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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Guiné 63/74 - P9476: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (21): O Oio, Visita de cortesia

1. Em mensagem do dia 10 de Fevereiro de 2012, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos esta história e memória, uma visita ao Morés com passagem por Fátima do Oio:


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (21)

O Oio
Visita de Cortesia

No dia 5 de Agosto de 1964, durante uma “batida” lá para as bandas de Sambuiá – naquela época era a base independentista mais poderosa a norte do Cacheu – o Cap. Tomé Pinto, excelso líder indomável da C Caç 675, foi gravemente ferido. Uma granada de morteiro explodiu ao embate num ramo duma árvore; um estilhaço atingiu-o num ombro, indo alojar-se – soubemos mais tarde – a um centímetro da pleura.
O bravo capitão continuou a comandar não só os seus homens das espingardas, mas também a dar ordens precisas e duras do enfermeiro que o tratava o melhor que sabia e podia em pleno mato. Minutos depois foi a vez do Fur. Enfermeiro – o nosso Jero – receber ordens minuciosas e claras daquele ferido autoritário e persistente.

Infelizmente, ele já havia sido gravemente ferido em Angola e... portanto sabia da poda! Podemos afirmar.
O Capitão foi pouco depois helitransportado para o Hospital Militar de Bissau, onde permaneceu “apenas” 25 dias porque entretanto... “literalmente... fugiu” do Hospital – caso estranho!
Sobre este assunto aconselhamos a leitura do “Diário” da CCaç 675 da autoria do Jero.

Durante a ausência do Capitão, alguém preparou, para o dia 30 de Agosto de 1964, uma operação de certa envergadura na qual a CCaç 675 deveria participar.
Tratava-se (para nós) duma visita ao lendário Oio, onde Morés pontificava como o “santuário inviolável” dos guerrilheiros. Esta região seria... como a Sibéria (não no tocante à temperatura ambiente, claro): todos sabiam onde ficava... mas ninguém queria ir lá!

No hospital, o Cap. Tomé Pinto teve conhecimento desta operação (caso contrário não seria secreta como deveriam ser todas operações militares). Imediatamente, ainda debilitado e sem ter “alta”, o nosso animoso comandante “abandonou” o hospital e conseguiu logo transporte aéreo para Farim. Daqui para Binta, seguiu num bote de borracha (que ousadia!) acompanhado pelo Comandante do BCav 490, Ten. Cor. Fernando Cavaleiro.

Chegado a “casa”, recebido com exuberantes manifestações de alegria sincera pelos seus subordinados, logo o nosso valoroso chefe iniciou o planeamento da estranha e inesperada operação (na parte que à CCaç 675 dizia respeito).
Era a primeira vez que íamos actuar fora da nossa zona; a encrenca maior seria mesmo a nossa entrada no Oio real e ao vivo.

A norte, aquela zona tinha como limite a margem esquerda do rio Cacheu; na outra margem do rio localizava-se Binta, a sede da nossa Companhia.
Para entrar naquela fantasiosa região bastava-nos portanto atravessar o rio para sul.

Localização do aquartelamento de Binta na margem direita do Rio Cacheu, e da tabanca do Morés, entre Mansabá e Bissorã

Para participar naquela operação, tão perigosa quanto nova, em terreno alheio e desconhecido, o meu pelotão encontrava-se em situação bastante melindrosa pois eu não dispunha de nenhum comandante de secção: um, devido a ferimentos graves em combate, em 4 de Julho, fora evacuado para Lisboa e ainda não havia sido substituído, como veio a acontecer; outro estava de baixa; ao terceiro, horas antes, o médico havia extraído, a sangue frio, a unha do dedo grande do pé.

Pouco antes do embarque, eu expunha a situação ao meu pessoal, dando uma espichadela das antigas aos cabos para que assumissem deliberadamente o comando das respectivas secções, quando o Fur. Moreira se juntou ao pelotão, a coxear e calçando alpercatas. Este seria o calçado menos apropriado naquela situação; além das dificuldades normais, grande parte do percurso seria feito dentro da água pútrida das bolanhas lamacentas da margem esquerda do Cacheu.

- Que fazes aqui?! Onde pensas que vais?! Perguntei eu ao voluntarioso Fur. Moreira que, naquela hora, já tinha uma unha a menos.
- Vou comandar a minha secção! O senhor não pode ir para o Oio sem nenhum furriel!
- Agradeço a tua preocupação e boa vontade! Mas é preferível ir sem furriéis do que apenas com um... em manifesta inferioridade física! Além disso eu conto com os meus cabos... que são bons como sabes. Vamos percorrer grande extensão de bolanhas e tu sujeitas-te a contrair uma melindrosa infeção de consequências imprevisíveis e nefastas para ti! Vai tratar-te! Terás muito tempo para mostrar o que vales! Mais uma vez reconheço e agradeço a tua voluntariedade e preocupação mas... assim não! Tu ficas! Sai da formatura!
Tenho a certeza que alguns “gostariam” de se encontrar naquela situação... para não participar numa temerosa visita aos incómodos “turras” do Oio.

 Fur Mil Moreira... fora de combate

A travessia do Cacheu, utilizando uma LDM (que ali comparecera para esse fim), foi rápida, segura e eficiente, no meio dum silêncio, diria, ensurdecedor. Só se ouvia o ruído do motor da barcaça e o chilrear da passarada, surpreendida por tanta azáfama, àquela hora.

