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quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17661: Notas de leitura (986): "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo: exorcizar velhos e novos fantasmas - Parte II (Luís Graça)

1. Continuação da "nota de leitura" do livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo (Leiria, Textiverso, 2017, 181 pp.; prefácio de António Graça de Abreu). (*)


O prefaciador da obra, o nosso camarada e escritor António Graça de Abreu, é o primeiro a destacar a qualidade da escrita de Luís Branquinho Crespo: “rica, acutilante, descomplexada, mas intensamente trabalhada” (p. 10). E isso é notório logo no cap. 1, o das despedidas e da partida para a Guiné: “agitou as mãos brancas em adeuses de saudades” (p. 14); “guarda ainda daquele dia o cheiro da roupa do pai, (…) padeiro, mantinha e exalava o cheiro macio da farinha à mistura com o sabor da côdea da broa de milho quente, quando acaba de sair do forno do pão” (p. 17); (…) “ficou-lhe colado, naquele instante, o cheiro a maçã molhada que exalava do rosto da mãe” (p. 19).

De resto, os cheiros, as cores, os sabores e as imagens do passado são uma presença constante ao longo do livro: (…) vinha-lhe à lembrança a humidade do clima e a frescura do cheiro de sabonete life-buoy após o banho inundando o ar e provocando sensações de limpeza e asseio numa atmosfera abafada de calor e de humidade” (p. 23); (…) “ocorria-lhe comer uma galinha de chabéu logo que chegasse” (p. 29); (…) “e naquele andar constante passam pelo Carlos de bunda tremida enquanto as mamas tremem como gelatina” (p. 43); (…) “alguém conseguirá descrever o cheiro da bolanha ?” (p. 52); (…) “é pegajoso aos sentidos e à memória, como a lama do tarrafo” (p. 53); (…) “foi escolhido jantar: sopa de peitos de rola. E depois, papaia bem regada com limão” (p. 86); (…) as papaias (…) estão gordas, grandes, redondas (…): são amojos de cabra prenha de leite” (p. 89); (…) “chega-se a Bafatá (…). Agora as casas são desabitações” (p. 91); (…) “a gente tem a alma aberta como ostra comida”(p.101)…

Enfim, são alguns exemplos, soltos, deste “pilão” onde o autor mistura, tortura e liberta memórias e

afetos, tornando apropriado o título do livro, "Guiné, um rio de memórias".

O livro vale também pelas memórias das gentes e dos lugares: Bissau, Saltinho, Guileje, Capé, Bafatá, Bambadinca, Xitole, Cussilinta, Buba, Mampatá, Varela, eQuinhamel,  no regresso a casa o deserto ou a sua borda marítima… “O deserto é fascinante: é um deslumbramento de silêncio” (p.162). Delicioso é o texto sobre a paragem em Marraquexe (cap. 20: Desmedidamente…. pp. 165-170), a cidade vermelha de mil encantos: (…) “o Joaquim [leia-se: António Camilo] era a décima quinta vez que ali estava” (p. 166)… “Dizia o Joaquim: não se percam . Tinha razão” (p. 167). (…) “o Joaquim perdeu-se do Carlos e o Xavier perdeu-se dos outros dois. Só muito tarde se encontraram. Vinham inebriados. Desmedidamente perdidos”… (pp. 168/169).

Quem volta à Guiné, como o Carlos, o Joaquim, o Xavier, o Matias…, e regressa a casa, nunca regressa completamente. O Carlos, tal como o Joaquim, passa a sofrer da síndrome da partida… e “ costuma dizer que tem mais dores aquele nunca regressa completamente” (p. 175).

Chegado ao fim desta “nota de leitura”, aqui ficam entretanto algumas chamadas de atenção para pequenos erros ou gralhas de toponímia, a corrigir em próxima edição.

- Varela e não Ponta Varela (pp. 119 e ss.) (Varela fica na região do Cacheu, ponta Varela fica na região de Bafatá, na margem esquerda do Rio Geba, a jusante, a seguir ao Xime, antes da foz do Rio Corubal):

- Pigiguiti e não Pitjiguiti (pp. 34-35) (quando muito Pidjiguiti ou… Pindjiguiti, como escrevem hoje os guineenses);

- 5ª Rep e não Rep 5 (p. 41) (o famoso café Bento, junto à Amura, em Bissau);

- Mato Cão (e não Matu Cão, quando muito Matu Kon, em crioulo) (p. 52);

- Ponte dos Fulas (em caixa alta) e não ponte dos fulas (p. 30) (destacamento avançado do Xitole, junto ao rio Pulom);

- A estrela do internacionalismo proletário (e não operário) que encima o nosso “antigo monumento à raça”, na antiga praça do Império, em Bissau (p.33);

- Rio Jagarajá e não rio Jagaraje (p. 79)...

E já agora, porquê "irâns" e não irãs, como usamos no blogue ? Julgamos que fica melhor grafado em português.

Por fim, ao sugestão: a criação de um glossário, a inserir no fim do livro, de preferência. As notas de rodapé, embora úteis (e imprescindíveis, sobretudo para o leitor não familiarizado com a cultura guineense), cortam o ritmo da leitura, distraem o leitor…E são mais de 8 dezenas. Algumas são dispensáveis: eu, por exemplo, evitaria todas as referências às “raças da Guiné”… Na realidade, o fula não é uma raça, mas um grupo étnico-linguístico… De resto, não há "raças humanas"...Ou melhor: há só uma...

Em contrapartida, há notas de rodapé que são deliciosas como a do “toca-toca” (p. 36(: “Carrinhas tipo furgão que servem de transporte particular entre as localidades. Na chapa lateral existem janelas muitas vezes feitas a cortes de tesoura de ferro. Servem para transportar pessoas e animais, e bem assim, produtos da terra como mancarra ou coconote. Avisa-se o condutor que vai entrar mais um passageiro, batendo na chapa. Por isso se chama Toca-Toca”. (**)

Em resumo, eis um livro que eu sugiro para leitura, neste verão, na praia ou no campo, a todos aqueles de nós que querem partir mantenhas com os nossos amigos e irmãos da Guiné, exorcizar os fantasmas da guerra, ou simplesmente matar saudades dessa terra verde e rubra, ainda cheia de sortilégios e mistérios, de dores e esperanças... LG

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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 7 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17654: Notas de leitura (984): "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo: exorcizar velhos e novos fantasmas - Parte I (Luís Graça)


(**) Último poste da série > 7  de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17655: Notas de leitura (985): “Portugal e o Império Africano - Séculos XIX e XX”, coordenação de Valentim Alexandre, Edições Colibri, 2013 (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Guiné 61/74 - P17654: Notas de leitura (984): "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo: exorcizar velhos e novos fantasmas - Parte I (Luís Graça)



Capa do livro do Luís Branquinho Crespo, "Guiné: um rio de memórias". Leiria, Textiverso, 2017, 181 pp. (Prefácio de António Graça de Abreu). [Preço, com envio através do correio: € 15,80 já com portes, podendo esse valor ser transferido para o seguinte IBAN 0010 0000 1888 8110 0015 3.]



1. Esta é a viagem que muitos daqueles de nós, que estivemos na Guiné, entre 1961 e 1974, gostaríamos de ter feito (ou ainda fazer) no tempo útil das nossas vidas… E este é o livro que gostaríamos de ter escrito (ou ainda escrever), no regresso a casa…

”Turismo de saudade ?”… Não, não gosto do termo. Prefiro antes, talvez, expressões como “fazer o ajuste de contas com o passado”, “exorcizar os fantasmas da guerra colonial na Guiné”, “recompor o puzzle esburacado da memória”…

Quarenta anos depois de regressar a casa, são e salvo, mas provavelmente com a morte na alma, como muitos de nós, o advogado leiriense Luís Branquinho Crespo, ex-alf mil, cmdt do Pel Caç Nat 54 (Xitole e Saltinho, 1968/70), voltou aos lugares onde deixou a sua juventude. Foi lá que completou os seus 25 anos, em 22 de dezembro de 1969.

Como muitos outros ex-combatentes que seguiram as mesmas peugadas, voltando à Guiné (uma, duas, três e até, nalguns casos, em missões humanitárias ou não), o autor partiu de avião e voltou por terra, de jipe, com mais dois ex-camaradas, em março de 2010. Atravessou sete países: Guiné-Bissau, Senegal, Mauritânia, Sará Ocidental, Marrocos, Espanha e Portugal. 

Convenhamos que foi uma aventura com alguns riscos calculados… Sete anos depois deu à estampa este livro de 181 páginas, e 21 capítulos. Não é um romance, não é um diário, não é uma crónica de viagem, não é uma biografia, não é um ensaio, não é um documento memorialístico, não é um longo poema, não é um solilóquio… É tudo isto um pouco, é algo mais, é uma mistura de géneros. É também uma ponte lusófona entre dois povos cujos destinos a história aproximou e afastou…

O jurista não matou o poeta da juventude (“Cidade sem fim”, Leiria, 1963). Como também o ex-combatente não impediu o viajante de redescobrir os cheiros e os sabores da “primeira vez“, nem o homem de sentir empatia e compaixão pelos guineenses de ontem e de hoje e de tentar compreender, mais do que explicar, os erros, os bloqueios, os paradoxos e as perplexidades do presente que estão a hipotecar o futuro da Guiné-Bissau.

Não sei qual foi o “making of” deste livro. Mas imagino: o autor deve ter feito o seu “diário de bordo”, além do “registo fotográfico” desta viagem de regresso à Guiné que em grande parte compartilhou com mais dois ex-combatentes, a par de pesquisas no nosso blogue e exploração de outras fontes.

Luís Branquinho Crespo coloca-se decididamente na pele de “viajante” e não de “turista”. Citando Paulo Bowles, uma viagem “é sempre uma experiência íntima” (p. 27). E, como alguém disse, e eu gosto de repetir, um turista é uma espécie de “estúpido em férias”: não vai à descoberta, vai para onde lhe mandam, com tempo e hora marcada...

