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quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20080: Historiografia da presença portuguesa em África (173): A cédula pessoal do território da Guiné-Bissau (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Dezembro de 2018:

Queridos amigos,
Creio que ninguém se surpreenderá com o facto de a província da Guiné ter nascido juridicamente em 1886. Do século XV ao século XIX, multiplicaram-se as designações, quase todas elas desencontradas. Não havia fronteiras, as praças e presídios situavam-se no litoral ou em pontos estratégicos dos rios. Ninguém se fixava no interior. Quando o Alferes Francisco Marques Geraldes viaja da região do Geba para Selho, no Casamansa, descobre que havia populações que nunca tinham visto um branco, caminhava-se para o fim do século XIX. As fronteiras deram litígio, um deles é uma ferida permanente, o Casamansa. Sékou Touré sonhava com a grande Guiné e com o seu talento diplomático Amílcar Cabral dizia com meridiana clareza que as fronteiras do novo país seriam exatamente as da antiga colónia portuguesa. E assim aconteceu, a despeito de fenómeno de cobiça como a região costeira entre o Senegal e a Guiné-Bissau que se julga estar impregnada de petróleo.

Um abraço do
Mário


A cédula pessoal do território da Guiné-Bissau

Beja Santos

A província da Guiné-Portuguesa nasce no século XIX. Antes, a partir do seu descobrimento, multiplicaram-se as designações, sempre imprecisas, vagas e arbitrárias: Rios da Guiné de Cabo Verde, Grande Senegâmbia, Pequena Senegâmbia, Terra dos Negros… Na constituição liberal não há nenhuma referência à Guiné, fala-se em Cacheu e Bissau, Eça de Queiroz, num dos seus trabalhos jornalísticos, fala de Senegâmbia, referência igualmente feita por Honório Pereira Barreto na sua incontornável Memória para as autoridades de Lisboa. Igualmente os limites territoriais eram indefinidos, havia a ideia de que tudo começava no território continental do Cabo Verde e se estendia até à Serra Leoa. Da leitura que fiz às descrições seiscentistas da Guiné, da autoria de Francisco Lemos Coelho, documento anotado pelo historiador Damião Peres, edição da Academia Portuguesa de História, 1953, apura-se que este comerciante e aventureiro terá passado a meninice em Guinala (região de Buba), morou em Cacheu e Bissau, viajou pelo Casamansa, atravessou por terra deste rio para o rio Gâmbia, navegou pelo Geba, percorreu as ilhas dos Bijagós, explorou a costa da Serra Leoa. Ao começar a sua descrição, é muito claro: “É a Costa da Guiné de que pretendo dar notícia, toda aquela terra que se estende do Cabo Verde, o qual fica em altura de 14 graus até ao focinho da Serra Leoa que fica em 7, que esta é a terra que é navegação dos portugueses, assim moradores que vivem por todos os rios que estão neste distrito, como os que passam a estas partes a negociar, em o qual distrito há os reinos, portos, gentes e comércio que aqui se verá”. E a sua primeira descrição serão os Jalofos, etnia predominante no Senegal.

Produto direto da Conferência de Berlim, que se estendeu de 1884 a 1885, decorrente dos permanentes litígios entre portugueses e franceses naquela região da África Ocidental, obteve-se mediante a Convenção Luso-Francesa de 1886 uma perda entendida como chocante e contrária à presença portuguesa, a região do Casamansa, a posse definida do interior da Guiné, punha-se termo a um mar de brumas e entregava-se a Portugal a Guiné continental e insular, com a mesma superfície que possui atualmente, 36.125 quilómetros quadrados.

Começa o texto da convenção nos seguintes termos: “D. Luís, por graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, D’Aquém e D’Além mar, Senhor da Guiné e da conquista, navegação e comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia, etc. Faço saber que se concluiu e assinou em Paris entre mim e o Presidente da República francesa uma convenção especial em que do lado português foram plenipotenciários, o senhor João de Andrade Corvo, Conselheiro de Estado e o senhor Carlos Roma du Bocage, Deputado, Capitão do Estado-Maior de Engenharia…”; e no artigo primeiro esclarecem-se as fronteiras: ao norte, uma linha que partindo do Cabo Roxo, se conservará, tanto quanto possível, em igual distância dos rios da Casamansa e de S. Domingos de Cacheu; a Leste, a fronteira seguirá o meridiano de 16º de longitude oeste de Paris, desde o paralelo de 12º 40’ de latitude norte; a leste a fronteira seguirá o meridiano de 16º de longitude oeste de Paris, desde o paralelo de 12º 40’ de latitude norte, até ao paralelo de 11º 40’ de latitude norte; ao sul, a fronteira seguirá uma linha que partirá da foz do rio Cajet, situado entre a ilha de Catack (que ficará para Portugal) e a ilha de Tristão (que ficará para a França) e, conservando-se tanto quanto possível, segundo as indicações do terreno, a igual distância do rio Componi (Tabati) e do rio Cacine, depois do braço setentrional do rio Componi (Tabati) e do braço meridional do rio Cacine, esteiro de Cacondo a princípio, e do rio Grande por fim, virá terminar no ponto de interseção do meridiano de 16º de longitude oeste de Paris com o paralelo de 11º 40’ de latitude norte. Ficarão pertencendo a Portugal todas as ilhas compreendidas entre o meridiano do Cabo Roxo, a costa, e um limite meridional formado por uma linha que seguirá o talvegue do rio Cajet e se dirigirá depois para sudoeste…

No artigo segundo, o reino de Portugal reconhece o protetorado da França sob os territórios de Futa-Djalon. Depois o texto da convenção espraia-se sob a região do Congo, as possessões francesas da costa ocidental de África.