Acabada a travessia, a LDM seguiu rio abaixo... para despistar, voltando pouco depois ao “porto” de Binta onde aguardaria o nosso regresso à base.

A margem do outro lado iniciava-se com uma extensíssima bolanha; atravessámo-la utilizando um caminho sobre-elevado que não era usado havia muitos meses. Era por esta via que, antes da guerra, a população do Oio transportava a mancarra para o “porto” de Binta – o 2º porto mais movimentado da Guiné – donde era “exportada” para Lisboa.

Antes do fim da zona pantanosa voltámos à direita, entrando na bolanha lamosa, com mil cuidados e sem ruídos para não acordar o inimigo que pernoitaria, nas calmas na aldeia ali próxima (merecia ser respeitado); passámos ao largo de Gebacunda e também próximo de outras tabancas sem que ninguém se apercebesse da nossa presença por ali, fora de horas.

Seguimos depois ao longo doutra bolanha que se prolongava extensamente para sul; ora na lama, ora em terreno enxuto aproximávamo-nos a passos largos da estrada Farim/Mansabá.
A nossa missão terminava numa tabanca de nome “Fátima”, já relativamente próxima daquela via.

Beneficiámos do efeito surpresa, provavelmente, porque o inimigo não esperava a nossa visita; consideraria improvável que a tropa de Binta, por mais intrépida que fosse, ousasse atravessar o Cacheu e, penetrando profundamente no Oio, sem o seu conhecimento nem consentimento e iniciasse a “batida” a sério apenas no regresso que já não demoraria muito. Calcularam mal!

Fátima foi cercada e destruída... ao amanhecer. Agora, com os guerrilheiros já alertados e à nossa espera, íamos iniciar o regresso. Uma após outra, todas as aldeias, ao longo do nosso percurso foram rapidamente riscadas do mapa. Houve poucos contactos com o Inimigo! Surpresa!
Para o fim ficou Gebacunda, que era a mais próxima do nosso quartel.

Numa das aldeias – já não recordo se em Tambato Mandinga se em Gebacunda – aprisionámos um padre Mandinga, ricamente paramentado.
Não houve mais prisioneiros porque as forças do PAIGC, apercebendo-se da nossa presença inoportuna, de surpresa, e fatal, obrigaram a população a abandonar as tabancas, procurando refúgio nas matas próximas.

Destruída a última aldeia, já com a tão desejada povoação de Binta no horizonte, a cerca de 3Km de distância, avistámos um grupo armado que corria em direcção ao rio. Quebrada a surpresa, a emboscada que pretenderiam montar na “estrada” que atravessava a bolanha em direcção ao Cacheu, não poderia surtir grande efeito. Na dúvida, corremos logo, diminuindo rapidamente a distância que nos separava deles; apercebendo-se da nossa perseguição e sob fogo intenso, debandaram em direcção à mata onde se sentiriam mais seguros. O caminho da bolanha ficou livre para que passássemos “tranquilamente” – até parece!
Aprenderam, à sua custa, que com a tropa de Binta... não se brinca! Com estes guerreiros... todo o cuidado é pouco!

Nós apercebemo-nos que os guerrilheiros do Oio, afinal, não eram os tais papões de que tanto se falava; eram idênticos aos da nossa zona; foram atraiçoados pela surpresa!

Mais 2 ou 3Km algo penosos e depois de 12 horas de “passeio” em terras do tristemente célebre Oio, concluímos que os combatentes daquela zona não eram donos da fama que se apreguava. “não são tão ferozes como os “pintam”... dizíamos; “estes”, sim, são extremamente ferozes, demolidores e mortíferos.

Depois do almoço e de um curto mas merecido repouso, o nosso capitão elaborou minuciosamente o relatório daquela “guerra” o qual enviou para a sede do Batalhão, transmitindo com pormenores como tudo aconteceu e também a captura do padre mandinga.
Este “prisioneiro” era alto e bojudo; como soe dizer-se: “tinha barriga de abade” – pele lustrosa, vestido com ostentosos paramentos garrridos, onde o verde abundava; parecia ter um nível cultural e social acima da média. Nunca esteve na prisão (que não tínhamos) relacionou-se bem com os seus captores, tornando-se um “hóspede” simpático e delicado.

O médico, Dr. Martins Barata, bom Galeno e divertido era o seu companheiro preferido; deslocavam-se juntos por todos os recantos do aquartelamento. Com ele, o médico ia aprendendo a “língua mandinga” e uns rudimentos de árabe.

O médico divertido... e o autor.

Como era habitual nos quartéis de cá, também em Binta, o cabo cozinheiro levava diariamente a prova do rancho ao capitão, ao médico e ao oficial de serviço.
Um dia, o médico provou o rancho em plena rua, estando acompanhado, como habitualmente pelo “prisioneiro”... que não era. O médico perguntou-lhe se queria provar; o padre olhou em redor; como não viu nenhum negro (mandinga) pegou no copo do vinho e “secou-o” num ápice.
Lá como cá... “olhai para o que eu digo”...!

O sacerdote fez constar que as suas duas mulheres viviam no Senegal, junto de familiares; que, se o capitão autorizasse, qualquer dia iria com a tropa até Guidage e traria as duas mulheres para Binta, onde gostava de viver; para o Oio... onde só voltaria depois da guerra.

