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sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8725: (Ex)citações (148): Lembrando camaradas e suas alcunhas (Henrique Cerqueira, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72)

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira* (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), com data de 23 de Agosto de 2011:

Olá amigo Carlos
Este assunto das alcunhas** ao princípio até me pareceu um pouco "desinteressante", no entanto, ao ler os últimos postes em relação ao convite da TVI, fiz um pequeno comentário. Vai daí lembrei-me de alguns camaradas meus visados e "alcunhados", e escrevi no referido comentário os ditos "apelidos" ou alcunhas.
Passado algum tempo dou comigo a pensar nesses meus queridos camaradas da Guiné, mais propriamente da minha antiga Companhia do Biambi(e). É então com o coração nas mãos que resolvo escrever esta pequena nota.

Lembro assim com saudade os seguintes camaradas que eram muito influentes na nossa vida diária passada no Biambi(e) e são eles:

Ex-Furriel Lopes, o nosso querido "Pato da Bolanha" sempre de calções, meiinhas e sapatos, pernas compridas e todo esticadinho e apressado (um autêntico urubu) que nós em tempos de fome (eram sempre) apelidamos essa ave de "Pato da Bolanha", acompanhada de cervejinha e uns Dimples, até não era nada má, pois a nossa memória bloqueava. O nosso Lopes era a eficiência na burocracia, penso que até muito melhor que os "sorjas" da Companhia .

- Lopes isto é mesmo verdade. Eras um gajo chato como ó caraças, mas hoje tenho saudades tuas. Aparece.

Agora o "Escrita", o nosso 1.º Cabo da Secretaria. Outro gajo mesmo porreirinho e eficiente, aliás ele e o Lopes faziam uma parelha imbatível, creio que até conseguiram comer as papas na cabeça dos sorjas e até penso que lhes passaram a perna... sabe-se lá em quê ???

Ainda há poucos anos o Cunha conseguiu com toda a sua eficiência dar uma boa ajuda na reforma de um dos nossos ex-camaradas que foi ferido lá na Guiné. O gajo era mesmo bom para a papelada e afins.

- Cunha a malta tem apreço por ti e até saudades, vê lá se tens os neurónios no sitio e aparece.

E agora para o Mec... Mec, o ex-Furriel Mecânico. Este era outro dos nossos queridos "Malucos". Bebedor compulsivo de Coca-Cola, magricela até ao osso, mas maluquinho até dizer basta. Bom mecânico, também bem acompanhado, em especial, pelo Martins.

- Teixeira (Mec... Mec) eras mesmo um grade maluco, tão maluco que não descansaste enquanto não arranjaste a GMC para depois a experimentares na picada para Encheia até passares por cima duma mina anti-carro. Não lembro aqui a tragédia por respeito, mas sim o outro que ia ao teu lado.

O Bagabaga, o meu próximo visado, o ex-Furriel Vagomestre, o REGO de seu nome, natural dos Açores.
Outro "sacanote" do melhor, este meu amigo, de quem nunca mais soube nada, mas tenho certeza de que se Deus quis, ele deve estar bem de vida assim, o espero e desejo.

Enquanto estive no Biambi(e), havia sempre a possibilidade de uma vez ou outra fazermos uma petiscada às escondidas do sorja. Era primeiro necessário dar a palmada a um bichito da tabanca, porque eles não vendiam, nós sofríamos e as glândulas gustativas mandavam.

- Rego se por mero acaso leres este escrito comunica, mesmo que seja do além o Carlos Vinhal arranja maneira de publicar.

Eu sou mesmo chato, disse que eram umas pequenas palavras e até já parece um livro de merceeiro.
Meus amigos visados e a todos os outros, tentei fazer um pouco de "graça" com os meus "alcunhados", mas na verdade o que aconteceu é que este tema veio mexer com as saudades e elas estão bem presentes.
Eu tenho mesmo saudades dos meus amigos e da minha juventude.

Um abração a todos
Henrique Cerqueira
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 26 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8472: Controvérsias (127): Ser ou não ser combatente ou ex-combatente (Henrique Cerqueira)

(**) Vd. poste de 18 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 – P8684: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (13): Como se apanha uma alcunha logo no primeiro dia de Guiné

Vd. último poste da série de 12 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8663: (Ex)citações (147): Guidaje – 1973. Esclarecimentos (José Manuel Pechorro)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8700: Convite (10): Os ex-combatentes, as alcunhas e as suas origens, no Programa da Manhã da TVI, dia 25 de Agosto de 2011

1. No seguimento da publicação do poste Guiné 63/74 – P8684: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (13): Como se apanha uma alcunha logo no primeiro dia de Guiné, a jornalista da TVI, Inês Morgado, deixou este comentário:

Bom dia Rui e respectivos responsáveis por este blog,
sou jornalista da TVI e estou interessada nesta história e em outras que contem como se "ganhavam" as famosas alcunhas e as histórias por detrás delas. No programa Você na TV iremos falar deste tema na próxima semana e gostavamos de ter a participação de combatentes da guerra colonial que tenham estas histórias para contar.

