Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça, com o objetivo de ajudar os antigos combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra da Guiné (1961/74). Iniciado em 23 Abr 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência desta guerra. Como camaradas que fomos, tratamo-nos por tu, e gostamos de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno, Sori e Umarau (que irão depois para a CCAÇ 2590/CCAÇ 12). Estes mancebos aparentavam etr 16 ou menos anos de idade. Era,m do recrutamento local.
Porugal > Resende > 1999 > Num dos convívios do pessoal de Bambadinca, de 1968/71, o Umaru Baldé. já com 46 anos, parece ter mais de um metro e noventa de altura... Ao centro o Fernando Andrade Sousa e outro camarada da CCAÇ 12 que não é possível idemtificar.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > O Umaru Baldé, soldado da CCAÇ 12 (1969/71)... Depois da independência, veio para Portugal. Morreu há uns anos, de doença... Vários antigos camaradas, tugas, ajudaram-no a sobreviver... Dizem-me que trabalhou na construção civil...
Para mim, que o cheguei a comandar, várias vezes, em operações, era uma criança na guerra... Não teria mais do que 16 anos quando fez a recruta e a especialidade (em Contuboel, nç 1º semestre de 1969)... Um belo efebo, com o seu inseparável cachimbo... Dizia-se, erradamente, que era filho do régulo de Badora, Mamadu Bonco Sanhá, tenente de 2ª linha... Era um bravo combatente e um temível apontador de Mort 60. Fula, pertencia ao 4º Gr Comb, 2ª Secção (comandada pelo nosso querido camarigo António Fernando R. Marques). (LG)
1. Ainda hoje me interrogo como foi possível as nossas autoridadesa (administrativas e militares) deixarem alistar nas nossas fileiras "crianças" como o Umaru Baldé (*)...
Ninguém, ao que eu saiba, se indignou com o facto, em 1969, em Contuboel no Centro de Instrução Militar de Contuboel, onde fizeram a recruta e tiraram a especialidade pelo menos 200 mancebos guineenses que foram formar mais tarde a CCAÇ 11 e a CCAÇ 12...
Os guineenses não tinham "certidão de nascimento", é a desculpa que te davam... Dezasseis anos, o Umaru ? Era o que toda a gente achava que ele tinha... Mas havia mais "putos", menores, que não tinham idade para ir para a tropa, muito menos para a guerra... E, no entanto, passaram todos os "testes"... E tipos muito mais velhos, com idade de serem pais destes "putos"...
Como foi possível um médico metropolitano (se calhar nem houve inspeção médica!), para não falar no resto dos "burocratas" da junta médica, que deu o Umaru e outros putos, fulas dos regulados de Badora e do Cossé, como "aptos para todo o serviço militar"!... Que importava, se eram todos "voluntários" (?), e sobretudo "carne para canhão" ?
O recruta Umaru Baldé, Contuboel, 1969.
Foto de Valdemar Queiroz (2014)
Eu sei que hoje temos "outra sensibilidade" para os problemas das crianças e adolescentes, o trabalho infantil, o abuso de menores, a pedofilia... Na época, na metrópole, as crianças começavam a trabalhar cedo, nos campos, nas fábricas do calçado, vestuário e têxtil... mas, bolas, as Forças Armadas Portuguesas tinham valores, tinham pudor, e cumpriam a lei... Tanto quanto julgo saber os voluntários da Força Aérea tinham que ter, no mínimo, 18 anos (?)...
O Umaru Baldé e outros putos da CCAÇ 12 teriam (?) 16 anos!... O Capitão Inf QP, formado na Academia Militar (ou melhor, Escola do Exército, que a antecedeu a Academia Militar), católico, Carlos Machado Brito, comandante da CCAÇ 2590/CCAÇ 12, e os 3 sargentos QP, o com-chefe gen Spínola, bolas, e todos nós, oficiais e sargentos milicianos da CCAÇ 12, aceitámos esse facto como algo de "muito natural"... "Na Guiné faz como os guineenses", que isto não é a tua terra, nem são os teus usos e costumes...
Que profundo cinismo, que degradação dos nossos valores, humanos, portugueses, cristãos... Não me consola saber que, do lado do PAIGC e do grande lider revolucionário africano Amílcar Cabral, que se dizia ser tão português como os melhores portugueses (!), também não havia quaisquer pruridos em põr nas mãos de um criança uma Kalash!...
Quando comecei a viajar pelo norte de Portugal, a partir do "verão quente" de 1975, ainda era vulgar ouvir, da boca dos adultos, a justificação (ideológica) do trabalho infantil: "O trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco".... Spínola e Amílcar Cabral deviam conhecer bem o provérbio popular...
Só mais tarde, ao fazer um estudo de sociologia rural, é que percebi (melhor) que, no norte dos camponeses e rendeiros pobres, pai era "pai e patrão"... e que a família camponesa era, antes de mais, uma unidade económica, uma empresa...
Bom fim de semana, camaradas, de norte a sul do país, e se possível sem os fogos florestais que nos tiram o sono e estão a dar cabo do que resta da nossa terra... (Ouvi há dias um senhor professor catedrático de geografia lá do norte dizer, ex-cathedra, na televisão, que o nosso problema era ter terra a mais...Sugiro que a vendam aos chineses, que têm terra a menos...). (**)
PS1 - Tiro o quico aos nossos bravos "soldados da paz", e sou solidário com todos as vítimas destes brutais fogos de agosto de 2016.
PS2 - Segundo o meu querido amigo, camarada e vítima de infortúnio António Fernando Marques, o Umaru Baldé chegou a Portugal a 15 de abril de 1999 e aqui viveu e trabalhou até falecer, por doença, "indo só à Guiné em 2001, para estar algum tempo com a família". O António correspondeu-se muito com ele , e outros camaradas guineenses da CCAÇ 12 (como o José Carlos Suleimane Baldé), nomeadamente entre 1971 e 1973. Gostaria de ter tempo para um dia poder ler e analisar essa correspondência que o António tem em arquivo e que já manifestou interesse e vontade em pôr à minha disposição.
1. Continuação da publicação do álbum de Fernando Andadrade Sousa que foi 1º cabo aux enf, CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, entre maio de 1969 e março de 1971), e mora na Trofa. Era seu superior hieráquico o fur mil enf João Carreiro Martins, membro, também ele, da nossa Tabanca Grande.