Para se sentir mais confortável na elaboração da narrativa dessa experiência única (que é voltar à terra onde se viveu e combateu durante quase dois anos, a milhares de quilómetros de casa), ele coloca-se na pele de uma personagem, o Carlos Viegas, hoje contabilista, e que vivia em São Martinho do Porto, Alcobaça, à data da sua mobilização para a Guiné. É, obviamente, o “alter ego” de Luís Branquinho Crespo. De jipe, a que ele chama “toca-toca”, vai percorrer grande parte da Guiné, de Bissau ao Saltinho, com incursões pelo leste (Xime, Bambadinca, Bafatá, Xitole), pelo sul (Contabane, Mampatá, Quebo, Guileje, Cacine) e pelo norte (Varela).

O mesmo “toca-toca” levá-lo-á de regresso a casa, com mais dois companheiros de aventura: o Joaquim (que é o “retrato físico e psicológico” do nosso conhecido António Camilo, comerciante em Lagoa, a quem a revista "Visão" chamou o "o bom gigantye") e o Xavier (de quem se sabe pouco: é enfermeiro em Montemor-O-Novo)… Três almas inquietas, divididas entre o passado e o presente, exorcizando velhos e novos fantasmas..

Esta trilogia, com mais alguns personagens secundários mas fortes (a Fá de Varela, o Braima Bá, o Matias, a Maria, o António Pouca Sorte, o Aníbal do Pelicano, o Dauda, o Tchuto Axon, o Pepito de Iemberém…), podia ser a base da arquitetura de um poderoso romance, se o autor quisesse (e pudesse) enveredar pela ficção… Se o pano de fundo da história fossem os náufragos do império e da luta de libertação…

Mas, não, o autor quis apenas fixar para a posteridade estas suas “memórias da Guiné, alegres e doridas”, como ele deixou expresso na dedicatória autografada no livro que me ofereceu.

Mas, não, o autor quis apenas fixar para a posteridade estas suas “memórias da Guiné, alegres e doridas”, como ele deixou expresso na dedicatória autografada no exemplar do  livro que me ofereceu.(*)

Tinha feito uma primeira leitura em diagonal do livro, quando me chegou à mão, pelo correio, amável oferta do autor. Só há dias o li, na praia, de uma só penada, numa tarde.

2. Na realidade, é uma narrativa que nos toca e nos agarra, àqueles de nós que conheceram a Guiné, a de antes e/ou a depois da independência. O meu destaque vai para dois ou três capítulos fortes: cap 7. António Pouca Sorte; cap 13. ‘A gente tem a alma aberta como ostra comida’; cap 19. Janela do tamanho de porta de partida… É tudo horizonte… E, depois do horizonte, horizonte há…

O António Pouca Sorte, “mais preto que branco”, nascido na serra do Caldeirão em 1965, é uma história de vida pungente, de um homem, fugido à justiça portuguesa, que acabou por se perder pelos matos, bolanhas e rias da Guiné, um tangomau ou lançado dos tempos modernos, sem identidade nem memória (cap. 7).

O dramático relato do Braima Bá é o de um homem que, tendo servido o exército colonial, desde 1964 até ao fim da guerra (, onde acaba integrado no batalhão de comandos africanos), e que vai conhecer “o corredor da morte” do Cumeré, a fuga, o exílio, o opróbio, e que no final da vida ainda tem “a alma abertu suma ostra ora ku i kumedo” (p. 116) (cap. 13).

Por fim, no regresso a casa (cap. 19), Carlos, Joaquim e Xavier visitam a ilha de Goré, em frente a Dacar, capital do Senegal, e obrigatoriamente a casa dos escravos: “por ali passaram 12,5 milhões de homens na direcção das Américas por uma porta estreita que só para o mar” (p. 151)… “Ao Carlos, ao Joauqim e ao Xavier a palavra tornou-se muda e tolda-se-lhes a vista e as pernas tremiam-lhes: quem ali não se lembra de Auschwitz, Birkenau, Bremem, Essen, Treblinka”… (p. 151 “Os negreiros árabes ali os descarregavam” (p. 152)…”Ali está uma parte da miséria da humanidade” (p. 153)…

[A ilha de Gorée está classificada pela UNESCO como património mundial da humanidade´e foi recentemente visitada, incluindo a Casa dos Escravos, pelo nosso Presidente da República em visita oficial ao Senegal].

(Continua) (**)
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2 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17425: Notas de leitura (963): “Guiné, Um rio de memórias”, por Luís Branquinho Crespo, Textiverso, Unipessoal, Lda, 2017 (Mário Beja Santos)

21 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17383: Notas de leitura (959): Prefácio de António Graça Abreu, ao livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo, lançado em Leiria no passado dia 6 com a presença do Presidente da Câmara Municipal local, Raul Castro, também ele ex-combatente

18 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17370: Tabanca Grande (437): Luís Branquinho Crespo, ex-alf mil, CART 2413 (Xitole e Saltinho, 1968/70)... Passa a sentar-se à sombra do nosso polião, no lugar nº 744. É advogado em Leiria e autor do livro "Guiné: Um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017)

(**) Último poste da série > 4 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17648: Notas de leitura (983): Um belo conto de Abdulai Sila, “O Reencontro” (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Guiné 61/74 - P17607: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (45): Instruções para indicação de pontos na carta de 1/50.000 (Nuno Rubim, cor art ref, historiador militar)


Guiné > Carta do Xime (escala 1/50 mil) (1961)... Com os 9 quadrantes numerados, de acordo com o esquema B... Clicar aqui para ver em formato grande.

Esquema  A

Esquema B 





1. Mensagem de Nuno Rubim, com data de hoje, às 3h42, em complemento do pedido no poste anterior (*)

Caro Luis

Talvez isto ajude.
Material recolhido no A.H.M. [Arquivo Histórico Militar]

A minha única dúvida reporta-se a qual dos dois esquema, A ou B, era o utilizado.
Abraço

Nuno Rubim

2. Comentário do editor LG:

Nuno:
Obrigado, fez-se luz!.. As tuas instruções são preciosas... Posso confirmar, pela minha experiência operacional (CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71), relatórios de operações e leitura das cartas, nomeadamente do setor L1, que o esquema que se aplica é o B: de cima para baixo e da esquerda para a direita: 3/2/1 | 6/5/4 | 9/8/7....
Aqui vão algumas localizações:

Vd. carta do Xime (1 /50 mil)

(i) proximidades da ponte do Rio Jago (estrada Mansambo-Xitole): Xime 8A 5-36;
(ii) acampamento IN em Baio/Buruntoni: Xime 2D-81;
(iii) duas tabancas civis sob controlo IN entre a Foz do Rio Corubal e Ponta do Inglês: Xime 3A 2-46 e Xime 3A 4-11.

Mas também experimentei com outras cartas, em regiões onde fizemos operações: por exemplo, Namboncó, a norte do Rio Geba:

(iv) acampamento IN na região de Belel, oito moranças com colmo e 7 de adobe: MAMBONCO  7I4-97;
(v) fuga do IN na direção de MAMBOCÓ 8G6-32.

Também encontrei a referenciação mais detalhada, acima referida, com graus e minutos, por exemplo, no relatório da Op Lança Afiada, comandada pelo cor inf Hélio Felgas (iniciada em 8 de março de 1969, com a duração de 11 dias, envolvendo mais de 1300 militares e carregadores, que bateram toda a margem direita do Rio Corubal, ao tempo do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70)... Por exemplo, algumas localizações de posições IN (ao longo da margem direita do Rio Corubal, que corresponde à carta do XIME):

(vi) Gã Garnes (Ponta do Inglês) (subsetor do Xime): 1500 1150 B5-5; 
(vii) Fiofioli (subsetor do Xime): 1500 1145 E4 ou D5;
(viii) Galo Corubal (subsetor do Xitole): 1455 1145 B5 ou D5.

Salvaguarda-se alguma eventual gralha datilográfica...

Espero ter ajudado. Um alfabravo. Luís

PS - O Nuno Rubim tem uma documentação, em suporte digital e em papel, absolutamente fabulosa sobre o TO da Guiné, onde fez duas comissões, no princípio e no fim da guerra (no QG)... Na primeira comissão comandou duas das unidades que passaram por Guileje: a CCAÇ 726 (out 1964/jul 1966) e a CCAÇ 1424 (jan 1966/dez 1966)...

O Nuno Rubim, hoje cor art ref, é um dos membros mais antigos do nosso blogue. Chegou até nós, no último trimestre de 2005, pela mão do nosso querido coeditor Virgínio Briote. Estiveram ambos nos comandos, na Guiné, em 1966, sendo na altura comandante da CCmds da Guiné o Nuno Rubim.

É um dos nossos camaradas que mais sabe da história militar da guerra colonial na Guiné (1963/74) e é um reputado especialista em história da artilharia portuguesa.  Terá mais de 90 GB de informação sobre o CTIG em geral e a região de Tombali, em particular. É um profundo conhecedor do Arquivo Histórico Militar.

Deus, Alá e os bons irãs te protejam, Nuno!
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domingo, 18 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17482: (De) Caras (77): Fausto Teixeira, deportado político em 1925, empresário em Bafatá, de quem o 2º tenente Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador Sarmento Rodrigues dizia, em 1947, ser um "incansável pioneiro da exploração de madeiras da Guiné"... Mais três contributos para o conhecimento desta figura singular (José Manuel Cancela / Jorge Cabral / Armando Tavares da Silva)


Guiné > Bissau > s/d [.c 1969] > À esquerda, o José Manuel Cancela. O terceiro é o António Teixeira, filho do Fausto Teixeira, que irá depois, em 1971, como furriel miliciano para Angola. "É curioso. O António Teixeira nunca me falou de um sobrinho nascido em Bafatá. Falava-me de um irmão mais velho que vivia em Palmela, tal como ele e o pai, o sr. Fausto".

Foto (e legenda): © José Manuel Cancela (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Bafatá > Fá > Serração mecânica de Fausto Teixeira > 7 de fevereiro de 1947 > Visita do Secretário de Estado das Colónias, eng. Rui Sá Carneiro, e comitiva, no regresso a Bissau, vindo de Bafatá.