Foram constituídas delegações para delimitar as fronteiras, trabalho que se iniciou em 1887, com divergências e interrupções. E escreve-se no Anuário da Guiné de 1948: “Constituída uma nova missão Luso-Francesa foi possível de 1900 a 1905 fixar as fronteiras da Guiné Portuguesa. A missão portuguesa era chefiada por Oliveira Muzanty. Em 1919, o Capitão-Tenente Teixeira Marinho à frente de uma missão geográfica conclui os trabalhos de campo, permitindo o traçado de uma nova carta de Guiné. De 1929 a 1931, uma nova missão luso-francesa fez as rectificações das fronteiras. A representação portuguesa foi confiada ao Major de Artilharia Soares Zilhão que a chefiava e aos adjuntos engenheiros geógrafo Baptista Lopes e topógrafos Morais Soares e Fausto Duarte".

Em resumo, a província da Guiné, depois desta convenção de 1886, confrontava-se ao Norte, Leste e Sul com a África Ocidental Francesa (Senegal ao Norte, e Guiné Francesa a Leste Sul), e a Oeste com o oceano Atlântico.

Após os trabalhos de delimitação de fronteiras, ficou então definida uma linha convencional que partindo do Cabo Roxo corre pela região dos Felupes e Baiotes, mantém-se quase a igual distância dos rios Cacheu e Casamansa até ao marco 145; segue depois por novo rumo, aproximadamente na direção Este e, ao chegar ao marco 133, na vizinhança de Canja, inflete para Nordeste, apoiando no paralelo 12º 40’, até ao marco extremo 58. Ali começa a fronteira Leste, entre as regiões de Pachiche e Pajade que desce pela margem sinuosa do rio Cocoli, e se afasta novamente, contornando o Futa-Djalon até ao paralelo 11º 40’. A fronteira sul estende-se pela região montanhosa abaixo de Dandum, acompanha o rio Cogon, segue para o território compreendido entre esse rio e o Corubal e inflete na direção da foz do rio Cajet. Quanto à fronteira Oeste, ela é a linha da Costa banhada pelo Atlântico, recortada de estuários e canais, salpicada de numerosas ilhas entre as quais as do arquipélago dos Bijagós.



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Nota do editor

Último poste da série de 14 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20059: Historiografia da presença portuguesa em África (171): "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é já hoje" - Uma obra ímpar do 2.º Sargento António dos Anjos: A Guiné logo a seguir às operações da pacificação (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 27 de março de 2019

Guiné 61/74 - P19625: Historiografia da presença portuguesa em África (156): Missão de Estudo dos Movimentos Associativos em África, Relatório da Campanha de 1958, por J. M. da Silva Cunha (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Trata-se de um documento rigoroso, o professor Silva Cunha recebera a incumbência de detetar focos tendencialmente subversivos no contexto dos dois países vizinhos caminharem indeclinavelmente para a independência. Não havendo associações políticas confirmadas, entendia o professor que se devia rastrear as missões católicas e protestantes, as associações de diferente índole, era premente saber onde as ideias subversivas se poderiam anichar. O curioso é que tudo se irá passar praticamente à revelia do que aqui se escreve, com exceção do que o autor desvela sobre a região Sul, ali já se estava permeável aos ideais do fim do jugo colonial. Silva Cunha alertava para a importância do ensino e dizia em bom português que os guineenses sabiam muito bem o que se passava à sua volta. Em 1959, o que ele chamava atmosfera de paz encheu-se de tensões, com os acontecimentos do Pidjiquiti. E nesse ano, em sigilo, Amílcar Cabral combina com Rafael Barbosa e outros como se irá processar a luta pela libertação.
O resto, toda a gente sabe como aconteceu.

Um abraço do
Mário


A Guiné em 1958, por Joaquim da Silva Cunha

Beja Santos

O documento intitula-se Missão de Estudo dos Movimentos Associativos em África, Relatório da Campanha de 1958, Guiné, assina o chefe de missão Joaquim da Silva Cunha, professor e posteriormente ministro do Ultramar e da Defesa. A edição é do Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações do Ultramar, a data é do mesmo ano. O investigador não esconde a urgência daquela missão: “A situação política dos territórios da África Ocidental francesa aconselhou a que se fizesse, o mais rapidamente possível, uma prospecção nesse campo, com vista à referenciação de eventuais movimentos de reacção que pudessem servir de canal à penetração no nosso território de ideais semelhantes aos que agitam as populações da África Ocidental francesa”.

Procurou ser meticuloso e abrangente, foram examinados arquivos (Administração Civil, PIDE, PSP, Tribunal da Comarca), houve entrevistas com autoridades eclesiásticas e missionários católicos, mas também com missionários protestantes, foram inquiridos indígenas. Logo se esclarece que a missão teve obstáculos graúdos na comunicação, dificuldades com as línguas nativas, e o professor escreve: “No caso da Guiné, esta dificuldade agrava-se porque são raros os indígenas fora de núcleos urbanos que falam o português". Propõe-se a detalhar o que apurou sobre movimentos associativos de reação e daí expor a estrutura do seu trabalho: prospeção geral dos movimentos associativos de reação, espécies encontradas na Província; associações religiosas e confrarias; associações mutualistas ou cooperativistas e clubes; apresentar uma panorâmica sobre a situação social da Província; registar o essencial dos problemas sociais e políticos dos territórios franceses vizinhos; e fazer as conclusões.