Nós viajávamos frequentemente até Guidage para reabastecer a tropa ali estacionada e para recolher os nativos que se tinham refugiado no Senegal para fugir às agruras da guerra e agora, pretendiam regressar a Binta onde a tropa lhes proporcionava boas condições de vida: segurança, trabalho, pão e progresso.
Numa dessas viagens, volvidos mais de trinta dias sobre a sua captura, o “padre”, devidamente autorizado (verbalmente), viajou connosco até Guidage. Passou livremente a fronteira e embrenhou-se no Senegal. Transmitimos-lhe que, quando voltasse, aguardaria transporte para Binta naquele posto fronteiriço, até que lá voltássemos.

O padre mandinga (bojudo) e o acólito

Poucos dias volvidos, aconteceu o inesperado: recebemos do BCav 490 uma mensagem rádio solicitando que entregássemos em Farim, urgentemente, o dito “padre”. Ele não seria um ecliástico mas... era um perigoso terrorista. Ficámos atónitos, pois tínhamos convivido lado a lado com o prisioneiro inimigo... à solta dentro do quartel. Mais de 30 dias depois da captura e do relatório em que se tinha comunicado o seu apresamento, “lembraram-se” que o individuo, afinal, era suspeito e perigoso.

Transmitimos ao Batalhão o que tinha acontecido... não se falou mais no assunto a não ser para ironizar: tínhamos um prisioneiro... à solta; não quis ficar! Foi-se! Escafedeu-se!

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2012
Belmiro Tavares
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9327: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (20): O plágio

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8822: Notas de leitura (277): Golpes de Mão's, Memórias de Guerra, por José Eduardo Reis de Oliveira (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Agosto de 2011:

Queridos amigos,
As memórias do JERO lêem-se com sofreguidão, são sugestivas, ternas e guardam todo o revestimento daquela solidariedade que conhecemos.
A literatura memorial é um dos mais sérios contributos que se pode proporcionar à historiografia. Esta confronta-se por vezes com relatórios miríficos e múltiplas opiniões sem contraditório. A história de uma Companhia como JERO escreveu, em que se cruzam os testemunhos e onde forçosamente se calam episódios menos felizes, pode ser encarada como um documento fidedigno para a organização desse interminável puzzle que é a captação do maior número possível de vozes que cobrem de sentido a evolução da guerra, aquela que vivemos.

Um abraço do
Mário


O inesquecível capitão de Binta, Alípio Tomé Pinto

Beja Santos

O livro chama-se “Golpes de Mão’s, memórias de guerra”, o seu autor é José Eduardo Reis de Oliveira* e a edição é de autor. Por acaso, tudo está repertoriado, o Tenente-General Tomé Pinto é conhecido pelo “capitão do quadrado”, epíteto que ganhou na Guiné, José Eduardo Reis de Oliveira tem sido uma presença constante do blogue (é o escritor JERO) e este seu livro de memórias tem justificadamente merecido uma troca de comunicação saudosa na nossa sala de conversa.

A leitura foi-me facilitada pelo Belmiro Tavares, também nosso confrade, fomos, na companhia do Mário Fitas, ao programa do Manuel Luís Goucha falar sobre alcunhas, no parlatório que precedeu a entrevista falou-se de Binta e da CCAÇ 675, mordido de curiosidade, atirei-me ao relato de JERO. Foi plenamente compensado. Vale a pena, se me permitem a vaidade, desfiar um punhado de reflexões sobre a dimensão desta literatura memorial.

Primeiro, o imperativo de nela se respirar sinceridade. Quando um dia houver condições para se colocarem todas estas peças da literatura memorial num pano gigantesco que permita um olhar historiográfico, o investigador que se afoite a entender a evolução da guerra, tem aqui alguma chave e muita fechadura. Atenda-se a esta CCAÇ 675 desembarca em Junho de 1964 em Bissau, vão todos a bordo do navio “Alexandre Silva” até Binta. Trata-se de uma Companhia independente a quem é dada uma quadrícula de 400Km2 entre o rio Cacheu e até à fronteira com o rio Senegal. Fica na dependência do BCAV 490, sediado em Farim, comandado por Fernando Cavaleiro. Tomé Pinto é um oficial heterodoxo: não gosta das picadas, acredita nas virtualidades da deslocação em quadrado, mais do que dar ordens, acompanha todos os efectivos em todas as deslocações. E ficamos a saber que à volta de Binta, em meados de 1964, os guerrilheiros se deslocam com um relativo à-vontade, além de não serem poucos percebe-se que não muito longe dali passa um dos corredores que leva até ao santuário mítico do Morés, e também não longe dali está a mata de Sambuiá, que já mete respeito. A primeira operação é a Lenquetó, onde não há memória de terem ido tropas portuguesas. Importa esclarecer que esta região de Lenquetó dista 12 quilómetros de Binta. A Operação é um sucesso: vários guerrilheiros abatidos, a tabanca reduzida a cinzas, capturou-se população (cerca de 40 pessoas), dá-se resposta segura à reacção dos guerrilheiros, evacuaram-se alguns feridos, a Companhia saiu moralizada. À volta de Binta as vias de comunicação estão paralisadas, o inimigo espalhou abatis em grandes quantidades e em trechos vitais, há que limpar as estradas, garantir a confiança das populações, estas andam foragidas, ou aderiram ao PAIGC ou correram espavoridas para o Senegal. É interessante perceber como as populações controladas pelo PAIGC circulam tão perto de Binta. JERO escreve: “O Pelotão encarregado de levantar as abatis fazia o seu trabalho, enquanto outro Pelotão montava segurança. Foram precisas sete horas para percorrer os 12 quilómetros que nos separavam de Cufeu. Quando atravessámos as pontes da bolanha foi vista à distância um pequeno grupo inimigo. Foi de pronto perseguido. Pôs-se em fuga respondendo ao nosso fogo apenas com tiros de pistolas isolados. À frente do Ujeque, e de novo a grande distância, foi visto um outro grupo, que deu um tiro de pistola e fugiu. Já ao anoitecer, depois de 11 horas de esforços inauditos, chegámos a Guidage, levantando 30 abatis”.