Na foto nº 1 vê-se o Fernando, ao meio, com dois antigos camaradas guineenses da CCAÇ 12. O mais alto era então o Umaru Baldé, o "nosso puto" Umaru que se terá alistado (e foi aceite) no exército portuiguês com... 16 anos. (Teria, portanto, nascido por volta de 1953), Na altura era ainda um adolescente, com menos um metro e setentes... Aqui em Resende, em 1999 /(num dos convívios do pessoal de Bambadinca, de 1968/71), e já 46 anos....parece ter mais de um metro e noventa...
O outro camarada não é possível identificá-lo.
Na foto nº 2, vê-se o Fernando (em véspera de ir passar umas férias à Tunísia...) mais o Umaru Baldé, já doente, no Hospital do Barro, nas imediações de Torres Vedras, em agosto de 2007. se não erro. Foi a última vez que o Fernando esteve com ele.
O Umaru, que vivia na Amadora, em situação de pobreza, morreu no "terminal da morte" dos doentes de HIV/Sida e tuberculose que era então o hospital do Barro... Alguns camaradas da CCAÇ 12 ajudaram-no em vida. (O antigo sanatório do Barro, depois Hospital, integrado no Centro Hospitalar Oeste, foi recentemente encerrado).
Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno, Sori e Umarau (que irão depois para a CCAÇ 2590/CCAÇ 12).
Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Regulado do Cuor > Finete > 1969 > CCAÇ 12 (1969/71) > Eu, Henriques, a comandar interinamente uma das secções do 4º Gr Comb, a aqui na foto com o 1º cabo José Carlos Suleimane Baldé e o sold Umaru Baldé, excelente e espetacular apontador de morteiro 60, da 2ª secção.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > O Umaru Baldé, soldado da CCAÇ 12 (1969/71)... Depois da independência, veio para Portugal. Morreu há uns anos, de doença... Vários antigos camaradas, tugas, ajudaram-no a sobreviver... Dizem-me que trabalhou na construção civil...
Para mim, que o cheguei a comandar, várias vezes, em operações, era uma criança na guerra... Não teria mais do que 16 anos quando fez a recruta e a especialidade (em Contuboel, 1º semestre de 1969)... Um belo efebo, com o seu inseparável cachimbo... Dizia-se, erradamente, que era filho do régulo de Badora, Mamadu Bonco Sanhá, tenente de 2ª linha... Era um bravo combatente e um temível apontador de Mort 60. Fula, pertencia ao 4º Gr Comb, 2ª Secção (comandada pelo nosso querido camarigo António Fernando R. Marques).
e dos demais camaradas da CCAÇ 12 e da CCAÇ 21, brancos e pretos, mortos em combate ou abandonados à sua sorte, depois do regresso a casa ou da independência da Guiné-Bissau;
ao José Carlos Suleimane Baldé, felizmente ainda vivo, espero, a morar em Amedalai, Xime (e o único camarada guineense da CCAÇ 12 a integrar a Tabanca Grande);
a todos os demais camaradas da Guiné que ainda hoje estão (sobre)vivos.
Foderam-te, meu irmão! Enganaram-te, irmãozinho!
Traíram-te, amigo!
Deixaram-te para trás, camarada!
Não, não era este país milenário que vinha no cartaz de promoção turística, com montes, vales e charnecas, com rios, praias e enseadas, com fama de gente patriótica, riqueza gastronómica e forte sentido identitário.
“I want you”, disseram-te eles, e tu respondestes sem hesitar: “Pronto!”.
Meu tonto, disseste "presente!", mesmo sem poderes avaliar todas as consequências presentes e futuras da tua decisão, em termos de custo/benefício.
Decidiste com o coração, não com a razão, deste um passo em frente, abnegado e generoso, mesmo sem saberes onde era o distrito de recrutamento, e sem sequer conheceres o teatro de operações, o estandarte, o fardamento, a ciência e a arte da guerra,
o comandante-chefe ou até mesmo a cara do inimigo.
Um homem não vai para a guerra sem fixar a cara do inimigo, sem reconhecer a voz do inimigo, pode ser que seja teu pai, mãe, irmão, irmã, vizinho, amigo, ou até mesmo um estrangeiro, um pobre e inofensivo estrangeiro, apanhado à hora errada no sítio errado.
Camarada, um homem não mata outro homem só porque é estrangeiro, ou só porque não pensa ou não sente como tu, um homem não puxa o gatilho ou saca da espada, sem perguntar quem vem lá!
Enfim, não se mata um homem, de ânimo leve, gratuitamente, só porque alguém o elegeu como teu inimigo.
Não, meu irmãozinho, não eram estes outdoors e muros grafitados, ao longo da picada, não, não era este trilho, que era pressuposto levar-te do cais do inferno às portas do paraíso.
Sim, porque no final, meu irmão, há sempre alguém a prometer-te o paraíso, o olimpo, o panteão nacional ou cruz de guerra com palma,
em troca da dádiva suprema da tua vida, do teu corpo, da tua alma.
Todos te querem, todos te queremos, “I want you”, sim, quero-te, mas por inteiro, quanto mais não seja para tirar uma fotografia contigo, não vales nada cortado às postas, decepado, decapitado, ou, pior ainda, perdido, errático, com stress pós-traumático sem bússola nem mapa, apanhado à unha pelo inimigo, ou fuzilado no poilão de Bambadinca ou de Madina Colhido. Fuzilado, és um cadáver incómodo, apanhado, és um embaraço diplomático, pior do que tudo isso, doente psiquiátrico.
Não, não foi este destino que compraste, com o patacão do teu sangue, suor e lágrimas, enganaram-te, os safados, os generais e os seus ajudantes de campo, os burocratas da secretaria, os recrutadores, a junta médica, os instrutores e até os historiadores.
“Guinea-Bissau, far from the Vietnam”,
alguém escreveu no poilão de Brá ou na estrada de Bandim, a caminho do aeroporto, tanto faz, “Tuga, estás a 4 mil quilómetros de casa”. Ou então foi imaginação tua, pesadelo teu, deves ter sonhado com essa placa toponímica, algures, numa noite de delírio palúdico, deves tê-la visto a sul do deserto do Sará.
Alguém sabia lá onde ficava a Guiné, longe do Vietname, alguém se importava lá com o teu prémio da lotaria da história, mesmo que em campanha te tenhas coberto de glória!
Acabaram por te meter num avião “low cost” ou num barco de lata, ferrujento, deram-te um pontapé no cu ou cravaram-te a tampa do caixão de chumbo. "Bye, bye, my friend. Fuck you, man”. Nem sequer te desejaram "Oxalá, inshallah, enxalé, que a terra te seja leve!"
“País de merda"... Tinha razão o polícia, racista, que te quis barrar a entrada no aeroporto de Saigão (ou era Lisboa ? ou era Amsterdão?).