Caro Rui e quem esteja interessado, queiram contactar-me para inesfmorgado@gmail.com.
Muito obrigada!


2. Entretanto o nosso Tigre de Missirá, camarada Mário Beja Santos, mostrou-se interessado em participar no programa, pelo que fiz seguir a sua mensagem à senhora jornalista.


3. Hoje recebi esta mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos, que já fiz circular pela tertúlia, mas que fica aqui para conhecimento dos nossos leitores, e como convite a quem quiser participar no programa da manhã da TVI da próxima quinta-feira:

De: (DGC) Beja Santos
Data: 23 de Agosto de 2011 11:45


Assunto: Programa Você na TV

Queridos Amigos, 

Acaba de me telefonar esta senhora se eu contactava antigos combatentes que estivessem dispostos na 5ª feira a ir falar sobre alcunhas na guerra. Vejam, por favor, se podem dar colaboração a esta emissão .

Um abraço, 
Mário Beja Santos

************
 

De: Inês Morgado [inesfmorgado@gmail.com]
Enviada: terça-feira, 23 de Agosto de 2011 11:34
Para: (DGC) Beja Santos
Assunto: Programa Você na TV

Bom dia,
muito obrigada uma vez mais pela sua disponibilidade.

O tema do programa será então acerca das alcunhas que os combatentes tinham durante a guerra colonial e as respectivas histórias por detrás das mesmas. O intuito é, portanto, ter em estúdio alguns ex-combatentes que nos venham contar as histórias das suas alcunhas e as de outros colegas se assim entenderem.

O programa é nesta quinta-feira nos nossos estúdios em Queluz de Baixo.

Relativamente à sua participação, eu precisava apenas que me desse algumas informações suas para transmitir ao Manuel Luís Goucha como fazemos sempre para os convidados que serão entrevistados.

1- Nome completo;
2- Idade;
3- Naturalidade;
4- Morada (para dar à produção);
5- Anos em que esteve na guerra colonial e onde;
6- O que fazia na altura em que teve de ir para a guerra;
7- Abreviadamente mencionar algumas das histórias que irá contar;
8- Qual era a sua alcunha e porque é que lhe foi dada a mesma;
9- Qual a sua profissão actualmente?

Muito obrigada.
Com os melhores cumprimentos,
Inês Morgado
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8148: Convite (9): Amigo Frade junta-te a nós para partilhares, lembrares e reviveres histórias por que passamos naquela saudosa terra (José Barros)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Guiné 63/74 – P8684: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (13): Como se apanha uma alcunha logo no primeiro dia de Guiné

1. Mensagem de Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 16 de Agosto de 2011:

Caríssimos Luís e Vinhal:
Vai, sem mais demora, um grande abraço para vocês, extensivo aos co-editores e outros colaboradores deste fantástico Blogue gerador da grande família que são os ex-Combatentes da Guiné (há quem defenda que se deve tirar o “ex”).

Em anexo vai mais uma história (100% verídica, claro) para o Blogue, que vocês usarão no indiscutível critério de a pôr ou não e sempre de resultado por mim aceite e de cara alegre.

Pronto e às ordens.
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.


Uma história de “Guiné minha”

Dos tais salpicos, das minhas memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

Como se apanha uma alcunha logo no primeiro dia de Guiné e fica-se com ela até (pelo menos) à despedida da malta no Cais da Rocha Conde de Óbidos.

Ainda hoje muitos conhecem-se pelas alcunhas e, em alguns casos, sem se ficar a saber os nomes próprios. E isto passados 44 longos anos após o regresso da Guiné.
Pois, nos nossos encontros anuais de Convívio, ainda as alcunhas funcionam e alguns até fazem questão de por assim serem chamados. Nomes de guerra, como se pode dizer, não deram para esquecer.

O Seiscentos, o Barrumas, o Pele-e-osso, o Passarinho, o Trovoada, o Paparôco, o Doutor, o Cow-boy, etc, e mais este que passo a contar:

Chegamos a Bissau, a bordo do Niassa, aos 26 dias do mês de Maio de 1965. Meio-dia, sol brilhante e muito quente este a prenunciar o tempo das chuvas que estava a chegar (não sabíamos, mas ficámos logo a saber).
O Niassa ficou ao largo, devido ao calado (o do barco), e seguia para Angola, aqui também de passagem a deixar tropas e em viagem até Timor.