Recorda que na Guiné não se encontravam organizações semelhantes às igrejas separatistas e aos movimentos profético-messiânicos, largamente referenciados em Angola e Moçambique. As associações políticas eram inexistentes. E quanto à existência de sociedades secretas ou ocultistas, dispunha-se de pouquíssima informação. Expunha-se no relatório esse pouquíssimo que se sabia. Primeiro, o caso de Cacine, com data de 1922, houvera um homicídio com antropofagia, todos os adeptos dessa sociedade de homens-leopardo pertenciam à etnia Nalu, foram desterrados para outra colónia. O caso de Teixeira Pinto (Calequisse) datava de 1944, havia referências a homens-hiena ou homens-leopardo. O inquérito não dera em nada. Mas havia provas de crenças de, por artes mágicas, alguns homens julgarem que se iam transformar em feras. O relatório fala também nos baloubeiros, mas nada mais se indiciava a não ser a pura prática do animismo. Havia sinais da existência de seitas, até de desvios ao Adventismo, e depois o relatório orienta-se para as confrarias islâmicas e fala da sua organização. Aí, diz o autor, podia haver motivos de preocupação, e explica porquê: “O gosto dos pretos pelas associações, as estruturas sociais que compreendem grupos de iniciação, associações de auxílio mútuo, associações religiosas, etc., tudo faz para que o preto muçulmano facilmente compreenda a confraria e nela se integre”. E falando dos territórios circunvizinhos, lembra o comportamento de Sékou Touré quanto às chefias tradicionais e à influência dos chefes muçulmanos, convém não esquecer que ele era proveniente de uma linhagem Mandinga: “Sékou Touré procura limitar a influência dos chefes tradicionais, apoiou-se na influência dos chefes muçulmanos de mais prestígio no território. Foi assim que no congresso dos partidos políticos africanos que reuniu em Bamako, em 1957, se fez acompanhar do maior chefe religioso do Futa-Djalon para mostrar que, se combatia os chefes políticos tradicionais, respeitava os grandes chefes religiosos”. E tenha-se em conta que as etnias Mandinga e Fula apareciam muito ligadas às confrarias.

Descreve as associações de auxílio mútuo, e então vem um sinal de inquietação onde ele destaca o caso do clube de trabalho de Cacine, em 1956, as autoridades verificaram que os indígenas de algumas povoações se reuniam frequentemente e suspeitaram que tais reuniões tinham por objeto a criação de organizações ligadas à secção da Guiné Francesa do Rassemblement Démocratique Africain (RDA), liderado por Sékou Touré.
Feitas as averiguações, apurara-se que tais reuniões eram mesmo reuniões do clube de trabalho que tinham por objetivos reunir associados que se auxiliavam mutuamente, quer em trabalhos agrícolas, quer na construção de casas, quer em contribuições pecuniárias para a realização de casamentos.
Mais tarde, alterou-se esta posição, tinham sido descobertos indícios de propaganda do RDA. A PIDE deteve 32 indígenas por manterem ligações ao RDA.

Agora direcionado para as organizações mutualistas, apresenta-as: Club Vélia e Club Banana, em Bissau; Club Palmeiro, em Farim; Club dos Beafadas em Fulacunda; Club dos Manjacos, em Bolama. As principais finalidades destas organizações de caráter clubístico eram religiosas, recreativas, mutualistas, culturais e de administração de justiça.

Findo este percurso sobre o movimento associativo, dirige o seu olhar para a situação social da Província. Considera que a Guiné vive em sociedade plural, constituída por colonos, mestiços e nativos. Diz abertamente que o setor da economia capitalista é muito restrito, limita-se quase exclusivamente à atividade comercial. “É raro o europeu que se dedique à agricultura por conta própria e os que o têm ensaiado quase sempre têm fracassado, com excepção de duas ou três empresas no Sul, na área de Catió”. E descreve sumariamente o setor capitalista.

O trabalho volta-se agora para as missões católicas, revela-se profundamente crítico quanto às atividades do ensino: “O ensino ministrado aos indígenas é mais em qualidade e insuficiente em quantidade”. E profere uma catilinária quanto à existência de professores mal preparados. Diz que a Missão Evangélica da Guiné Portuguesa não está autorizada a exercer o ensino. Denuncia abertamente os abusos dos castigos corporais.

De forma muito cuidada, expõe os acontecimentos na África Ocidental francesa, refere-se à evolução política do ultramar francês entre 1945 e 1958. Vê-se que sabe do que está a falar, aborda com detalhe a lei-quadro de 1956, altura em que a União Francesa foi substituída por uma Comunidade formada pela França e povos ultramarinos “por um acto de livre determinação”. Silva Cunha alude a uma obra de Jean-Paul Sartre, o ensaio “Orfeu Negro”, onde o filósofo definiu as bases da doutrina da Negritude, um tanto dissemelhante da apresentada por Senghor. Faz igualmente referência ao congresso dos escritores e artistas negros, que decorreu em Paris, em setembro de 1956. Descreve os principais partidos políticos da África Ocidental francesa e, encaminhando-se para as conclusões, diz claramente: “Afigura-se-me de excepcional interesse o que se passa na nova República da Guiné”. Havia que rever cuidadosamente a política do ensino, pois, como escrevera anteriormente, era profunda a crítica à qualidade do ensino das missões católicas, com professores mal preparados, e a Missão Evangélica da Guiné Portuguesa não estava autorizada a exercer o ensino. Era inquietante que os islamizados, um terço da população, estavam à margem da influência da escola portuguesa.

