e 4 de 50 Kgs por avião) por causa da resistência ao avanço provocada pelos suportes que tinham de ser montados nos “pylons” externos com o consequente aumento do consumo de combustível e redução da autonomia.

A actividade da Força Aérea em apoio da CCaç 1790, durante o período mencionado, e que na prática se manteve com menor intensidade até à desactivação de Madina, acabou por dar resultado e o inimigo,  se não “encolheu as unhas”,  teve que passar a empregar tácticas menos favoráveis. 

Mais do que isso não seria nunca possível, nem em Madina do Boé, nem em qualquer outra posição periférica dado que o PAIGC e os seus reforços internacionalistas beneficiavam do santuário proporcionado pelas Repúblicas da Guiné-Conacri e do Senegal. Nunca abandonou a zona mas as flagelações diminuíram de frequência e de intensidade. 

Foi certamente para compensar esta quebra nas suas acções ofensivas que passaram a utilizar uma táctica que escapava completamente à acção punitiva dos aviões: os franco-atiradores, como referiu o ex- comandante da CCaç 1790 no seu testemunho, atrás reproduzido.


A infantaria da Força Aérea também lá esteve (Operação Diana)

A continuação das flagelações e depois os tiros com armas de precisão procurando causar baixas na guarnição de Madina do Boé sugeriu também, na fase que se seguiu às acções atrás descritas, a utilização de meios terrestres da Força Aérea. 

O comandante do batalhão de paraquedistas n.º 12, na altura o Tcor Para Fausto Marques, deslocou-se a Madina do Boé para perceber melhor a natureza do problema e engendrar um plano de acção. Com base nos elementos colhidos concluiu que só a surpresa poderia garantir resultados visto que tudo apontava para que o aquartelamento estivesse sob observação permanente a partir da vizinha encosta do Dongol Dandum.

Por essa razão foi iniciado o transporte diário em DO-27, directamente de Bissalanca para Madina, de equipas de 4 paraquedistas, simulando voos de rotina. Para encobrir a chegada deste pessoal, o avião aterrava de Este para Oeste e, quando dava a volta no fim da pista para se dirigir à entrada do aquartelamento (a meio da pista), parava por momentos para deixar sair os quatro homens que se embrenhavam na mata próxima. 

Estes voos começaram no dia 11 de Julho e terminaram no dia 15 de Julho de 1968 quando o efectivo do grupo de combate comandado pelo Tenente Pára José Manuel Gomes chegou aos 20 elementos.

A missão que lhes foi atribuída rezava assim:

1 - Reconhecer com efectivos reduzidos, evitando a todo o custo o contacto com elementos inimigos ou população, os trilhos que levam às posições de flagelação inimigas.

2 - Efectuar emboscadas nos pontos que o inimigo costuma ocupar para flagelar com armas ligeiras a população de Madina e os movimentos na pista de aterragem.

3 -Emboscar o inimigo nos itinerários de acesso às suas posições, aniquilando-o e capturando o material.

4 - À ordem armadilhar as pontes do rio Capege e Mael Bane.

A orientação táctica foi para efectuar o reconhecimento nas imediações do aquartelamento, na medida em que o grupo de combate fosse engrossando. As saídas deviam ser executados principalmente à noite, aproveitando a fase da lua, e durante o dia o pessoal devia manter-se escondido e em repouso. Depois de reconhecidos os trilhos que o inimigo utilizava nos seus movimentos,  deviam então ser montadas emboscadas nos locais mais prováveis de passagem.

Logo no segundo dia foi efectuado um reconhecimento ao alvorecer em que foram empenhados os primeiros quatro paraquedistas que haviam chegado no dia anterior, apoiados por um grupo de combate da CCaç 1790. 

Nesta saída o inimigo, atento a todos os movimentos, bem instalado no balcão do Dongol Dandum, flagelou o grupo de três direcções, com um efectivo estimado em cerca de vinte elementos, tendo ferido um guia nativo. A intenção era reconhecer a área no topo Oeste da pista mas por causa deste ataque tiveram de inflectir para Este, depois prosseguiram para Norte e a seguir voltaram para Oeste atravessando a picada para o Che-Che em direcção a uma pequena elevação conhecida como “Colina de Madina”. 