A última meia milha para o cais de Bissau foi feita em LDG.

Saltámos para as viaturas ali pertinho da Fortaleza d’Amura e, em grande velocidade, a Companhia foi auto-transportada até ao aquartelamento de Brá.

Ficaríamos ali 13 dias. Depois, ala que se faz tarde: OIO. Manga de chocolate, disseram-nos, à despedida de Brá os que ali ficaram de fato amarelo já algo coçado e aterrado, “comandos” e do Briote se calhar.

Nos dias que ficámos em Brá tínhamos transporte por viatura militar a horas pré-determinadas para Bissau e volta.

O primeiro jantar resolvemos, uns poucos de Furriéis da 816, ir comer a um restaurante a Bissau.
Fomos cair ao Tropical, não sei como.

No Tropical comiam-se boas ostras passadas por molho picante num pires e, o que até não era preciso, a puxar por a cerveja. Garrafas de (julgo de 66cl) bebidas em dois ou três tempos.

Isto, mais tarde, quando se passava por Bissau e em transito para férias na metrópole.

Aqui as garrafas vazias de cerveja iam-se amontoando no chão junto à pedreira (as conchas das ostras) e ao lado de cada um, isto é do responsável pelo “lixo” que fazia.
O restaurante ficava numa rua paralela à avenida da República e do lado norte da cidade e na mesma rua do Solar do Dez que ficava mais abaixo lá prá marginal, julgo que relativamente perto do Pidjiguiti.

Falar em Pidjiguiti lembra a foto seguinte:

Dentro de um barco no cais de Pidjiguiti. Eu, à direita, armado em doutor e, do lado esquerdo, é mesmo o “doutor”, camarada da minha Companhia.

O restaurante tinha uma sala bonita e acolhedora. Bem frequentada. Com ar condicionado e tudo.
Gente fina nas mesas, e senhoras muito elegantes também.

Ficámos numa mesa, aí uns seis, e frango assado foi o escolhido da ementa, esta não muito diversa.
Até parecíamos uns turistas. Tudo de roupa à civil e já de indumentária tropical, mas branquinhos de epiderme. A guerra aqui, ficava ao lado, mesmo muito ao lado. Era curioso que só ao entrarmos no mato e de G3 na mão, é que nos lembrávamos que estávamos em guerra. Afora isso, borga, bola, e um uísque ali à mão também dava cá um jeitão.
Vinte anos de idade, de tanta perspectiva e expectativa!

No passeio-esplanada do Tropical, um ataque às ostras. Eu estou mais interessado na bebida do que no fotógrafo

Depois de bem comidos (salvo seja) e bem bebidos, alguém pensou em mandar vir sobremesa, mas naquela altura só havia fruta de calda. Foi a primeira vez que vi fruta em calda. Latas de um litro e em entre outras, havia de pêra, uvas, etc.

Gostei daquilo, e, no futuro, já no mato, muitas vezes ia à cantina comprar uma lata, bem fresca também.

Ainda no Tropical, abrem-se então duas latas e dividem-se as peras, irmãmente, claro.

Após a divisão da iguaria e naquele ambiente fino onde só se sussurrava (uma mesa não ouvia a outra) levanta-se no topo da minha mesa o Furriel Enfermeiro e, para que se ouvisse bem o que ele queria, diz naquele tom de acentuado sotaque algarvio ao homem que ainda tinha a lata na mão:
- Dá-me mais molhinho.

Acabou então ali a prosápia daquele grupo de Furriéis da 816 e ficou ditada a sentença. Dali para a frente, o homem que queria mais molho, passou a ser conhecido pelo Molhinho.
Nem foi preciso alguém alvitrar. Foi automático. Todos passamos a tratá-lo por Molhinho.
E quando nos despedimos no Cais da Rocha Conde de Óbidos, passados perto de dois anos, foi um:
- Até sempre… Molhinho.
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 1 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8623: In Memoriam (87): Fur Mil João Fernandes Machado da Silva da CCAÇ 816, morto numa emboscada no dia 1 de Agosto de 1965 (Rui Silva)

Vd. último poste da série de 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 – P8354: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (12): Baile de Fim de Ano na Associação Comercial, mesmo ao lado do Palácio do Governador

domingo, 26 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7038: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (6): Tivemos bons mestres, dizem angolanos, guineenses e brasileiros, quando falam de corrupção

1. Texto de António Rosinha [, foto à direita]:


Somos mesmo assim tão corruptos?