E termina do seguinte modo: “A situação política vigente nos territórios vizinhos, a velocidade com que se processam hoje em África os fenómenos sociais, impõem que se actue com rapidez. No nosso território reina a paz. As condições objectivas não são de molde a gerar perigos imediatos. Não devemos, no entanto, ter ilusões. Os nossos indígenas sabem tudo o que se passa à roda da Guiné. Sabem que no chão francês os brancos estão a ir embora e que os pretos agora é que mandam. Nos seus espíritos começaram a surgir inquietações. Urge estar atento”.

Tudo leva a crer que este relatório tenha sido recebido sem qualquer sentido da urgência que o seu autor não escondia. Como se viu.

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Nota do editor

Último poste da série 20 de março de 2019 > Guiné 61/74 - P19605: Historiografia da presença portuguesa em África (154): A Guiné na “Gazeta das Colonias” (1924-1926) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19159: Recortes de imprensa (98): "Diário de Lisboa": o assassinato de Amilcar Cabral em 20 de janeiro de 1973 e a escalada da guerra no CTIG... Sete dias depois, assina-se o Acordo de Paz de Paris, que vai estabelecer o cessar-fogo no Vietname...




Diário de Lisboa, segunda-feira, 22 de janeiro de 1973

Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 17989, Ano 52, Segunda, 22 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5387 (2018-11-1)


Diário de Lisboa, terça-feira, 23 de janeiro de 1973

Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 17990, Ano 52, Terça, 23 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5250 (2018-11-1)


Diário de Lisboa, quarta-feira, 24 de janeiro de 1973

Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 17991, Ano 52, Quarta, 24 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5251 (2018-11-1)



Diário de Lisboa,  quarta-feira, 24 de janeiro de 1973

Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 17991, Ano 52, Quarta, 24 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5251 (2018-11-1)


Diário de Lisboa,  domingo, 28 de janeiro de 1973

Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 17995, Ano 52, Domingo, 28 de Janeiro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5258 (2018-11-1)

Fonte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Fundo; Documentos Ruella Ramos (Com a devida vénia...)


1. Dia 20 de janeiro, à noite, em Conacri, era assassinado, por elementos do seu próprio partido, o Amílcar Cabral.  Os jornais portugueses, sujeitos à censura prévia, só deram a notícia 48 horas depois. É, pelo menos, o caso do "Diário de Lisboa", conotado com a "oposição democrática" ao regime de Salazar-Caetano. O noticiário é cauteloso. E dá-se a subentender que os "falcões" do PAIGC é que estão por detrás do assassinato do líder...

Em boa verdade, houve uma escalada da guerra, depois da morte de Amílcar Cabral. Os "falcões" do PAIGC, o regime de Sékou Touré e os russos são, sem sombra de dúvida, os ganhadores.  Spínola sai, claramente, como "perdedor"... Ironicamente, chamou-se Op Amílcar Cabral à escalada da guerra por parte do PAIGC, desembocando nas batalhas dos 3 G (Guidaje, Guileje e Gadamael) e na entrada em cena do míssil Strela, fornecido pelos russos, e culminando com a declaração unilateral da independência da Guiné em 24 de setembro de 1973...

Da Guiné se disse, com maior ou menor propriedade, que foi o Vietname português...


2. Nessa mesma semana, são assinados, a 27 de janeiro de 1973, os Acordos de Paz de Paris (ou Acordo de Paris para o Fim da Guerra e Restauração da Paz no Vietname).

 O acordo ou acordos têm a assinatura dos governos da República Democrática do Vietname (Vietname do Norte), da República do Vietname (Vietnam do Sul) e dos Estados Unidos da Amércia, além do Governo Revolucionário Provisório (PRG) que representava o vietcong, apoiado pelo Vietname do Norte. Estes acordos puseram fim à intervenção direta, no Vietname,  das Forças Armadas dos EUA   e estabeleceram uma trégua temporária nos combates entre o Norte e o Sul.

Foram negociações demoradas, complexas, com altos e baixos, iniciadas em 1968, após a Ofensiva do Tet. Os principais negociadores em Paris foram o Conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos Henry Kissinger e o membro do Politburo norte-vietnamita Le Duc Tho. (Ambos irão receber nesse ano o Prémio Nobel da Paz, em reconhecimento do seu trabalho pela paz, embora Ler Duc Tho, tenha recusado o prémio, alegando que o processo ainda não estava completo. E a verdade, é que a guerra só vai chegar ao fim... em 1975, depois de14 anos de lutas sangrentas.
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segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18266: Notas de leitura (1036): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
O Dr. Livonildo rotula a sua obra sem nenhuma humildade: "Um livro indispensável para dissipar todas as dúvidas sobre os acontecimentos políticos que têm abalado a sociedade guineense e todo o continente africano".
Diz ter procedido a uma investigação que lhe fez desenhar um modelo para combater a má liderança governativa, levar à mudança de mentalidades, à mudança da retórica dos discursos, um modelo que obedeça a uma certa hierarquia entre governantes, políticos, decisores e governados. Antes de chegar a um modelo já proferiu algumas enormidades e teremos por diante umas largas centenas de considerações sobre ciência política, algumas delas num notável despropósito.
Um trabalho que se recomenda a leitura para se perceber que é preciso fazer qualquer coisa que leve à dignificação das dissertações de doutoramento.

Um abraço do
Mário


Uma proposta para novo modelo de governação na Guiné-Bissau (2)

Beja Santos

A obra intitula-se “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes, Chiado Editora, 2015. O autor concluiu a licenciatura e o mestrado em Sociologia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e em 2014 terminou o doutoramento em Ciência Política, Cidadania e Relações Internacionais pela Universidade Lusófona do Porto. A dissertação e a tese serviram de base a este livro, que é prefaciado por António José Fernandes, professor catedrático de Ciência Política.