Quem disse que os polícias de todo o mundo são estúpidos ? Até o polícia racista entende o sofisma do país de merda: “Pensando bem, soletrando melhor, país de merda, país de merda, só pode ser o meu”.
Os gajos estavam fartos de ti, meu irmão, meu camarada, meu amigo. Os gajos pagavam-te, se preciso fosse, para se verem livres de ti, vivo ou morto, devolvido à procedência.
“I want you, alive ou dead”, porque na contabilidade nacional tudo tem de bater certo, diz o cabo arvorado. Todo o que entra, sai, é o deve e o haver do escriturário, encartado, mesmo que seja merda: “Garbage in, garbage out”, se entra merda, sai merda.
Procuraram-te por toda a parte, do Minho ao Algarve do Cacheu ao Cacine, só te queriam bem comportado, escanhoado, ataviado,
de botas engraxadas, se possível herói de capa e espada, medalhado, condecorado, de cruz de guerra ao peito, mesmo que viesses amortalhado.
E tu ? Sabias lá tu o que era a pátria, onde ficava a tabanca da pátria, onde começava e acabava o chão da pátria ? Muito menos sabias a geografia da guerra, Aljubarrota, Alcácer Quibir, Vimeiro, Waterloo,
La Lys, lha do Como, Guidaje, Gadamael, Dien-Bien-Phu, Madina do Boé, Ponta do Inglês, Madina Belel...
Conhecias lá tu da pátria a anatomia e a fisiologia , o intestino grosso e delgado, o que é que a pátria comia, o que é que a pátria defecava, ou até mesmo o que é que a pátria sentia e pensava, se é que a pátria deveras sentia e pensava.
Queriam-te sedado, anestesiado, amnésico, de preferência, sobretudo amnésico. alienado, aculturado, desformatado, paisano, só assim eles te queriam de volta ao teu anódino quotidiano,
Meu irmão, meu pobre camarada, fizeste por eles o trabalho sujo que compete a qualquer bom soldado em qualquer guerra. Mas nem como soldado eles te trataram, nem sequer como mercenário te pagaram, em espécie ou em géneros.
Afinal a guerra acabou, como todas as guerras acabam, até mesmo a guerra dos cem anos teve um fim com o seu rol de mortos, feridos e desaparecidos. “Para quê mexer agora na merda, ó nosso cabo ?”, pergunta o sorja da companhia. “Boa pergunta, meu primeiro, mas há muito já que eu não cheiro, a guerra embotou-me os sentidos”.
Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno, Sori e Umarau (que irão depois para a CCAÇ 2590/CCAÇ 12).
Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > Semana de campo dos novos recrutas (c. 200, metade dos quais irão depois juntar-se à CCAÇ 2590/CCAÇ 12)... Pela foto, pela maneira (tosca) como estão montadas as tendas, vê-se que os nossos recrutas nunca andaram nos escuteiros...
Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > Recruta: semana de campo... Em tendas de campismo... Estes rostos são-me familiares, poderão ter pertencido à CCAÇ 2590/CCAÇ 12.
1. Continuação da publicação das Memórias de um Lacrau > Texto e fotos enviadas, em 9 do corrente, pelo Valdemar Queiroz, nosso novo tabanqueiro, nº 648 [, em Contuboel, 1969, à esquerda]
Começou a instrução militar, agora com todos já fardados e tal e qual como se fosse a recruta feita em Aveiro ou na Carregueira, com ordem unida, armamento e carreira de tiro.
Tivemos várias visitas do Carlos Azeredo e o próprio Spínola apareceu, com uma dobra de mangas especial no camuflado, (como é que ele faz aquilo?), quando estavamos a dar tiros de morteiro. Até fizemos semana de campo, com acampamento no mato (em plena zona de guerra) e simulacros de fogo com balas reais.
Entretanto fomos à ‘praia’ a Sonaco, que ir a Sonaco era uma aventura. Fomos manga de furriéis num Unimog a Sonaco. Sonaco, sem tropa, com a ‘praia’ fluvial do Geba ali perto, uma rua principal, de terra batida, que dividia a tabanca, com pouca gente, mas tinha um posto de abastecimento de gasolina, com uma manivela, estilo anos 40, e o Mussá Camará que transformava as nossas conservas de lulas em grandes petiscos.
Valdemar Queiroz, foto atual
Regressamos já era tarde e todos bem bebidos, seguindo na picada
com as luzes do Unimog acesas, em plena mata a cantar: 'Òh, Bioxé…ne, Òh, Bioxé…ne, Òh, Bioxé…ne', com a música duma célebre canção dos Beatles, e com o Furriel de Informações que foi connosco a dizer: 'Meste momento qualquer turra nos está a ouvir e se não se calarem somos apanhados à mão'.
Chegamos a Contuboel, às tantas, com toda gente à nossa espera. Também fomos, aproveitando as colunas, à bonita localidade de Bafatá.
Bafatá, com a guerra longe, cheia de gente, com ruas arranjadas e boas casas de comércio (libaneses), com a famosa Casa Gouveia, próxima do caís, que parecia um pombal. Fomos comer comida da metrópole (bacalhau ou frango), ver jogos de futebol de salão, no pavilhão, entre equipas militares, com grandes jogadores nossos conhecidos e mergulhar na piscina que estava sempre com muita gente. Inesquecível. (Continua)
Guiné > Mapa da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Zona leste > Posição relativa de Contuboel e Sonaco, a meio caminho entre Bafatá e a fronteira, a norte, com o Senegal. Contuboel/Sonaco, Bafatá e Nova Lamego eram 3 vértices de um triângulo, em pelno chão fula...
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)
2. Comentário de L.G.: Futuros soldados da CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71)
Cherno Baldé
Sori... Jau ou Baldé ?
Umaru Baldé
Três jovens recrutas, o Cherno, o Sori e o Umaru, que, no final da recruta dada pelos quadros da CART 2479/CART 11, passaram para as fileiras da CCAÇ 2590/CCAÇ 12... que lhes deu a especialidade e a IAO, ainda em Contuboel (entre junho e julho de 1969).
Na CCAÇ 12, tivemos, na 3ª secção (fur mil José Sousa Vieira), do 3º Gr Comb (alf mil Abel Maria Rodrigues), o soldado 82109669 Cherno Baldé, de etnia fula... Era municiador da Metr Lig HK 21... Também havia um Sori Jau, fula, nesta secçã, era o Sold 82109269, apontador de Dilagrama.