Segundo a "nossa leitura", do lado esquerdo, teríamos o eng. Rui Sá Carneiro, o prefeito apostólico José Ribeiro de Magalhães e o governador Sarmento Rodrigues; em segundo plano, rodeado dos seus empregados, parece ser o dono da empresa, observando (e possivelmente dando explicações sobre) o corte de um grande toro de madeira (à direita). O administrador da circunscrição de Bafatá, Carlos Costa, também terá integrado a visita, tal como o 2º ten Teixeira da Mota, ajudante de campo do governador. Não sabemos quem é o autor desta fotos e das restantes que acompanham o extenso e altamente detalhado relatório da "visita ministerial", que é assinado por Teixeira da Mota. Não temos até agora nenhuma foto do empresário Fausto [da Silva] Teixeira,

Fonte: Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, vol II - Número Especial, [Comemorativo do V Centenário da Descoberta da Guiné], 1947, p. 370 . [O número completo está disponível "on line" aqui]

[Imagem digitalizada a partir de cópia pessoal pertencente ao prof Armando Tavares da Silva,  historiador, membro da nossa Tabanca Grande]


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Grupo de combate do Alf Mil Torcato Mendonça (que hoje vive no Fundão e é um dos nossos colaboradores permanentes), antes de a CART 2339 ser colocada em Mansambo, cujo aquartelamento iria construir de raíz. O arriar da bandeira ... 

Tirando as patrulhas ao mato Cão, para montar segurança aos barcos civis que atravessavam o Geba Estreito (Xime-Bambadinca-Bafata), Fá Mandinga era uma "verdadeira colónia de férias", beneficiando de "instalações ótimas"... Já aqui se escreveu, erradamente, que tinha sido uma "antiga estação agronómica por onde passara, nos anos 50, o engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA - Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa"... o que parece ser falso. O engº agrónomo Amílcar Cabral trabalhou e viveu, isso, sim, em Pessubé, perto de Bissau, com a sua esposa e colega portuguesa, Maria Helena Rodrigues.  

Segundo o Torcato Mendonça, as "instalações civis" estavam, na altura, à guarda de um civil, mandinga, o Marinho, que deveria ser pago pela administração [circunscrição de Bafatá ?] (Veja-se a deliciosa história do bode que foi roubado ao Marinho, quando o grupo de combate do alf mil Torcato Mendonça recebeu ordem para deixar Fá...].

Foto: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mais 3 contributos para o conhecimento desta história singular, a de um deportado político que se torna um importante empresário na época colonial, exportador de madeiras tropicais:


(i) José Manuel Cancela, natural de (e residente em) Penafiel (ex-sold ap metr pesada, CCAÇ 2382, Buba, Aldeia Formosa e Mampatá, 1968/70):

Amigo Luís.
Vou tentar responder às tuas perguntas, a partir do que ainda lembro.
O meu conterrâneo, que também se chamava Teixeira, sem ter traços familiares com o patrão [, o madeireiro Fausto Teixeira],  veio embora após o 25 de Abril. Estava muito revoltado por ter perdido o emprego, e culpava o exército por não ter acabado com a guerra. Enfim!!!

Infelizmente não me pode ajudar no que toca a este tema. Faleceu ainda nos anos oitenta, não tinha cinquenta anos.

Recordo-me que, nos princípios de 71, estava ele de férias, perguntei-lhe pelo António. Disse-me que passou por Bissau, com destino a Angola, como furriel miliciano. Junto uma das minhas fotos, onde estamos juntos, em Bissau, eu e o António.


(ii) Jorge Cabral, ex-alf mil art, Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71] [o segundo, na segunda fila, na foto à esquerda]

Obrigado Luís!
Fá estava dividido, em duas partes, a de cima e a de baixo. Esta foto parece-me ser na parte de baixo.

Como te disse ao telefone, existia um guarda civil, o Marinho do qual tanto eu como o Torcato Mendonça [ex-alf mil, CART 2239, Fá e Mansambo, 1968/69], já falámos. Terá sido contratado, por via do fim da serração? 

Penso que a tropa só lá se instalou, em Fá,  a partir de 1965. Foi sede de Batalhão e de muitas Companhias. Em Julho de 1969 e pela primeira vez, foi entregue a um Pelotão, o meu. 

Era na parte de cima que se encontravam as melhores instalações. Uma casa óptima com vários quartos e duas vivendas, além de mais dois edifícios. Teria tido água canalizada e com certeza um potente gerador, que ocuparia uma casa própria, que o meu soldado Dairo aproveitou para a sua residência. 

Entre Julho de 1969 e Fevereiro de 1970, data da chegada da 1.ª Companhia de Comandos Africanos, as mulheres e os filhos dos meus soldados viveram no Quartel. Não ocupámos nem a parte de baixo, nem a "casa grande" e as duas vivendas. 

Quem pagaria o ordenado do Marinho, que até fazia rondas nocturnas, munido apenas de uma lanterna e que uma vez foi alvejado pelo meu soldado Mamadú que, estando de sentinela, ao ver uma luz,  disparou ?... 

Abraço,   J. Cabral.


(iii) Armando Tavares da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Porto: Caminhos Romanos, 2016, 972 pp.).  

Luís,
O Fausto Teixeira faria parte de um grupo de 26 membros da Legião Vermelha que, a bordo do cruzador Carvalho Araújo,  foram deportados para a Guiné, onde chegaram em Junho de 1925.

A Legião Vermelha era um grupo anarcossindicalista que varreu o país com uma onda de atentados bombistas contra figuras de destaque no campo do comércio, indústria, etc.,  supostamente conservadoras. A 15 de Maio de 1925 atentam contra a vida do comandante da polícia, coronel João Maria Ferreira do Amaral, que fica ferido. É na sequência deste atentado que um grupo destes anarquistas é deportado para a Guiné [entre eles, Gabriel Pedro, pai de Edmundo Pedro]. Era presidente do ministério Victorino Máximo de Carvalho Guimarães.

Foi o mesmo grupo que, em 1937, atenta contra a vida de Salazar.


Gabriel Pedro, pai de Edmundo Pedro, com outros deportados para a Guiné, em 1925, alegados membros da misteriosa "Legião Vermelha". Neste grupo, é provável que conste o Fausto Teixeira. O Gabriel Pedro é o terceiro da segunda fila, a contar da direita.

[Fonte do fotograma:  You Tube > A Legião Vermelha - Portugal 1920/1925]




Excerto do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, nº especial, dezembro de 1947, pp. 368-370, a partir de cópia pessoal do nosso amigo Armando Tavares da Silva
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Nota do editor:

Vd. poste de 16 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17477: (De) Caras (83): Ainda o madeireiro Fausto da Silva Teixeira, com residência familiar em Palmela, amigo do "tarrafalista" Edmundo Pedro... Apesar da "amizade" com Amílcar Cabral e Luís Cabral, teve um barco, carregado de madeiras, atacado e incendiado no Geba, a caminho de Bissau...

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Guiné 61/74 - P17425: Notas de leitura (963): “Guiné, Um rio de memórias”, por Luís Branquinho Crespo, Textiverso, Unipessoal, Lda, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Maio de 2017:

Queridos amigos,
Luís Branquinho Crespo tinha fundadas razões para regressar ao Xitole e ao Saltinho. Não é uma viagem solitária, vem em grupo, concede a este um papel subalterno, a romagem pertence-lhe, encontrar-se-á com gente abandonada, um guineense que combateu do lado português e um português que anda por ali aos tombos, não muito conformado mas resignado à, procura de raízes.
Acima de tudo, o que comove da leitura de um texto despretensioso é a entrega da intimidade, onde os pontos mais altos da chamada literatura dos regressos.

Um abraço do
Mário


Tem mais dores aquele que nunca regressa completamente

Beja Santos

Meu prezado Luís Branquinho Crespo,
Agradeço-lhe do coração o envio que me fez do seu livro que li com natural emoção. Nesse ano de 2010, ambos visitámos a Guiné, o Luís ansiava chegar ao Xitole e ao Saltinho, o meu “chão” era o Cuor e também Xime-Bambadinca, foi neste território que vivi 25 meses a fio; seguramente que nos cruzámos, já que vivemos por ali entre 1968 e 1970, Bambadinca era o nosso posto de abastecimento e quando fui viver para Bambadinca, em Novembro de 1969, pelo menos comandei três colunas ao Xitole, certo e seguro cruzámos as nossas vidas. De tal modo, que em 2010 percorri Bambadinca a Xitole, lendo o que escreveu tudo se reavivou na minha memória. Independentemente do prazer que tive em ler o seu livro, que tomei por um despretensioso bloco de notas de impressões de viagem a um retorno tão desejado, não tenho palavras para lhe agradecer o encontro de memórias que me proporcionou. Vamos agora especificamente ao seu livro “Guiné, Um rio de memórias”, que o nosso blogue tão justamente tem referido(1). Primeiro, fez bem, muito bem mesmo, em arquitetar Braima Bá e António Pouca Sorte, náufragos numa guerra e num país novo, que teve uma alvorada promissora e hoje depende de doadores e de um terrível noticiário que mete drogas e governos que não pode governar. As suas memórias inscrevem-se naquilo que Margarida Calafate Ribeiro crismou de literatura de regressos, e tem razão, o que ali aconteceu foi um dos marcos miliários que fez do menino um homem, e todas aquelas experiências foram decisivas, calejaram antigos combatentes em pessoas preparadas para destrinçar com mais rapidez entre o essencial e o acessório.

Segundo, gosto muito da sua viagem com seres humanos que não ter responsabilidade no seu regresso, fez bem, igualmente, em desenhá-los como turistas ou acompanhantes das alegrias e dores do regresso. E usou da simplicidade recordando a Bissau do seu tempo e a Bissau de 2010. Assim chegamos ao encontro com Braima Bá, ele tem muito para contar, fez muitos anos de guerra, fugiu ao terror das matanças da tropa africana que acreditou em Portugal, a despeito de um ódio velho Braima irá mostrar que está do lado da nação guineense, no conflito político-militar de 1998-1999. O quadro da guerra de guerrilhas e o que se passou depois da independência está resumido, parte-se para o Saltinho, anseia-se pelo Corubal.