O primeiro capítulo da obra procura contextualizar um quadro explicativo da epistemologia da ciência para depois se chegar à ciência política, acaba por ser um enquadramento abusivo e hipertrofiado, quem se lançar na leitura à procura deste novo paradigma de governação na Guiné-Bissau corre sérios riscos de ficar desalentado, é uma enxúndia e um despropósito, um livro que se arroga para divulgação nunca é uma dissertação de doutoramento. Segue-se o enquadramento histórico da Guiné-Bissau, do mosaico étnico à luta armada, interrompemos a recensão quando o autor se debruça sobre o assassinato de Amílcar Cabral (a palavra assassinato aparece entre aspas, sabe-se lá porquê). E são enunciadas as hipóteses quanto a responsáveis: dissidentes do PAIGC; morte acidental durante a operação do rapto; contínuas tensões no seio do PAIGC entre guineenses e cabo-verdianos; por ordem de Sékou Touré; a mando da União Soviética, que estaria à procura de uma nova liderança, mais maleável aos seus interesses; por ordem de Spínola. E sem fundamentar as diferentes hipóteses enunciadas, tecendo os necessários comentários, à luz dos documentos existentes, o autor deriva prontamente para as causas, segundo outros autores: o anúncio da criação da Assembleia Nacional Popular, proclamação do Estado da Guiné-Bissau; reforma da direção do PAIGC, que tiveram ressonância em Sékou Touré, deixando os blocos Leste e Ocidental num estado de alerta máximo pelo facto do PAIGC poder assumir uma posição neutra, havia perturbações no Ocidente face à possibilidade de uma futura luta armada em Cabo Verde que levaria à instalação de uma base militar soviética. E depois o autor fala nas incongruências diante dos factos apurados. Imprevistamente, fala-se na possibilidade de Amílcar Cabral se ter sentido pressionado e ter cometido suicídio ou de ter sido encontrado morto numa situação imprevista. Nova guinada, voltamos atrás, até à deslocação do Comité de Descolonização das Nações Unidas, em Abril de 1972, até às “zonas libertadas”, mais adiante escreve-se que Spínola fora administrador de uma grande empresa e que depois como governador da Guiné estabelecera estreitas relações com a CUF, e por aí adiante, é impossível encontrar fio condutor neste articulado sem qualquer trambelho.

Assim se chegou à independência, vieram à tona novos conflitos, foi o caso dos chefes tradicionais, que o PAIGC subalternizou. E o autor profere uma sentença:  
“A filosofia de Amílcar Cabral baseada no conflito armado é, em grande parte, responsável pela situação em que a Guiné se encontra. A guerra colonial não é a via adequada para a resolução de problemas. O controlo do poder na Guiné-Bissau teve durante muito tempo uma componente auxiliar fora do território nacional. Queremos dizer com isto que, a subordinação político-militar da Guiné-Bissau sempre funcionou do século XIII até ao século XX com um (ou mais) Estado a auxiliar. Nesta fase, voltamos a recorrer à analogia entre o império romano e o grande império do Mali. Para o império português verificamos uma semelhança entre o império português (Guiné-Bissau e Cabo Verde) e o império do PAIGC (Guiné-Bissau e Guiné Conacri). Portugal apostou no desenvolvimento de Cabo Verde enquanto aliado, funcionando como um braço do império, tal como a Guiné Conacri funcionava como base de apoio para o PAIGC. Quando esta subordinação político-militar externa cessou, com a implementação de uma autonomia interna, a Guiné-Bissau entrou num ciclo de instabilidade político-militar”.
Quem souber decifrar esta charada, tem direito a um doce, prometo-vos.

Entramos agora na caraterização política e social da Guiné-Bissau. Quanto à instabilidade, aponta-se como principal responsável o braço armado do PAIGC e o autor adverte: "esquecem-se que o PAIGC é em si mesmo o maior responsável pela instabilidade político-militar, por ter na frente do partido-Estado um esquema de liderança que funciona com base no sistema de triunvirato – através do sistema político do governo guineense, os ex-presidentes da República controlavam os primeiros-ministros e os CEMGFA. Mas, com o conflito político-militar de 7 de Junho de 1998, que culminou com a vitória dos militares, estes aperceberam-se de que o poder residia afinal nas suas mãos. Foi a partir desse momento que o poder político ficou refém do poder militar – até hoje".

É verdade que o autor atribui importância ao que se passou no Congresso de Cassacá, que abriu caminho para a subordinação indiscutível dos militares aos líderes políticos. Nessa leitura, com o derrube de Luís Cabral por Nino Vieira, confluíram na mesma pessoa o poder político-militar. Nino estimulou invejas e medos, inventou o complô dos militares Balantas com a fantasia de que estavam atrelados à conspiração de Paulo Correia, as FARP foram envolvidas neste envenenamento de relações, tomaram-se posições à volta do chefe supremo, colaboraram em processos de corrupção, caso da venda de armas aos rebeldes do Casamansa, onde nunca se provou quem era quem. Mas como se a confusão já não fosse enorme nesta dissertação do doutor Livonildo, ele conduz-nos até à literatura fantástica, vejam só:
“Conotamos e comparamos os líderes que estão a passar na governação da Guiné-Bissau com autênticos Beowulf. Esta metáfora de Beowulf, enquadrada na nossa arquitetura política, vem confirmar-nos que o poder na Guiné-Bissau se encontra provisoriamente nas FARP. Esses pactos entre Beowulf (poder político) e a mãe de Grendel (poder militar) são uma das causas da instabilidade política que, analisados precipitadamente, são confundidos com conflitos étnicos”.