O problema é que também tivemos, na 1ª secção (fur mil Joaquim Augusto Matos Fernandes), do 4º Gr Comb (alf mil José António G. Rodrigues, já falecido), um outro Cherno Baldé, fula, o Sold 82115269, ap Metr Lig HK 21.
Por sua vez, na 3ª secção do 4º Gr Comb, havia um outro Sori, de apelido Baldé, fula, sold at inf, fula, nº 82111069...
Eu tinha a obrigação de lembrar desta malta... percorri todos os pelotões da CCAÇ 12... Em especial o 4º Gr Comn: recordoe que a 3ª Secção não tinha comandante atribuído, sendo esse lugar muitas vezes preenchido pelo fur mil armas pesadas inf Luis Manuel da Graça Henriques...
É-me, todavia, impossível saber, com precisão, a qual deles, Cherno e Sori, correspondem as duas primeiras fotografias...
Quanto ao "puto" Umaru, esse era inconfundível... Achávamos que ele não tinha mais de 16 anos... Era protegido pela malta branca. Era alegre e divertido. O Sold 82115869 Umarú Baldé (Ap Mort 60), fula (já falecido, depois de viver na Amadora e de ter voltado a Bambadinca), pertencia ao 4º Gr Comb, 2ª secção (fur mil António Fernando R. Marques).
Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Regulado do Cuor > Finete > 1969 > CCAÇ 12 (1969/71) > Eu, Henriques, a comandar interinamente uma das secções do 4º Gr Comb, a aqui na foto com o 1º cabo José Carlos Suleimane Baldé e o sold Umaru Baldé, excelente e espetacular apontador de morteiro 60, da 2ª secção.
O cmdt habitual da 2ª secção era o António Fernando Marques...O da 1ª era o Joaquim [Augusto Matos] Fernandes, que entretanto irá tirar o curso de reordenamentos, e será destacado para Nhabijões... A 3ª secção nunca tinha tido fur mil, era o 1º cabo, metropolitano, Virgilio S. A. Encarnação, que a comandava... Já não sei o que estava ali a fazer em Finete.. Talvez algum patrulhamento ofensivo ao Mato Cão, para protecção dos barcos civis que transitavam no Rio Geba Estreito, entre o Xime e Bambadinca.
"O Umaru [, depois de trabalhar na construção civil, nas obras da Expo, etc.] sempre foi para a Guiné, como ele gostava, mas depois voltou porque o estado de saúde piorava e lá não era possível ser acompanhado. Foi sepultado no cemitério do Lumiar na área destinada aos da sua religião" (António Fernando Marques) [, um dos camaradas que muito ajudou o Umaru, em vida; terá morrido de sida e tuberculose, no Hospital do Barro, em Torres Vedras.]
"Obrigado pela tua notícia, acerca do Umaru, não sabia. No princípio dos anos 2000,encontrei-me com ele várias vezes, na Amadora. Fui vê-lo ao hospital em Torres Vedras, depois perdi o contacto até saber da sua morte, julgo que em 2008/9. Então, sempre arranjou dinheiro para ir a Bambadinca e, por fim, veio morrer em Portugal." (Valdemar Queiroz).
Guiné > Zona leste > Contuboel > Centro de Instrução Militar > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > O fur mil Valdemar Queiroz
O Valdemar Queirioz, foto atual
T/T Timor > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > "Da esquerda para a direita, o Pechincha, o Queiroz e Duarte"
Guiné > Zona leste > Contuboel > Centro de Instrução Militar > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > O fur mil Queiroz, com os jovens recrutas Cherno, Sori e Umaru.
Eu sou o ex-Furriel Mil Valdemar Queiroz, da CART 2479 / CART 11, "Os Lacraus" (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá,Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70).
Tenho acompanhado a Tabanca Grande desde que o Abílio Duarte entrou nela, o que me deixou cheio de querer, também, ser um Tabanqueiro,
O que será feito do Cândido Cunha ? Wntramos prá tropa em Santarém (10/07/67) e na EPC onde até os ilhós das botas por onde passavam os atacadores tinham que ser areados!
Faz este mês 45 anos, em 18/02/69, da partida da rapaziada prá Guiné.
Em anexo um texto, despretensioso e como eu vi aquele tempo.
Noutro e-mail que, depois vou enviar, vão umas fotos daqueles tempos.
2. Comentário de L.G. [, ex-fur mil ap armas pes inf, CCAÇ 2590, Contuboel, jun/jul 1969, na foto, à esquerda, com o Renato Monteiro, passeando de piroga no Rio Geba]:
Caro Queiroz, estivemos juntos em Contuboel, desde 2 de junho a 18 de julho de 1969 (e não erro), Eu fazia parte da CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12 (colocada depois no setor L1, Bambadinca, onde fizemos a comissão, como unidade de intervenção.
Não me levas a mal se eu te disser que, pelo teu nome, já não ia lá... Com as fotos de Contuboel, acende-se um luzinha ao fundo do túnel... Da foto que me envias com três jovens recrutas, o Umaro Baldé, o mais puto de todos, reconheço-o de imediato. Não devia ter mais do que 16 anos. Fumava cachimbo para passar por "homem grande"... Não sei como é que ele - e outros, que eram ainda crianças! - passaram pelo "crivo" da tropa... O Cherno e o Sori também, podem ter ido parar à minha CCAÇ 12, mas não tenho a certeza...
Tivemos, na 3ª secção (fur mil José Sousa Vieira), do 3º Gr Comb (alf mil Abel Maria Rodrigues), o soldado 82109669 Cherno Baldé, de etnia fula... Era municiador da Metr Lig HK 21m e o Sold 82109269, Sori Jau, também fula, apontador de Dilagrama.
Também tivemos, na 1ª secção (fur mil Joaquim Augusto Matos Fernandes), do 4º Gr Comb (alf mil José António G. Rodrigues, já falecido), o Sold 82115269 Cherno Baldé, fula, ap Metr Lig HK 21.
O Sold 82115869 Umarú Baldé (Ap Mort 60), fula (já falecido, depois de viver na Amadora), pertencia ao 4º Gr Comb, 2ª secção (fur mil António Fernando R. Marques),
Na 3ª secção do 4º Gr Comb, havia um outro Sori Baldé, fula, Sold 82111069...
De qualquer modo, querido camarada de Contuboel, deste a recruta aos nossos 100 soldados do recrutamento local, oriundo dos regulados de Badora e de Cossé, que passaram depois para a CCAÇ 2590/CCAÇ 12. Fomos nós que lhes demos a instrução de especialidade e a IAO.