Terceiro, tece-se no seu rio de memórias uma ida a Guileje e o encontro com António Pouca Sorte, alguém que tentou triunfar nos negócios em Portugal e na Guiné e que vive agora num rio de esquecimento, é imagem de tanta peregrinação de alguém que já não sabe qual a certeza do lugar em que vive. Quem viaja consigo percorre outros lugares, como Bambadinca, mas é o Xitole e o Saltinho os pontos fulcrais da sua literatura de regressos, aí serão retomadas as dores da guerra, a que chama labaredas lembranças, a invocação dos mortos, como se mobilava a solidão naqueles lugares ermos. A contrastar as emoções, o ver como esse mundo se desmoronou, casas em ruínas, ruínas do quartel do Xitole e ali mesmo a decomposição da autoridade do tempo presente, como anotou: A casa dos sargentos era, agora, o posto de polícia do Xitole, onde vivia um que fazia de polícia e tinha acabado de se levantar.

Fazia de conta que era a autoridade. De manhã e à tarde apresentava os olhos cheios de remela e continuava sem fato apropriado, nem boné, nem relógio que lhe comandasse o início de qualquer serviço. Com a irregularidade de se apresentar ao serviço não tinha nem podia ter alguma autoridade. Vestia calções, tufados, velhos e sujos e calçava sapatilhas desbotas na cor e muito usadas”.

Haverá mais observações sobre estados de ruína. E viaja-se até ao Saltinho, pressente-se que o coração anda alvoratado, são lembranças fortes.

Quarto, finda a romagem, há que fazer conceções ou turismo, viagens a Bafatá e a Buba, mas ainda um regresso ao Saltinho, volta-se a falar de Braima Bá e dos fuzilamentos dos Comandos, das operações que ambos viveram, cabe a Braima Bá o relato do fim da guerra e o desabafo de que não houvera reconciliação entre guineenses, continuam zangados, guardam velhos ajustes de contas, de prepotências e traições. Em dado momento, o bloco de notas faz-se uma enorme reflexão sobre o passado e o presente da Guiné, um belo texto.

Quinto, agora começa a viagem de regresso por terra, ao longo do Senegal, da Mauritânia, atravessasse o território Sarauí, mais à frente Marraquexe, depois de outras paragens chega-se a Portugal, os turistas irradiam para os respetivos poisos. E no termo da viagem o narrador despede-se de si e dos outros escrevendo: “Costuma dizer que tem mais dores aquele que nunca regressa completamente”. Às vezes questiono quais as grandes categorias de motivações para se fazerem estas viagens: ajuda humanitária para um povo amável, a quem apraz a nossa presença e o nosso cuidado; o regresso aos locais onde se cresceu e onde se deixaram fidelidades; o sentido da visitação para encontrar ambientes que para muitos foi uma autêntica descoberta de um continente, com aqueles cursos infindáveis de água, um tempo radicalmente divido em duas estações, os assombros dos tornados, das trombas de água, dos solos lunares… E junta-se o pretexto para encontrar gente que combateu ao nosso lado. Seja qual for a motivação dominante, racha o coração aproximarem-se de nós a pedir pensões, a pedir empregos em Portugal, para trazermos os filhos, para aqui estudarem ou serem futebolistas, estenderem a mão a pedir uma magra ajuda, porque se passa fome. Se somos fracos, se já nos informaram o que nos espera, negamos o propósito do regresso; se ali combatemos verdadeiramente ao lado de quem em nós confiou de pedra e cal, é inevitável o regresso, há quem confie que é uma honra merecida ali chegarmos com um beijo, um afago, o peso etéreo de um abraço que vale milhões de palavras. Também por isso se honra o passado comum lavrando estas memórias.
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Notas do editor

(1) - Vd. poste de 21 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17383: Notas de leitura (959): Prefácio de António Graça Abreu, ao livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo, lançado em Leiria no passado dia 6 com a presena do presidente da Câmara Municipal local, Raul Castro, também ele ex-combatente

Último poste da série de 29 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17406: Notas de leitura (962): “Arcanjos e Bons Demónios, Crónicas da Guerra de África 1961-75”, por Daniel Gouveia, 4.ª edição, DG Edições, 2011 (3) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17370: Tabanca Grande (437): Luís Branquinho Crespo, ex-alf mil, CART 2413 (Xitole e Saltinho, 1968/70)... Passa a sentar-se à sombra do nosso polião, no lugar nº 744. É advogado em Leiria e autor do livro "Guiné: Um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017)


1. O Luís Branquinho Crespo é o novo membro da nossa Tabanca Grande. Passa a sentar-se, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 744. 

Formalizamos deste modo a sua entrada nesta comunidade virtual de camaradas e amigos da Guiné (*). Tínhamos prometido apresentá-lo no dia 11 do corrente. Ele, por sua vez, ficou de nos enviar duas coisas: (i) as duas fotos da praxe, uma atual e outra do tempo da tropa; e (ii) o texto da apresentção do seu livro, que esteve a cargo do nosso camarada António Graça de Abreu.

O nosso grã-tabanqueiro é do tempo do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), esteve no sector L1, na zona leste, no Xitole e Saltinho, como alferes miliciano, na CART 2413.

Sobre esta subunidade temos poucas (13) referências no nosso blogue... Os elementos a seguir discriminados foram-nos fornecidos pelo nosso colaborador permanente José Martins. Muito sumariamente diremos então que a CART 2413:

(i) foi mobilizada Eegimento de Artilharia Pesada nº 2, instalado na Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia;

(ii) foi inicialmente comandada pelo cap art Raul Alberto Laranjeira Henriques, sendo substituido,
pelo cap inf José Medina Ramos;

(iii) tinha como divisa “Nova Onda”;

(iv) embarcou para a Guiné em 11 de agosto de 1968, chegando a Bissau no dia 16 desse mês;

(v)  fez em  Fá Mandinga, a IAO (Intrução de Aperfeiçoamento Operacional), ainda ao tempo do BART 1904;
(vi) participou em m operações nas zonas de Nova Lamego e Cabuca;

(vii) a 12 de setembro de 1968 desloca-se para o sector Xitole, para sobreposição com a CART 1646, tendo assumido a responsabilidade desse subector em 18 de setembro;

(viii)  desloca um pelotão para o Saltinho, ao mesmo tempo que fica integrada no dispositivo de manobra do BCAÇ 2852;

(ix) em 25 de eevereiro de 1969,  com a criação do subsector do Saltinho, foi o pelotão, da CART 2413, substituido pela CCAÇ 2406;

(x) durante alguns períodos e por tempo variável, deslocou pelotões para guarnecer os destacamentos de Quirafo, Sinchã Maunde Buco, Cambassé, Sinchã Madiú e Tangali;

(xi) nos finais de abril de 1969, passou a deslocar um pelotão para a ponte do rio Pulon, também conhecida como como Ponte do Fulas (não sabemos a razão da designação);

(xii) ter,minada a comissão, foi rendida pela CART 2716, em 7 de junho de 1970, tendo recolhido a Bissau, de onde embarca para a metrópole em 18 de junho.

Portanto, a  CART 2413 estava adida ao BCAÇ 2852. Sabemos que foi rendida pela CART 2716 / BART 2917 (1970/72), a que pertenceu, entre outros, o nosso David Guimarães. Mais tarde, hão de passar pelo Xitole os nossos camaradas Francisco Silva, Joaquim Mexia Alves, entre outros, da CART 3492... E ainda temos o José Zeferino, alf mil da 2ª CCAÇ / BCAÇ 4616 (Xitole, 1973/74), que fechou a guerra, com 2 mortos, 15 de maio de 1974, se não erro...
De qualquer modo, os "periquitos" da CCAÇ 12 [ou CCAÇ 2590] cruzaram-se com os "velhinhos" da CART 2413...Fizemos colunas loucas, no 2º semestre de 1969 para levar a "bianda" aos camaradas de Mansambo, Xitole, Saltinho... E operações no mato... Foram anos loucos, os de 1969 e 1970. Estou-me a lembrar da Op Bodião em fevereiro de 1970. Não sei se o Luís Branquinho Crespo participou nessa operação ou se, nessa altura, estava destacado.


2. Sobre  Luís Branquinho Crespo podemos repetir aqui o que já dissemos sobre ele e que vem, de resto, na sua página no Facebook;  

(i) nasceu em Leiria, na freguesia das Cortes; (ii) andou na Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobo (Leiria); (iii) estudou em Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, tendo completado o curso em Lisboa; (iv) pelo meio, fez a triopa e a guerra colonial na Guiné, com o poste de alf mil, (v) vive em Coimbra e é advogado em Leiria.

É, além disso, autor do livro "Guiné: um rio de memórias" (Leiria, Textiverso, 2017), lançado recentemente (**).

Talvez os camaradas, mais velhos,  do tempo do BCAÇ 2852, tal como o Jaime Machado, o Torcato Mendonça ou o Beja Santos... se lembrem do Luís Branquinho Crespo...Se não erro, será o primeiro camarada da CART 2413 a integrar a nossa Tabanca Grande. 

Sobre o Xitole temos 196 referências, menos do que sobre Mansambo (332), Xime (367) ou Bambadinca (574) mas mais do que sobre o Saltinho (108).

O Luís é, naturalmente, bem, vindo à nossa Tabanca Grande.  E fazemos votos para o seu livro seja um sucesso, Aguardemos mais notícias suas e, naturalmente, também histórias do seu/nosso tempo.

sexta-feira, 5 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17320: Agenda cultural (557): Lançamento do livro "Guiné: um rio de memórias", de Luís Branquinho Crespo. Sábado, 6 de maio, às 15h30, em Leiria, no Celeiro da Casa do Terreiro. Apresentação do nosso camarada António Graça de Abreu. O autor fez parte do Grupo dos Amigos da Capela de Guileje.



O convite chega-nos pela mão atenta e solícita do nosso camarada e colaborador permanente José Martins, que tem uma relação especial com Leiria, terra dos seus antepassados. A Textiverso é uma editora com sede em Leiria. O Luís Brnaquinho Crespo deve ter sido alfeeres miliciano num companhia que estve no Xitole / Saltinho, entre 1968 e 1970, é portanto contemporâneo de alguns de nós (BCAÇ 2852, CCAÇ 12...).