Por pura generosidade com o leitor, o doutor Livonildo explica-nos a lenda de Beowulf:
“Beowulf é a personagem principal de um poema épico da literatura anglo-saxónica escrito na Grã-Bretanha entre os séculos VIII e XI. Na sua adaptação ao cinema de 2007, Beowulf, um corajoso guerreiro da tribo dos gautas (da Suécia) livra os dinamarqueses do terrível Grendel. Porém, ao ser confrontado com a sedutora mãe do monstro, Beowulf ao invés de matá-la, cai na tentação e envolve-se com ela. Do enlace entre Beowulf e a mãe de Grendel nasce um novo monstro (um dragão) que acabará por matar Beowulf. Esta história mostra-nos como a ambição desmedida pelo poder pode arruinar o futuro dos homens, criando ciclos repetidos de mentira, traição, violência e morte".

E vem a sentença do autor: “Com base nesta ordem de ideias, conotamos e comparamos os líderes que estão a passar na governação da Guiné-Bissau, em especial das lideranças do PAIGC em 1960, com autênticos Beowulf”.
Como se vê, a apregoada ciência política tem um sério entrosamento com a literatura fantástica, com as lendas e o esoterismo.

(Continua)
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Notas do editor:

Vd. poste anterior de 22 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18239: Notas de leitura (1034): “Modelo Político Unificador, Novo Paradigma de Governação na Guiné-Bissau”, por Livonildo Francisco Mendes; Chiado Editora, 2015 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 26 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18255: Notas de leitura (1035): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (19) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17902: (D)o outro lado do combate (12): Amílcar Cabral e Sékou Touré, em setembro de 1972: alianças e dependências... Dos desertores do PAIGC à recolha de fundos... (Luís Graça)


Amílcar Cabral, secretário geral do PAIGC > c. 1970 > Foto  incluída em O Nosso Livro de Leitura da 2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC - Regiões Libertadas da Guiné (sic). Tem o seguinte copyright: © 1970 PAIGC - Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde. Sede: Bissau (sic)... A primeira edição teve uma tiragem de 25 mil exemplares, tendo sido impresso em Upsala, Suécia, em 1970, por Tofters/Wretmans Boktryckeri AB.


Comentários do nosso editor aos postes P17898, P17480 e P17537 (*) 


I. Jorge, também se escreve nas entrelinhas ... E até Deus escreve por linhas tortas, segundo a sabedoria popular. Pois, devo dizer-te que do teu paciente e valioso trabalho de leitor e analista da papelada do Amílcar Cabra (AC),  retive duas ideias: o PAIGC tinha problemas comuns com os governos de Salazar e, depois, de Caetano:

(i) a falta de efetivos era dramática e o nº de "refractários, faltosos e desertores" tirava-lhe o sono;

e, por outro lado, (ii) o patacão que não chegava para tudo, muito menos para "alimentar o ventre da guerra"...

Ambos os atores principais desta guerra tinham problemas demográficos, logísticos e orçamentais, o que é normal em todas as guerras... (Daí que todas as guerras têm um princípio, meio e fim,  mesmo a guerra dos cem anos...)..

Em relação ao primeiro ponto, leia-se com atenção uma das propostas que o AC faz ao seu anfitrião, Sekou Touré (ST):

(...) "Em cooperação com as autoridades locais, a JRDA [Juventude da Revolução Democrática Africana] e a Milícia Popular guineense [organização a quem foi oficialmente atribuído, a partir de 1969, um papel equivalente ao exército], recuperação imediata dos combatentes [do PAIGC] que desertaram [sic] da frente para se refugiarem na República da Guiné Conacri (Cadinhá, Djabada, Kanfrandi, Boké, Boffa, Koba, Conacri, Koundara, Gaoual, etc.). O seu retorno imediato às frentes da luta para serem reintegrados nas nossas Forças Armadas." (...)

O AC não escamoteia o problema: o PAIGC tem desertores e não são poucos, diluídos entre a população refugiada, em diversas prefeituras do território vizinho, mais próximas (são referidas explicitamente nove!)...

Não temos números sobre a "deserção" nas fileiras do PAIGC... Mas o problema devia ser "sério", senão mesmo "grave"...

Sabemos que o PAIGC, como no caso de outros movimentos revolucionários em África e por todo o mundo, não podia contar "só" com a militância política, o idealismo e a generosidade dos jovens, o sentimento anti-colonialista do povo, a consciência nacionalista, etc. Tinha que fazer uso de métodos menos "ortodoxos" como o recrutamento forçado, a coação, o rapto, a violência...

O AC não era ingénuo, conhecia bem a realidade da Guiné e de África...

Por outro lado, a vida no mato era duríssima (tanto para as populações sob controlo do PAIGC como para a guerrilha), havia uma refeição por dia, quando havia, as "barracas" (acampamentos do mato) não tinham estruturas fixas, as baixas eram elevadas, os cuidados médicos e de enfermagem muito precários, não havia hospitais no interior da Guiné, apenas "postos de primeiros socorros" na melhor das hipóteses, os feridos e os doentes levavam vários dias a chegar à Guiné-Conacri ou ao Senegal, a guerra prolongava-se sem fim à vista, o moral era necessariamente baixo...

Um homem insuspeito, que combateu ferozmente o PAIGC, como Alpoim Calvão, fez, em tempos, antes de morrer, numa entrevista que deu, uma implícita homenagem ao guerrilheiro do PAIGC que, embora melhor adaptado ao terreno do que os soldados metropolitanos portugueses, era frugal, combativo e sobretudo revelava uma grande capacidade de resiliência, resistência, sofrimento... (Os "meus homens", fulas, da CCAÇ 12, "desarranchados", levavam para dois dias de operações no mato duas mãos cheias de arroz cozido, embrulhado num lenço; nós, os graduados, metropolitanos, tínhamos direito a duas "malditas" rações de combate que, com o tempo e a experiência,. ficavam no quartel em Bambadinca...).