Por informação da CCaç 1790 esta zona era por vezes utilizada pelos guerrilheiros que até já teriam sido atingidos por uma salva de morteiros e sofrido baixas. De facto, descobriram os impactos das granadas de morteiro e raminhos partidos com vestígios de sangue. Para além disso, o terreno amplo e aberto tinha boas condições para se montar uma emboscada. Depois de reconhecerem toda a zona subiram a vertente Oeste do Dongol Dandum, desceram pela vertente contrária e acabaram por regressar ao aquartelamento vindos de Este.

No terceiro dia foram empregues os oito paraquedistas que já estavam disponíveis. Para efeitos de dissimulação integraram-se novamente num grupo de combate da CCaç 1790 que ia apanhar lenha nas imediações da picada para o Che-Che. Depois seguiram para Leste até ao rio Barquege (a 1,5 Km) tendo encontrado posições de morteiro a cerca de 1 Km do aquartelamento. Nesta e nas restantes saídas houve problemas com os guias[7] porque eles sabiam perfeitamente por onde os guerrilheiros andavam, tinham medo e também tinham um grande receio do escuro da noite.

O truque de falha do gerador

No quarto dia saíram às 02H00 12 paraquedistas que foram montar a primeira emboscada junto às posições de flagelação que tinham sido reconhecidas no dia anterior. Por recomendação do pessoal da CCaç 1790,  foi simulada uma falha do gerador eléctrico para encobrir a saída. 

Em Madina, quando falhava o gerador ficava tudo às escuras até que a iluminação voltasse a ser reposta. O mais preocupante era a perda da iluminação do perímetro de segurança, balizado com arame farpado, e por isso era usual os sentinelas dispararem algumas rajadas para o exterior no sentido de dissuadir eventuais tentativas de infiltração. 

Como havia necessidade de encobrir a saída dos paraquedistas foi sugerido ao Ten Gomes que fosse simulada a falha do gerador para confundir os olheiros do PAIGC. E foi assim, com as luzes apagadas e os sentinelas ao tiros para o Dongol Dandum, que os 12 homens do Ten Gomes afastaram o cavalo de frisa que dava acesso à pista e esgueiraram-se para a direita na direcção Leste. Pouco depois chegaram ao local pretendido onde montaram uma emboscada mas o inimigo não se revelou até ao alvorecer. No regresso, já dia claro, foram flagelados com armas ligeiras a partir da encosta do Dongol Dandum quando entravam no aquartelamento. 

Até esse momento, dado que nos primeiros dois dias as saídas foram feitas juntamente com pessoal de Madina e desta vez fora aplicado o “truque do gerador”,  o inimigo nunca se terá apercebido da presença de outras forças pelo que a vantagem da surpresa ainda se mantinha.

No quinto dia a acção anterior repetiu-se, desta vez com dezasseis paraquedistas, e o local escolhido para a emboscada foi entre o topo da pista e a Colina de Madina na zona que tinha sido reconhecida no segundo dia. No entanto, dessa vez também não houve contacto e o grupo regressou a Madina já o sol ia alto.


Finalmente a surpresa resultou

No sexto dia[8], 16 de Julho de 1968, sairam pelas quatro horas da manhã dezoito paraquedistas que rodearam o Dongol Dandum por Leste, seguiram depois pelo vale do rio Barquege e foram aquietar-se na encosta Sul, um pouco a Norte da antiga tabanca de Sebere Dandum. 

Foi nessa posição que às oito horas da manhã ouviram o tiroteio de uma flagelação a partir da encosta Leste. O Ten Gomes deu então instruções para o grupo abandonar a posição e subir para Norte até encontrar o carreiro da guerrilha que levava à vertente Leste. A deslocação foi inicialmente complicada pela reacção do guia nativo que os acompanhava dessa vez e que, transido de medo, se recusou a prosseguir. Teve que ser deslocado para o fim da coluna onde ocupou a última posição e na prática passou a ser rebocado pelo último paraquedista.

Ao chegarem ao trilho, a meia encosta, procuraram rapidamente uma zona que proporcionasse um campo de tiro e montaram um dispositivo em L invertido em que a perna maior, com dez paraquedistas, se estendia a subir ao longo do trilho e a menor 90º à direita, de frente a uma pequena clareira. Numa posição recuada em relação à perna maior ficaram o 1.º Cabo Enfermeiro Giroto e o homem do rádio.

Poucos minutos depois avistaram os primeiros guerrilheiros que desciam a encosta completamente descontraidos e na galhofa[9] mas apenas cinco entraram na zona de morte que era pequena. Os paraquedistas viram-se obrigados a abrir fogo porque o guerrilheiro que seguia à frente já estava apenas a quatro metros de distância. 

Como este trazia a Kalashnikov em bandoleira não foi o primeiro a ser abatido, foi o segundo da fila que trazia binóculos ao pescoço[10] e a arma em posição de fogo. Só depois o Fur Capucho atingiu o primeiro homem da fila. A disciplina de fogo,  que era um dos pontos fortes das tropas paraquedistas, ao contrário do que sucedia com a generalidade das nossas forças na Guiné, funcionou aqui em pleno mais uma vez. O terceiro homem da fila, abatido pelo soldado José Santos, caíu a cerca de seis metros da emboscada. O quarto também foi atingido e foi nessa altura que o quinto guerrilheiro o tentou auxiliar tendo chegado a arrastá-lo de nível na clareira, vários metros para Oeste, ao mesmo tempo que os restantes elementos do grupo que ainda se encontravam encobertos pela mata abriram fogo ao longo do trilho na direcção dos paraquedistas. 

No entanto esses dois guerrilheiros não conseguiram escapar porque o 2.º Sarg Lança movimentou rapidamente a sua equipa de modo a conseguir posição de fogo e acabaram abatidos também mas não conseguiram alcançar os corpos para lhes retirar as armas. Do lado dos paraquedistas,  a reacção cega do inimigo provocou duas baixas: o Ten Gomes foi ferido numa perna assim como o apontador da MG 42, 1.º Cabo Cabaço, que se encontrava ao seu lado.

 
16 de Julho de 1968, emboscada pós-ataque do PAIGC a Madina.

Com dois feridos e com um número indeterminado de guerrilheiros em posições mais elevadas,  não foi possível explorar melhor o sucesso mas a equipa do 2.º Sarg Lança encontrou rastros de sangue ao longo da mata de onde o grupo inimigo tinha surgido. 

Nas circunstâncias foi necessário quebrar o contacto para trazer os feridos imediatamente para Madina e evacuá-los. No entanto o grupo ainda foi flagelado sem consequências, desta vez de um ponto mais para Sudoeste da zona. A retirada fez-se para Este, mantendo o nível da meia encosta e foi protegida com alguns disparos para as matas mais acima. 

O Ten Gomes teve que ser amparado por outro paraquedista e o 1.º Cabo Cabaço que estava em pior estado, foi carregado por dois companheiros. Ao aproximarem-se de Madina começaram a avistar pessoal da CCaç 1790 que tinha saído do aquartelamento e se dirigia ao seu encontro na tentativa de dar apoio.


Coube-me a mim efectuar a evacuação dos dois feridos. Comigo viajou o TCor Fausto Marques e por um feliz acaso alguém fez uma foto do DO-27 3460 aterrado na pista de Madina onde eu, o Ten Gomes e um soldado da CCaç 1790 aparecem. É a única prova que ainda tenho de que alguma vez estive “no Algarve na Guiné”...

____________

[1]-  O próprio aquartelamento ficava no sopé de uma elevação chamada Dongol Dandum com cerca de 100 metros de altura

[2] - Testemunho de Ulisses Estrada Lescaille em “Recordando a Amílcar Cabral, líder anticolonialista de Guinea Bissau” no dia 21 de Maio de 2003:

“Una vez concluida la misión en el Uvero, en noviembre de 1966, a pesar de la preocupación de Amílcar - que no se encontraba en el país, por temor a la muerte o captura de uno de nosotros en los frentes de batalla, me uno a las guerrillas comandadas por Domingo Ramos, comisario político del PAIGC, en la primera operación militar de envergadura en la que participan los instructores militares cubanos, bajo el principio de convertir el combate en una escuela.”

[3] - Note-se como Oramas, numa lógica de culto da personalidade, tradicional nas ditaduras comunistas, fantasia sobre a acção do chefe guerrilheiro para a acomodar ao seu estatuto de herói nacional, apesar do desaire sofrido. Não me parece nada credível que o movimento de Domingos Ramos tenha sido para cobrir o Ulisses que é um preto matulão. Era mais digno e honroso que se atirasse para cima da Isabel. O mais provável é que Domingos Ramos que estava de pé, pois era o chefe e só assim conseguia ver os impactos do B-10, tenha sido atingido e desfaleceu caindo sobre o Ulisses que estava ao seu lado.

[4] - Esse exemplar da quadrícula para o apoio aéreo a Madina do Boé ainda existe.

[5] - KIAS – Knots Indicated Air Speed (velocidade ar indicada em milhas náuticas por hora)

[6] - Testemunho do ex comandante da Ccaç 1790, actual Tcor Inf (R) José Aparício após uma visita à Guiné em 1994:

“Regressados a Madina visitámos os montes circundantes de onde éramos atacados. Constatei que a quadrícula alfa numérica que utilizávamos estava correcta, e os vários pontos eram efectivamente as bases de fogo que referenciámos na quadrícula.

Um dos elementos que nos acompanhava, e que desempenhava as funções de governador do Gabu, mas que nos tempos da nossa permanência pertencia às forças do PAIGC estacionadas na zona, pediu-me para o seguir sozinho, que me queria mostrar um local; pediu-me para não tirar fotografias e não falar do assunto aos jornalistas e operadores de imagem que nos acompanhavam, o que cumpri, 
naturalmente. 

Chegados ali, na contraencosta de um dos montes à volta de Madina, na direcção (E), mostrou-me o local onde foram enterrados os mortos do PAIGC na zona, descrevendo-me a maneira como enterraram os corpos. Quem ficou constrangido e embaraçado pela situação, fui eu, e por respeito não ousei voltar a olhar com insistência para o espaço e estimar o número de sepulturas, mas que eram muitas. 

Na longa conversa que ali mantivemos, referiu-me os ataques aéreos de 9 e 10 de Abril de 1968 confirmando o juízo que ao tempo tínhamos formulado das circunstâncias de então. Falou-me também das dificuldades que tinham nas evacuações de feridos, já que os hospitais de que o PAIGC dispunha na região com médicos cubanos, se encontravam longe, em Boké a (S) e Kundara a (N). As forças do PAIGC à volta de Madina tinham enfermeiros cubanos, que nos dias dos citados ataques se viram ultrapassados pela situação, passando toda noite a pedir auxílio para transportar os muitos feridos existentes, o que foi ouvido em Madina.”

[7] - Os guias nativos eram soldados do recrutamento local que estavam agregados às companhias metropolitanas. Eram necessários não só porque conheciam o terreno mas também porque eram os intérpretes quando eram feitos prisioneiros ou se encontrava população.

[8] - 16 de Julho de 1968.

[9] - Faziam aquilo praticamente todos os dias.

[10] - O homem dos binóculos (e com um relógio russo) era um cabo-verdiano que declarou ser o chefe de um grupo de sete elementos que efectuava as flagelações com armas ligeiras a Madina. Faleceu alguns minutos depois.

José F. Nico
Gen Pilav
____________

Nota do editor

Poste anterior de 16 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16496: FAP (98): Pedaços das nossas vidas (2): "Marte, saia a Força Aérea, o Pirata ejectou-se em Gandembel", por TGeneral PilAv José Nico - II Parte (José Nico / Miguel Pessoa)

Último poste da série de 14 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18522: FAP (102): Paixões das nossas vidas - A Força Aérea Portuguesa (Mário Santos, ex-1.º Cabo MMA - F 86 e Fiat G-91)

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17787: Memória dos lugares (363): tabanca de Portugal, onde vivia em 1947 o régulo Bacar Dikel, e que ficava a sudoeste do Xitole, na margem esquerda do Rio Corubal. É referida pelo repórter do "Diário de Lisboa", na sua crónica de 25/2/1947.


Guiné Portuguesa > Região de Quínara > Mapa do Xitole (1955) > Escala 1/25 mil >Posição relativa da tabanca de Portugal, na margem esquerda do Rio Rorubal, a sudoeste do Xitole. Era uma tabanca abandonada no tempo da guerra, mas referida na reportagem de Norberto Lopes, no "Diário de Lisboa", em 25/2/1947. Não confundir com a tabanca de Lisboa, a escassos 3 km de Buba, visitada e citada pelo nosso camarada José Ferreira.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017).




Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > Tabanca de Lisboa > 2005 > O Zé Teixeira com o chefe da tabanca e a sua lindíssima filha. A tabanca de Lisboa, a 5 Km de Buba, era um antigo centro de treino do IN, de nome Sare Tuto... Aqui ainda vivem vários antigos combatentes do PAIGC... Sadiu Camará, antigo paraquedista, casou aqui com uma guerrilheira... Foi ele que mudou o nome da aldeia e ajudou a população como caçador... Uma história com final (quase) feliz. A seguir à independência esteve preso e, algumas vezes,  esteve prestes a ser executado sumariamente... (LG)

Foto (e legenda): © José Teixeira (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1.  Nas suas andanças pela Guiné, em janeiro/fevereiro de 1947, o jornalista do “Diário de Lisboa”, Norberto Lopes, transmontano, admirador da obra e da política de outro transmontano, o governador geral Sarmento Rodrigues, veio de Bolama até Bafatá, passando por São João, Fulacunda, Buba, Xitole, Bambadinca… Na margem esquerda do Rio Corubal, ficava a tabanca de Portugal. 


Na viagem até ao Xitole,  o repórter, vindo de Buba,  vai acompanhado pelo chefe de posto e pelo régulo dos fulas do Forreá, Baró Baldé “cujo regulado tem a sede em Missirá [entre Buba e Mampátá, abandonada no tempo da guerra] e que foi “um dos mais valiosos auxiliares indígenas na última guerra de Canhabaque [, nos Bijagós, em 1936]".

 Descreve esta região de Quínara, o setor de Buba que ia té à margem esquerda do Corubal, como “desertificada”, abandonada pelos fulas devido, ao que parece, à “doença do sono” que dizimava o seu gado, mas também à queda brutal dos preços da borracha que eles extraíam da “hévea”, planta expontânea na Guiné.

Sede do pequeno reino do régulo Bacar Dikel, era a tabanca de Portugal que ficava a caminho do Corubal. O repórter faz a cambança do rio em canoa,  já que a ponte de 1937, a ponte general (mais tarde,  marechal) Carmona, estava em ruínas. Do outro lado esperava-o uma carrrinha que o levará até Bafatá, via Bambadinca.

"No caminho para o Chitole (sic), fica a tabanca de Portugal, escondida na espessura do mato onde o régulo Bacar Dikel, mau grado as dissidências que perturbam a 'reinança' , acaba tranquilamente os seus dias".

Algum camarada ou amigo ouvira já falar desta tabanca e deste régulo, Bacar Dikel ?  Seria biafada ou fula ? E a que "dissidências" se queria referir o repórter do "Diário de Lisboa" ?

Não confundir esta tabanca com a de Lisboa (, antiga Sare Tuto) que fica a leste de Buba. Depois da independência, o chefe da tabanca passou a ser, por imposição da população, um antigo paraquedista guineense do BCP 12, o Sadiu Camará. (**)

___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17785: Historiografia da presença portuguesa em África (92): quando a Guiné do tempo de Sarmento Rodrigues tinha uma "boa imprensa": Norberto Lopes, o grande repórter da "terra ardente"

(**) Último poste da série > 1 de julhio de 2017 > Guiné 61/74 - P17531: Memória dos lugares (362): A vibração dos espectros: Uma semana depois da calamidade, o regresso a Pedrógão Grande (Mário Beja Santos)