Sinopse do livro

Assombrados por lembranças passadas, três homens, entre vários, regressam ao ponto de partida de há muitos anos.

Num percurso atravessado por bolanhas e tarrafos da terra verde de floresta e do chão vermelho e amarelo da Guiné-Bissau, confronta-se esse rio de lembranças e de memórias mais recentes com os registos da solidão e de abandono como os sofridos por Braima Bá e pelo António Pouca Sorte. A que não é alheia uma descolonização pouco exemplar.

É este derramamento doloroso de memórias que percorre o livro e as elas são tão permanentes que nem o regresso pelo deserto afasta aqueles homens daquelas vidas que ficaram para sempre desacompanhadas.

O livro “Guiné - Um Rio de Memórias” é, também, além do mais, uma viagem íntima por um país de inacreditabilidades


Luís Branquinho Crespo - Nota biográfica 
(i) nasceu em 22 de dezembro de 1944 na localidade de Portelas da Reixida, freguesia de Cortes, concelho de Leiria:

(ii) fez os seus estudos no antigo Colégio Correia Mateus e, em seguida, no antigo Liceu de Leiria;

(iii) ingressou depois na Faculdade de Direito de Coimbra, interrompendo o curso por ter sido mobilizado para a guerra colonial na Guiné-Bissau;

(iv) de regresso, ainda frequentou a Faculdade de Direito de Lisboa, mas acabaria por se licenciar na Faculdade de Direito de Coimbra;

(v) exerce a profissão de Advogado em Leiria desde meados dos anos 70 do século XX;

(vi) publicou em Leiria, em 1963, o livro de poemas “Cidade Sem Fim” (70 p., colec. Almagre, n.º 2, capa de Augusto Mota);

(vii) em 1966, ainda em Leiria, foi co-autor da antologia “Almagre 3”, com Levi Condinho, Jaime Fernandes, António Maria de Sousa e Alberto Costa;

(viii) urante o seu percurso liceal, ganhou um 1.º Prémio de Poesia, e, durante mais de um ano, foi o editor da página cultural “Madrugada”,  no jornal “A Voz do Domingo”, também de Leiria;

(ix) tem colaboração dispersa por vários periódicos.

Fonte: Cortesia de Tinta Fresca - Jornal de Arte, Cultura e Cidadania


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 2010 > "A Nossa Senhora de Fátima de Guileje"... A última doação à Capela de Guileje, uma imagem de N. Sra. de Fátima, trazida de Portugal por António Camilo e Luís Branquinho Crespo. Recordamos aqui uma mensagem do nosso saudoso amigo Pepito (1947-2014),  com data de 16/3/2010: 

"Luís: Mais uma importante contribuição dos nossos amigos da Capela de Guiledje, o António Camilo e o Dr. Luis Branquinho Crespo (na foto), que fizeram questão de se deslocarem a Guiledje para doarem a imagem da Nossa Senhora de Fátima à Capela. Este gesto tão bonito, foi acompanhado pelos votos de que esta oferta ajude a Guiné-Bissau a encontrar rapidamente os caminhos da Paz. Abraço. Pepito."

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné Todos os direitos reservados.
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terça-feira, 21 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17166: In memoriam (280): Manuel Fernandes Oliveira, ex-sold aux coz, CART 2716 / BART 2917 (Xitole, 1970/72): o funeral é amanhã,. 22 de março, 16h30,. em Serzedelo, Vila Nova de Famalicão



1. Mensagem de Benjamim Durães, ex-fur mil op esp, CCS/ BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), com data de hoje, às 17h24: 

Boas Tardes,

Acabo de receber a triste notícia de mais um nosso camarada, o Manuel Fernandes Oliveira, ex-Soldado Auxiliar de  Cozinheiro, que faleceu ontem,  dia 20 de março, e  vai ser sepultado amanhã,  dia 22, em Serzedelo, Vila Nova de Famalicão. O Oliveira era de 1948.
Paz à sua alma.
Um abraço de pesar para a família e para os ex-camaradas da CART 2716, Xitole, 1970/72, que pertenciam ao meu batalhão, o BART 2917.

Benjamim Durães
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Nota do editor:

terça-feira, 12 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P15969: (Ex)citações (308): No poste de apresentação do Rui Batista era dito que o alferes Rosa Santos “fora subtraído” à CAÇ 3489, coisa que sempre desconheci (Mário Migueis)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Migueis da Silva (ex-Fur Mil Rec Inf, Bissau, Bambadinca e Saltinho, 1970/72), com data de 28 de Março de 2016:

Caro amigo:
Ainda no dia do teu aniversário, renovo os meus votos de muita saúde e felicidade, quanta queiras.

Como já tive oportunidade de transmitir-te tempos atrás, um problema, não especialmente grave, mas muito aborrecido, relacionado com a vista, tem-me mantido à distância, que é como quem diz tem-me vindo a remeter para um plano demasiado passivo para o meu gosto, no que ao blogue se refere. Com efeito, aconselha quem sabe que, até ver, deva reduzir a um uso tão limitado quanto possível coisas interessantes como computadores, livros, televisões, enfim, coisas de somenos – por isso é que, quando tomei conhecimento da morte do nosso amigo Batista, já este estava enterrado.

Mas, a propósito da “segunda” morte do nosso querido “morto-vivo”, que continuo a recordar com carinho e um sorriso brincalhão nos lábios, por me lembrar das palhaçadas com que o provoquei no “Milho-Rei”, pus-me a ler o poste P15907 (Rui Batista), e fui surpreendido pela fotografia do BCAÇ 3872, em Bissau, com o alferes Rosa Santos em primeiro plano. E isto porque, durante alguns meses, pude privar com este no Saltinho, onde comandou o Pelotão de Nativos 53, tendo recebido o respectivo testemunho das mãos do alferes Paulo Santiago. Como nos comentários ao poste de apresentação do Rui Batista em 2009 (a que, então, não tive acesso), era dito que o alferes em presença “fora subtraído” à CAÇ 3489 / Cancolim, coisa que sempre desconheci, fiquei até na dúvida sobre se o Rosa Santos da foto era o mesmo que eu viria a conhecer no Saltinho. Por isso, hoje mesmo, dirigi um e-mail ao Paulo Santiago, a pedir confirmação (ainda não tenho resposta) e, posteriormente, contactei telefonicamente o Carlos Raimundo, da 3490/Saltinho, que logo confirmou que, sim senhor, o alferes Rosa Santos, que substituíra o Paulo Santiago, passara pela CCAÇ 3489/Cancolim.

Porque tive um excelente relacionamento com ele – era uma pessoa de educação esmerada e muito jovial, sempre com um sorriso de boa disposição (é vê-lo, numa das fotos, a ensaiar um passo de dança, ao som de um disco dos anos 60), sempre pronto para uma brincadeira, para uma conversa bem humorada –, ocorreu-me, há minutos, procurar naquela velha mala de que te falei – lembras-te? – alguma fotografia em que ele estivesse presente. Encontrei duas – vá lá! –, tiradas aquando de uma deslocação da tropa do Saltinho ao Xitole, para uma operação de elevado melindre: recolha do correio da malta, proveniente, via aérea, de Bissau. Mas, com alguma perplexidade, constato que o Rosa Santos está com farda n.º 2, sendo de admitir que, em trânsito para Bissau ou outro lado qualquer, tivesse aproveitado a nossa boleia.

Bissau > 26/12/1971 > Apresentação do Batalhão BCAÇ 3872 ao Com-Chefe, Gen Spínola. Em primeiro plano o Alf Mil Rosa Santos, já falecido há uns anos.

Foto (e legenda): © Rui Baptista (2009) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

Obviamente, fiquei triste ao tomar conhecimento de que também ele já faleceu, anos atrás. Era, se bem me recordo, mais velho que eu dois ou três anos, devendo-se isso ao facto de só ter sido chamado a cumprir o serviço militar após a conclusão do curso de Física e Química. Após o meu regresso da Guiné, não voltei a vê-lo, e do pouco que me recordo, para além das nossas conversas animadas, é que era natural da Figueira da Foz, e pertencia a uma família de empresários de transportes (Marianos?!) muito conhecida. Era uma excelente pessoa – razão tinha o Rui Batista para lamentar a sua partida precoce do pelotão “Os Vingadores”.

E, por falar em excelentes pessoas, e se me permites, meu caro amigo Carlos Vinhal, que tanto considero, aproveito para referir que o camarada que, numa das fotos, canta ao desafio comigo – está de costas, com lenço claro e cartucheiras à cintura – é o Henrique Custódio (furriel enfermeiro da CCAÇ 3490/Saltinho), de quem era muitíssimo amigo. Homem de raro talento, em especial no campo literário, proporcionou-me momentos inesquecíveis de franca camaradagem, na alegria, como na dor. Após uma despedida, em que a poesia, que muito nos dizia, falou mais alto, nunca mais nos encontrámos. Mas sei que continua a escrever as “Décadas de Abril” e a ser um dos redactores do “Avante”, órgão central do PCP.

Xitole / 1972 – À esquerda, em farda n.º 2, e de mãozinha direita na barriga, o alferes Rosa Santos; ao centro, o barbudo da “kalash” é o Migueis, tendo à sua esquerda o Custódio Henrique (furriel enfermeiro da CCAÇ 3490-Saltinho); à porta da messe, visivelmente à vontade e bem disposto, um alferes da Companhia do Xitole.

Xitole / 1972. À esquerda, em farda n.º 2, atento ao despique, o alferes Rosa Santos; ao centro, de costas, lencinho de seda e cartucheiras, o Henrique Custódio, cantando à desgarrada com o barbudo, que é o seu amigo Migueis.

Fotos (e legendas): © Mário Migueis / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

E, quanto à kalashnikov, é verdade que costumava andar com uma, mas era só para ”fazer ronco”, pois claro.