É que na Guiné, no Brasil ou em Angola, quando se fala em corruptos, e estiver um português por perto,  dizem logo "tivemos bons mestres".... Se na nossa cara falam assim, imaginemos nas nossas costas o que dizem.

A história do engenheiro Alves dos Reis que venceu todas as burocracias necessárias para mandar fazer notas de 500 na Inglaterra, nos anos vinte do século passado, era do conhecimento de todos os adultos que sabiam ler, na cidade de Luanda, quando eu lá cheguei.

Eu, e a maioria que íamos daqui com carta de chamada e passagem do próprio bolso, nunca tinhamos ouvido falar nessa história. Como esse vigarista tinha vivido em Angola, havia gente que o tinha conhecido, ou sabia pelo menos da sua actividade. Talvez soubessem disso os que iam em comissão de serviço por quatro anos, como os governadores gerais e seus secretários, ou comandantes militares.

De facto, esse Alves dos Reis demonstra a capacidade de alguém para corromper tanta gente, desde conseguir assinaturas, carimbos, ser recebido por ministros, e depois distribuir e pôr esse dinheiro a circular em bancos e comércio...E esse génio da vigarice e corrupção era português, com fama internacional.

Agora andam por aí banqueiros que talvez já ultrapassem aquela antiga glória dos anos vinte do outro século.

Claro que se a vida não tivesse uma qualidade melhor em Angola do que cá, seria deprimente para mim e todos os que íamos daqui, ouvindo bocas como de atrasados, íamos só para viver à custa deles, mas esta de corruptos era aquela que talvez se estranhava mais, para quem nunca tinha ligado a tal coisa. Claro que eram conversas de café e o tal jeito da adaptação, dificil de explicar, resolvia tudo, em Angola, no Brasil ou na Guiné.

No Brasil era pior, onde o português era o alvo das anedotas do "menos inteligente". Hoje, os brasileiros emigrantes em Portugal também ficam marcados por outros motivos.

Na França, as marcas do português emigrante também se fariam sentir mas penso que não por corrupção. Mas por sua vez o emigrante que retornava, voltava a ser novamente marcado na sua terra.

Mas essa marca do "mestre da corrupção", penso que é invocado mais nas ex-colónias. Pessoalmente, em Bissau vi sinais de corrupção e vigarices bem (mal) disfarçadas por gente portuguesa em conluio com guineenses, em que a vítima era o Estado Português e o Guineense. Claro que não posso dizer nomes porque não sou polícia e não sou tetemunha. Mas casos descaradissimos não faltavam.

Eu próprio, não sei se me considere corrupto ou não. O que escrever um dia aqui, se tiver oportunidade, quem leia, julgará. Se era corrupto ou "ficava à porta". Mas não sei se já disse outras vezes, em Bissau não são precisos jornais. E o povo em Bissau tudo sabe, e até um dia Nino Vieira teve que fazer um comício para demonstrar que não era corrupto, no fim eu conto.

Eu acredito que na chamada África a sul do Sahara, antes de Diogo Cão ir visitar aquela gente, não havia corrupção tal qual como a praticamos hoje, europeus e africanos.

Sempre se falou e fala muitas vezes nas riquezas "fabulosas" dos países africanos, principalmente em Angola, e Congo que eu conheci um pouco, mas tambem na Guiné e é sabido que os dirigentes dos movimentos independentistas e muita gente pensava isso, que as riquezas das colónias portuguesas não eram divulgadas, para evitar a cobiça das potências estrangeiras.

Essas ideias também provocavam e provocam corrupção e tudo o que de negativo venha atrás, como no caso extremo em certos países africanos com os afamados "diamantes de sangue". No caso de Angola, parece que os diamantes continuam a ser moeda de troca. Não me admira que,  igualmente ao tempo colonial, haja muita dinheiro a ser investido em quartzo e vidro triturado.

Mas na Guiné, como não há grandes riquezas naturais à vista, talvez não haja grandes escândalos, mas é constante falar-se em corrupção e se um tuga estiver por perto pode ouvir a insinuação de mestre da dita mania da corrupção.

