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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2510: Estórias do Juvenal Amado (2): O boato: nós, o Sardeira e a Maria Turra (J. Amado, CCS/BCAÇ 3873, Galomaro, 1972/74)

Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor,
CCS/BCAÇ 3872
(Galomaro, 1972/74)


1. O boato, uma estória de Juvenal Amado (*)

O bom do Sardeira (1) tinha por missão ir às Duas Fontes (2), local a 6 km do quartel, com o Unimog, mais conhecido por burro do mato, encher o autotanque de água.

E assim durante muito tempo, logo de manhã, com uma Secção de homens armados, lá ia picada fora aproveitando para dar boleia às bajudas (3) que, nisto de andar de carro, estavam sempre prontas.
Iam... e depois vinham.

O meu amigo Sardeira usava uns óculos que mais pareciam o fundo de duas garrafas, tal era a grossura das lentes. Mais tarde, no nosso primeiro almoço de confraternização, passados vinte anos, em Seia, reparei que ele não trazia os famosos óculos. Quando lhe perguntei por eles, com ar maroto respondeu-me que os tinha deitado fora, mal tinha saído do Niassa em Lisboa. Verdade ou não, deixa de ser sempre tema de conversa e brincadeira, entre nós quando nos juntamos.

Guiné > Zona Leste > Sector L5 > Galomaro > Quartel


Mas voltando atrás no tempo, o camarada ia encher o autotanque, duas vezes de manhã e duas vezes de tarde. Assim foram passando os meses e como foram passando, ele foi abrandando o cuidado e, de vez em quando, pegava na viatura e lá ia ele direito às Duas Fontes, sem escolta.

Escusado será dizer que, em situação de guerra de guerrilha, esta atitude era uma tonteira e era assunto de conversa entre nós. Até que ele passou a ir mais vezes sem escolta do que com ela.

Nós, meio a sério meio a brincar, dizíamos:
- Qualquer dia ainda te lixas - e ele respondia a gozar que éramos medricas e que não havia perigo nenhum.

O tempo foi passando. Um dia lá vinha ele a chegar do seu passeio, o Caramba gritou-lhe que ele estava a forçar a sorte. Ele riu-se e disse que não havia azar, ao que o Caramba retorquiu:
- Ah, pois, vai ter com o Narciso das transmissões que ele diz-te o que a Maria Turra (**) disse sobre apanhar o condutor da água de Galomaro à mão!

O Sardeira mudou de cor e num riso um bocado amarelo, ainda disse:
- Estás a gozar!

O Caramba disse muito sério, na sua forma falar de alentejano dos quatro costados:
- Não se está vendo? Andas brincando com a sorte.

Nós entretanto fartámo-nos de rir, mas a mentira passou a ser uma verdade e nenhum de nós se desmanchou.

A estória correu o quartel e à boa maneira de quem conta um conto, acrescenta um ponto, a peta alastrou.

O que foi certo é que o camarada passou a querer mais segurança e nunca mais lá foi buscar o precioso líquido, sozinho.

Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor
CCS/BCAÇ 3872

_______

Notas do autor:

(1) O primeiro encontro entre nós, passado vinte anos, deve-se em grande parte ao trabalho desenvolvido pelo Sardeira que, a par com o Alfredo Chapinhas, fizeram um trabalho notável para que o almoço se realizasse. Ele veio de propósito encontrar-se comigo em Alcobaça, para que eu fornecesse os números de telefone dos camaradas que ainda estavam em contacto comigo.

(2) Duas Fontes: local onde abastecíamos de água perto de Bangacia. Era um local que inspirava confiança, mas não podemos esquecer que essa mesma confiança custou a vida a seis camaradas do Batalhão antigo, que ali foram emboscados.

Bangacia foi também destruída por um ataque durante a nossa comissão. Nós reconstruímos a povoação com ordenamento tipo Baixa Pombalina, com escola, posto médico e o PAIGC nunca mais atacou. Deve ter considerado que era uma coisa boa a manter para quando a paz chegasse. E tinham toda a razão.

(3) Bajudas: nome dado as moças solteiras da Guiné.