É com enorme alegria que te recebo na Tabanca Grande, tão grande que cabemos cá todos, os camaradas que passaram pela Guiné desde 1961 até 1974, e que estiveram no noete e no sul, no leste e no oeste. Da tua companhia cá temos, pelo menos, o Renato Monteiro e o Abílio Duarte, dois nomes que me vêm logo à memória... Mas também o António Baldé, 1º cabo, fula, que é capaz de ser ainda do teu tempo... e que é natural de Contuboel! (É é agora meu vizinho... e "compadre", já que somos "padrinhos" da sua filha, a Alicinha do Cantanhez)... E ainda outros que passaram pela CART 11, mais tarde CCAÇ 11...
Valdemar, conheces as "regras do jogo" do nosso blogue... Vamos de seguida publicar o texto e as fotos que mandaste. Passas a ser o grã-tabanqueiro nº 648, e a ter direito a sentares-te sob o nosso poilão, mágico, fraternal e protetor. Manda também, ao Carlos Vinhal, editor de serviço 24 horas por dia, o teu contacto telefónico (telemóvel ou telefone fixo, só para uso interno, não devendo ser divulgado no blogue, a menos que autorizes).
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Guiné > Zona leste > Sem data nem local > Mamadu Bonco Sanhá. Segundo informação do filho Cherno Sanhá, esta foto deve ser de finais de 1960 ou de 1970, quando o tenenente Mamadu foi condecorado com a cruz de guerra. Deveria ter uns 40 e poucos anos.
1. No passado dia 5 de setembro, recebi a seguinte mensagem do nosso leitor, Cherno Sanhá, que presumo viva (ou tenha vivido em Espannha), a avaliar pelo endereço de correio eletrónico: cherno2009@yahoo.es
Bom dia!
É com grande satisfação que pude hoje ler o vosso blog,é muito importante e enriquecedor. Sou filho do Mamadu Bonco Sanhá,vou tentar contribuir com mais informações sobre o meu pai e enviar algumas fotografias dele. Um grande abraço.
Cherno Sanhá
2. Comentário de L.G.:
Na altura eu não associei o nome, Mamadu Bonco Sanhá, ao todo poderoso cabo de guerra e régulo de Badora, homem grande de Bambadinca, fula, que eu conhecera no meu tempo (1969/71). Hoje, 10 de outubro, recebo um outro mail com uma das prometidas fotografias do pai do Cherno Sanhá (Pelo indicatiivo do telemóvel, 00 245, vejo que ele afinal vive na Guiné-Bissau):
Caros Luis Graça, Junto envio uma foto do meu pai Mamadú Bonco Sanhá. Cumprimentos Cherno Sanhá Telemóvel: (+245) 727 6999
3. Comentário de L.G.:
Meu caro Cherno: De repente, ao olhar esta foto amarelecida pelo tempo, fez-se-me luz no "meu computador central", reconheci de imediato aquela cara: era ele, o tenente de 2ª linha Mamadu, ou simplesmente o tenente Mamadu, como os 'tugas' o tratavam, com deferência e respeito, comandante da companhia de mílícia do Cuor...
Era ele, fardado, com os respetivos galões, e os óculos escuros que sempre lhe conheci. A farda, branca, devia ser a da administração colonial, a das cerimónias oficiais, a de régulo. Régulo de Badora.
Vestido de farda, branca, como na foto, não me lembro de o ter visto. Rebobinando os filmes das minhas memórias de Bambadinca, estou a vê-lo, sim, ora de camuflado, ora com as vestes tradicionais dos homens grandes, a chabadora, e quase sempre, se não sempre, montado na sua motorizada de 50 cm3, de marca japonesa (talvez uma Kawasaki), oferta pessoal - segundo se dizia - do Governador Geral da Província e e Com-Chefe, António Spínola (, facto que nunca pude confirmar).
Habituei-me a vê-lo,com alguma frequência, na parada do quartel de Bambadinca, junto ao comando do batalhão ali estacionado no meu tempo (primeiro, o BCAÇ 2852, e depois o BART 2917), ou seja, no período que medeia entre agosto de 1969 e março de 1971.
Nunca fiz, que me lembre, nenhuma operação com ele. De resto, não era habitual os pelotões de milícias participarem nas nossas operações, apenas os Pel Caç Nat (52, 54, 63)...
Também era voz corrente que tinha uma cruz de guerra, por feitos valorosos em combate, não sei onde nem quando. O que também nunca soube era onde vivia, se em Bambadinca ou nalguma tabanca dos arredores.
Dele também se dizia - seguramente com os exageros próprios das 'bocas' da caserna - que o todo poderoso e temido régulo de Badora tinha 50 mulheres, uma em cada aldeia do seu regulado, e que só em cabeças de gado deveria ter umas centenas. Mulheres e cabeças de gado faziam parte do 'status' de um homem grande.
Dizia-se também que tinha alguns filhos na CCAÇ 12, como seria o caso do nosso infortunado e saudoso Umaru Baldé, o 'puto' [,foto acima, à esquerda; crédito fotográfico: Benjamim Durães]...
Nunca lhe perguntei, ao Umaru, nem nunca lhe perguntaria...Lidei, privei com os fulas, fiquei nas suas tabancas, mas também respeitei a sua privacidade, a sua cultura, o seu modo de ser e de estar... Com os balantas, infelizmente, não consegui criar qualquer empatia... A barreira da língua e da farda, além da pertença a uma companhia fula (, a CCAÇ 12,), eram obstáculos intransponíveis...
Havia tensão entre os fulas e os balantas de Badora... Julgo que desgraçadamente "ajustaram contas" entre eles depois da nossa saída... Os malditos demónios étnicos ficaram na "caixinha de Pandora" que entregámos ao PAIGC... (E os guerrilheiros tinham uma caixinha destas, com outros ingredientes)...
Eu, que sempre lidei com fulas, e fiz amigos entre eles, também tive que gerir sentimentos contraditórios, em relação a este povo e aos seus filhos... Sempre fiz uma distinção entre os seus "chefes" tradicionais, de um modo geral aliados das NT, e os seus pobres "súbditos", a grande maioria dos quais eram também meus/nossos soldados.
Desgraçadamente o aliado dos 'tugas', o nosso Tenente Mamadu, foi fuzilado em Bambadinca depois da independência, já em 1975: o seu "crime" terá sido apenas o de ter apostado no "cavalo errado" do jogo de xadrez geopolítico que se travava na Guiné... Não sei em que circunstâncias foi julgado, condenado e executado. Talvez o Cherno Sanhá nos possa (e queira) esclarecer melhor este último e trágico episódio da vida do seu pai e nosso camarada de armas.