Um grande abraço para todos,
Mário Migueis
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de abril de 2016 Guiné 63/74 - P15935: (Ex)citações (307): A descolonização da Guiné-Bissau tinha tudo para correr mal (Jorge Sales Golias)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15665: Notas de leitura (800): "Catarse", da autoria do Pe. Abel Gonçalves (Major-Capelão do BCAÇ 1911 e do BCAV 1905), edição de autor, 2007 (1) (Mário Beja Santos)

1. Reprodução da mensagem que o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou ao autor do livro Catarse em 22 de Janeiro de 2016:

Meu prezado Reverendo Abel Gonçalves,

Agradeço-lhe muito o envio do seu livro, que muito apreciei. As duas recensões serão publicadas no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Peço-lhe o favor de ver no seu computador esta referência, é bem possível que possa rever todos os locais por onde andou.

Em 2010, voltei à Capela de Bambadinca que está felizmente recuperada pelas missionárias que ali trabalham.

Porquê publicar as nossas recordações em blogue? No meu caso, trata-se de uma colaboração que vem de longa data e não tem fim, procuro repertoriar tudo aquilo que tem a ver com a Guiné, nomeadamente os testemunhos de quem ali combateu a partir de 1963.

O seu testemunho é singularíssimo, não conheço outro capelão que tenha bisado a comissão, o que acresce a importância do seu testemunho. Seria muito tocante que se inscrevesse no nosso blogue, estou certo e seguro que tem muitas histórias para contar e rever as imagens preciosas ali contidas também podem ser um refrigério para a sua alma.

Receba o agradecimento profundo e a elevada consideração do
Mário Beja Santos


Catarse, pelo Major-Capelão Abel Gonçalves (1)

Beja Santos

É a primeira vez que oiço falar num capelão que fez duas comissões na Guiné. Tem hoje 85 anos, é major, e vive na Ordem da Trindade, no Porto. Em 2007, em edição de autor, publicou Catarse (palavra que nos remete para o procedimento terapêutico pelo qual uma pessoa se cura revivendo acontecimento traumáticos). Telefonei-lhe, pedi-lhe o livro, prontamente acedeu e convidou-me a passar pela Rua da Trindade, para conversarmos. Lembro-me dele na capela de Bambadinca, num domingo em que vim muito cedo de Missirá, as fotos que ele publica no livro coincidem com a lembrança que me ficou.

Como escreve, estava pacatamente a ajudar nas confissões quaresmais, na paróquia de Oliveira do Douro, quando apareceram dois agentes da GNR que entregaram uma guia de marcha para se apresentar com urgência no RI 15, em Tomar.

Acha-se com o ordenado de alferes, habituado a paróquias pobres, começa a sonhar com uma máquina fotográfica. Em Abril de 1967, incorporado no BCAÇ 1911  [Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69], embarca no Uíge, em Bissau é despejado numa barcaça, dias depois, após uns treinos de desembarque no Ilhéu do Rei, ficam sediados em Brá. A experiência foi gratificante:


“Tive oportunidade de batizar um pequeno grupo de nativos que os militares catequistas do Batalhão de Engenharia tinham devidamente preparado".

Seguem para Teixeira Pinto numa LDM, fica a viver numa casa da missão católica e celebra numa pequena igreja. Aproveita a evacuação de um ferido grave e vai até ao Jolmete. O então alferes capelão Abel Gonçalves gosta do pícaro, e não esconde certos embaraços por que passou. O caso do banho, nuzinho diante de todos, ele que estava marcado pelo seminário, onde não podiam tirar as calças, senão debaixo da roupa da cama. Um dos alferes comete a brejeirice, diz-lhe:
“Sabes o que estavam os soldados a dizer? Que viram os limões ao capelão!”.
Não ficou sem resposta:
“É para que fiquem a saber que os capelães também têm dessa fruta!”.

[foto à esquerda, major-capelão ref Abel Gonçalves]

Fala da solidão, da falta de correio, da sensaboria da comida, apercebeu-se rapidamente da dureza da guerra. Regressa a Teixeira Pinto, sofrem uma emboscada, alguém a seu lado foi atingido mortalmente. Albino, o jovem cristão que guardava a casa de missionário, recebe-o com alegria quando chega a Teixeira Pinto e prepara-lhe um churrasco, ele não esqueceu a solicitude do jovem e guardou na memória a receita:
“Num tacho tinha posto rodelas de cebola, alhos, azeite, piripiri, loureiro, muito sumo de limão, de uns limões e pequeninos, casca fina como papel. Cada pedaço de carne era molhado naquele preparado e logo assado nas brasas”.

Dão-lhe instruções para sair Teixeira Pinto, vem de férias. Acaba por se comportar como qualquer militar, fica nervoso quando lhe fazem perguntas pois dirigem comentários descabidos, sente-se apático, indiferente às banalidades, tudo lhe parece insignificante com o que viu, sentiu e aguentou até à exaustão. Regressa e é destacado para um batalhão da cavalaria. Apresenta o novo território:
“É um setor muito grande, com 18 destacamentos. Trata-se de Bafatá. Na sede do batalhão não se conhecem problemas, a vida está difícil mais para a fronteira ou da povoação de Geba em diante”.

Presta igualmente assistência ao setor de Bambadinca, mas no essencial o seu território vai de Cambajú ao Xitole, de Banjara ao Xime, de Sara Bácar a Geba. Lembra-nos que a sua arma é sempre o terço, faz-se acompanhar com uma imagem do Imaculado Coração de Maria que lhe fora oferecida pelos ex-paroquianos de Ervedosa do Douro.

Cortesia do Carlos Coutinho
Gostou do ambiente de Bafatá e do primeiro comandante do BCAV 1905 [Teixeira Pinto, Bissau e Bafatá, 1967/68]. É um capelão solícito:

“Os missionários não podiam sair da cidade, e quem prestava um mínimo de assistências às pequenas comunidades católicas era o capelão. Levava o dinheiro atribuído a essas comunidades a pedido do senhor Prefeito Apostólico. O capelão girava sempre de destacamento para destacamento, com a mochila às costas e o mínimo indispensável para celebrar a Eucaristia. Um bloco de notas para apontar pedidos”.

Levava também rebuçados, velas para oferecer às mesquitas, jornais, revistas e livros para toda a malta. Descreve as duas missões de Bafatá, a masculina e a feminina e depois dá-nos conta de certas solicitações insólitas para o seu múnus. Encontrou em cima da secretária o requerimento de um soldado que pedia para ser autorizado a usar barba, tinha feito uma promessa a Nossa Senhora de Fátima. O comandante despachou para ele. Leu, meditou e escreveu:
“Indeferido, porque não se pode prometer o que é contra a legislação”.
Falou com o soldado e tranquilizou-o, ficaram amigos.

Descreve Bambadinca:

“A povoação de Bambadinca tinha uma sala de aulas/capela, polivalente, que pertencia à missão católica de Bafatá, mas os missionários não podiam lá ir. Só os capelães militares e com grande escolta. Um cortinado separava o altar do resto da sala. Ao lado, outra sala mais pequena, sempre cheia de urnas com mortos, para oportunamente serem transportados para Bissau. Era no meio das urnas que me paramentava para a celebração da Eucaristia”.

Visitou várias vezes o Xime, bem como o Xitole, lembra-se muito bem das atribulações da viagem. E vem mais uma brejeirice que ele intitula “o médico do Xitole”:

“No Xitole havia um alferes médico, o Dr. Sílvio, que era quem praticamente comandava o destacamento.
O capitão miliciano era, creio eu, um notário que não queria saber de nada.
O Dr. Sílvio é que me recebia e sempre muito bem. Mostrava-me os abrigos que mandara fazer e as valas de acesso aos mesmos.
- Capelão, que quer comer ao pequeno-almoço? - O que o senhor doutor me receitar! 
- Umas sopas de vinho fresco que tenho no frigorífico. 
- Se dão força aos cavalos e o senhor doutor receita, vamos lá a elas!
Os dois, um de cada lado de um bidão de gasolina vazio, sentados em cadeiras improvisadas com as aduelas dos pipos. E este vinho era muito cristão, pois tinha sido muitas vezes batizado pelos lugares por onde tinha passado!”.

(Continua)



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > A parada do quartel de Bambadinca, a capela (que servia também de casa mortuária...) e, à direita, a secretaria da CCAÇ 12 (1969/74).

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.


2. Nota do editor:

Do BCÇ 1911, temos pelo menos um membro da nossa Tabanca Grande, desde 11/12/2011, o Fernandino Vigário, ex-soldado condutor auto rodas, CCS/BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69).  Tem vários postes publicados sobre a história do batalhão, além de uma história deliciosa sobre um outro capelão, um jovem alferes, que ele conheceu em Bissau e a quem deu um boleia...,  e "que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário"...

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15652: Notas de leitura (799): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (2) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15472: Fotos à procura de... uma legenda (67): Xitole, 2008, extraordinária fotografia, a do João Rocha!... 40 anos depois com a antiga lavadeira, é muito mais que um abraço ou "o olá como tens passado"... (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)



Foto nº 15 > Mais um encontro emocionado: Xitole, 2008, o João Rocha (ex-alf mil, Pel Rec Inf / CCS / BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70) com a sua antiga lavadeira.


Foto do álbum de José Teixeira, um dos régulos da Tabanca de Matosinhos, ex-1.º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) (*)


1. Comentário do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; , foto à esquerda, em Contuboel, 1969] (*)


Foto Nº. 15, extraordinária fotografia!

40 anos depois com a antiga lavadeira, é muito mais que um abraço ou "o olá como tens passado". É o reencontro, se calhar já com a memória confusa. (**)

Os portugueses são assim: dão-se bem com toda a gente e criam amores em todo o lado.

Foi assim na Guiné, muitos de nós caímos de amores, efémeros, com as nossas lavadeiras.

Extraordinária fotografia, os escritores têm aqui 'material', para muita escrita romanceada.
Quanto ao racismo, que não está só na cor da pele, mas principalmente [no preconceito], eu pergunto-me quem é que nos incutiu esse preconceito?

E porque é que os índios não eram considerados escravos ou vendidos com tal? 

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Guiné 63/74 - P15297: Caderno de Memórias de A. Murta, ex-Alf Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (26): De 29 de Janeiro a 26 de Fevereiro de 1974

1. Em mensagem do dia 25 de Outubro de 2015, o nosso camarada António Murta, ex-Alf Mil Inf.ª Minas e Armadilhas da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), enviou-nos a 26.ª página do seu Caderno de Memórias.