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Notas de CV:

(*) Vd. post de Juvenal Amado de 11 de Janeiro de 2008> Guiné 63/74 - P2430: História de vida (9): Um dia negro, na estrada Galomaro - Saltinho (Juvenal Amado, CCS/BCAÇ 3872)

(**) Maria Turra: A famosa locutura da Rádio Libertação, do PAIGC... Vd. poste de 1 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2235: Maria Turra, a locutora do PAIGC, que faz(ia) parte do vosso imaginário, era(é) a Amélia Araújo (Diana Andringa)

(...) "A Maria Turra era (é, porque está viva, em Cabo Verde) Amélia Araújo, natural de Angola, casada com o cabo-verdiano José Araújo, esse já falecido. No filme [As Duas Faces da Guerra]ouvimos a voz dela, em nova, a anunciar a emissão da Rádio Libertação e filmámo-la este ano, a ler, em estúdio, uma mensagem de Amílcar Cabral aos soldados portugueses" (...).

(...) Os Araújo (...) estavam em Portugal em 1961 e fizeram parte do grupo que, nesse ano, fugiu de Portugal, com o apoio de oganizações protestantes, do qual muitos se foram juntar aos movimentos de libertação dos respectivos países (...).

A Maria Turra era seguramente a locutora mais popular... entre os militares portugueses... Vd. poste de 27 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2223: A nossa Tabanca Grande e as Duas Faces da Guerra (12): A minha luta diária com a Maria Turra, no HM241 (Carlos Américo Cardoso)

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2242: Tabanca Grande (39): Francisco Palma, ex-condutor auto, ferido em combate, CCAV 2748 / BCAV 2922, Canquelifá (1970/72)

Guiné > Zona Leste > Canquelifá > CCAV 2748 (1970/72) > O Francisco Palma, residente em São João do Estoril, ex-condutor auto, hoje DFA, com mais de 30% de deficiência, em consequência de uma mina A/C, accionada em Abril de 1972.


Foto: Francisco Palma (2007). Direitos reservados


1. Mensagem do Francisco Palma que formaliza a sua entrada para a nossa Tabanca Grande:

Estimado Luis Graça,

No seguimento do meu e-mail de 24 de Outubro de 2007, desculpa a demora na resposta e a confusão sobre o Emir da CCAÇ 1623 (1), palavra de facto incorrecta (por vezes escrito como Amir, do árabe, comandante; é um título de nobreza historicamente usado nas nações islâmicas do Médio Oriente e Norte de África). A palavra apropriada será Brazão da CCAÇ 1623.

Aproveito para informar que a mensagem atingiu o alvo e tenho estado em contacto com o Custóias, operador de bazuca, ex-combatente da CCAÇ 187_(?), Canquelifá 1965/66, que terá sido o obreiro da construção do brazão da sua Companhia. O brazão foi posteriormente aproveitado pelos que vieram a seguir, a CCAÇ 1623 (Canquelifá, 1966/68), tendo sido alterados os dados...

Notícias da minha malta... Bem, como deves calcular, houve muita porrada, foram 22 meses de Canquelifá com todas as noites de sono incompletas (reforços e ataques). Sofremos 15 ataques nocturnos directos mais dois com foguetões 122, chamados mísseis, 4 de cada vez ... Estes eram respondidos com Obus 14. O alvo era o aquartelmento, mas as flagelações foram sem consequências graves, com raros feridos, tanto para as nossas tropas com para a os indígenas do aldeamento, que conviviam connosco dentro do arame farpado.

Há a registar ainda o rebentamento de uma mina anticarro, onde eu fui o único ferido. Sofri fracturas múltiplas em ambos os pés, quando conduzia um Unimog 411 (Burro do Mato) que transportava mais 11 Camaradas. Faltavam só 3 semanas para o regresso. Hoje sou DFA com 30,58 % de deficiência. Com a idade as sequelas agravam-se, mas estou vivo.

Apesar de todos estes combates tivemos 3 baixas nos primeiros 3 meses de missão: o Alf Guido Brazão, já aqui mencionado no blogue (2), o Soldado Amaral, ambos mortos em Canquelifá, e ainda o Soldado Gonçalves (morto em Dunane).