Segundo, este “capitão do quadrado” tem a exacta noção que primeiro impõe-se militarmente e depois se capta a população. Depois de Lenquetó, segue-se um golpe de mão a Cansenha, o percurso é áspero, entre selva e bolanha, pontes danificadas, cerca-se a posição, os guerrilheiros dão resistência, o guia Pathé é abatido, o “capitão do quadrado” anima os seus homens. No regresso, esta força altamente mobilizada ainda embosca um grupo rebelde e apreende armamento. Importa reter que estamos perante uma força mobilizada por um oficial ímpar e que o inimigo revela a surpresa da inquietação, afinal os tugas não se confinam aos quartéis. Não muito tempo depois, num patrulhamento a Santancoto, o “capitão do quadrado” é ferido em combate e evacuado. JERO escreve no seu diário que o capitão continuava a dar ordens, a todos serenava, havia muitas lágrimas nos olhos. Vem um substituto, o alferes Foitinho e continua a viver-se um período operacional muito rijo, em finais de Agosto, já com a presença do comandante de Companhia, a 675 vai até ao Oio. A população mudara de atitude, já funciona a escola, resolveram-se os problemas básicos do abastecimento da população, os refugiados do Senegal aceitaram regressar para novos aldeamentos. Binta tem hortas, cria-se saneamento básico, o alferes médico não tem mãos a medir.

Terceiro, o relato de JERO deixa transparecer a força dos sentimentos humanos, na sua plenitude: a 675 arranca quase em estado de fúria numa Binta rodeada de escombros e tabancas abandonadas, até apetece perguntar o que fez a tropa anteriormente (ou não fez); o seu Comandante é a marca de água, combate, moraliza e pacifica; inevitavelmente, nem tudo são rosas, aquele inimigo ainda não possui superioridade em armamento mas aos poucos vai lançando minas, assim a 675 terá o seu dia trágico; um golpe de mão a Sambuiá foi importante mas também trágico já que nesse dia um Pelotão de Morteiros que vinha colaborar na Operação perdeu 8 homens num acidente no rio Cacheu; a força está coesa mas começa a disseminar-se, tem que enviar um Pelotão para Guidage, depois vem a saturação, o “capitão do quadrado” parte para tirar o curso do Estado-maior, as chatices não param, o pessoal não pára de rabujar, as relações com o novo Batalhão não foram as melhores. Mas o balanço, na hora da partida, é positivo, o relacionamento com a população tornou-se muito bom. O restante material abarca encontros e convívios, depoimentos, material fotográfico muito sugestivo.

JERO escreveu um diário e estou ansioso por lê-lo, são raros os diários que acompanham uma comissão, do princípio ao fim. E quanto a este “Golpes de Mão’s”, a obra excede a história de uma Companhia, a sua leitura ilumina francamente aquele norte da Guiné que se dizia estar pacificado, por esta altura. Põe em questão o equilíbrio entre fazer a guerra e garantir às populações bem-estar, conforto, esperança, naquele pandemónio de tudo ser imprevisto e a brutalidade de nunca ter limites. Insisto que esta literatura memorial vai pesar na investigação histórica. O que neste caso se escreve é, acima de tudo, a homenagem de militares a um devotado capitão. Literatura onde se omitem episódios melindrosos mas onde a combatividade e a ligação às populações merece a atenção pela singularidade dos resultados.

E uma última reflexão, estas memórias de JERO são de 2009 e abonam que até estar vivo o último combatente ainda há muito a dizer sobre a guerra da Guiné.
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Notas de CV:

(*)José Eduardo Oliveira (JERO) foi Fur Mil Enfermeiro na CCAÇ 675 que esteve em Binta nos anos de 1964 a 1966

Vd. último poste da série de 23 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8812: Notas de leitura (276): Ultrajes na Guerra Colonial, de Leonel Olhero (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8702: Notas de leitura (268): A Guerra de África 1961 - 1964 - IV Volume, por José Freire Antunes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Julho de 2011:

Queridos amigos,
Acaba aqui a digressão pelos 4 volumes desta reedição da obra coordenada por José Freire Antunes.
Continuo a pensar que devíamos assumir a iniciativa de empreendimento ao nível das nossas posses e de colaboração com uma equipa que pudesse trabalhar com uma comissão científica aprovada pelos editores do blogue, naturalmente circunscrita aos acontecimentos da Guiné e como estes foram projectados ou se projectaram na política de Lisboa. Nos últimos 15 anos a investigação deu passos decisivos, a visão de conjunto está muitíssimo menos desfocada, uma geração de jovens investigadores, como se tem visto, apresenta trabalhos surpreendentes sobre a Guiné, basta pensar em Julião Soares Sousa e António Tomás.