CADERNO DE MEMÓRIAS
A. MURTA – GUINÉ, 1973-74

26 - De 29 de Janeiro a 26 de Fevereiro de 1974

Das minhas memórias: 

29 de Janeiro de 1974 – (terça-feira) - A morte do Jerónimo

Estávamos a almoçar quando nos chegou a triste mensagem: o Jerónimo sofrera um acidente em Bissau e morrera. Foi um choque para mim, porque tinha grande estima por ele e porque era soldado do meu grupo de combate. Era uma pessoa afável, sempre com um sorriso e sempre pronto para o que desse e visse. Nunca lhe ouvira uma queixa ou uma recusa, nunca protagonizou um incidente.

Não recordo o que o levou a Bissau mas tenho uma vaga ideia de que fora para obter a carta de condução. Morreu de acidente de viação. Tanto quanto recordo, foi por ter caído de uma viatura militar que transportava uma equipa que ia levar lixo para algures. Era um problema recorrente: ia-se a Bissau tratar de assuntos mais demorados e entrava-se logo numa escala de serviço qualquer.

O Jerónimo foi o único morto da nossa Companhia (a 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513). Era natural de Cruz-Atães, localidade do concelho de Guimarães, onde está sepultado.

Foto 1: Jerónimo de Freitas Martins, Soldado do 4.º GCOMB da 2.ª CCAÇ do BCAÇ 4513 
(Faleceu em 29-01-1974) 

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Fevereiro de 1974 iniciou-se com nova dança dos pelotões. Era necessário adequar as bases das tropas ao evoluir das obras da estrada Aldeia Formosa-Buba, que prosseguia a bom ritmo e cujas frentes de trabalho se encaminhavam ao encontro uma da outra.

A actividade da guerrilha deixava vestígios um pouco por todo o lado, mas apenas concretizou dois ataques às nossas tropas logo no início do mês, nos dias 2 e 6. Das minhas escassas notas desse período, ressalta uma referência ao ataque que sofreu o pessoal da CART 6250 de Mampatá. É uma nota breve de 09-02-74: “Há umas noites, pessoal de Mampatá foi atacado no mato por grupo inimigo. E Nhala aqui tão perto”. Numa nota de 24-02-1974 (domingo), refiro uma notícia que me deixou os pêlos eriçados: “De Bissau, o Comandante-Chefe pede relação de todos os elementos do Batalhão com o curso de Minas e Armadilhas. Mais um sobressalto quanto ao futuro”.


Da História da Unidade do BCAÇ 4513:

FEV74/01 – A fim de reajustar o dispositivo da protecção aos trabalhos de Engenharia na frente de BUBA, foram transferidos de BUBA para NHALA, os GR COMB da 2.ª CCAÇ/4513 e 3.ª CCAÇ/4513. (...).

FEV74/02 – (...) Pelas 17h45 o GEMIL 405, emboscado próximo do MISSIRÃ, foi flagelado por GR IN não estimado, com 40 granadas de CanhSRC 82, com base de fogos provável na região de BOLOLA. NT sem consequências. (...).

FEV74/04 – (...) Para reforçar as forças de segurança dos trabalhos de Engenharia, foi deslocado do CUMBIJÃ para NHALA 1 GR COMB da CCAV 8350. Pela mesma razão, foi deslocado de NHALA para A. FORMOSA o GR COMB da 3.ª CCAÇ/4513. (...).

FEV74/06 – Pelas 21h00 quando 1 GR COMB da CART 6250 se deslocava de MAMPATÁ para a zona dos pontões (XITOLE 4 H 1-27), para evacuar um elemento doente do GR COMB da mesma CART, em contra-penetração na referida região, foi emboscada por GR IN estimado em 30/40 elementos em região (XITOLE 4 I 0-42) com RPG, MORT 60, MORT 82 e armas ligeiras. As NT reagiram à emboscada com armas ligeiras apoiadas pelo fogo de MORT 81 cm e ART. NT sofreram 3 feridos ligeiros e o IN feridos prováveis. Em reconhecimento posterior, ao local da emboscada, foram capturadas 5 granadas de MORT 82, 8 granadas de RPG-7, 3 granadas RPG-2, várias cargas de RPG-2 e 7, 4 carregadores de Kalashnikov, 1 cantil, 2 sacholas e uma pá. O IN retirou na direcção de SAMBA SEIDI-MISSIRÁ. No local de emboscada foram detectados 26 ninhos de atiradores deitados. (...).


Histórias marginais (5): A vingança das abelhas e a máquina despeitada

Foi numa manhã esplendorosa e fresca, ainda sem pó e sem o braseiro que havia de vir, que se iniciaram, em mais uma etapa, os trabalhos da estrada na frente de Buba. Davam-me sempre imenso prazer estas primeiras horas na frente de trabalhos, onde terminava a recta longa e já desmatada e começava a mata fechada, sempre cheia de surpresas e espaços virgens. Também gostava de apreciar de perto a perícia dos operadores das máquinas brutas da Engenharia, e sentir o avanço da estrada pela mata dentro, lento e difícil mas definitivo.

Desta vez não fomos para a “pedreira” fazer a protecção do troço de estrada já a funcionar. Levava a indicação de emboscar mesmo ali, onde começava a desmatação. Instalado o grupo em redor, alguns elementos à vista, eu fiquei em campo aberto não muito longe de um dos Caterpillar que, resfolgando, derrubava árvores de grande porte em três penadas. Primeiro levantava a pá, a dois ou três metros do chão, contra a árvore a abater e, com as lagartas bem fincadas no chão, em esforço, dava várias sacudidelas violentas e a árvore vibrava até à copa, ao mesmo tempo que soltava as raízes da terra. Depois recuava para enfiar a pá no solo contra as raízes, subia-a um pouco, e fazia tombar a árvore com fragor sobre as outras. Restava empurrá-la pela raiz, ao comprido, e ela entrava na mata fechada como se fosse um palito.

Estava a uns trinta metros do Caterpillar, no momento em que o operador fazia vibrar uma árvore de grande porte quando, inesperadamente, desce sobre ele uma nuvem de abelhas que o envolvem de imediato. Ele, por certo calejado no ofício, saltou da máquina como uma mola e mergulhou no pó, embrulhando-se nele, rolando e berrando, enquanto uma parte dispersa do enxame zumbia em toda a área, à caça de corajosos em que pudesse descarregar a ira vingativa. Berrei ao meu pessoal para que todos se mantivessem quietos onde estavam. Dando o exemplo, mantive-me imóvel no mesmo sítio e assisti, impotente, ao suplício do maquinista. Nem uma me picou. Só quando me pareceu que as abelhas já se afastavam do pó e o homem se levantava a sacudir-se e a praguejar, corri para ele para ver se precisava de ajuda. Enquanto ia arrancando umas cabeças de abelha das partes mais expostas, foi-me dizendo que já estava habituado e que era sempre assim. E seria sempre assim.

Insólito foi que, quando olhou para o lado não viu a sua máquina. E eu, tanto quanto recordo, também não me apercebi que ela se tivesse ido embora. Talvez pelo despeito de ter sido abandonada pelo seu dono, ela continuou a andar e penetrou na mata profunda. Por solidariedade (e também por curiosidade), acompanhei o inconsolável operador, mata dentro, à procura da máquina mas percebendo logo que esta surpresa não fazia parte dos ossos do ofício dele. Fomos seguindo o rasto das lagartas da máquina e das árvores derrubadas, não tinha nada que saber, ela devia estar logo ali. Mas não estava e, à medida que avançávamos, íamos ficando um pouco atónitos, porque nem mesmo lá no fundo da mata a máquina se via. Ficámos um pouco sem jeito para gracejos mas, por fim, lá estava ela silenciosa e amuada, embicada numa árvore de grande porte. Como fora possível que, desde a entrada na mata, tivesse passado sempre ao lado de árvores imponentes, passando por cima das mais fracas, até onde estava? Calhou. A verdade é que parecia uma manhã tão fresca e rotineira...

Foto 2: Caterpillar: máquina escondida com chaminé de fora. Ao fundo, a base da estrada Aldeia Formosa-Buba, lado de Buba. 


Da História da Unidade do BCAÇ 4513: 

FEV74/12 – Esteve de visita a A. FORMOSA o CHERNO YUSSUF SY da REP SENEGAL, que tendo vindo visitar a família do CHERNO RACHID, veio a este Comando apresentar cumprimentos salientando que desde que se encontra em Território Nacional, estava encantado com o apoio e as deferências de que fora alvo. Referiu ainda, que o clima em que as populações vivem aqui, é muito diferente do que se diz por lá, vendo-se em todos a determinação de continuarem Portugueses. Acompanhado do Comandante, visitou MAMPATÁ, e o reordenamento de ÁFIA, assim como a frente dos trabalhos da estrada.

FEV74/13 – (...) – Com vista à substituição do GC COMB da 1.ª CCAÇ/4513, empenhados na protecção dos trabalhos de Engenharia, e para que os mesmos fossem desviados para a acção (OURIÇO) com início em 14FEV74, deslocaram-se para BUBA, 1 GR COMB da 2.ª CCAÇ/4513 e 1 GC COMB da CCAV 8351.

FEV74/15 – Acompanhado pelo Exmo. Major CARVALHO FIGUEIRA visitou este Sector o jornalista finlandês MARTTI VALKONEN.
- Os contactos com a população, as várias deslocações feitas de Jeep, sem escolta, os reordenamentos em curso e fundamentalmente as obras de construção da estrada A. FORMOSA-BUBA, foram argumentos altamente positivos a nosso favor.

FEV74/16 – (...) – Prosseguem os trabalhos de Engenharia nas duas frentes da estrada A. FORMOSA-BUBA, embora não se estejam a asfaltar por falta de asfalto. [A falta de alcatrão voltaria ainda a ser referida nos dias 20 e 28 do corrente mês. Nota minha].

FEV74/26 – Continuam os trabalhos de Engenharia na estrada A. FORMOSA-BUBA. Na frente de BUBA já atingiram a região de NHALA e na frente de A. FORMOSA, atingiram a região da antiga tabanca de UANE.