Enfim é sempre dificil explicar aqui acontecimentos que guardo vivos (demasiado vivos) no meu Hard Disc já com 59 primaveras.

Critíco vivamente a série A Guerra apresentada pela RTP e realizada pelo Joaquim Furtado, sobretudo pela maneira como é contada... Parece-me muito banal, as realidades dos milicianos, oficiais, sargentos e praças eram mais cruéis.

Junto anexo foto de então, em camuflado.

Um abraço
F. Palma


2. Comentário dos editores:
Francisco, estás em casa... A nossa Tabanca Grande fica mais composta contigo e com os demais camaradas da tua companhia, que queiras trazer, como o Firmino Moreira. Ficamos a saber, por ti, que ele "é o carola que compilou todas as moradas dos camaradas da CCAV 2748, e que iniciou os convívios a nível do BCAV 2922, nos primeiros 5 anos; depois a nível de companhia comecei a ser eu, embora com a ajuda dele, que não tem PC". As tuas melhoras. Vai dando notícias. E, se não te importares, conta-nos como foi esse encontro - que podia ter sido trágico - do teu burrinho com a famigerada mina anticarro, em Abril de 1970.

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Notas dos editores:


(2) Sobre o Guido Brazão, vd. posts de:


terça-feira, 27 de setembro de 2005

Guiné 63/74 - P194: Dos Unimog 404 e 411 ao Alf Mil Correia, do Pel Cac Nat 54 (Humberto Reis)


© Manuel Ferreira (2005)

Guiné > Região Leste > Xime > 1972: O Manuel Ferreira, soldado condutor auto, dos "Fantasmas do Xime" (CART 3494), ali aquartelados (1972/73).

A viatura é um famoso "burrinho" (Unimog 404).

Texto do Humberto Reis (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71):

1. No álbum de fotografias referentes ao Xime aparece o Manuel Ferreira, condutor auto, empoleirado no capô de um Unimog 404, chamado "burrinho".

"Se bem me lembro", o 404 era o Unimog grande a gasolina e o Unimog pequeno, era o 411, movido a gasóleo, e chamado "burrinho do mato". Esta alcunha derivava do facto de ter uma suspensão mais dura que o 404 e naquelas auto estradas (IP's, IC', etc.) saltar tanto que parecia dar coices como um burro.

Como terminam os pareceres dos advogados, "é esta a nossa opinião se outra melhor não houver".

2. Também já está esclarecido que o Mário Armas de Sousa era do Pel Caç Nat 54 e não de uma companhia de Porto Gole.

Não me lembro dele mas recordo perfeitamente o [Alf. Mil.] Correia, magro e seco como um pau. Estou a olhar para ele há 35 anos, não me lembro do dia mas até era possível saber, em que regressámos de uma operação na zona do Xime, julgo que foi aquela em que tivemos os 5 mortos na mesma emboscada, e o Correia encostado ao arame farpado, quase com as lágrimas nos olhos, à nossa espera (1).

O 54 deve ter ficado a reforçar o aquartelamento do Xime (foi a sorte deles nesse dia) enquanto alguns dos pelotões desta companhia foram com a nossa CCAÇ 12 nessa operação.

Memórias já passadas que nos ajudam a viver os dias de hoje.

Um abraço
Humberto
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Nota de L.G.

(1) Vd. post de 25 de Abril de 2004 > Guiné 69/71 - VII: Memórias do inferno do Xime (Novembro de 1970). Nome de código da Operação: Op Abencerragem Candente (25-26 de Novembro de 1970). Envolveu cerca de 250 homens: (i) a CCAÇ 12 (sedeada em Bambadinca, ao serviço do BART 2917), a 3 Gr Comb; (ii) a CART 2715 (aquartelada no Xime), também a 3 Gr Comb; e a (iii) a CART 2714 (aquartelada em Mansambo), a 2 Gr Comb. O Pel Caç Nat 54 deve ter ficado em reforço ao Xime. Baixas das NT: 6 mortos e 7 feridos.