Um abraço do
Mário


A Guerra de África, por José Freire Antunes, 4.º volume

Beja Santos

Projecto ambicioso desenvolvido por um investigador de história contemporânea, Círculo de Leitores reeditou o empreendimento que deu à estampa em 1995, um acervo bastante representativo de testemunhos alusivos aos três teatros de operações, ainda hoje sem competidor na largueza de vistas e representatividade de opiniões: “A Guerra de África, 1961-1974”, por José Freire Antunes, Círculo de Leitores, 2011*.

Este quarto e último volume, à semelhança dos anteriores, inclui depoimentos de muitíssimo interesse no que toca à Guiné. Logo na abertura, o general Tomé Pinto, que combateu na Guiné entre 1964 e 1965 depõe sobre a sua experiência: “Fomos metidos num barco, entrámos no rio Cache, e fomos despejados em Binta, entre Farim e Bigene. Era o corredor que vinha do Senegal e que depois entrava no coração da guerrilha, que era o Oio, onde a tropa que estava em Bigene não avançava e a tropa que estava em Farim também não avançava. Eu vim pelo rio e deixaram-me no meio. As distâncias na Guiné eram diferentes das de Angola: em Angola 100 ou 200 quilómetros não eram nada; na Guiné, da minha zona para Farim era só 16 quilómetros, mas se eu conseguisse circular em toda ela já não era mau. Os indivíduos do PAIGC chamavam-me o “capitão do quadrado”. Como sou um apaixonado pela nossa história e pelos nossos feitos, usei a táctica do quadrado. Pensei que para sobreviver no meio daquilo tudo era o melhor. Tive casos em que eles atacavam por trás ou pelo lado, mas encontravam sempre resistência. Gastámos muito mais botas e muito mais calças a atravessar o mato porque não íamos nas estradas, mas fugíamos das minas e éramos nós que comandávamos o local onde estávamos. Só queria trazer os meus soldados vivos”. Tomé Pinto descreve as relações afectuosas que estabeleceu com os seus subordinados, os códigos de linguagem, a sua participação mesmo em pequenas patrulhas, porque sem o exemplo nada feito. Recorda Mamadu, um dos irmãos do régulo do Oio, ele seguia sempre a seu lado nas operações, a seu lado morreu como um bravo. É um depoimento singular, não há ali uma réstia de bazófia: “Eu tinha na minha Companhia à volta de 30 analfabetos. E fizeram a 4ª classe. Lembro-me que um dos soldados mostrou-me uma carta que alguém escrevera pelos pais dele, que não acreditavam que a carta que ele mandara fosse escrita por ele. Quando os soldados vinham das patrulhas, tinham sempre qualquer coisa a fazer. Primeiro aprenderam a ler, os que não sabiam, e criámos um aldeamento”. Tira partido da provação, vê-se que é um proactivo por excelência: “Na Guiné fui ferido em combate, com uma granada de morteiro que rebentou por cima da árvore, debaixo da qual eu estava. E vejo o alferes Santos a pôr a mão em cima daquilo, a querer parar o esguicho, com a mão toda suja de terra. Houve uma emboscada a seguir e meteram-me num jipe de onde eu ia dando ordens. Foi um momento excepcional do meu pessoal.

Hélio Felgas testemunha sobre as duas comissões na Guiné, o recurso são missivas que dirigiu Marcelo Caetano, em 1963 e 1969. Tem especial importância o que ele diz a propósito do Leste, em 1969. Falando da região Xime-Bambadinca, ele observa: “É o cordão umbilical de todo o Leste. É só pelo estreito rio Xaianga (Geba) que se faz todo o reabastecimento do Leste e se processam todas as evacuações. Se eles afundam um barco entre Xime e Bambadinca e conseguem cortar a estrada Xime-Bambadinca colocam-nos numa situação desesperada. Nesta região de Bambadinca o inimigo tem talvez mais de 500 combatentes (e nós cerca de 300). As populações fulas começam a fugir no Leste e apesar de todo o pulso que tenho nelas são capazes de me fugirem aqui na região de Bambadinca-Bafatá. Tenho tomado as medidas que posso, dispressando as poucas tropas que disponho, de modo a dar às populações e aos pelotões de milícia alguma sensação de segurança. Mas contra centenas de bandoleiros excelentemente armados, que podem fazer estes pequenos efectivos? Morrer, é claro (…) Sinceramente desejo que não se repita na Guiné o caso de Goa”.