Jorge, um dia destes tens que pegar de novo  neste tema... que tem a sua "delicadeza". Ninguém gosta de falar de desertores, mas a verdade é também os incentivávamos a entregar as suas armas nos nossos quartéis... Não sei se a campanha foi frutuosa, mas houve casos.... Tu estiveste no Enxalé, e sabes do que falo: no teu tempo acolheram-se lá dezenas e dezenas de "refugiados", vindos do "mato"...

Enfim, há muitos mitos, de um lado e do outro do combate. Nós, que já não somos "meninos de coro" (, ou será que ainda os há ?), temos a obrigação de identificar e desvendar esses mitos... Por uma razão simples: é também a nossa história e a história não se faz com historietas da carochinha...


II. Para colmatar as "brechas" nas fileiras do PAIGC, e já que o recrutamento no interior da Guiné, passados os primeiros anos, deixou de ser possível, a base demográfica do PAIGC era cada vez mais restrita, circunscrevendo-se aos núcleos de população "refugiada" nos países vizinhos (Guiné-Conacri e Senegal)... e, em muito menor escala, em Cabo Verde (onde o PAIGC foi buscar sobretudo quadros, bons quadros, de resto).


Daí a explicação para este pedido, algo insólito, ao Sékou Touré:

(...) "Permissão para o recrutamento de jovens (de 17 aos 25 anos), cidadãos imigrantes do nosso país ou descendentes de imigrantes na República da Guiné Conacri.

a) – Concentração destes recrutas em Conacri.

b) – Formação acelerada, em Kindia, no campo de treino da OUA [Organização da Unidade Africana] (...) . A formação dos recrutas visa a sua integração nas frentes da luta." (...).

Kindia fica  a cerca de 130 km a nordeste de Conacri e já era então uma importante base militar da Guiné-Conacri. Era, pois, para lá que eram encaminhados os jovens guineenses da "diáspora", apanhados pelo recrutadores do PAIGC (,seguramente com a cobertura das autoridades da Guiné-Conacri). Temos que admitir que uma boa parte ou até uma grande parte desses jovens recrutas não iria de livre vontade para Kindia e depois para o interior da Guiné, sabendo como se tinha intencificado a guerra, de um lado e do outro. 

Estas propostas do AC ao ST datam 14 de setembro de 1972, quase dois anos depois da invasão de Conacri, em 22 de novembro de 1970 (Op Mar Verde) e a escassos 4 meses da conspiração contra o líder do PAIGC e do seu assassinato (em 20 de janeiro de 1973, em Conacri). Como sabemos, ainda hoje está por esclarecer o papel de ST no assassínio contra AC.


III.  Um dos problemas do AC é que não tinha diamantes nem petróleo. O AC teve que estender a mão à "caridade" internacional: os países do bloco soviético, a China. mas também a Suécia (a partir de 1969) e outros países e organizações ocidentais... A Suécia vai doar quase   6 milhões de euros (em avalor atual) ao PAIGC antes da independência, entre 1969 e 1973.

O Amílcar Cabral humilha-se claramente perante o Sékou Touré, estendendo literalmente a mão à "caridade" do seu anfitrião... para mais sendo a Guiné-Conacri, também ela, um país pobre... 

Era ingenuidade do Amílcar Cabral ou apenas uma forma (cínica)  de lisonjear um homem que, tanto quanto sabemos, tinha ciúmes da craveira intelectual e do prestígio internacional do histórico dirigente do PAIGC ? No fundo, seria uma forma de associar também o ST ao "sucesso" da luta que se travava no território vizinho...

Releia-se, com atenção, esta  outra proposta do AC ao ST:

(...) "No domínio financeiro

1. Comprar, ao melhor preço para o Ministério do Comércio, as quantidades de certos produtos de primeira necessidade (gasolina, sabão, fósforos, alguns tecidos, etc.) quando as nossas disponibilidades não ultrapassem as possibilidades para o consumo imediato.

2. Permissão para que o nosso Partido possa receber quotas (voluntárias) dos cidadãos do nosso país instalados [residentes] na República da Guiné Conacri, para o desenvolvimento da luta.

3. Realização, por intermédio do PDG. [Partido Democrático da Guiné], especialmente da JRDA [Juventude Revolucionária Democrática Africana], da CNTG  [Confederação Nacional dos Trabalhadores da Guiné] e da UNFG [União Nacional das Mulheres da Guiné], de festas, missões, quermesses, etc., para a obtenção de receitas destinadas à luta.

Estas medidas poderiam ajudar o nosso Partido, de modo significativo, a fazer face às exigências cada vez maiores da luta no domínio financeiro." (...)

Também nunca saberemos (, porque os principais dirigentes do PAIGC morreram e poucos  foram ao "confessionário da História"...) quanto rendeu ao PAIGC estas e outras formas de "recolha de fundos" na terra do Sékou Touré... Não acredito que o AC, homem inteligente, tivesse expetativas muito altas em relação  à recetividade e sobretudo à implementação destas propostas (e das outras propostas) apresentadas ao ST em setembro de 1972.

Enfim, é a leitura (seguramente superficial e descontraída...) que eu faço, dos documentos que tu, Jorge, tiveste  a pachorra e a gentileza de ler (em francês) e traduzir para nós...