Quanto às autoridades militares de Bambadinca do meu tempo, faziam dele quase um mito... Veja-se por exemplo o que se pode ler na história do BART 2917 (1970-72):
(...) "No Sector L1 podemos considerar duas raças (sic) distintas: para Leste da estrada Bambadinca-Xitole onde predomina a raça Fula, e para Oeste da mesma estrada onde predominam as raças Balanta e Beafada. "A população Fula de um modo geral é nos favorável, sendo de destacar o regulado de Badora, que tem como Chefe / Régulo um homem de valor e considerado pela população como um Deus. Esse homem é o Tenente Mamadu, já conhecido do meio militar pelos seus feitos valorosos e dignos de exemplo. Da outra população, fortes dúvidas se tem, especialmente as dos Nhabijões, Xime e Mero" (...).
Enumera-se depois o seu currículo, apresentado em termos grandiloquentes e laudatórios:
(iii) Comandante da Companhia de Milícias do Cuor;
(iv) "Intitulando-se Fula, é considerado pelos Mandingas e Beafadas como Beafada, em virtude da ascendência materna"; [, segundo Beja Santos, devia ser parente dos Soncó do Cuor, "os mais ardorosos guerreiros da Guiné"; em carta ao comandante Avelino Teixeira da Mota, ele escreveu o seguinte: (...) "Quando tiver tempo e paciência, gostava muito que me indicasse literatura sobre este dinamismo da islamização, que foi animada pela presença europeia, pela submissão dos infiéis beafadas e dos fula-pretos animistas. Também no estudo do Carreira descobri que Boncó Sanhá (seguramente familiar do actual tenente Mamadu Sanhá, régulo de Badora) era sobrinho de Infali Soncó. (...)]
(v) "Pelos seus actos de valentia é condecorado com a Cruz de Guerra";
(vi) "Régulo justo e especialmente preocupado com a segurança das suas populações";
(vii) O seu prestígio parece ir muito "para além dos limites do regulado de Badora";
(viii) "É um excelente colaborador das NT, parece representar o movimento dos Fulas Nativos" (...).
Fica aqui o nosso gesto de apreço pela memória de um homem que foi um importante aliado das NT, na zona leste, e que pagou com a vida essa aliança. Um abraço para o Cherno Sanhá que ao fim destes anos todos nos vem surpreender com uma foto do seu pai, seguramente rara e indiscutivelmente valiosa para todos aqueles de nós que, em Bambadinca, conheceram o "tenente Mamadu". LG
4. Nota posterior de L.G.:
Em conversa com o Cherno Baldé (que teve a gentileza de me telefonou de Bissau e aceitou o meu convite para integrar o nosso blogue), soube mais o seguinte acerca de Mamadu Bonco Sanhá: (i) a residência oficial do tenente Mamadu era em Madina Bonco; (ii) muitos dos papéis dele perderam-se, ficaram nas mãos das mulheres, mas a foto deve ser de 1970 ou por aí; (iii) o Cherno deve ter uns 20 irmãos; (iv) o tenente Mamadu nunca teve "50 mulheres", embora tivesse bastantes como régulo que era, mas algumas delas eram dos irmãos que faleceram antes dele; (v) o Umarau Baldé não era filho do Mamadu Bonco Sanhá: (vi) o Cherno Sanhá, que tem 56 anos, fez a 4ª classe em Bambadinca, foi aluno da profª Dona Violeta, residia em Bambadinca nessa altura, mas tinha nascido em Madina Bonco; (vii) fez o liceu em Bissau; (viii) formou-se em Cuba, em 1983, em engenharia de telecomunicações; (x) trabalhou na rádio nacional durante uns 3 anos; (xi) andou por Espanha na sequência da guerra civil em 1998/99; (xii) vive hoje em Bissau, e trabalha numa empresa de telecomunicações: (xii) conhece alguns dos nossos grã-tabanqueiros de Bissau: o Pepito, o Patrício Ribeiro, o Cherno Baldé... Aguardo que ele me mande uma foto sua, atual. Aprecio a coragem dele por dar a cara e vir aqui recuperar a memória e a honra do seu pai.
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Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Um dos ícones de Bambadinca (que quer dizer "a cova do lagarto", segundo o poeta Artur Augusto Silva)... Este era o famoso bagabaga de Bambadinca, ou um deles... Era muito fotografado... Quem, de resto, não tirou uma foto em cima de um bagabaga para mandar para a metrópole, com recuerdo da sua passagem por aquela "terra verde e vermelha"(Será que este, um verdadeiro monumento vivo da natureza, ainda está de pé, 40 anos depois ?)...
Na 1ª foto, a contar de cima, pode avaliar-se a altura do monumental bagabaga, por comparação com o Umaru Baldé, o puto, com o seu inseparável cachimbo (O Umaru deveria ter um metro e setenta de altura, este bagabaga é um dos mais altos que tenho visto, medindo cerca de 6 metros, da base ao topo).
O nosso "belo efebo" era filho de régulo, dizia-se. Teria 16 anos, na melhor das hipóteses quando se juntou a nós, CCAÇ 2590, e depois CCAÇ 12. A seguir à independência, terá andado fugido - com a cabeça a prémio, dizia-se - tendo conseguido refugiar-se em Portugal. Morreu cá, há uns anos atrás, de doença - Sida e tuberculose -, no hospital do Barro, em Torres Vedras ... Vários antigos camaradas, metropolitanos, da companhia ajudaram-no a sobreviver... Foi um bravo combatente, foi ferido em combate, como a maior parte dos soldados da CCAÇ 12... Não chegou a acabar a sua comissão na CCAÇ 12, segundo o seu amigo e protetor, o António Marques, terá sido transferido depois para Bissau.
Já em tempos, em 2006, tínhamos começado uma série com o título Concurso o Melhor Bababaga, de que se publicaram pelo menos 3 postes (*)... Recordo-me que trazia uma foto com o Humberto Reis, garbosamente empoleirado num outro bababaga de Bambadinca. também do tipo catedral...
Como eu então escrevi, os bagabagas são aglomerados de terra e outros resíduos - material lenhoso, no essencial - , edificados pelas térmites e que constituem o seu ninho. São muito resistentes, mas infelizmente tal como a floresta tropical não resistem aos bulldozers e ao avanço do cimento (que confundimos com civilização, progresso, desenvolvimento)...
"Temos a obrigação de ajudar os guineenses a preservar estes monumentos vivos da natureza... Este pequeno concurso (fotográfico) é uma forma de sensibilizar os nossos tertulianos e demais visitantes para o património (natural e edificado) da Guiné-Bissau... Nós, ex-combatentes, quer portugueses, quer do PAIGC, temos um enorme respeito pelo bagabaga: ele fazia parte do nosso cenário de guerra... Hoje deve ser um símbolo da paz e da biodiversidade"...