Carlos Antunes e Isabel do Carmo, fundadores do PRP-BR, dão-nos a saber que tinham agentes em Bissau: “Pouco antes do 25 de Abril tínhamos aberto uma outra frente de batalha: acções no próprio teatro de guerra. Foi assim que sabotámos o quartel-general das tropas portuguesas em Bissau. Depois de Amílcar Cabral ser assassinado sucedeu-lhe Aristides Pereira que declarou que ou o governo de Marcello Caetano aceitava negociar a independência da Guiné ou o PAIGC considerava-se no direito de vir fazer acções a Portugal. Nós, que estávamos seriamente empenhados nesse combate, ficámos ofendidos por não termos sido informados previamente. Decidimos chamar um camarada, oficial miliciano dentro do quartel-general de Bissau. Ensinámo-lo a fazer uma bomba e ele partiu com vários queijos da serra que não eram mais do que a casca do queijo da serra que levava dentro plástico de densidade semelhante. Levou os detonadores noutro sítio, em maços de cigarros, e levou pilhas. O foi assim que ele fez saltar o quartel-general de Bissau sem matar ninguém. Houve dois generais feridos. O PAIGC fez um comunicado onde disse que tinha destruído o quartel-general. Horas depois nós dissemos em Lisboa que tínhamos sido nós a destruir o quartel. Eram contradições do movimento anticolonial”.

O nosso confrade Miguel Pessoa conta detalhadamente como em 25 de Março de 1973 um míssil Strella abateu o Fiat que ele conduzia, acontecimentos largamente descritos no blogue.

Temos por fim as polémicas declarações de Rui Patrício, o último ministro dos Negócios Estrangeiros de Caetano: “Fui defensor das negociações secretas com o PAIGC, que decorreram em Londres, já em 1974, na fase final. A ideia de negociar com o PAIGC partiu da Embaixada inglesa em Lisboa, que fez a ligação com eles. Eu nunca fui partidário de que a derrota militar seria o melhor. Quando se está com o canhão e a espingarda diante de nós, chama-se a isso estado de necessidade. É evidente que queria a negociação. Depois procuraríamos explicar os princípios, procuraríamos dizer que a Guiné vivia numa situação diferente. Qualquer explicação era possível porque qualquer coisa era melhor do que a derrota militar. O que foi proposto foi: “Vamo-nos sentar com o PAIGC, vamos negociar”. Era uma negociação para discutir o futuro político da Guiné, para ouvir o que é que eles queriam: o que o PAIGC tinha a dizer e o que eles queriam fazer. Nós dissemos que, como condição, tinha de ser assim. Não sabíamos como é que se iria desenrolar”.

Resta esclarecer que esta prática da história oral, a recolha de depoimentos sem tratamento, sem qualquer tipo de articulação, deixando ao livre alvedrio do leitor as conclusões, entrou em desuso, não obstante se reconhecer possuir os seus próprios méritos. Muitos dos documentos transcritos pela equipa de José Freire Antunes aparecem truncados, designadamente a correspondência enviada por Spínola a Caetano. Ora a correspondência é uma das situações comunicacionais que tem que atender, na investigação histórica, às relações entre o espaço e o tempo, tem que ser alvo de um tratamento documentado. A história oral em bruto é manifestamente ineficaz, são peças fragmentadas desprovidas de uma visão de conjunto.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8664: Notas de leitura (264): A Guerra de África 1961 - 1964 - III Volume, por José Freire Antunes (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 21 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8691: Notas de leitura (267): O Fazedor de Utopias, Uma biografia de Amílcar Cabral, por António Tomás (3) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6676: V Convívio da Tabanca Grande (15): Caras Novas (Parte IV ): O JERO, aquele rapaz de Alcobaça e de Binta, lembram-se dele ? (Luís Graça)


From: Nhabijoes | 4 de Julho de 2010 | 2 visualizações


Monte Real, Palace Hotel, 26 de Junho de 2010. V Encontro Nacional do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. O Jero, ao lado do Joaquim Mexia Alves, faz entrega ao Luís Graça de uma lembrança do evento: uma bonita peça de cristal de Alcobaça, sua terra querida... Dizeres: V Convívio da Tabanca Grande, Mapa da Guiné-Bissau, Luís Graça. Neste vídeo, segundo eu percebo (há um grande ruído de fundo), ele confessa que o nosso blogue, liderado discretamente por mim, mudou a sua vida... Só espero que para melhor. A confissão, vinda de um amigo, tem que passar pelo sistema de triagem... A lembrança (mesmo que o gravador tenha trocado a Tabanca Grande por Palanca Grande) merece as minhas mais enternecidas palavras de agradecimento e reconhecimento... (LG)


Vídeo (1' 25''): Luís Graça(2010). Alojado em You Tube > Nhabijoes



O JERO ou José Eduardo Oliveira é um dos mais produtivos membros do nosso blogue (já com mais de 60 referências ou marcadores), para o qual entrou há menos de um ano...


Natural de Alcobaça, bancário reformado, director adjunto do jornal local, ofereceu-se de imediato para organizar o V Encontro Nacional da Tabanca Grande. Acabámos por optar por Monte Real, e associá-lo à Comissão Organizadora (de que fizeram parte, além dele, o Carlos Vinhal, o Joaquim Mexia Alves, o Miguel Pessoa e o Belarmino Sardinha).


O JERO é daqueles camaradas que, uma vez apresentados, se tornam,  ao fim de cinco minutos, velhos conhecidos, que a gente se apressa a pôr na lista dos amigos favoritos... Ele é a gentileza em pessoa, uma doçura como os licores e doces da abadia à sombra da qual nasceu e cresceu a sua terra. E tem uma qualidade que é rara entre os primatas: pratica a amizade, é gentil, é prestável, é leal, sem quaisquer pretensões de protagonismo, sem intriga, lisonja ou má-língua... 


