Caros camaradas e amigos
Então aí vai mais um episódio, com abraços reconhecidos
Veríssimo Ferreira
OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA
9.º episódio - As confissões de um prisioneiro
E lá se ia passando o tempo...
Voltámos no dia seguinte, para um provável reencontro com os tipos que nos andavam a querer dificultar a vida e já o haviam feito neste mesmo local. A determinada altura, vindo de dentro da mata e próximo, veio o zurrar dum burro, daqueles com quatro patas. Aqui nesta zona do K3, nunca tal houvera visto, embora conhecesse, um ou outro, mas de duas patas.
Acomodámo-nos melhor, uns atrás das baga-bagas, outros atrás das vetustas árvores, outros ainda deitados na camuflagem natural da selva. O dedo permanecia no pinchavelho, ou seja, naquela coisa que na G3 faz accionar a saída pelo cano, duma pecita que ao encontrar algo, derruba que se farta. Pedi que ao verem o asno, o deixassem para mim, experimentado que era e sou, em engatá-los na nora do meu sogro que também era o proprietário duma mula bem vistosa.
Passado pouco tempo, lá chegaram aqueles por quem amigavelmente esperáramos para uma aterradora surpresazinha e para lhes cantar também os parabéns. Vinham descontraídos... conversando... alegres e bem dispostos... não antevendo, ingénuos, que também sabíamos preparar recepções. A tiracolo traziam, a meu ver e depois confirmei, armas proibidas e para as quais não tinham a necessária e indispensável licença para uso e porte. No final da fila em pirilau, que o caminho era estreito, lá vinha o jumento, que tanta alegria me viria a dar mais tarde.
Tadinho... vinha carregado que "nem um burro", trazendo num dos lados do lombo... espingardões e do outro lado um canhão sem recuo. Tudo, sem sela nem canga.
Imaginei o sofrimento do pobre e pensei:
- Quais selvagens, tratam assim as bestas ???...
Hora da festa... faça-se a festa... e fez-se. Manga de ronco... mesmo... e só tarde se aperceberam do que lhes estava a acontecer. Regressámos depois a penates e de livre vontade, acompanhou-nos com arreata, o prisioneiro que ia entrementes fazendo uma alarvice de zurraria do caraças. Com este eram agora dois, os aprisionados, porque ontem um outro, bem aparamentado e com a fisga e de mãos no ar, havia desertado e entregou-se às NT.
Estava a ser interrogado a fim de vermos se nos cedia quaisquer informações, mas apenas respondia: "Je ne sais pas". Qual crioulo... qual português? Seulement français, dizia. Até que, por caridade, lhe levei o nosso prato do dia, para que se alimentasse, claro. Ao ver a "dobrada liofilizada com feijão branco", pediu em Português correcto:
- Não, não me torturem... eu falo... eu conto... eu denuncio... mas lá comer isso é que não.
E confessou que tinham:
- na bolanha, três submarinos sem portas, apenas com escotilha;
- no Cacheu, um porta aviões, perto de Farim;
- aviões, manga deles escondidos na mata, junto dos helicópteros;
- comida: camarões e lagostas de Quinhamel e ostras do Geba;
- armas de todo o calibre e feitio, morteiros e em mais quantidade, costureirinhas e AK 47, 48, 49 e 50.
K3 > Entrada da suite. Com o Ismael da Secção de Morteiros 60
(continua)
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Nota de CV :
Vd. último poste da série de 1 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10602: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (7): 8.º episódio: Uma emboscada perigosa