Houve um Natal de 1980 em que a Tecnil por hábito fazia a distribuição pelos clientes de umas lembranças, e como habitualmente era obrigatório uma lembrança para o presidente da República e outra para o Ministro das Obras Públicas. Ora naquele ano, 'Nino' Vieira era presidente havia um mês e o ambiente estava muito tenso e até algo violento devido ao golpe recente, e da Tecnil ninguém se achava com à vontade para levar essa lembrança à residência do Presidente, porque não se sabia qual seria a reação. Mas alguém teve que ir, e esse alguém lá entregou umas caixas com garrafas e mais umas embalagens com um cartão aos seguranças, mas passados uns minutos estava tudo devolvido sem explicações.

Dentro de uma perspicácia especial dos guineenses, toda a gente é baptizada com uma alcunha, e sempre com muita originalidade. Quem não podia escapar era o Presidente 'Nino' Vieira. que embora já tivesse a alcunha habitual, adaptavam-lhe uma alcunha (não muito às claras, penso eu) de uma novela brasileira, Sinhôzinho Malta. Desde o poder absoluto, aos carrões, ao relógio de ouro que exibia no pulso, e toda a gente ter um respeito absoluto àquela figura, e até a corrupção que se imaginava, tudo se adaptava à alcunha.

E passados uns anos, 'Nino' Vieira teve que explicar que não era corrupto, como se andava a falar. Usou um comício, transmitido pelo rádio e televisão e entre outros assuntos falou do "boato que anda por aí a correr". E agora digo apenas do que me lembro de ouvir e o sentido que o Presidente queria transmitir, e o pessoal comentou durante uns dias:
- Dizem que sou corrupto, mas se por exemplo, este relógio de ouro que tenho no pulso (e levanta o pulso com um relógio vistoso) que me foi oferecido pela Soares da Costa (a maior empresa a trabalhar na Guiné), como uma lembrança, eu devia recusar? Se o fizesse até era má educação.
- Isso é ser corrupto? - perguntava 'Nino' à assistência.

Claro que o povo que assistia ao comício respondeu em côro: 
- Nããão!

E agora, podemos nós aqui perguntar se, apesar de dezenas de nacionalidades representadas com seus nacionais em Bissau, e ser exactamente uma empresa portuguesa, a  Soares da Costa,  a dar um relógio ao Presidente, isso faz-nos,  aos portugueses,  mais suspeitos de corrupção do que os outros?

Claro que alguns de nós diremos: 
- Siiiim!

Mas concerteza haverá lugar para outras definições desse acto desde nããão, talvez ou niiim.

Não estou a imaginar ver os Suecos que tanto ajudaram o PAIGC, a dar particularmente um relógio a 'Nino' Vieira e este a explicar publicamnte. Mas vi os Suecos darem a cada ministro um Volvo topo de gama e renová-lo periodicamente e grandes máquinas para madeireiros trabalharem.

Também não imaginamos Russos que tanto ajudaram o PAIGC, oferecer um relógio ao Presidente. Mas vimos oferecer carros de combate e aviões de guerra.

O acto dos russos e suecos são ajudas de um povo a outro povo , no caso português são apenas negócios com uma empresa portuguesa em que uma da mãos lava a outra.

É esta a imagem que fica das diferenças de uma cooperação e outra. O que a Soares da Costa fez, é aquilo que podemos imaginar que foi a aventura,  de séculos por esse mundo fora, da diáspora portuguesa. Podemos dizer que é o tal desenrascanço, e ficam sempre suspeitas (os guineenses chamam o soco por baixo da mesa, em crioulo).

Enquanto outros cidadãos e empresas só agem com colaboração de embaixadas e consulados, em Portugal parace que se evitam mutuamente esses contactos.

Chegava-se a ver em Angola, no tempo colonial, comerciantes totalmente isolados durante anos, sem chefes de posto, nem missionários nem postos médicos que se instalassem a menos de um dia de viagem a pé (estradas nem vê-las). Claro que tinham que se desenrascar através de uma integração desde a aprendizagem das línguas, até aos remédios do povo e certamente compra de favores (corrupção?). 

Eu aprendi com colegas angolanos, logo nos meus primórdios, a deslocar-me em lugares distantes de povoações, acompanhado com um saco de sal. Era ouro com que comprava desde alimentação, informações e até protecção. Seria corrupção?

Claro que muitas vezes referem-se casos de imenso sucesso de portugueses na França, Brasil, Angola e até na China e América, mas os insucessos são varridos para baixo do tapete. Mas que a imagem que fica,  podia ser melhor se não nos auto-marginalizássemos, disso não tenho dúvida.

 Cumprimentos,

Antº Rosinha (*)
_______________

Nota de L.G.:

(*) Último poste da série > 19 de Setembro de 2010  > Guiné 63/74 - P7006: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (5): Portugal nem explorava nem desenvolvia, colonizava pouco e mal