Das minhas memórias: O FORNILHO

Como refere a História da Unidade, a frente de Buba dos trabalhos da estrada nova, em 26 de Fevereiro de 1974, estava na região de Nhala. Mas a estrada passaria a, aproximadamente, 500 metros do aquartelamento e da tabanca, sendo necessário rasgar a mata para realizar um troço de ligação. Caso único em todo o percurso da estrada, desde A. Formosa a Buba.

Num dia de finais de Fevereiro, manhã cedo ainda, dormia eu descansado quando o Capitão Braga da Cruz me veio acordar com uma notícia que me deixou sobressaltado. “Oh Murta, tem que se levantar porque tem aí um trabalhinho especial. Os homens da Engenharia querem vir por aí a baixo com as máquinas e vieram perguntar se há obstáculos nossos nas imediações. Você tem aquele monstro ali fora do arame farpado, virado para a mata por onde eles vêm e, se calhar, já não vai ter tempo de o desmontar”. Por instantes não percebi a que é que ele se referia, mas ele continuou: “Como calculei que você quererá rebentar aquilo, já mandei evacuar a população daquele lado da tabanca e o nosso pessoal está todo avisado”. Era o fornilho, porra!... Não imaginei que tivesse de o accionar tão depressa. Como andam céleres os homens da Engenharia... “Vou já tratar disso, Capitão”. Acho que nem tomei o pequeno-almoço.

Mas o fornilho tinha uma história: Não fora montado naquele sítio, com uma carga brutal, ao acaso ou por mero cálculo estratégico.

Numa noite que mal começara, muito tempo atrás, a sentinela do posto de vigia da parte de trás da tabanca, (se se entender que a parte da frente era a do campo da bola e da picada para Buba), dá o alarme (com tiros?) de que vira vultos a moverem-se quase na orla da mata em frente, que, naquele ponto, era muito próxima. Alerta geral. Imaginámos um ataque ao arame e não seria de estranhar, já que o aquartelamento de Nhala era dos poucos que continuava poupado a ataques e flagelações. Recordo que estava uma noite de breu. Imagine-se a situação logo que desligou toda a iluminação. Enquanto se preparava o morteiro 81 no espaldão, aquela zona da mata foi passada a rajadas de metralhadora e batida com o morteiro 60. Depois bateu-se a zona mais afastada com o morteiro 81, mas sem grande insistência, tenho ideia, de modo a aguardar qualquer reacção. Mas tudo ficou por ali. Admitimos que fossem elementos a estudar um possível ataque, aqueles que a sentinela viu ou julgou ter visto, mas isso deixou-nos alerta daí para a frente e, no seguimento, o Capitão Braga da Cruz teve uma conversa comigo sobre o estudo de pontos ainda vulneráveis à volta da tabanca e do aquartelamento, mormente aquele em que ocorrera o anterior sobressalto, pela proximidade da orla da mata e porque, nessa zona, a mata era muito “aberta”. Podia, com facilidade, ser usada como porta para um assalto. Para aí, concretamente, o capitão sugeriu-me a instalação de fornilhos.

Só que o terreno era completamente plano e, para instalar vários fornilhos que disparassem os projécteis para a frente – excluí outras hipóteses -, exigia um empreendimento desmesurado. Optei por instalar um apenas, mas de grande potência e com uma “carga de efeito dirigido”, inspirando-me no princípio das granadas de bazuca anticarro e de certos mísseis perfurantes. A ideia era que todo o efeito da explosão e projecção de material se desse apenas para a frente já que, por trás, ficavam muito próximas alguma palhotas da tabanca. Isso exigia um bom apoio para a base do fornilho, de modo a suportar o “coice” da explosão. Como no local, mesmo defronte da zona vulnerável, havia as ruínas do que fora um bagabaga imponente – uma massa sólida de grande resistência -, idealizei instalar ali o fornilho, de maneira que a sua base ficasse soterrada em 2/3 (aproximadamente) no solo e 1/3 apoiada no bagabaga.

Para um fornilho assim grande, o primeiro invólucro que me ocorreu, e que foi adoptado, foi um bidão de 200 litros desses que abundavam por lá. Era penoso fazer um buraco para albergar um bidão inteiro. Para facilitar, depois de se cortar a tampa a maçarico, mandei cortar-lhe cerca de 20 centímetros na boca, reduzindo-lhe o comprimento. Mesmo assim, ainda foi penoso abrir o buraco no chão, tal como o meu trabalho de montagem dos materiais no seu interior, já com ele no sítio. Dada a proximidade, já referida, do fornilho às palhotas da população ali junto ao arame farpado, confesso que, até ao seu rebentamento, vivi possuído por incertezas – logo, ansiedade -, quanto à segurança dessas palhotas. Se algo não corresse como calculei, dada a carga explosiva que decidi usar, elas simplesmente voariam.

Para conseguir dispor a carga explosiva de forma a obter o efeito dirigido, precisava de algo no fundo do bidão que mantivesse os explosivos sempre com o mesmo ângulo até à frente. Para tanto, mandei fazer um cone com ripas, obedecendo a determinado ângulo. Mal-empregado... Ficou tão bem feito que parecia um chapéu de palha vietnamita.

No paiol enchi um carro-de-mão com todo o material velho disponível: granadas não rebentadas de todo o tipo e objectos metálicos inúteis que se foram acumulando. Como explosivo escolhi o TNT a granel em pequenos sacos (de 1 Kg?), por ser mais adaptável à configuração cónica e ao aproveitamento do espaço no bidão. Não recordo o total de quilos usados nem encontro os apontamentos feitos na altura, mas creio que eram mais de quinze e menos de vinte. Foi tudo montado como mostro a seguir, num croquis sem preocupações de escala. No espaço sobrante entre o material e a “boca” do bidão, ainda coloquei uma “cortina” de garrafas de cerveja. Só então se recolocou a tampa do bidão, atando-a com arames. Cobriu-se de terra a frente da tampa, mantendo-se o aspecto que tinha anteriormente o bagabaga. À cautela, no interior do explosivo, coloquei três detonadores eléctricos ligados em paralelo. Abriu-se uma vala estreita mas profunda, por onde passaram os fios eléctricos desde o bidão até a um ponto estratégico nos limites do aquartelamento onde, numa caixa a que só eu tinha acesso, cravada na parede de uma vala, ficaram os terminais desses fios. De passagem, refiro que no lado oposto do aquartelamento, tinha uma caixa semelhante para accionamento de uma série de minas de superfície Claymore, que enfileiravam ao longo do arame farpado.

Nos primeiros tempos passava pelo bagabaga a certificar-me de que tudo se mantinha oculto e inalterável mas, aos poucos, deixei de passar e quase me esqueci daquilo. Até essa manhã de Fevereiro quando fui confrontado com a necessidade de accionar o fornilho. Não havia tempo para desmontar. De qualquer modo, ainda que tivesse, eu preferia accioná-lo apesar dos riscos, para não ficar eternamente com dúvidas sobre o bom desempenho do dispositivo e, logo, do meu trabalho.

Tudo a postos, vou para vala com uma pilha eléctrica na mão. Antes de fazer a ignição, soergui-me de modo a ficar a ver de longe o bagabaga. Fosse das circunstâncias ou da sugestão, tudo em redor parecia mergulhado no vácuo, tal era o silêncio e a quietude. Esperava, confesso, uma explosão de ensurdecer, ver as árvores da mata vergadas pelo sopro, enfim..., não aconteceu nada disso. O que aconteceu foi um “buuuum” prolongado, seco e profundo, telúrico, como se tudo se tivesse passado na pirosfera. Em simultâneo o ar encheu-se de terra e pó. Deixei de ver a tabanca e a mata, tudo em redor era pó amarelo. O Capitão Braga da Cruz chegou perto de mim com uma expressão de grande preocupação e não disse nada. Aguardámos o desanuviamento atmosférico para irmos ver. Foram-se juntando outros curiosos.

No local, apenas grandes torrões circundavam a base do bagabaga, nada tendo passado para o lado da tabanca. Respirámos de alívio e fomos aos pormenores. Do que restava do bidão, o fundo, estava lá no sítio mas, das suas paredes apenas restavam tiras retorcidas, com as pontas em caracol. Na mata, tudo o que pertencera ao bidão estava reduzido a tiras longas, de igual modo retorcidas, e espalhadas com o conteúdo por uma área tão vasta que não a vimos toda. Muitas das árvores tinham cravados estilhaços das granadas e de muitos metais já não identificáveis. Vidros, não encontrámos. Podia-se concluir que fora um sucesso, e como seria eficaz em termos defensivos. Ainda bem que nunca precisámos dele. Agora havia que dar sinal aos homens da Engenharia para que avançassem em segurança e em paz...

Este foi o único fornilho que montei. O dispositivo mais pequeno que havia montado, fora uma armadilha, (trabalho de casa), como prova final do Curso de Minas e Armadilhas de Tancos: era uma caixa de fósforos que explodiria nas mãos de quem a tentasse abrir, quer para um lado, quer para o outro. O interior continha estearina a fazer de explosivo, e nela mergulhava uma lâmpada minúscula a representar o detonador e a comprovar o funcionamento, bem como uma pilha pequena (de tipo AAA?), para a alimentar. Nas paredes interiores da caixa estava o segredo dos contactos, feitos com cabeças de alfinete e tiras de ouro-mouro. Tudo bastante óbvio, agora...

Croquis do fornilho em corte. 
Legenda: Aspecto da localização do fornilho: A – Fornilho; B – Fiada do arame-farpado. 
Fornilho em corte: 1 – “Cortina” de garrafas de cerveja na boca do bidon; 2 – Material para funcionar como projéctil; 3 – Carga explosiva: TNT a granel em sacos; 4 – Cone de madeira para assentar o explosivo; 5 – Ruínas de um bagabaga.

Foto 3: Nhala, finais de Fevereiro de 1974. Eliminado o fornilho, a Engenharia rasgou este trecho da mata para a construção do troço de ligação da estrada A. Formosa-Buba (nas costas do fotógrafo) à tabanca e ao aquartelamento de Nhala, lá ao fundo.

(Continua)

Texto e fotos: © António Murta
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Nota do editor

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