Um das expressões que aqui usamos, é: "Não te escondas por detrás do bagabaga, dá a cara"... É o que temos feito desde Abril de 2004, alimentando e acarinhando este blogue... (LG)
1. Continuação do nosso passatempo Fotos à procura de... uma legenda (**), que já não é de verão, é de outono... Os nossos leitores continuam a ser convidados (para não dizer desafiados...) a mostrar, aqui em público, o seu especial talento em matéria de legendagem (livre) de fotos...
Aproveita-se para reproduzir, mais uma vez, um dos poemas do Artur Augusto Silva (1912-1983), pai nosso amigo Pepito, e que é um hino à sua amada Guiné, "terra negra" mas também "verde e vermelha"... (LG)
TERRA NEGRA
Ao Fernando Pessoa, Poeta de Portugal
Terra negra que tremes em convulsões de parto,
Terra negra que a guerra devasta,
Terra negra que os ódios revolvem,
Terra negra que o Luar acaricia.
Oh terra negra da minha infância,
onde uma negra ama me aleitou,
com cuidados maternais
e um amor que vinha do íntimo dos séculos.
Oh terra negra da minha infância,
onde brinquei com meus irmãos negros,
onde nadei no rio com meus irmãos negros,
onde cresci de mãos dadas com meus irmãos negros.
Oh terra negra dos mais saborosos frutos do mundo:
do ananás, do caju, da papaia, do mango;
Oh terra negra dos maravilhosos contos infantis
que a minha ama negra me contava para adormecer.
Ali, naquela enorme árvore, estava o irã,
terrível espírito da floresta que metia medo aos meninos
e nos fazia fugir para longe.
Mais para lá, era o poilão de Santa Luzia
que vomitava fogo quando a santa queria orações;
e o terreiro onde o cumpô dançava
e os meninos se extasiavam,
Bissau: Instituto Camões, Centro Cultural Português de Bissau. 1997. pp. 23-25.
2. Para os devidos, reproduz-se aqui, com a devida vénia, um pequeno texto sobre o bagabaga (substantativo, do género masculino e não feminino, sinónimo de térmite e de termiteiro, palavra que vem do crioulo lusófono, oral e escrito, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa): J. P. Cancela da Fonseca: As térmites na paisagem da Guiné: documentário fotográfico. Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, Volume XIV, nº 56, Outubro de 1959 (Reproduzido, por sua vez, pelo A.Marques Lopes, no seu blogue Coisas da Guiné, em poste de 1 de Junho de 2011)... Fiquei a saber que há dois tipos de bagabaga, o vermelho que constroi termiteiras tipo catedral, e o bagabaga preto, cujas termiteiras são em cogumelo...
(...) Quem pela primeira vez pisa a escaldante terra africana; quem pelas suas digressões pelo «mato» se apercebe da cambiante duma paisagem como a da Guiné portuguesa, que os menos avisados classificam de monótona; quem pelos seus interesses humanos se fixa na evolução que a paisagem sofre pela acção cultural do Homem. - Vê aqui e além, espaçados ou agrupados, erguerem-se acima do solo montículos de forma estranha , que não são obra de gente, de planta ou de pedra; - são obra de animal.
Esse animal, é o «senhor da terra»… africana. A ele paga o Homem pesado tributo em géneros e em habitação: as térmites aparecem destruindo a cultura no campo, o produto no armazém, a madeira na casa. Os tecidos lenhosos, vivos ou mortos, são o seu alimento predilecto. Para os alcançar cava túneis, constrói galerias, arquitecta ninhos. Adapta as suas necessidades à paisagem. Subordina a paisagem às suas necessidades.
As termiteiras em catedral (baga-baga vermelha) do tipo Macrotermes spp., erguem-se majestosas nas suas perspectivas de gigante, nas florestas, na savana, no campo de cultura. Sobrepassam as culturas anuais, espreitam através dos arvoredos cerrados, e, à compita, elevam ao céu a mesma prece que o cibe ou a palmeira do chabéu: - Sou vida...
Rastejam em colónias graciosas, emprestando uma beleza subtil às paisagens cinzeladas do Boé e Nhampassaré e aos solos quase enxutos de seiva criadora, as termiteiras em cogumelo da baga-baga preta, do tipo Cubitermes spp.. Às dezenas, às centenas, aconchegadas na amplidão das crostas ferruginosas donde emergem, banhando-se dum pleno sol sob a protecção dos seus chapéus dum cinzento suave, parecem reclamar a protecção do céu, gritando na sua humildade: - Nós!... Somos também vida.
Quem se detiver e contemplar atento tão vastas áreas degradadas terá ocasião de meditar: - Sois vida! Mas também sois morte?! (...) [Recomenda-se a ida ao blogue do A. Marques Lopes para ver as fotos que ilustram o texto aqui reproduzido].
Cópia de carta manuscrita (redigida a esferográfica azul) que nos chegou em mão, em Dezembro de 2010, da autoria de um ex-militar guineense da CCAÇ 12, que serviu Portugal entre Maio de 1969 e Agosto de 1974, altura em que foi extinta esta subunidade, composta por soldados do recrutamento local e graduados e especialistas metropolitanos, de rendição individual. O autor, de etnia fula, pertencia ao 4º Gr Comb (comandado pelo Alf Mil Cav José António G. Rodrigues, natural de Lisboa, e infelizmente já falecido).
Por razões de segurança, omitimos todos os elementos que possam levar à identificação e localização do autor da missiva. Achamos oportuna e pertinente a sua divulgação, a menos de 3 semanas de dois encontros, em Coimbra, em locais separados, mas no mesmo dia ( 21 do corrente), de antigos militares da CCAÇ 12, de origem metropolitana, de rendição individual (os do período inicial de 1969/71, e os do período seguinte, de 1970/72).
De resto, nem sequer interessa saber quem é especificamente o autor da carta (que está devidamente identificado perante os editores). A carta é pungente, e recorda-nos, mais uma vez, o drama dos nossos camaradas guineenses que combateram o PAIGC sob a bandeira portuguesa (e muitos verteram por nós o seu sangue...). Abandonados por nós, ostracizados pelo seu Governo, vão desaparecendo rapidamente, vítimas da perseguição, da doença, da miséria, da discriminação, do abandono, do esquecimento... Recordá-los, recordar os seus nomes, publicar as poucas fotos que temos deles, é o mínimo dos mínimos que podemos fazer no nosso blogue!...