Cara nova ? Sim, é a primeira vez que ele vem a um Encontro Nacional da Tabanca Grande. Razão por que merece este destaque.




Dedicatória do então Cap Inf Tomé Pinto, comandante da CCAÇ 675, oferecendo ao autor (Fur Mil Enf Oliveira) o livro que ele (JERO) escreveu e o capitão editou, em 1965... Uma edição limitada, rodeada de cautelas próprias da época: afinal, tratava-se de um diário com material classificado e que, como tal, não podia ser manuseado por qualquer pessoa...  A Nação estava em guerra, mas era bom que pouco ou quase transpirasse para a rua... Havia, na época, o entendimento de que a segurança (não apenas nacional, mas dos homens que combatiam em África) estava em primeiro lugar... Terá sido uma tragédia, para este país, a conspiração do silêncio à volta de um guerra que a censura (política e militar) só muito tardiamente chegasse a ser posta na agenda política e social dos portugueses... A palavra de ordem era, então, "A Pátria Não Se Discute" (Salazar).








Capa (original) do livro, "Comp CCAÇ 675, Nunca Cederá", da autoria do JERO. Edição do Comandante da Companhia, Tomé Pinto, em 1965 (hoje, Ten Gen Ref; julgo que foi também padrinho de casamento do JERO e da 


Exemplar nº 10. Dedicatória, manuscrita, do autor, Fur Mil Enf José Eduardo Oliveira: "*Para os meus queridos Pais, Avó e Irmã: A história de um ano de Guiné que eu não vos contei nas minhas cartas.  Vosso, José Eduardo. Binta, 1 Out 65".







Imagens digitalizadas por L.G., a partir de um exemplar, original, gentilmente cedido por (e já devolvido, em Monte Real, no dia 26 de Junho passado,  a) o JERO, aquela jóia de moço de Alcobaça e de Farim, que insiste em tratar-me, para grande constrangimento meu, por comandante... Por fim, publicidade é devida à marca LineCrystal, da empresa Alcoplas, Lda, com sede em Alcobaça. 


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 Nota de L. G.:


  3 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6670: V Convívio da Tabanca Grande (12): Caras novas (Parte III): O João Barge, da CCAÇ 2317, que foi meu actor em A Cantora Careca, com o Rui Barbot/Mário Claúdio... (Carlos Nery)

terça-feira, 14 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4686: Tabanca Grande (162): José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil, CCAÇ 675, Binta, 1965/66

Capa do livro, edição de autor, Golpes de Mão's - Memórias da Guiné, de José Eduardo Reis de Oliveira. Prefácio do Ten Gen Alípio Tomé Pinto, o famoso Capitão de Binta (CCAÇ 675, 1965/66).

O novo membro da nossa Tabanca Grande, o José Eduardo Oliveira, com a sua neta mais nova, a Nana... Tem ainda um turra, de 7 anos, o Pedro.

Guiné > Região do Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1965/66) > O ex-Fur Mil Oliveira, com "duas meninas felizes, de que já não recordo o nome"...

Guiné > Região do Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1965/66) > Ainda era o tempo das abatizes (grossos troncos de árvores, abatidas pela guerrilha, e que funcionavam como obstáculo, nas estradas e picadas, à progressão das colunas auto das NT)... E, como se pode ver pela foto, ainda era o tempo em que os militares portugueses eram obrigados a usar os insuportáveis capacetes de aço!...


Guiné > Região do Cacheu > Binta > CCAÇ 675 (1965/66) > Ao fundo, a Vila Tomé Pinto... Em primeiro plano, dois foliões, na festa de S. João (ou no Carnaval ?)

' (...) ' À margem da guerra', criámos junto da tabanca nova uma nova BINTA …onde fomos quase tudo… O céu era o limite… Fomos professores, alunos, arquitectos, pedreiros, carpinteiros, agricultores, agentes do totobola, jornalistas, artistas de teatro e músicos, dançarinos de batuque, toureiros, forcados, jogadores de futebol e voleibol, fadistas, pêemes, pescadores, caçadores, padeiros e …sei lá que mais!' (...) (JERO)


1. O José Eduardo Reis de Oliveira é jornalista profissional, trabalha na imprensa regional, sendo actualmente sud-director do jornal O Alcoa, quinzenário, com sede em Alcobaça e uma tiragem de 8 mil exemplares.

Recentemente, em Maio passaddo, na sua terra natal, Alcobaça, o José Eduardo lançou o seu livro de memórias da guerra colonial, Golpes de Mão’s – Memórias de Guerra, de cerca de 440 pp., com prefácio do Ten Gen Alípio Tomé Pinto, antigo comandante da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), ele próprio ferido em combate (foto, à esquerda).

O José Eduardo confirmou-me, por telefone, o carisma que este homem (o então Cap QP Tomé Pinto) possuía, entre os seus soldados e a própria população local... Era conhecido como o Capitão de Binta. Todos quiseram tocar-lhe quando foi evacuado, de heli, para Bissau, depois de ferido em combate.


" Mais do que pela bandeira o soldado bate-se pelo seu capitão", escreve o José Eduardo, numa apresentou em power ppoint que me enviou, subordianada ao título Memórias em Dois Tempos.