IV. Jorge: uma guerra, como qualquer conflito, é sempre uma relação (de antagonismo) entre duas partes, ou atores (como dizem os sociólogos). Cada uma da partes, tem depois os seus apoios (externos, internos...) e os seus trunfos, os seus pontos fortes e fracos...No final, há que está melhor posicionado para negociar do que o outro...

Sékou Touré não deve ter sido um "aliado fácil" do Amílcar Cabral e do seu partido, mas é evidente que a Guiné-Conacri foi, desde o início, um "santuário", absolutamente imprescindível para o PAIGC (contrariamenet ao Senegeal de Senghor)... Sem essa retaguarda estável e relativamente segura (não obstante a invasão de Conacri em 22/11/1970...), nunca a luta de guerrilha teria ido tão longe...

É muito interessante o documento que divulgas, para conhecimento de todos nós, até porque é revelador das fragilidades do PAIGC a nível logístico, por exemplo.. O AC tinha plena consciência de que as bolanhas das "regiões libertadas" nunca poderiam alimentar a guerrilha e a população que vivia no mato, sem falar do "estado maior" e forças operacionais e de apoio em Conacri e nas bases de retaguarda, nas zonas fronteiriças.. Amilcar tem que negociar a compra de 100 toneladas de arroz ao "amigo e camarada" Sékou Touré... Ninguém faz a guerra de estômago vazio, apesar do "estômago espartano" do homem africano...

Quando Amílcar Cabral pede 100 toneladas de arroz para o seu pessoal instalado na Guiné-Conacri, incluindo os combatentes junto à fronteira, mesmo que o arroz seja "pago pelo Partido" (o mesmo é dizer, pelos "amigos" suecos, russos e outros...), isso coloca-o numa posição de subalternidade e dependência em relação ao Sékou Touré...

O papel e a personalidade deste homem ainda estão em grande parte por esclarecer.  O brilho intelectual e o prestígio do Amílcar Cabral, dentro e fora de África, deviam-no ofuscar...Amílcar Cabral era de outro planeta, da estatura de um Nelson Mandela... E o Sékou Touré apenas um aprendiz de ditador, com um passado de sindicalista e de nacionalista de "duro de roer" aos olhos dos franceses...

O maior erro de Amílcar terá sido, a meu ver, nunca ter percebido a "pedrinha do sapato" do PAIGC que era a liderança dos cabo-verdianos que estavam a anos-luz dos guineenses... Veja-se como os guineenses aplaudem o miserável golpe de Estado de 'Nino' Vieira contra Luís Cabral..., ditando o fim do mito da unidade Guiné-Cabo Verde... 'Nino' que eu conheci pessoalmente em 2008,  não era uma "estadista", não era um "líder", era apenas um "senhor da guerra", como milhares de "cabos de guerra" que emergiram no caos do pós-colonialismo,  por exemplo, o Ansumane Mané...

Mas... e o combustível para os camiões e os célebres BRDM-2, as viaturas blindadas anfíbias de patrulha e reconhecimento, que ainda hão de aparecer no fim da guerra para dar um arzinho da sua graça ? Chamar-lhes "carros de combate" é uma grosseria, é um insulto à arma de cavalaria... E, tal como as nossas velhas "latas" (as Daimler. as Panhard...), deveriam gastar 100 aos 100 ou mais... Não sei se eram a gasolina ou gasóleo...

Este assunto, das BRDM-2, já aqui mereceu honras de primeira página no nosso blogue... Mas convirá chamar a atenção para os incautos leitores: nesta altura, em setembro de 1972, o PAIGC não tinha viaturas blindadas, nem muito menos combustível para pôr a marchar a sua "cavalaria"... Em qualquer guerra, os "cavalos" são mais mais difíceis de "alimentar" do que os "infantes", para mais nas dificílimas condições de terreno e do clima da Guiné...

Jorge, não podes acabar este conjunto de três artigos sem nos dares algumas pistas sobre o seguimento das propostas: ficou tudo em águas de bacalhau, ou o Amílcar ainda conseguiu,  em vida, ver concretizadas algumas das suas propostas ?

Um abraço com todo o meu apreço pelo teu trabalho de pesquisa, roubado ao tempo de descanso e da família e... se calhar também ao "tempo do patrão"...(**)


Vd. postes anteriores:

17 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17480: (D)o outro lado combate (8): Regime de Sékou Touré e PAIGC: propostas de reforço da cooperação militar, elaboradas por Amílcar Cabral, 4 meses antes de ser assassinado (Jorge Araújo)

3 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17537: (D)o outro lado do combate (9): Regime de Sékou Touré e PAIGC: propostas de reforço da cooperação militar, elaboradas por Amílcar Cabral, 4 meses antes de ser assassinado (Jorge Araújo) - Parte II


segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17898: (D)o outro lado do combate (11): Regime de Sékou Touré e PAIGC: propostas de reforço da cooperação militar, elaboradas por Amílcar Cabral, 4 meses antes de ser assassinado (Jorge Araújo) - III (e última) parte





1. Mensagem do Jorge Araújo , com data de 2 do corrente:


Caro camarada Luís,

Remeto, finalmente, a terceira parte (a última) do meu trabalho relativo às propostas que o AC  [Amílcar Cabral] enviou a Sekou Touré, em 14 de Setembro de 1972 (fez quarenta e cinco anos) pedindo mais apoios para "o combate do outro lado".

Espero que ainda vá a tempo... e faça sentido a sua publicação.

Vou tentar normalizar a minha participação no blogue, ainda que continue no activo académico com viagens semanais a Portimão.

Com um forte abraço de amizade,

Jorge Araújo. (**)







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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores: