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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15703: (In)citações (83): Depoimento de um antigo combatente na diáspora (José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56) (2): Reintegração na vida civil e saída para a diáspora

1. Segunda parte do Depoimento de um antigo combatente na diáspora, da autoria do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviado ao Blogue em 14 de Janeiro de 2016:


Depoimento de um antigo combatente na diáspora* 

2 - A reintegração na vida civil e a saída para a diáspora
 
Na chegada ao Faial (17 de Janeiro de 1973) não havia ninguém à minha espera. A minha família partira para os Estados Unidos da América ainda antes de eu ter ido cumprir o serviço militar. A madrinha de guerra que me acompanhara tão abnegadamente durante os dois anos de comissão, também ela emigrante, era uma doce recordação, um amor que já não era segredo. O tempo se encarregaria de nos juntar.

Sem casa, sem família ou namorada por perto e com os amigos da minha idade ainda a cumprirem o seu serviço militar ou a estudarem na universidade, sentia-me mais só que nunca. Apenas me animava a esperança que, em breve, também emigraria, indo ao encontro daqueles que me deram o ser e esperavam por mim. Não sentia a falta do serviço militar, mas sonhava com as situações passadas e lembrava com uma saudade tremenda aqueles jovens com quem vivera e que jamais esqueceria. Irmãos que o foram e jamais deixarão de o ser. Apresentei-me na Circunscrição Florestal da Horta. Pretendia voltar ao trabalho. Fora dali que partira para o serviço militar. E seria ali que iria sofrer a primeira grande desilusão como cidadão de Portugal, mas também a certeza de que o mundo era servido por gente boa. A minha posição naquela Circunscrição não tinha sido salvaguardada. O Governo que me tirara ao seio da família, agora tirava-me o trabalho, depois de eu ter cumprido com todos os meus deveres como cidadão.

Não podia ser, não acreditava. Insisti que não era correto o que me estava a acontecer. O Engenheiro Olavo Simas, Chefe da Circunscrição, e o Chefe de Secretaria, o Sr. Fernando dos A.A. Campos, dois homens de inigualável humanismo, compreenderam a situação e o meu protesto. Seria reintegrado no trabalho uns dias depois das férias regimentais.

Entretanto, recebera a 27 de Janeiro de 1973 o termo de responsabilidade, o contrato de trabalho e a carta de chamada, documentos que iriam mudar por completo o rumo da minha vida. Como tantos outros iria emigrar para os Estados Unidos da América.

Com aqueles preciosos documentos na mão dirigi-me ao escritório do agente de viagens e emigração que me aconselhou sobre o processo burocrático para obter passaporte português e o visto pelas autoridades americanas. Para tanto deveria começar pela obtenção da licença militar para me ausentar para o estrangeiro e do certificado de registo criminal, além de outra documentação e exames médicos. Tudo parecia fácil, para logo descobrir que não seria assim quando me dirigi à secretaria do Comando Militar da Horta e ali fui informado que sem a caderneta militar não poderiam passar a licença. Também teria que aguardar pela passagem definitiva à disponibilidade o que só aconteceria a 7 de Fevereiro de 1973. Houve que movimentar boas-vontades na Repartição de Mobilização e uma cópia da minha Nota de Assentos foi enviada para o Comando Militar da Horta, ao mesmo tempo que autorizava aquele a passar-me a necessária Licença Militar.

No dia 13 de Abril de 1973, precisamente 3 meses após ter desembarcado em Lisboa vindo da Guiné, era assinada a licença militar para me ausentar definitivamente para os Estados Unidos da América. A licença custou em selos fiscais 1.063$00 (mil e sessenta e três escudos), o que constituía para a época uma quantia assinalável. Mais que o dispêndio magoou-me ter que pagar por uma licença militar depois de ter cumprido com honra e dignidade os meus deveres para com a Pátria. Para além disso, atrasou todo o meu processo de emigração em cerca de dois meses.

Licença militar. Aqui para nós, consegui-a sem ter a caderneta militar. Mas foram precisas muitas ajudas. A começar em Bolama. Uma história muito comprida.

Foi em Ponta Delgada que encontrei alguns membros da CCaç 3327 e da CCaç 3328 também eles a prepararem o processo de emigração. Para além daqueles que faziam parte da minha vivência na Ilha do Faial, este encontro tinha um sabor especial pois um deles, o José Serpa, um florentino, tinha sido soldado da minha secção. Dos outros recordo-me do António Maria Vasconcelos, do José Carvalho, também eles florentinos, e o micaelense João Carlos Reboredo. Era o meu primeiro grande encontro com um passado ainda recente. Por eles soube que já estavam na posse da respetiva caderneta militar. Infelizmente, com imensa pena minha, nunca recebi a minha.

No Sábado, dia 21 de Julho de 1973, embarcava para ilha de Santa Maria e dali para o Estado de Massachusetts, EUA, onde chegaria nesse mesmo dia a casa dos meus pais sem ter avisado ninguém da minha chegada. Quarenta e quatro meses depois, agora em terras da América, voltava a abraçar a minha família.

Cerca de três meses após a minha chegada a terras americanas, já na posse do meu cartão da Segurança Social e do cartão Residente Permanente, o chamado cartão verde (talvez devido à sua cor), vi-me obrigado pela força das leis deste país a inscrever-me no Selective Service, o Departamento de Recrutamento dos Estados Unidos da América. Saíra de uma guerra e já me sentia perto de outra, a do Vietname. Não fui chamado e com a profissionalização das Forças Armadas Americanas, passei definitivamente à disponibilidade em 1976. Na altura, ainda solteiro e sem obrigações, se chamado a cumprir, eu julgo que em última análise teria regressado aos Açores.

A minha inscrição no "Departamento de Recrutamento" das FA dos EUA, o chamado Selective Service.

Com o passar do tempo, neste Novo Mundo para mim, fui-me apercebendo das grandes diferenças com a minha vivência recente, a portuguesa e, em particular, a açoriana. O vigor da sociedade americana e da sua economia assentava primariamente no respeito pelas instituições.

As diferentes comunidades portuguesas, com reconhecida capacidade de trabalho e honestidade, manifestavam-se sobretudo através das suas preferências religiosas, promovendo as procissões ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, ao Divino Espírito Santo e a Nossa Senhora de Fátima.

Como bom açoriano, sentia profundamente as manifestações da nossa comunidade. Por outro lado, como combatente na chamada Guerra do Ultramar, via nos grandes desfiles americanos – o Memorial Day, o Independence Day, o Veterans Day – manifestações cívicas e patrióticas, que demonstravam um sentimento de cidadania e de patriotismo a que não estava habituado. Não me era indiferente ver os veteranos americanos marcharem com os seus uniformes, medalhas no peito, saudados com as palmas dos milhares de pessoas alinhadas ao longo das ruas por onde passavam os cortejos. Eu também batia palmas enquanto o coração chorava.

Um pormenor do desfile do Memorial Day, em Stoughton. Infelizmente não tenho melhor foto.

A partir de 1981, fazendo parte da Banda Filarmónica de São João, Stoughton, MA, tomei parte em todas aquelas manifestações. Fazia em terras da América aquilo que me tinha estado vedado em Portugal. Também assim prestava a minha homenagem aos que tinham combatido no Ultramar e nas demais guerras que Portugal sustentara.

Foto do Jornal Portuguese Times. Na foto eu vou com a Bandeira Portuguesa à frente da Banda Filarmónica de São João, da qual sou um sócio fundador.

Muito recentemente, na área da Nova Inglaterra, apareceram as primeiras organizações de antigos combatentes do Ultramar, que abracei de imediato. A mais antiga, circunscrita a Lowell, Massachusetts, por isso mesmo com uma ação pouco participativa e abrangente, desfila no Boston Portuguese Festival, o Dia de Portugal, na área consular de Boston. A organização comemora o 25 de Abril e tem uniforme próprio. Na cidade de Lowell há um monumento de homenagem aos combatentes do Ultramar, contributo daquela Associação de Veteranos Portugueses da Guerra do Ultramar.

A Associação de Veteranos das Força Armadas Portuguesas recebe um Diploma de Reconhecimento da Câmara de Deputados do Estado de Massachusetts

Outra organização, a Liga de Emigrantes da Nova Inglaterra Combatentes das Ex-Colónias, apareceu sediada em Fall River. Relativamente bem estruturada, com estatutos próprios, processo de incorporação adiantado, acabou por se afogar na sua própria dinâmica. A falta de compreensão relativamente aos seus objetivos principais e o divisionismo que provocou entre os seus associados, bem evidentes nas primeiras reuniões, a exorbitante cotização (60 dólares anuais) e algumas exigências da Liga Portuguesa de Combatentes a que se havia filiado foram algumas das razões que levaram ao desaparecimento precoce desta associação, que não viveu tempo suficiente para ter uma ação participativa digna de registo.

Fui associado e assíduo participante nas reuniões daquela Liga que vi desaparecer precocemente com mágoa.

Ainda antes do desaparecimento daquela Liga, alguns dos seus associados deram início a uma outra organização, a Associação de Veteranos Portugueses, com sede em Taunton. Tem estatutos próprios e muito simples. Com mais de cem associados, esta organização tem uma ação muito participativa no meio comunitário português e, o que é de louvar, nas manifestações patrióticas americanas.

Nas ações em que já tomou parte, há que realçar a sua participação no hastear da bandeira portuguesa no Dia de Portugal nas diversas cidades da área consular de New Bedford, nos cortejos realizados no âmbito
Para além dessas manifestações de índole religiosa e patriótica, a Associação tem alguma actividade filantrópica participando com os seus fracos recursos financeiros para organizações de pesquisa e assistência social.

Em Fall River, a Associação de Veteranos das Forças Armadas Portuguesas desfila nas Grandes Festas do Espírito Santo. Reparar na quantidade de pessoas que assistem a este desfile. 

A Associação tem a sua reunião anual no mês de Novembro, a cotização é de quinze dólares anuais, tem uniforme próprio custeado individualmente pelos próprios associados. A Associação tem o seu banquete anual no fim-de-semana mais próximo do dia 25 de Abril. Esta data também marca o começo das atividades que se irão seguir durante o verão.

Sou associado desta Associação e participo activamente nas suas ações. Sinto um prazer especial em fazê-lo, até porque é dirigida por cabos e soldados do exército português, combatentes que foram nas províncias ultramarinas. Os graduados associados, quatro, são observadores cúmplices nesta excelente organização de militares que foram no exército de Portugal.

Para além dos objetivos primários destas associações de combatentes, elas também servem como ponto de encontro com o nosso passado de combatentes na Guerra do Ultramar. Ali as cicatrizes psicológicas provocadas pelas diferentes lutas deixam de ser um tabu e acrescentam novas páginas à história da guerra. No encontro com os velhos amigos e camaradas voltamos a ser os jovens voluntariosos e abnegados de então. Voltámos ao passado que a história não poderá esquecer. Naturalmente que todas essas associações de emigrantes sucumbirão perante a voragem da roda da vida. Elas serão, e só isso, tesouros desaparecidos.

Da minha integração e participação em algumas dessas associações senti a urgência de ir à procura dos muitos amigos que criara na CCaç 3327, queria saber daqueles que tinham feito parte da minha secção. Por estes lados tinha encontrado alguns, meia dúzia, e o mesmo era verdade nos Açores. Através da NET encontrei o blogue “Luís Graça e Camaradas da Guiné”, essencialmente dedicado à Guiné. Apercebi-me da quantidade de camaradas que escreviam sobre os convívios anuais das suas unidades e o sentimento gratificante que sentiam com a realização daqueles encontros. E por que não a minha companhia onde deixara tantos bons amigos?

Os convívios servem para isso mesmo, matar as saudades e abraçar os nossos camaradas.

Daqui, dos EUA, usando o Roteiro da Saudade da companhia, pesquisando os nomes através das páginas brancas das redes telefónicas lá fui encontrando alguns camaradas. Num trabalhão tremendo inicial, mais tarde suavizado com alguma ajuda, conseguiu-se o nosso primeiro convívio em Coimbra. Entre camaradas e familiares juntámos cento e dez pessoas, um sucesso inimaginável. Importante mesmo foi o abraço de reconhecimento, de camaradagem, de saudade. Valeu mais que a pena.
De então para cá, o convívio tem-se feito alternadamente nos Açores e no Continente. E sempre com o mesmo sucesso, se atendermos a que muitos açorianos se encontram emigrados nos EUA e Canadá.

O regresso a Tavira

Durante o convívio realizado na Terceira fora sugerido que o próximo a ser realizado nos Açores fosse em São Miguel. Era convicção dos presentes que aquela ilha, sendo berço de muitos militares da companhia, proporcionaria a estes a possibilidade de estarem presentes. Se a premissa é correta, a realidade é que a emigração roubou muitos dos seus filhos. Mas isso não nos fez desistir até porque ainda tínhamos uma missão a cumprir.

Baseado naquele alvitre, sugeri a compra da campa tumular e a homenagem ao Manuel Veríssimo de Oliveira. Bem aceite por todos, já durante o convívio de 2012, foram angariados alguns fundos para aquele fim que foram juntos ao saldo que vinha dos convívios anteriores. Com o andar dos meses, por telefone, correio eletrónico e outra correspondência julgada normal fui apelando à generosidade dos antigos militares da CCaç 3327 até conseguir os fundos necessários para cobrir as despesas inerentes à compra da campa e homenagem àquele nosso militar. A verdade é que a generosidade dos elementos da companhia ultrapassou em muito o orçamento previsto. E quando assim é só posso estar imensamente agradecido.

No dia 27 de Julho de 2013, na presença dos familiares, autoridades locais e outros convidados, o Manuel recebia a homenagem dos camaradas e amigos da sua companhia que na altura da sua morte não fora possível fazer-se. A Guiné nos uniu, a morte não nos separou. Não cheguei a tempo de abraçar a sua mãe, nenhum de nós chegou, mas fiquei com a certeza de que o cemitério da Lomba de São Pedro foi pequeno demais para albergar a grandeza do coração das gentes ali presentes e de muitos outros que gostariam de lá ter estado.

O encontro com o meu passado, quatro elementos da minha secção.

Hoje, revivendo as minhas memórias, não sinto nostalgia pelo passado. Todavia, não posso negar a presença constante daqueles que assentaram raízes no meu coração. As grandes lições que aprendi ao seu lado levam-me a acreditar que a história na sua constante evolução à procura da perfeição será muito benevolente para com a mais sacrificada geração de portugueses, aquela que participou na Guerra no Ultramar.

(FIM)
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 2 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15699: (In)citações (82): Depoimento de um antigo combatente na diáspora (José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56) (1): As experiências humanas que a guerra me proporcionou

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15699: (In)citações (82): Depoimento de um antigo combatente na diáspora (José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56) (1): As experiências humanas que a guerra me proporcionou

1. Em mensagem do dia 14 de Janeiro de 2016, o nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos um texto, e algumas fotos, com aquilo a que chama Depoimento de um antigo combatente na diáspora. 
Aqui fica a primeira de duas partes.


Depoimento de um antigo combatente na diáspora  

1 - As experiências humanas que a guerra me proporcionou

José da Câmara*

Muito mais que a experiência militar, o que me marcou para a vida foram as experiências humanas que a guerra do Ultramar me proporcionou viver e a influência que tiveram na condução da minha vida desde então.

A guerra também é uma lição de vida que se aprende nas páginas de um livro sem linhas, sem palavras. Um livro em que as páginas mais importantes são escritas com a tinta dos sentimentos.

No mundo das lutas humanas que eu vivi não há palavras que consigam transmitir a capacidade de sacrifício, abnegação, camaradagem, religiosidade, dor e alegria do soldado português e, em particular, do soldado açoriano. A ânsia da incerteza do dia-a-dia, o receio, a miséria e a dor de ver perder um camarada vive-se, mas não se consegue descrever.

Porque também passei pela particular experiência de comandar tropas nativas, tive a possibilidade de aprender que o amor a Portugal, o meu querido País, era tão igual nas suas diferentes culturas, religiões, dialetos e fisionomia do todo humano que o compunha.

Quando cheguei à Província da Guiné, encontrei uma capital, Bissau, em franco e harmonioso desenvolvimento. Avenidas largas, limpas, iluminadas, comércio e restauração florescentes, assistência na saúde, escolaridade primária obrigatória, Liceu e muito mais. Ali, na cidade, respirava-se paz, harmonia social, desafogo económico e cultural. Era evidente que aquele bem-estar provinha do grande afluxo de tropas, muitas destas acompanhadas pelos seus familiares, excelentemente aproveitado pelas autoridades civis e militares no desenvolvimento da cidade.

Mas havia uma outra Guiné, aquela que estava para além de Bissau, a do mato, como se dizia na gíria militar. Aquele era aqui e ali entrecortado por alguns aglomerados populacionais de maior ou menor importância e desenvolvimento, sendo que as chamadas tabancas estavam mesmo a séculos de distância dos padrões de desenvolvimento da capital. A guerra, um autêntico flagelo humano, não explicava tudo. Era evidente que esta outra Guiné tinha sido negligenciada pelos poderes instituídos ao longo de centenas de anos. Talvez por isso mesmo, alguns autóctones ainda enraizados em costumes e tradições seculares se mostravam renitentes em aceitar mudanças que pusessem em causa a ordem social vigente a que estavam acostumados.

Naquele mato, a pobreza das gentes era chocante, mesmo para os corações mais duros. A subsistência familiar baseada numa agricultura insípida e antiquada era insuficiente e, em alguns casos, a religião e as tradições de algumas etnias não permitiam tirar o devido partido do pouco que havia. Águas inquinadas, mosquitos e malnutrição protagonizavam constantes problemas de saúde. Como se isso não bastasse, a rede de transportes, a assistência médica e o ensino obrigatório civis eram quase inexistentes. Muitas unidades militares faziam o que podiam para colmatar algumas daquelas falhas, mas em muitos casos podiam pouco. Aquele também era o mato das minas, das emboscadas, das flagelações, dos horrores da guerra.

A pobreza

Foi na Mata dos Madeiros, uma faixa de floresta densa entre a Mata do Balengerez e da Caboiana, a seguir ao Bachile, que por imperativos de defesa era agora completamente despovoada, que a CCaç 3327 montou o seu primeiro acampamento. Como companhia de intervenção às ordens do CAOP1, com sede na Vila de Teixeira Pinto, tinha como principal missão a proteção dos trabalhadores e das máquinas que prestavam serviço na construção da nova estrada que iria ligar aquela Vila ao Cacheu.
Naquela mata, recheada de fauna e flora maravilhosas, tive a oportunidade de viver o pulsar diário dos mais nobres sentimentos humanos de mãos dadas com os tremendos esforços físico e psicológico só ali possíveis e protagonizados por uma juventude maravilhosa.

O sacrifício da Mata dos Madeiros

O nosso dia de Páscoa (1971) naquele local foi marcado por um folar diferente, o casamento por procuração do Fur. Mil. Fernando Silva. Saiu de manhã com o seu grupo em patrulhamento. A meia tarde regressou ao acampamento para uma pequena cerimónia com os seus camaradas, para de novo voltar ao patrulhamento e respetiva emboscada noturna. Os segredos da noite perfumariam o barro vermelho da mata que lhe serviria de leito nupcial. Sem um queixume, sem um gesto de revolta apenas cumpria o seu dever.

Para no dia seguinte, segunda-feira, sermos todos atingidos com o trágico acidente sofrido pelo Manuel Veríssimo Oliveira, natural da Lomba de São Pedro, Ilha de São Miguel, o qual lhe custaria a vida dias mais tarde. No cumprimento de ordem militar, prestei a assistência necessária à família do Manuel. Na correspondência que mantive com a família, vivi por dentro o sofrimento de uma mãe que perdera o filho, sem o direito de o beijar uma última vez. O tempo se encarregou de suavizar a dor daquela experiência, mas ainda não me deu a oportunidade de esquecer.

De forma marcante e inesquecível, tive a oportunidade de participar diretamente na grandeza sublime do sentimento religioso dos nossos militares. Porque, na prática, a assistência religiosa era quase nula, um pouco por toda a companhia colmatava-se aquela falta com algumas manifestações de fé cristã. Entre elas, no tríduo preparatório em honra de Nossa Senhora de Fátima, o terço era rezado diariamente por muitos. Nas emboscadas noturnas, a minha secção rezava-o em conjunto através de sinais. Ali não havia medo, mas sim um sentimento de libertação do que nos rodeava, de conforto interior.

Na noite do dia 12 de Maio de 1971, os dois grupos de combate que estavam na proteção afastada ao acampamento regressaram a este para se juntarem aos outros dois. Com a sua chegada deu-se o andamento da Procissão pelo perímetro interior do acampamento. Com a arma numa mão e a vela acesa na outra, aqueles valentes militares deram largas à sua fé entoando o Hino a Nossa Senhora de Fátima que perfumava com a sua bênção as matas da Guiné. Durante aquela manifestação de fé a defesa do acampamento esteve entregue aos Anjos do Céu.

A religiosidade

Como poderei transmitir (ou esquecer) os sentimentos que me assolaram quando, numa noite diluviana, em corrida contra ao tempo, o meu grupo de combate, a que se juntaram algumas dezenas de voluntários, teve que evacuar de Teixeira Pinto para Bissau o soldado Miranda, da CCaç 2637, natural de São Miguel, em fim de comissão, também ele vítima de um acidente? No regresso a Teixeira Pinto sabíamos que ele jazia cadáver no Hospital Militar 241. Ou ainda a visão de um furriel a chorar, na chegada de uma operação de alto risco à Mata do Balenguerez, ao encontrar morto o seu amigo de estimação, um tecelão, uma avezinha domesticada por ele?

Na guerra mata-se, morre-se. Mas também há aquela situação em que se morre ficando vivo. Foi o que senti no Destacamento de Bassarel quando recebi a notícia de que iria ser transferido para uma unidade de recrutamento guineense. Sabia e compreendia que situações dessas aconteciam, mas logo eu, o único graduado açoriano numa companhia açoriana, não fazia sentido algum. Ou fazia? Com o coração despedaçado tive que me despedir daqueles fantásticos rapazes que compunham a minha secção, irmãos nas boas e nas más horas, para mim uma família muito especial.


A saudade na partida para as tropas africanas

Como transmitir em palavras os sentimentos que me assolaram quando no Destacamento de São João fui apresentado ao meu novo Pelotão de [Caçadores] Nativos 56 e me apercebi que aquele era constituído por manjacos, felupes, balantas, mandingas, fulas, beafadas, papéis, muitos deles inimigos tribais, que pouco comunicavam entre si, alfabetizados alguns e outros que não falavam português? Ou como foi a minha integração naquele pelotão no qual o soldado mais velho tinha 52 anos de idade que, como alguns outros, andava na guerra desde o seu início? Entre católicos, muçulmanos e animistas como conciliar os seus costumes, tradições e práticas religiosas com a disciplina e os afazeres militares? Como comunicar ordens em situações de risco, ou a simples afirmação de que ali eu era apenas mais um, com responsabilidades acrescidas sim, mas que eram eles os verdadeiros protagonistas protetores dos seus familiares, das gentes e do chão da Guiné?

No fim, quando treze meses depois regressei à minha companhia e aos Açores, deixei um amigo em cada um daqueles militares guineenses, uma amizade bem traduzida em alguns aerogramas que fui recebendo ao longo dos meses, prática que naturalmente desapareceu quando emigrei. Em São João ficara um pelotão de gente boa e dócil, agora com uma mentalidade diferente, mais receptiva, mais igual, mais amiga.

O Pel Caç Nat 56

Em fim de comissão, no dia da despedida em Brá, marchei na frente da companhia. Por ordem do comandante da companhia nas minhas mãos carregava com muito orgulho o Guião da CCaç 3327. Um gesto simples fora suficiente para esquecer a amargura do dia em que deixara a companhia. Lá mais atrás marchava a minha secção. Vinham todos, minha única honra e glória. Na companhia, infelizmente, faltava o Manuel.

A despedida da Guiné. Extracto do Jornal Voz da Guiné, 30 Dezembro de 1972, Página 13.

Um pouco mais de três anos após ter cruzado as portas do CISMI, em Tavira, tinha chegado a hora de dependurar o uniforme do exército de Portugal. Vestira-o com orgulho e dignidade. Pelo meio ficaram ainda a minha passagem pelo BII19, BII17, Santa Margarida e vários aquartelamentos na Província da Guiné. Cumprira com o meu dever de mancebo na defesa da Pátria, numa guerra justa ou injusta mas para a qual não fora chamado a decidir. O jovem que partira era agora um homem. Na bagagem, bem escondidas, trazia algumas cicatrizes internas, que o tempo se encarregaria de diluir, e muitas ilusões.

(Continua)
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Nota do autor:

(*) José Alexandre da Silveira Câmara.
Natural da Fazenda, Concelho das Lajes das Flores.
Prestou serviço militar no Ultramar como Furriel Miliciano na Companhia de Caçadores 3327, mobilizada pelo BII17 para a Guiné: partida a 21 de Janeiro de 1971 regresso a 7 de Janeiro de 1973.
Emigrou para os Estados Unidos da América no ano de 1973, tendo-se fixado em Stoughton, Massachusetts onde reside.
Encontra-se presentemente reformado.

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15552: (In)citações (81): Amigo/a, camarada, faz a tua prova de vida: Manda-nos um simples "OK! Tudo bom! Vou indo" ! ... E os editores aproveitam para te desejar o melhor ano possível em 2016, apesar das dificuldades, enfermidades, mazelas, contrariedades, problemas, sacanices, minas e armadilhas que enfrentamos, cada vez mais, à medida que o tempo... pula e avança

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14232: História de vida (38): José da Câmara um açoriano activo na comunidade açoriana de Stoughton, nos Estados Unidos da América

Com a devida vénia a Costa Ocidental - Flores, publicamos a entrevista dada pelo nosso camarada José Câmara, que, como sabemos, há muitos anos se radicou nos Estados Unidos da América.

Nesta entrevista, publicada no Youtube, José Câmara fala de si, da sua ilha das Flores e de como os açorianos se integraram na sociedade americana, particularmente em Stoughton, MA. A não perder e a ouvir do princípio ao fim. 


Este o texto que enquadra a entrevista:

Numa viagem-sonho à América, por alturas do Natal e final de ano de 2014, foram feitas inúmeras recolhas de testemunhos, experiências de vida, bem como alguns costumes, tradições usos e costumes das populações, outrora idas de Portugal e, na maioria, dos Açores. 
A maioria dos trabalhos contemplaram testemunhos de emigrantes e, também aconteceram, alguns de segunda geração, já nascidos e criados no Continente Americano. 
O contacto com centenas de pessoas com as mais diversas profissões e até aposentados, foi um enorme enriquecimento e uma forma de olhar completamente diferente da que existia sobre os nossos emigrantes. 
Uma das dificuldades em comum a quase todos foi a “língua” de seguida a adaptação ao clima. 
A Costa Ocidental teve o apoio de todos a quem se dirigiu, tendo sido em alguns casos, uns mais que outros. 
Este trabalho retracta um pouco da vida de um Açoriano/Florentino, homem de família, sonhos e realizações, o Sr. José Alexandre Câmara, no seio de uma comunidade de Açorianos, mais concretamente de florentinos, em Stoughton, MA – USA, que faz/tem a sua vida na América, mas sempre pautada por princípios Açorianos, princípios esses que ainda hoje mantêm e, vivamente, transmite a todos os que o rodeiam. Mas para ficar a saber tudo da conversa que teve com a Costa Ocidental, nada melhor que ver as imagens/vídeo: 
Obrigado ao Sr. José Alexandre Câmara, pela prontidão e amabilidade em conceder estes momentos fantásticos, que serão mais um enriquecimento para a história e património imaterial dos Açores. 
Obrigado à Gabriela Silva, pela mestria e profissionalismo, bem como a disponibilidade e prontidão com que abraça o projecto “Costa Ocidental”.
Obrigado à Família Costa (Osvaldo, Connie e Tânia) por me acolherem, darem apoio logístico, contactos de pessoas interessantes, entre outras coisas. 
Obrigado ao clube S. João, onde foram captadas estas imagens 
Obrigado à Luísa Silveira, que embora ficando na Ilha, deu todo o apoio familiar necessário para que tudo corresse conformemente planeado. 
Obrigado à SATA-Transportadora Aérea Açoriana, e a todos os que de uma forma ou de outra tornaram possíveis estas imagens. 
José
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Notas do editor

(*) José da Câmara foi Fur Mil da CCAÇ 3327 e do Pel Caç Nat 56 e esteve em Brá, Bachile e Teixeira Pinto, nos anos de 1971 a 1973.

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12664: História de vida (37): O AVC é uma doença subtil que chega sem avisar (José Saúde)

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12003: Convívios (527): III Convívio da CCAÇ 3414, realizado nos passados dias 9; 10; 11 e 12 de Agosto de 2013 na Ilha do Pico (Joaquim Carlos Peixoto)



1. Em mensagem de hoje, dia 3 de Setembro de 2013, o nosso camarada Joaquim Carlos Peixoto (ex-Fur Mil Inf MA, CCAÇ 3414, Bafatá e Sare Bacar, 1971/73) enviou-nos a reportagem do III Convívio do pessoal da sua Unidade, levada a efeito na Ilha do Pico nos passados dias 9 a 12 Setembro de 2013:




CONVÍVIO DA CCAÇ 3414

Como a CCAÇ 3414, era composta na maioria por soldados açorianos, houve sempre uma grande dificuldade em nos reunirmos.

Em 2011, graças ao “ Blogue Luís Graça”, conseguimos organizar o nosso 1º convívio, em Coimbra. A maior parte dos presentes era do Continente e apenas um do Arquipélago.

Em 2012 foi marcado o 2º encontro, que seria em Angra do Heroísmo no quartel, antigo BII17 (hoje denominado Regimento de Guarnição 1), onde foi formada a Companhia. Neste convívio já apareceram continentais e açorianos, mas ainda éramos poucos.

Foi então marcado o

3.º CONVÍVIO NA ILHA DO PICO

Este encontro começou no dia 9 de Agosto, na ilha do Pico, com um jantar onde houve um pequeno contacto entre todos.

Neste convívio estiveram camaradas do Continente, de várias ilhas açorianas, e muitos emigrantes de vários estados dos EUA.

O dia 10 começou com uma missa na Igreja da freguesia de S. João em homenagem aos mortos em combate, furriel Ribeiro e soldado Parreira e a todos os já falecidos.


Seguimos para o Parque “ São João Pequenino - onde foi organizado o almoço.


Belíssimo almoço onde para além das lapas e uma grande variedade de queijos das ilhas foi servido o peixe albacora assada à moda de S. João. O amigo Sérgio, da ilha do Pico, ofereceu um porco para grelhar. O amigo Bernardo ofereceu umas camisolas referentes ao evento. Um outro soldado, o Furtado, que se dedica a produzir peças de artesanato, ofereceu uma pequena lembrança a cada um de nós. No fim para além do bolo para comemorar o 40.º aniversário da chegada da Guiné, houve uma grande variedade de bolos típicos dos Açores. Para acompanhar foram servidos vinho tinto da ilha do Pico, vinho branco da ilha, vinho verdelho, além de cerveja, água e sumos. De referir que toda a organização, confecção e preparação esteve a cargo de familiares dos soldados. 





No fim houve a actuação do “ Grupo Folclórico da Casa do Povo de S. João do Pico e o “ Grupo de Pauliteiros de Sanhoane.”



No dia 11 concentramo-nos em S. João, onde fomos visitar o Museu Baleeiro. De seguida demos a volta à ilha acompanhados pelo Caldeira, que como natural desta ilha, nos serviu de guia. Entre outras coisas visitamos o museu da vinha em Santa Luzia, zona classificada como património mundial. Nesta viagem passamos pela casa de mais um amigo, o Simas, que nos “ obrigou” a entrar onde nos serviu vários queijos feitos por ele acompanhados pelo famoso vinho verdelho.

No dia 12 recebemos o convite do Leonel Ramos para um almoço na ilha de S. Jorge. Mais uma viagem de barco para a ilha onde nos foi servido um fabuloso almoço, para o qual matou um bezerro.



Regresso à ilha do Pico.

Porque “ recordar é viver “, viveram-se dias de euforia, de emoções contidas, lembraram-se os bons e maus momentos passados juntos na Guiné, recordamos os que já partiram e num abraço de amizade, companheirismo e de uma grande dignidade matamos saudades daquele tempo.

É indescritível o que se viu e viveu nestes poucos dias de confraternização.

É pena que os “grandes” deste país, aqueles que apregoam aos sete ventos, o bem para Portugal, não tenham assistido a tão nobre e leal encontro.

É pena que os “grandes” não vejam a felicidade com que se pode viver num simples abraço.

É pena que os “grandes” não possam tirar lições desta camaradagem e lealdade, porque só vêem grandezas.

É pena que os “grandes” não vejam como poderiam dar a volta a este país, olhando para o que estes “guerreiros” são capazes de fazer para se reunirem.

É pena que os “grandes” não estejam atentos nem oiçam a voz destes ex-combatentes que perderam a juventude, que perderam os sonhos, que viram companheiros sucumbirem junto deles, que viram pais, irmãos, esposas e filhos transformarem os seus olhares alegres e felizes em olhares tristes e melancólicos.

É pena que os “grandes” se esqueçam de respeitar estes Homens, de lhes dar o devido valor, em vez de os insultar com as atitudes que tomam com eles.

Sem mais delongas, porque o que faz escrever este texto é relatar sobre o nosso III convívio, quero agradecer a todos, em especial aos residentes nas ilhas, o carinho, a amizade e o calor humano com que nos receberam.

Estou certo, que as minhas palavras de agradecimento, assim como a felicidade que senti, são comuns a todos os camaradas que participaram neste convívio, vivendo, tal como eu, todas as emoções.

Não tenho palavras para agradecer ao Sérgio e seus familiares todo o empenho que tiveram para que o dia 10 fosse um dia inesquecível.

Assim como me faltam as palavras para também agradecer ao Leonel Ramos e toda a família o espectacular almoço que ofereceu sem nada em troca a todos os que participaram neste convívio. A emoção é forte, as palavras não brotam para agradecer tamanho testemunho de amizade.

Propositadamente, deixei para o final, os três grandes colaboradores e organizadores deste convívio: Caldeira, Lopes e Silveira. Sem o seu trabalho, esforço, dedicação, espírito de solidariedade, camaradagem e amizade este convívio não teria sido possível. Bem hajam, companheiros de luta, pela vossa disponibilidade trabalho e amizade. Valeu a pena o esforço que fizeram. Estes dias, as noites mal dormidas, preocupação de tudo estar em ordem, foi compensado pelo sorriso que viram em cada rosto e a alegria que cada um de nós manifestou.


Obrigado a todos e que o próximo convívio vos faça tão feliz, quanto este nos fez.

OBRIGADO.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12002: Convívios (526): V Convívio Anual dos ex-Combatentes no Ultramar do Concelho de Gondomar, dia 21 de Setembro de 2013 na freguesia de S. Pedro da Cova (Carlos Silva)

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11946: Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Canjambari" (1): Capítulo I (Manuel Lima Santos)




Capítulo I do Resumo dos Factos e Feitos Mais Importantes da CCAÇ 3476 - "Bebés de Cajambari", enviado pelo nosso camarada Manuel Lima Santos (ex-Fur Mil Inf.ª nesta Companhia açoriana que esteve em Canjambari e Dugal, nos anos de 1971 a 1973.





CCAÇ 3476
BEBÉS DE CANJAMBARI

RESUMO DOS FACTOS E FEITOS MAIS IMPORTANTES

CAPÍTULO I

A – UNIDADE MOBILIZADORA E NATURALIDADE DO PESSOAL

A Companhia constituída na sua grande maioria por Soldados naturais das várias ilhas dos Açores, com predominância para as de S. Miguel e Terceira, teve como Unidade Mobilizadora o Batalhão Independente de Infantaria Nº 18, na Ilha de S. Miguel.
A maior parte das Praças especialistas, assim como os Oficiais e Sargentos são de quase todos os distritos do Continente, nomeadamente Lisboa, Porto, Coimbra, Aveiro, Beja, Braga, Castelo Branco, Faro, Guarda, Leiria, Portalegre, Santarém, Setúbal, Viana do Castelo, Vila real e Viseu, sendo o Comandante de Companhia natural da Província de Macau.


B – CERIMÓNIA DE DESPEDIDA, PARTIDA PARA LISBOA E CONCENTRAÇÃO 

Efectuou-se no dia 6 de Setembro de 1971, no Quartel do BII18, a cerimónia de despedida, presidida por Sua Exa. o Governador Militar Interino dos Açores. Foi entregue à Companhia o seu Guião, oferta da Câmara Municipal de Ponta Delgada, tendo a Comissão de Apoio ao Soldado Açoriano oferecido na mesma cerimónia um Oratório do Senhor Santo Cristo dos Milagres para ser colocado no futuro Aquartelamento da Companhia.
 
Ao mesmo tempo que desembarcavam em Ponta Delgada, debaixo de chuva copiosa, duas Companhias que haviam cumprido a sua Missão na Guiné – as CCaç 2636 e 2637, no dia 13 de Setembro de 1971 a CCaç 3476 embarcava juntamente com a CCaç 3477, no navio “Uíge”, a caminho de Lisboa.
A chegada à Capital verificou-se a 16 do mesmo mês, tendo a Companhia seguido logo, em viaturas Militares, atravessando a ponte Salazar, para o RI 11 em Setúbal, que serviu de Unidade de Concentração, até à partida para a Guiné. Aí juntaram-se à Companhia um Oficial, todos os Sargentos Especialistas e as Praças Especialistas formadas nas Unidades do Continente.
 
Aproveitaram-se os dias de permanência em Setúbal para continuar a instrução do pessoal, a qual incidiu então mais em aspectos relacionados com “acção psicológica” e informações.


C – PARTIDA DE LISBOA E ACTIVIDADE NO DECORRER DA VIAGEM

A partida para a Guiné foi aprazada para 25 de Setembro no navio “Angra do Heroísmo” onde embarcaram também a CCaç 3477 e o BCav 3864, com o mesmo destino.
Um Oficial Superior, em representação de Sua Exa. o Ministro do Exército, apresentou a bordo do navio os cumprimentos de despedida às tropas embarcadas.
 
Aproveitaram-se os poucos dias de viagem para actividades recreativas (jogos de sala, piscina, campeonatos de ténis de mesa e outros), tendo a Companhia conquistado vários primeiros e segundos lugares nos torneios realizados.
 
Organizou-se também uma festa de variedades que contou com a activa participação de elementos da Companhia.
 
Mau grado as muito deficientes instalações para praças, a viagem foi agradável, em mar quase sempre calmo e com vento bonançoso.


D – DESEMBARQUE E INSTALAÇÃO INICIAL

Na tarde de 30 de Setembro, já se avistava terra e um navio-patrulha que começou a escoltar o navio à medida que se aproximava do Rio Geba. Fundeado pouco depois diante do Cais de Bissau, tiveram início as operações de desembarque em lancha, após rápida reunião com Oficiais de várias Repartições do Quartel General. Já noite efectuou-se o deslocamento de todo o pessoal e respectiva bagagem em viaturas civis, para o Campo Militar de Instrução no Cumeré onde se realizaria o IAO.

(Continua)

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11913: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (73): Como o Micaelense Carlos Cordeiro, encontra Henrique Matos, um jorgense em férias na sua Ilha. (Carlos Vinhal / Carlos Cordeiro)

Velas - Ilha de S. Jorge - Foto Silveira
Com a devida vénia ao autor e a Meloteca Sítio de Músicas e Artes

1. Mesmo sem a permissão do nosso camarada Carlos Cordeiro, passo a transcrever uma sua mensagem endereçada a mim e ao camarada José da Câmara, a partir da Ilha de S. Jorge, por se enquadrar na nossa série "O Mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é Grande":


Caros José e Carlos
Há situações interessantíssimas, como a que ontem me aconteceu.

Depois do jantar fui dar um passeio com minha mulher.
Por volta das 11, passando pelo jardim (aquele que tem o coreto muito bonito) ouvimos música.
Só havia 4 pessoas no jardim - os tocadores e acompanhantes.
Aproveitámos. Sentámo-nos num banco perto de quem tocava e cantava para ouvir melhor. Um violão e um bandolim. Tangos, pasodobles, música tradicional açoriana. Uma maravilha. Ali, puro lazer, num ambiente caloroso em que, não tivemos dúvidas, reinava a amizade.

Pouco depois, um dos convivas aproximou-se para cumprimentar minha mulher (ela é de cá). Falaram um pouco e depois, convidou-nos a ir para junto deles. Disse porque lá estava um amigo comum a ele e minha mulher, colega do Externato das Velas.

Disse-lhe que era o Henrique Matos.
Fiquei logo com a pulga atrás da orelha, pois sei que o Henrique Matos do blogue é de S. Jorge.

Imagine-se: minha mulher, que já o não via há mais de quarenta anos. Eu que o transformei em camarada a partir do blogue. Foi uma alegria sem fim.
Falou-se, ouviu-se mais música. Não fiquei fora da conversa, ainda que a maior parte das pessoas e circunstâncias a que se referiam serem desconhecidas para mim. São situações que não se imaginam possíveis.

Achei uma maravilha.
Primeiro, ouvir música de qualidade (ele é mesmo muito bom músico) àquela hora como uma espécie de dádiva dos deuses para nos alegrar o serão.
Depois, a coincidência de o Henrique ter sido colega de minha mulher no ensino secundário, e terem tido aquele gosto de se reencontrarem depois de tantos anos.
Por fim, o facto de nos conhecermos através do blogue e sermos camaradas d'armas, ainda que em TO diferentes.

Uma maravilha de serão, que se prolongou para lá da uma da manhã. Infelizmente nenhum de nós tinha máquina fotográfica. Talvez antes de regressar a S. Miguel consigamos tirar uma foto juntos. 

Um grande abraço amigo do
Carlos Cordeiro
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Nota do editor:

Último poste da série de 5 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11907: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (72): O reencontro de dois camaradas da CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68), Joaquim Fernandes Alves e Augusto Varandas Casimiro

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11906: Notas de leitura (508): "Das Guerras Africanas à Diàspora Americana", organização de Adelino Cabral e Eduardo Mayone Dias (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
Para mim é uma completa surpresa, o depoimento destes luso-americanos que combateram na Guiné.
Mas o livro vale a pena ser lido na íntegra, há para ali histórias espantosas, é bem provável que o nosso confrade Carlos Cordeiro ande à cata destas lembranças, lá pelos Açores, afinal temos que tomar em conta os que se dispersaram, sobretudo pelas europas e américas.
Maravilha confrontar este antes e depois, no antes aparecem sorridentes com um grande amigo, depois a cantar ou no escritório, talvez em Massachusetts ou na Califórnia.
Temos de os desencantar e trazê-los para o blogue, é trabalho para o Nelson Herbert e para o João Crisóstomo, entre outros.

Um abraço do
Mário


Das guerras africanas à diáspora americana

Beja Santos

Eduardo Mayone Dias é um conceituado investigador universitário há muito radicado nos EUA, portugueses e Califórnia é nele um tema central de estudo, a diáspora, os portugueses na guerra do Vietname, a literatura portuguesa na Califórnia, etc., são áreas sacramentais da sua pesquisa. Adalino Cabral tem feito parceria com Eduardo Mayone Dias nos estudos que falam de guerra onde intervieram os portugueses. Eles explicam na introdução o móbil do trabalho: “Pretendíamos obter um relato pessoal da experiência de campanha. Fizemos o possível para obter testemunhos espontâneos com a sua natural oralidade. E o discurso recolhido foi transcrito com a maior exatidão. Respeitámos a irrupção do “portinglês” na língua de origem. A escolha dos nossos entrevistados foi quase aleatória. Catorze entrevistas foram gravadas em Massachusetts e três na Califórnia. Os dezassete que tão generosamente se prontificaram a participar neste empreendimento refletem bem o arco-íris regional da nossa emigração nos EUA: onze açorianos, três madeirenses e três continentais. Oito dos nossos entrevistados foram mobilizados para Angola, seis para Moçambique e três para a Guiné. Quase todos entraram em combate. Mesmo os que atuaram na retaguarda eram suscetíveis de serem atacados perto dos postos ou nas suas deslocações. Destes testemunhos deduz-se uma considerável ausência de preocupação do jovem soldado ante o que o esperava ou o que dele se esperava. Passivo, aceita o que lhe impõem, não questionando a validade daquela guerra. Era “um dever que a gente tinha”. As cenas de combate são dadas com relativa moderação, numa forte economia de pormenor. Nas emboscadas enfrentava-se um inimigo invisível. Trocavam-se uns tiros e o inimigo desaparecia. A religião – a crença mais do que a participação em cerimónias religiosas – representou um importante papel na manutenção do moral de alguns dos nossos entrevistados. O intenso culto micaelense ao Senhor Santo Cristo dos Milagres motivou um soldado e a sua família a que se deslocassem, depois do regresso daquele, ao templo de Ponta Delgada com o fim de pagar duas promessas de 500 escudos cada. A fascinação por África, tão comum nos portugueses que por lá passaram, transparecem vários dos depoimentos. A recordação da dureza da vida em estado de guerra adoça-se aqui e além pela ironia e quase mesmo pela caricatura”. O livro organizado por Adalino Cabral e Eduardo Mayone Dias intitula-se “Das guerras africanas à diáspora americana”, Peregrinação Publications, 36 Brayton Avenue, Rumford, RI 02916, USA.

David de Sousa Barros nasceu em Terra do Raposo, Santo Espírito, Santa Maria. Trabalhou na taberna e dedicou-se à lavoura. Em 1971 emigrou para os EUA, trabalhou na construção civil em Hudson, Massachusetts. Fez a recruta nos Arrifes, em Abril de 1968, daqui seguiu para Santa Margarida, levava um terço para rezar e um crucifixo no pescoço. Foram diretos para Cacine, fala dos patrulhamentos e das emboscadas. Recorda os seus mortos, os momentos de perigo, lembra que Cacine tinha uma loja de um português, mercearia e taberna, era ali que ia beber cerveja. Nunca esqueceu as crianças a pedir comida: “Pediam comida e a gente dava no quartel. A gente quando acabava de comer dava comida. Às vezes a gente não gostava dela mas para eles aquilo era um luxo. À hora de comer eles estavam sempre lá. Acontece que a gente comia e eles comiam”.

Fernando Amaral Dutra nasceu em Madalena, Ilha do Pico. Esteve dois anos num seminário menor, frequentou o ensino liceal e iniciou o seu serviço militar aos 18 anos, foi para a Guiné, era voluntário. Fez o curso de mecânico eletricista. Foi para a Guiné em 1964. O primeiro destino foi Nova Lamego. Foi ferido três vezes. “A primeira vez foi um estilhaço de morteiro, era fogo para cá e fogo para lá, eles de um lado do rio, do Farim, e nós do outro lado. E de repente cai uma granada de morteiro no meio das nossas tropas. Oito ficámos todos feridos. Foi bom, foi muita sorte, nas pernas, nos braços e um pedaço de aço na barriga. Estive pouco tempo no hospital”. Embora fosse do quadro permanente, num aceitou a guerra de África, esteve mesmo preparado para passar para o Senegal. Queria vir para a América. Também comandou tropa africana, guardou recordações dos Balantas, eram obedientes. “Os melhores para nós eram os Fulas mas os mais guerrilheiros, aqueles em quem tínhamos mais confiança, eram os Balantas. Naquele tempo, diz ele, o nosso armamento era muito superior, e havia os T-6 e os Fiat e o napalm. Nunca esqueceu do pânico do capelão durante uma operação, a rezar o Padre-Nosso até meio e passando logo para Ave-Maria: “Trocava o Padre-Nosso com Ave-Maria e Ave-Maria com o Padre-Nosso. Oh, coitado, ele tremia com o texto na mão, tremia para todos os lados. E elas caíam. Caíam que era uma coisa séria”.

Jaime Soares nasceu em Santa Maria, trabalhou na lavoura, dedicou-se à pesca, num barco do seu pai, que também era carpinteiro. Emigrou em 1973 e fixou-se em Massachusetts. Assentou praça nos Arrifes e seguiu para Santa Margarida. Foi para o Cacheu. Recorda as patrulhas a dois pelotões. Diz ter comido muita carne de gazela. Recorda os seus mortos, um amigo seu que perdeu um pé e o seu dia inesquecível foi 29 de Julho de 1969. “Um soldado amigo meu, de Santa Maria, morreu numa emboscada. Um soldado de São Miguel pegou nele às costas. A gente tínhamos que atravessar uma área clara, o soldado deixou um morto no chão. Quando quisemos voltar para trás já não pudemos. Viemos embora. Sempre debaixo de fogo. Não pudemos recuperar o corpo. Era o dia da festa da Senhora do Bom Despacho da minha freguesia”. Foi o Jaime Soares da Costa quem cumpriu a promessa: “Fiz uma promessa ao Santo Cristo de São Miguel. A minha mãe prometeu que se eu escapasse da guerra que dava 500 escudos ao Santo Cristo. Eu prometi também 500 escudos. Então quando eu cheguei a São Miguel a gente fomos ao Santos Cristo e demos o dinheiro”.

O livro é profusamente ilustrado. É tocante ver cada um deles aparecer abraçado ao seu melhor amigo, alguns já desaparecidos. Aparece gente a passar a roupa a ferro, ao volante de viaturas, na guerra e depois na América, alguns deles em festas.

A todos os inquiridos os autores perguntaram se valeu a pena. Muitos deles responderam que se tratou de um fútil desperdício, que houve muita vida destroçada e há muita recriminação ao modo como a descolonização se processou. Para que conste.
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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11899: Notas de leitura (507): Memórias de Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai) (Mário Beja Santos)

domingo, 30 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10879: O meu Natal no mato (40): O Presépio da CCAÇ 2444 em 1968 em Bissorã (João Rebola)

1. Mensagem do nosso camarada João Rebola* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2444, Cacheu, Bissorã e Binar, 1968/70), com data de 29 de Dezembro de 2012:

Olá Luís Graça / Carlos Vinhal
Envio-vos estas fotos que foram tiradas na Outra Banda, em Bissorã, para serem publicadas na Tabanca Grande.

Foi o segundo Natal passado longe da família de sangue, mas com uma outra família: os meus soldados.

A saudade dos seus entes queridos, o odor da sua terra, a distância do pátrio-lar, tudo isto aliado à grande religiosidade, bem característica do povo açoriano, motivaram um pedido:  
- Furriel, faça-nos um presépio com o menino Jesus, com a Nossa Senhora, com os Reis Magos, etc, etc.

E onde é que iria encontrar aqueles personagens?
Ora, em Bissorã, havia um estabelecimento de um simpático libanês, o Alfredo Kalil, onde nada faltava. Seria lá que poderia encontrar aqueles objectos?
Já não me lembro o que comprei para pôr no presépio. Mas que tinha figuras adequadas a este, lá isso tinha!!

E assim, aconteceu Natal, na outra Banda.

A continuação de Boas Festas e um 2013 com "manga "de saúde para todos os ex-combatentes e seus familiares.
João Rebola


Nesta foto, da esquerda para a direita: Madeira, João Rebola, Pimentel e Gualter

Nesta foto: Os Fur Mil  Manuel Sá e João Rebola
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10821: Tabanca Grande (373): João Manuel Pereira Rebola, ex-Fur Mil da CCAÇ 2444 (Guiné, 1968/70)

Vd. último poste da série de 21 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9246: O meu Natal no mato (39): Mejo, 1- Guileje, 0 (José Brás)

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Guiné 63/74 - P10482: Álbum fotográfico do ex-1º cabo Manuel das Neves, o "Manuel da Canada", açoriano da ilha do Pico (CCAÇ 1438, 1965/67): Guileje: "Foi aqui que eu rezava todos os dias 3 e 4 terços, o helicóptero é que nos deixava cair a ração de combate, ele não podia parar"



Guiné > Região de Tombali >  CCAÇ 1438 (1965/67) >  Álbum fotográfico do Manuel do Canadá > Foto nº 1 > O Manuel das Neves, açoriano,   no regresso de Cacine, depois de uma operação de seis dias na Mata do Cantanhez. Na mão direita, uma ração de combate (?). E apresenta-se descalço. Em primeiro plano, espingardas G-3 (julgo tratar-se da versão original com punho e fuste de madeira, usadas ainda em 1965,  no TO da Guiné) (LG).

Guiné > Região de Tombali >  CCAÇ 1438 (1965/67) >  Álbum fotográfico do Manuel da Canada > Foto nº 1 > Legenda manuscrita  no verso.


Guiné > Região de Tombali >  CCAÇ 1438 (1965/67) >  Álbum fotográfico do Manuel da Canada > Foto nº 2 > Destacamento onde esteve o pelotão do Manuel da Canada e onde sofreu um  ataque ou flagelação... Topónimo ilegível [Nhacobá ?].


Guiné > Região de Tombali >  CCAÇ 1438 (1965/67) >  Álbum fotográfico do Manuel da Canada > Foto nº 2 > Legenda manuscrita no verso


Guiné > Região de Tombali >  CCAÇ 1438 (1965/67) >  Álbum fotográfico do Manuel da Canada > Foto nº 3 > Estrade de Guileje... Vejam-se as lianas atravessando a estrada, terraplanada, e aparentemente com bom piso...



Guiné > Região de Tombali >  CCAÇ 1438 (1965/67) >  Álbum fotográfico do Manuel d
a Canada > Foto nº 3 > Legenda manuscrita no verso


Guiné > Região de Tombali >  CCAÇ 1438 (1965/67) >  Álbum fotográfico do Manuel da Canada > Foto nº 4 > Tabanca de Guileje... No verso lê-se: "Foi  aqui que eu rezava todos os dias 3 e 4 terços, o helicóptero é que nos deixava cair a ração de combate, ele não podia parar".


Guiné > Região de Tombali >  CCAÇ 1438 (1965/67) >  Álbum fotográfico do Manuel da Canada > Foto nº 4 > Legenda manuscrita no verso.



 Guiné > Região de Tombali >  CCAÇ 1438 (1965/67) >  Álbum fotográfico do Manuel da Canada > Foto nº 5 >  Bandeira nacional e galardão da companhia, com os nomes dos lugares, à esquerda, por onde o pessoal andou (mais de um dúzia) e possivelmente os nomes dos camaradas, à direita,  que morreram (cino ?) (*)... No verso, lê-se apenas a seguinte legenda: "Esta foto foi de todos os lugares [em] que nós [es]tivemos em combate".


Guiné > Região de Tombali >  CCAÇ 1438 (1965/67) >  Álbum fotográfico do Manuel da Canada > Foto nº 5 > Legenda manuscrita no verso

Fotos: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Todos os direitos reservados [Fotos editadas por L.G.]

1. A CCAÇ 1438 foi mobilizada pelo BII17 – Angra do Heroísmo, Açores. Chegou à Guiné no dia 18 de Agosto de 1965 e regressou a 18 de Abril de 1967.  Passou por Bissau, Buba, Cumbijã, Colibuía e, por  fim, Quinhamel. Em Outubro de 1966 estava em Quinhamel. Foi seu comandante o cap inf Eugénio Batptista Neves.

Não temos nenhum representante desta companhia, independente, na nossa Tabanca Grande. Estas fotos fazem parte do nosso arquivo desde 2007. Foram-nos disponibilizadas pela ONG AD - Acção para o Desenvolvimento, no âmbito do projeto Núcleo Museológico Memória de Guiledge. O ficheiro onde estão contidas, de cerca de 2,5 GB, está na seguinte pasta:  Guiledje Visual > Acervo Visual Colonial > Guerra em Guiledje >  Fotos das Companhias > G- Manuel da Canada - C[CAÇ} 1438 (1965). São cinco ao todo, numeradas de 1 a 5, com legendas manuscritas no verso.

Não temos mais quaisquer elementos que nos permitam identificar este camarada, que se assina por "Manuel da Canada" [, e não do Canadá. como inicialmente pensei].  Só o Pepito nos pode explicar como é que estas fotos foram parar a Bissau, ao bairro do Quelelé... Na lista das 11 unidades que passaram por Guileje, elaborada por Nuno Rubim (Gráfico a seguir), não consta a CCAÇ 1438. Em 1966, a unidade de quadrícula era CCAÇ 1424, de que ele próprio. Nuno Rubim, foi comandante (o 2º de três). Esta companhia, que pertencia  ao BCAÇ 1858 (Bissau, Teixeira Pinto e Catió) passou por Bolama, Cachil, Guileje, Sangonhá e Bissau.

O nosso camarada Manuel da Canada assegura que esteve em Guileje. Não diz quando nem quanto tempo... (A CCAÇ 1438 sofreu pelo menos um morto em combate, em Guileje, em 9/10/1965)(*). Se ele nos estiver a ler, ele ou alguém da sua companhia, que nos esclareça. Já agora, teríamos todo o gosto em que o Manuel da Canada entrasse para a nossa Tabanca Grande. Pode contactar-nos através do nosso endereço de email: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com .

Desejamos-lhe muita saúde e longa vida.



Infografia: © Nuno Rubim (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados

3. Correspondência recentemente trocada com o Pepito e o seu amigo açoriano Ernesto Ferreira:

(i) De Luís Graça para Pepito.

Pepito: Tens ideia de que te arranjou estas fotos ?... Esta companhia não esteve "oficialmente" em Guileje, mas teve lá pelo menos um morto em outubro de 65... Eram açorianos... Não tenho tido notícias do Nuno Rubim, estou preocupado, vou-lhe telefonar... Um abração (Por cá é feriado, o último 5 de outubro... Viva a República!)...

(ii) Do Pepito para L.G.:

Luís:  Estas fotos obtive-as quando fui aos Açores (ao Pico) e pedi a um colega e amigo meu de Agronomia que identificasse ex-militares que tivessem estado em Guiledje. Ele deu-me estas fotos com as legendas que conheces. Eu nunca estive com ele [, o Manuel do Canadá], mas quem o conhece é o tal amigo meu,  Ernesto Ferreira [...] que lá está.
abraços
pepito


(iii) Mensagem do engº agrónomo Ernesto Ferreira /que entretanto informara o Pepito de que o militar em questão já tinha falecido: "Caro amigo, tenho a comunicar-te que infelizmente esse amigo que me deu as fotos já faleceu há cerca de 5 anos de [doença][. Um abraço. Ernesto"):

Caro Luís Graça, não o conheço pessoalmente, mas teria muito gosto. Os amigos dos meus amigos, também meus serão, ainda mais sendo daqueles "do peito", como é caso!!!

Pois relembrando o Manuel da Canada (e não do Canadá), a cuja família informarei destas diligências e do vosso interesse, a seguir passo a descrever os seus dados:

Manuel Fernando Garcia das Neves, natural da freguesia da Candelária, Concelho da Madalena do Pico, Açores - Companhia 1438, 1.º pelotão, 1.º cabo n.º 415.
Aproveito para o informar que estes dados me foram facultados por outro ex-combatente da mesma companhia, por sinal meu compadre (o meu filho mais velho casou com a respetiva filha), cujos dados são: António Fernando de Oliveira Garcia, natural da freguesia da Criação Velha, Concelho da Madalena do Pico, Açores - Companhia 1438, 4.º pelotão, 1.º cabo n.º 416.
Anos- 1965 a 1967

Dado que o meu compadre estará disponível para mais alguma informação, não se coiba de me contactar.
Um abraço.
Ernesto Ferreira

(iv) De L.G, para Ernesto Ferreira: 

Meu caro engº Ernesto: 
Obrigado pelas fotos e pelas informações adicionais sobre o seu amigo e nosso camarada Manuel. Lamentamos a sua morte. E gostaríamos que a sua memória ficasse viva no nosso blogue. Seria também um homenagem aos restantes militares açorianos desta companhia, a CCAÇ 1438, de que não temos ninguém conhecido e registado. É possível saber o nome completo do Manuel da Canada ? Do seu posto, soldado, 1º cabo ? Naturalidade ?..

Fico-lhe muito grato. Luís Graça

(v) De L.G, para Ernesto Ferreira:

Meu caro Ernesto:

Aprecio muito essa franqueza e frontalidade, tipicas das gentes dos Açores!...  Temos, para já, um amigo em comum que é o Pepito. Aproveitando a sua amabilidade, peço-lhe que me explique a razão de ser do nome do Manuel Fernando... Manuel da Canada, e não do Canadá... Fui induzido em erro pelo estereótipo da emigração.. Muitos ex-militares açorianos, acabados de chegar da guerra do ultramar, emigraram para os States e para o Canadá...

Se a família nos autorizar, vamos fazer-lhe uma pequena homenagem do nosso blogue, que é um blogue de "partilha de memórias e de afetos"... É possível que eles tenham mais fotos, incluindo uma mais recente, antes do Manuel ter falecido... Já agora, em que ano terá ele nascido ?

Teríamos muito interesse, por outro lado, em acolher, no nosso blogue, o seu compadre e nosso camarada António Fernando... como um dos bravos da CCAÇ 1438... Será que ele tem um endereço de email para eu o poder contactar?

Um abração do Luís Graça
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Nota do editor:

(*) Identifiquei, através de pesquisa no nosso blogue, pelo menos 4 camaradas açorianos desta companhia, mortos em Combate, e que ficaram sepultados no cemitério de Bissau:

Manuel Correia Pedro, Soldado / CCaç 1438 / morto em 27.11.65, no Xitole, sa sequência de ferimentos em combate; era natural de Velas, S. Jorge, Açores / Cemitério de Bissau, Guiné;

Manuel Geraldo Teixeira, Soldado / CCaç 1438 / morto em 09.10.65, em Guileje, na sequência de ferimentos em combate; era natural de Santo Antão, Calheta, Açores / Cemitério de Bissau, Campa 1965, Guiné;

Manuel Silveira Reis, 1.º Cabo / CCaç 1438 / morto em 10.03.66, em Salancaur, na sequência de ferimentos em combate; era natural de Feteira, Horta, Açores / Cemitério de Bissau, Campa 277, Guiné;

Manuel Vieira Ferreira, Soldado / CCaç 1438 / morto em 11.03.66, em Salancaur, na sequência de ferimentos em combate; era natural da Praia da Vitória, Açores / Cemitério de Bissau, Campa 276, Guiné.