O José Eduardo (que é conhecido no meio jornalístico pelo seu acrónimo, JERO, e que foi Fur Mil naquela subunidade, entre 1965 e 1966, tendo inclusive feito a respectiva história, documento que foi classificado como confidencial) teve a gentileza de me mandar um exemplar autografado do seu primeiro livro, Golpes de Mão's, do qual irei fazer uma gostosa recensão crítica... depois de o ler nas férias.

Eis um excerto do mail que ele mandou em 21 de Junho último:

"Caro Luís Graça: (...) Como gratidão pelo que tem feito ao longo dos anos pelas nossas 'memórias' colectivas, gostaria muito de lhe oferecer um exemplar. Envio-lhe em anexo uma 'apresentação' em power point. O livro, que é edição de autor, tem 440 páginas com 190 fotografias e mapas.

"Agradeço que me informe o seu endereço para lhe enviar o livro em causa, de que também tenho suporte informático.

"Melhores cumprimentos. José Eduardo Reis de Oliveira" (...)



Capa do 1º Volume do documento classificado Diário da Companhia de Caçadores 675 - Dois Anos de Guiné, elaborado com "elementos colhidos pelo Fur Mil Oliveira".


2. Respondi-lhe nestes termos, a agradecer a oferta e as amáveis palavras do autor:

Meu caro José Eduardo:

Deixa-me que te trate por tu, que é o tratamento (romano) entre pares e camaradas... És um homem de letras, como eu, e sobretudo um ex-combatente da Guiné, como eu... Obrigado pela gentileza do teu gesto. Terei muito em fazer uma recensão crítica do teu livro no nosso blogue e divulgá-lo... Os meus parabéns pela concretização da ideia de transformares o teu diário em livro. Estou muito curioso por lê-lo... até por que não há referências, no nosso blogue, à tua CCAÇ 675...

Gostaria, antes de mais, de convidar-te para ingressares na nossa Tabanca Grande, o lugar da blogosfera onde cabem todos os camaradas da Guiné. Se aceitares, é também uma honra para todos, dos mais velhinhos aos piras... Se és leitor do nosso blogue, sabes qual o nosso espírito o nosso objectivo: partilhar e contar histórias... Somos também um blogue de afectos, como podes ver pelos relatos do nosso último encontro, aí perto de ti, em Monte Real (...)


3. O José Eduardo Oliveira, conhecido dos seus leitores como JERO, respondei-me no próprio dia:

Meu caro Luís Graça

Sou hoje um homem feliz pelas tuas palavras. Pelo tratamento 'romano' e por sentir que estou a entrar para um grande clube... que leio e releio vezes sem conta.

Tenho muitas histórias da minha '675' e sinto uma obrigação especial a partir deste momento: tenho que preencher o vazio de mais de 40 anos.

Há no meu livro de memórias algumas páginas sobre o desastre do Pelotão de Morteiros 980, em 5 de Janeiro de 1965, que vos irá surpreender. E não só. Também sobre o Padre Gama, o Coronel Fernando Cavaleiro e do grande Capitão de Binta, Alípio Tomé Pinto.

Amanhã vai seguir o livro e logo que possível vou aparecer ao vivo para um apertado abraço.

Até sempre e...até breve.

José Eduardo Reis de Oliveira.


4. Mais recentemente, a 12 do corrente, o José Eduardo disse-me que vinha a Lisboa e que poderíamo-nos encontrar, na próxima semana (o que está combinado e confirmado por telefone).

Caro Luís

~(...) Volto a ar notícias porque vou estar em Oeiras durante a próxima semana. Vou fazer uma 'comissão' de avô. Seis dias a aturar um 'turra' de quase 8 anos!

Como vou estar por perto de Lisboa pergunto se posso aparecer para uma pequena cavaqueira. Em caso afirmativo qual o melhor dia e hora? Tenho o teu telefone – 21 751 21 93 [,e não 21 751 21 96, como eu te comuniquei, por erro ]- que no entanto só utilizarei depois das tuas notícias para um eventual acerto de pormenores.

Entretanto mando um texto que, se tiver algum interesse, poderás juntar aos escritos dos velhotes da Tabanca Grande.

Um abraço e até breve, assim o espero.
José Eduardo Oliveira
Telemóvel [ já registei].


5. Comentário de L.G.:

Que mais dizer-te, depois do nosso último contacto telefónico ? Que gostei dos teus escritos (o livro ainda não o li, só o folheei...), gostei de falar de falar contigo ao telefone, gostei de saber que também tens magníficas recordações de Binta, que és um português positivo, que és um avô babado e ternurento... E que mais ? Que estás apresentado ao pessoal da Tabanca Grande, que já estás cadastrado, que és bem vindo a este blogue, de que és fã e leitor assíduo... e que vamos ficar ansiosos pelas tuas histórias... Irei rapidamente publicar o teu notável texto 'Depois da guerra... o stresse da paz'... Vem mesmo a calhar, quero eu dizer, é editorialmente muito oportuno.

Um Alfa Bravo, camarada. Luís

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Nota de L.G.:


(*) O último poste desta série Tabanca Grande é de 11 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4669: Tabanca Grande (161): António Torcato Oliveira, um sobrevivente de Gandembel/Balana, ex-1º Cabo da CCAÇ 2317 (1968/69)