De um total de 100 homens que eu conheci, em Contuboel e em Bambadinca, restará apenas um punhado de sobreviventes... O camarada que escreve esta missiva (e que eu conheci de muito perto) contabiliza, com ele, onze nomes, de camaradas sobrevivos !... É possível que haja mais uns tantos espalhados pela zona leste...
O nosso camarada diz que já não se lembra dos seus números mecanográficos!!!... Eu preencho, por ele, esse desculpável lapso de memória... Vou tentar completar a sua lista, acrescentando mais alguns detalhes: nº mecanográfico, grupo de combate, secção, posto, função, e etnia, de acordo com os elementos de que disponho (e que se reportam à data de Fevereiro de 1970, em que escrevi a história da CCAÇ 12, companhia independente que será extinta em Agosto de 1974).
Sori Modjo Baldé(hoje residente em Taibatá, Sector de Bambadinca, Região de Bafatá): muito provavelmente Sori Baldé, 4º Gr Comb (Comandante: Alf Mil CAv José António G. Rodrigues), 3ª Secção (Sem comandante atribuído, lugar muitas vezes preenchido pelo Fur Mil At Armas Pesadas Inf Luis Manuel da Graça Henriques), Sold At Inf, Fula, nº mecanográfico 82110069.
Suleimane Baldé (hoje residente em Taibatá...): 4º Gr Comb, 3ª Secção, Sold pont LGFog 8,9, Fula, nº mecanográfico 82110269.
Djambaló Baldé (hoje residente em Amedalai, Sector de Bambadinca, Região de Bafatá): Desconhecido, deve ter entrado para a CCAÇ 12 em data posterior a Fevereiro de 1970);
Tcherno Baldé (hoje residente em Taibatá...): 4º Gr Comb, 1ª Secção (Comandada pelo Fur Mil At Inf Joaquim A. M Fernandes), Sold, Ap Metr Lig HK 21, nº mecanográfico 82115269, fula; há um outro, com o mesmo nome, Sold At Inf, nº 82109669, fula, que pertencia ao 3º Gr Comb (Comandante: Alf Mil At Inmf Abel Maria Rodrigues), 3ª Secção (Comandante: Fur Mil At Inf José Luís Vieria de Sousa);
Mamadú Sori Baldé (residente em Demba-Taco, Sector de Bambadinca, Região de Bafatá): havia dois Mamadú Baldé na CCAÇ 12... Não sei se este não será o Sold Arvorado Mamadu Baldé, nº 821165569, futa-fula,do 2ºGr Vomb (comandante: Alf Mil At Inf ntónio Manuel Carlão), 2ª Secção (Comandante: Fur Mil At Inf Op Esp, Humberto Simões Reis); outro era o Sold nº 821190069, fula, do 4º Gr Comb, 2ª secção (Comandante: Fur Mil At Inf António Fernando R. Marques);
Bobo Soncó [?] (hoje residente em Taibatá): Desconhecido, deve ter entrado para a CCAÇ 12 em data posterior a Fevereiro de 1970; pelo apelido, parece-me ser de etnia mandinga;
Totala Baldé (hoje residente em Amedalai...): 3º Gr Comb, 1ª secção (Sem comandante atribuído, lugar algumas vezes preenchido pelo Fur Mil At Armas Pesadas Inf Luis Manuel da Graça Henriques), Sold Arv, nº 82108769, fula;
Califo Baldé (1º) (hoje residente em Cabofra (?) /Cossé, sector de Galomaro, Região de Bafatá) e Califo Baldé (2º) (hoje residente em Galomaro...): havia de facto dois, com esse nome, ambos do 4º Gr Comd e da 3ª Secção, e ambos de etnia fula, um com o nº 82117769 e outro com o nº 82118469;
Demba Djau (hoje residente em Bambadinca...): havia três, todos eles de etnia fula: o Sold At Inf nº 82105869, do 1º Gr Comb (Comandante: Alf Mil At Inf Op Esp Francisco Magalhães Moreira), 1ª Secção (Sem comandante atribuído); e o Sold Ap Dilagrama, nº 82117469, do 2º Gr Comb, 3ª Secção (Comandante: Fur Mil At Inf António Eugénio S. Levezinho); e ainda o Sold nº 821815169, fula, 3º Gr Comb, 3ª Secção. (LG)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > O Umaru Baldé, soldado da CCAÇ 12 (1969/71)... Depois da independência, veio para Portugal. Morreu há uns anos, de doença... Vários antigos camaradas, tugas, ajudaram-no a sobreviver... Dizem-me que trabalhou na construção civil...
Para mim, que o cheguei a comandar, várias vezes, em operações, era uma criança na guerra... Não teria mais do que 16 anos quando fez a recruta e a especialidade (em Contuboel, 1º semestre de 1969)... Um belo efebo, com o seu inseparável cachimbo... Dizia-se que era filho do régulo de Badora... Era um bravo combatente e um temível apontador de Mort 60. Fula, pertencia ao 4º Gr Comb, 2ª Secção (comandada pelo nosso querido camarigo António Fernando R. Marques).
[Algures, Guiné-Bissau,omite-se o nome da tabanca, por razões de segurança] 28 de Novembro de 2010
Meus queridos companheiros de armas!
Nós, os africanos que combatíamos ao lado do Exército Português, [… ] certamente cinco anos que sofremos pela luta armada.
Terminada a guerra, fomos forçados [ por lapso, no original, forjados] a viver, até [a]os dias de hoje, 37 anos de angústia!
Não valemos no Governo Guineense, porque não há emprego para os traidores da Pátria, segundo o que os governantes dizem. Também não fomos reconhecidos pelo Governo Português!
Nos 35 anos desde o fim da guerra até [aos] dias de hoje, estamos entre [a] espada e a parede. Muitos morreram por causa destas condições desumanas! E a maioria morreu [, morreram, no original].
Eis: Os soldados africanos [da CCAÇ 12] que ainda [estão ] com vida, mas não me lembro dos seus números mecanográficos. Eu próprio, que escrevi esta carta, chamo-me [,Nome,nº mecanográfico, que se omite por razões de segurança]
Os que [vão] acima mencionados, são os que tenho [a] certeza das suas existências, estão ainda [com] vida. Como atrás mencionei [, mencionados, no original], muitos já morreram e a maioria já morreram etc., etc. etc.
[PS - ] Furriel Reis do armamento, não me esqueças. Saiba que aqui há bastante crise, e a crise aqui é permanente! Obrigado.
[ Revisão / fixação de texto / digitalização / introdução: L.G.] ____________________ Nota do editor: