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terça-feira, 4 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6309: Controvérsias (72): Uma Página Negra (José Manuel Matos Dinis)


1. O nosso Camarada José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2679,  Bajocunda, 1970/71), enviou-nos a seguinte mensagem, complementando a informação prestada no poste P 6261, da autoria do Mário Pinto:

Uma Página Negra

A propósito de um poste subscrito pelo Camarada Mário Pinto, que perguntava onde tinha andado a maioria dos capitães do QP durante os anos da guerra, [circulou internamenet, por mail, na nossa Tabanca Grande] um  carta e um estudo subscritos pelo Sr. Coronel António Carlos Morais da Silva que pretende contrariar aquela interrogativa.

Em seguida (durante o dia 28/Abril) recebi uma mensagem do Jorge Teixeira (Portojo), que referia ter sido eliminado do blogue o poste referido. Face à surpreendente notícia, contactei o Mário Pinto, que me referiu ter condescendido com a retirada do poste a pedido dos editores, porque estaria a dar granel. Mau!!??

Ainda agora se comemorou o 25 de Abril, cuja melhor herança foi e é a liberdade.

Por outro lado, é divisa do blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, não deixarmos que sejam os outros a contar a história da guerra por nós, o que implica a abordagem de qualquer assunto implícito, sem tabus de qualquer ordem, como decorre de reiteradas intervenções do nosso Comandante. Apenas se exige respeito pelas regras editoriais.

Do que me lembro, o texto continha uma interpretação enviesada, mas apresentava-se educado e respeitoso. Aliás, alertado para o equívoco, o Mário prontamente esclareceu o erro e, humildemente, pediu desculpa.

Às vezes o preconceito tolhe a capacidade de pensar e aclarar ideias sobre factos e acontecimentos. E neste caso demos uma flagrante prova de incapacidade para resolver um assunto interno, que nem sequer alterava o sentido do poste, nem punha em causa a linha do Blogue, pois abriu-se a porta à auto-censura.

Havia que analisar a carta e o estudo que vieram baralhar a situação.

Optei por apreciar, primeiro a carta e, depois, o estudo contestatário de uma tese de doutoramento que, também ela aborda a matéria, e coteja a evolução relativa dos números de capitães do QP e milicianos no comando de companhias operacionais, ou de combate.

Diz o senhor Coronel (que não integra a família do Blogue) ter contestado junto do Reitor e do júri da U. de Évora - que fez a apreciação da tese "As elites militares em Portugal de 1900 a 1975", da autoria de Manuel Rebocho, Sargento-Mor Pára-Quedista, entretanto licenciado e doutorado em Sociologia - com base nas seguintes afirmações em diferentes trechos da tese, que podem ser verificados pela divulgação que a carta teve entre nós:

1 - "Na medida em que os capitães de carreira pretenderam seguir outras funções que não as de combate...";

2 - "A clivagem deu-se pela formação diferencial...";

3 - "Estes oficiais com dois anos de formação e sem vocação/motivação aferida, tiveram menor formação do que os oficiais que ingressaram na E.E. entre 1938 e 1958...";

4 - "Também se provou que a partir de 1966 os capitães de carreira se foram afastando do comando destas companhias, retirando-se para locais longe da Guerra e para actividades ditas de retaguarda...";

5 - "Os oficiais dos anos 60 fugiram da Guerra... a Academia Militar falhou na selecção e na formação psicológica das futuras elites militares...";

6 - "O Exército cometeu mais um erro ao colocar nas funções de Estado-Maior, oficiais sem capacidade de adaptação e sem experiência, quer da tropa, quer da guerra, pois nunca lá tinham estado, ou pretendiam vir a estar...";

7 - "a fuga dos oficiais combatentes para os Serviços de Apoio constituiu o maior entrave, não só à eficiência, mas também à formação do espírito militar que se ordena e inspira em valores básicos de humanidade...".

Em conclusão da carta ainda de lê:

- É iniludível o enxovalho do QP do Exército praticado em acto público.

- Contrariamente ao que a Universidade de Évora aceitou, sem questionar, os números apurados permitem concluir que os Capitães do QP não fugiram à guerra.

- Cumpriram o dever assumido no juramento de Bandeira que fizeram, voluntariamente.

- Cuidaram da Pátria e não da Fazenda.

A carta, ao contrário do que inspirava, não apresenta argumentos contrários que demonstrem a invalidade dos 7 pontos da tese referenciados. Acaba com as quatro frases lapidares transcritas.

A demonstração do contrário ao explanado na tese, parecia estar consignado no estudo que o Sr. Coronel anexou, e devia refutar expressamente o conteúdo da tese. Fui ver.

Verifiquei que relativamente aos três TO, Guiné, Angola e Moçambique, durante o período de 12/8/1959 a 01/11/1975, segundo o estudo, foram mobilizados 2368 capitães para 1876 companhias de combate (pg.17), sendo que 57,8% foram do QP.

Mas, adiante, com gráficos evolutivos, (pg.22), conclui alguns aspectos relevantes;

1 - De 1965 a 1868 o efectivo de Capitães do QP tem uma quebra de 30 pontos percentuais estabilizando na vizinhança de 57% até 1971;

2 - Nos anos de 1972 e 1973 registam-se quebras de efectivos do QP na ordem dos 15%;

3 - O ano de 1972marca o inicio da queda acentuada do efectivo de capitães do QP, o número de capitães milicianos passa definitivamente a ser superior ao de capitães do QP por razões que adiante são expostas;

Prosseguindo, talvez no âmbito das "razões expostas", refere-se: "Não encontrei justificação para a disparidade entre Moçambique onde 82% das companhias tiveram comando único e a Guiné onde tal valor se situou nuns modestos 65%"- pg.23.

A página 27 refere-se "em 1971 e 1972 não há novos capitães para render os que embarcaram em 1969 e 1970 tendo inicio a intensificação do recurso a capitães milicianos".

E, por fim, na pág. 28 referem-se outros aspectos relevantes:

1 - De 1963 a 1971 pelo menos um terço do stock de capitães QP (Inf, Art, Cav) comandou companhias de combate";

2 - A partir de 1973 tal esforço deixou de ser possível pelas razões já carreadas;

Deste estudo, na parte escalpelizada, pode inferir-se:

1 - Desde o inicio da guerra na Guiné houve recurso a capitães milicianos;

2 - No período de 1963 a 1971, cerca de 70% das companhias de combate foram comandadas por capitães milicianos;

3 - A partir de 1972 essas percentagens afastaram-se, por força do aumento do número de capitães milicianos, por razões, afinal, não explicadas, porque se os capitães antes formados não tinham abandonado o QP, alguma razão pertinente aconteceu para que não voltassem a comandar companhias em campanha, tirando partido da experiência anterior.

Porque o número de capitães não baixou drasticamente, eles terão sido colocados em repartições e serviços de retaguarda;

4 - Nesse caso, com que resultados para a condução da guerra? Sobretudo na Guiné;

5 - A carta do Sr. Coronel, em contestação da tese antes referida, afinal, vem ao encontro das conclusões ali explanadas - na tese, não podendo por isso oferecer-lhe oposição de argumentos. Vide a coincidência de conclusões;

6 - Decorrente do anterior, o poste subscrito pelo Mário Pinto assenta em constatações que, no essencial, tanto a tese de doutoramento, como o estudo do Sr. Coronel, confirmam.

Voltando à carta do Sr. Coronel, refere no final, que foi "iniludível o enxovalho do QP do Exército praticado em acto público", e "que os capitães cumpriram o dever assumido no juramento de Bandeira".

Mais uma vez, sublinho, não se pode tomar a nuvem por Juno, e todos temos notícia de algum capitão merecedor da admiração daqueles que comandou, e dos que disso tiveram conhecimento.

Em lugar de ter utilizado o termo enxovalho, a leitura do estudo que o Sr. Coronel concluiu e divulga, conduz à ilação do grande erro de estratégia por não ter sido aproveitada a experiência dos capitães em segundas comissões para comandar companhias de combate, ou, na ausência de outras explicações, ter-se-á que concluir pela aceitação tácita no preenchimento de serviços na retaguarda.

Mas, neste caso, levanta-se a questão de saber que efeitos positivos advieram para a condução da guerra. E, se aí, na retaguarda, a esmagadora maioria dos capitães do QP cumpriu o seu dever, não foi eficientemente, porque as companhias de combate sempre evidenciaram terríveis necessidades.

Um abraço,

José Dinis

Fur Mil At Inf da CCAÇ 2679
____________

Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

2 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6297: Controvérsias (71): Contemos as nossas experiências e deixemos as especulações para quem não esteve lá (Carlos Vinhal)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6209: Eu, capitão miliciano, me confesso (3): Falando de patacão... (Jorge Picado)

1. Comentário, de 21 do corrente, assinado pelo Jorge Picado,  ao poste P6177 (*)

Camaradas:

Por motivos vários só hoje cheguei aqui, mas mais vale tarde do que nunca.
Também eu andei pelos "Casões Militares, de Lisboa e Porto",  a comprar o enxoval, desde Agosto de 1969, por causa da chamada para o CPC e depois a completá-lo nos finais de Janeiro de 1970, quando já tinha o Bilhete para as "férias" marcado.

Não sei se comprei a pronto,  se a prestações.

Agora aí vai um apontamento que resistiu ao tempo, referente ao mês de Junho [de 1970]:

Total Abonos 13900$00

Total descontos 8967$00

A receber 4932$00.

Nos abonos estão incluidos 4000$00, relativos aos abonos de família (já tinha os 4 filhos), de Março,  Abril, Maio e Junho.

Vencimentos a receber em Agosto em virtude do aumento:

Março-Julho  [1970] 10500$00

Fev 1326$00

-----------------------

Total 11826$00

Desc. Cx Geral Aposentações -710$00

I. Selo -12$00

-----------------------

A receber  (líquido) 11104$00

Recordo-me que devo ter guardado "religiosamente" os recibos, porque se regressasse, como felizmente regressei, tinha depois de estar documentado para se algo de anormal acontecesse nos meus descontos para a Caixa Geral de Aposentações, como realmente aconteceu.

Quando esse problema ficou resolvido, então sim, destrui-os.

Abraços

Jorge Picado

ex-Cap Mil
 (Hoje faço este aditamento para calcularem os proventos dos 3 galões estreitos) (**)
_____________

Notas de L.G.:
(**) Vd. postes da série:

domingo, 18 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6183: Tabanca Grande (213): Carlos Nery Gomes de Araújo, ex-Cap Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)



Guiné > Região de Quínara > Buba > CCAÇ 2382 (1968/70) > Dia do pagamento do pré. Cap Mil Art Gomes de Araújo, Alf Mil Curado, Sargento Boiça e Fur Mil Henrique. A foto é do nosso camarada Manuel Traquina, retirada e editada, com a devida vénia, do seu livro, Os tempos de guerra: de Abrantes à Guiné (Abrantes: Palha de Abrantes, 2009, p.130).




1. Texto de Carlos Nery, com data de 13 do corrente, enviado ao editor do blogue, com conhecimento ao Manuel Traquina (ex-Fur Mil da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)

Assunto: O Guião da CCaç 2382

Amigo e Camarada,

Sou o Carlos Nery Gomes de Araújo, fui o comandante da CCaç 2382. Capitão Miliciano, portanto. Teria muita coisa a contar da minha experiência de Guiné... Por vezes, até, tenho a sensação de que nem saberia por onde começar...

Tenho reparado que, à medida que o tempo passa, me vão surgindo fragmentos, aparentemente sem importância e que, pouco a pouco, vão conquistando um relevo até agora insuspeitado. Por exemplo, sou um amador (no sentido em que amo) de Teatro. Aliás, em Bissau, no fim da comissão, ainda encontrei disposição para encenar "A Cantora Careca", de Ionesco... Teatro do absurdo em teatro de guerra... Um dos meus actores foi o Alferes Barbot, da Secção de Justiça do QG, hoje escritor Mário Cláudio. No programa do espectáculo escreveu um texto muito a propósito da situação dos muitos absurdos em que estávamos mergulhados...

Bem... Passaram-se quarenta anos, não é? Pois acontece que, neste momento, participo numa empolgante experiência no Centro Cultural de Belém.

Dir-lhe-ei que foram convidadas pessoas com experiência teatral com idade superior a sessenta anos. Tiago Rodrigues (actor, dramaturgo e encenador) é o responsável pelo projecto que aponta para a formação da Companhia Mayor do CCB. O texto ainda não existe. Ou melhor vai sendo construído por nós. Numa primeira apresentação pública eu "fui" um soldado que conta um episódio baseado em algo que aconteceu realmente:

Em 26 de Agosto de 1968, a CCaç 2382 estava empenhada na segurança à coluna Aldeia Formosa/Buba efectuada pela CCaç 2381.

O inimigo actuara nos pontões da estrada, destruindo, por completo o do Rio Gunti e colocando minas A/P e A/C nas imediações. A água da chuva subira nas bolanhas. Um dos militares da 2381 pisara uma mina perdendo um pé. A Força Aérea informava só poder fazer a evacuação de Nhala, afirmando não ter tecto para descer junto da coluna atascada numa das bolanhas. Pedi voluntários e parti com eles até encontrá-la. Há lençois de água com centenas de metros. O capitão Aidos, metido na bolanha, faz passar viatura a viatura puxadas por um guincho. Um inferno!

Regressamos com o ferido. Tinham sido cerca de oito quilómetro até à coluna. Outro tanto no regresso mas carregados com a maca que nunca julguei ser tão pesada! Mas o helicóptero aguarda-nos em Nhala. O ferido recebe os primeiros tratamentos e é levado para o Hospital de Bissau.

Baseado neste episódio real, improvisei, portanto, um texto que disse nessa primeira apresentação pública. "Fui" um soldado descrevendo e comentanto aquilo que vivemos então.

Mas muito mais poderia relatar. O célebre ataque a Buba, que já comentei em http://coisasdomr.blogspot.com/2009/01/guin-atauqe-buba-livro-guerra-colonial.html (*), mas que talvez merecesse um relato mais detalhado. O ataque a Contabane, no início da nossa comissão. (Sobre este último escrevi um texto, já publicado, que poderei facultar). E as tais pequenas coisas, aquelas sem importância mas, talvez, as que têm mais encanto como a que descrevi no CCB.

Um abraço do Carlos Nery

2. Comentário de L.G.:

A Internet tem destas coisas, está a transformar-se num verdadeiro Big Brother, para o melhor e para o pior. Deixámos de poder passear, tranquilos e anónimos, pelo espaço público... Foi o que aconteceu ao Carlos Nery, que vim a descobrir que vivia em Alfragide. Daí até arranjar o seu nº de telefone fixo foi um ápice, permitindo-me entrar em contacto com ele. Primeiro que tudo, somos vizinhos... Mais vizinho ainda dele é o Humberto Reis, ambos moram na mesma rua, a Dom Luís I...

Além disso, o Carlos é bancário, reformado, tendo trabalhado no Banco de Portugal, o que quer dizer que temos alguns amigos e conhecidos comuns... No início da década de 1960 era estudante em Coimbra, tendo sido um dos fundadores da Real República Trunfé-Kopos... O grande entusiasta da passagem do Solar a República foi o Dr. Jacinto Magalhães, médico já falecido (em 1987), que passou á história da saúde em Portugal por ter sido o pioneiro, em 1971, do teste do pezinho (diagnóstico pré-natal). O seu nome passa a estar imortalizado através do Centro de Genética Médica Dr. Jacinto Magalhães, com sede no Porto, e que faz parte do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge.

O Carlos Nery contou-me, rapidamente, a sua história: tinha feito a tropa nos anos 1957/59, dez anos depois seria chamado para o Curso de Milicianos... Ei-lo, pois, a comandar a CCAÇ 2382, que esteve na Região de Quínara (Buba) mas também na Região de Tombali (Aldeia Formosa)... Falámos logo de camaradas conmhecidos, o Manuel Traquina (CCAÇ 2382) mas também o Zé Teixeira (CCAÇ 2381)... Doutro Maioral, o Alf Mil José Belo, ele não se lembra... A propósito, estas duas companhias (independentes, mas que andaram pelos mesmos sítios e actuaram em conjunto nalgumas operações), vão-se encontrar em Fátima, no dia 1 de Maio, em almoço-convívio anual...

O Carlos Nery conhece o nosso blogue e aceitou o meu convite para ingressar na nossa Tabanca Grande (**). Um dia destes vamo-nos encontrar, para continuar a nossa conversa. Para já, ficamos a saber que é o autor do brazão ou logótipo da sua companhia (pormenor que terá passado despercebido ao Manuel Traquino). Que teve um único morto, o infeliz "Esgota.Pipas", vítima do ataque ao quartel de Buba, em 14 de Fevereiro de 1969 (é evocado pelo Manuel Traquina, no seu livro, a pp. 143/144). E, finalmente, que ficou em Bissau, por razões burocráticas, depois da companhia regressar à Metrópole, tendo levado à cena a peça do Ionesco, "A Cantora Careca", com três actores, que hoje são figuras públicas: o escritor Mário Cláudio, o constitucionalista Canotilho Gomes e um advogado madeirense, de apelido Vasconcelos, cujo nome não retive (João ? José ?).

Carlos, sê bem vindo! Temos uma série, Eu, Capitão Miliciano, Me Confesso (***), a que tens que dar continuidade.

______________

Notas de L.G.:

(*) Comentário ao poste de 25 de Janeiro de 2009 > M48 - Guiné - Ataque a Buba (Livro Guerra Colonial do Diário de Notícias)

(...) Eu era o Comandante da CCaç 2382, uma das unidades sediadas em Buba quando do ataque. A frase transcrita do relatório,, então elaborado, foi de minha autoria. Porém, o desenho baseado naquele que fiz nesse mesmo relatório, contém algumas inexactidões.

Efectivamente os cinco bigrupos do PAIGC que pretendiam entrar em Buba (cerca de 300 homens) foram emboscados por um grupo de combate da CCaç 2382, comandado pelo Alf Mendes Ferreira, e por elementos do Pelotão de Milícia, postados no exterior do aquartelamento para lá da pista de aviação, tendo retirado com baixas e sem atingir o seu objectivo. Nessa retirada utilizaram o largo trilho aberto quando da sua aproximação.

Enquanto isto, a nossa artilharia, 2º Pelotão/BAC, comandado pelo Fur Mil Gonçalves de Castro, atingia com eficácia a posição dos morteiros inimigos. Ficaram no local e foram capturadas na madrugada seguinte pelos fuzileiros do DFE 7, 158 granadas, das 180 com que contava o Comandante Peralta na sua "Ordem de Fogo", preparando o ataque a Buba.

Entretanto, os dois morteiros 81, guarnecidos pelo Pel Mort 2138, atingiam a posição ocupada pelo comando do ataque IN, instalado na margem direita do Rio Mancamã, junto à foz. No lusco-fusco desse fim de tarde, viu-se, do quartel, a confusão de vultos em fuga, por entre o capim, nessa outra margem do rio. A maré estava baixa. Um frémito percorreu os defensores. Elementos do DFE 7, da CCaç 2382 e da Milícia, sob o comando do Tenente Nuno Barbieri, alcançam a margem do rio Bafatá, fronteira à posição dos canhões sem recuo e do comando inimigo. É aí deixada uma base de apoio comandada pelo Alf Domingos, da CCaç 2382, enquanto o Tenente Barbieri tenta ganhar a margem oposta no comando dos restantes voluntários, actuação esta que fez aumentar a confusão existente no dispositivo inimigo. Uma noite sem lua caíra, entretanto. Foi decidido regressar ao quartel.

O relatório desta acção foi recebido com cepticismo em Bissau. Porém, quando da captura do Comandante Peralta, pelos Pára-quedistas, passados poucos dias, foi constatado que os planos de sua autoria para atacar Buba se ajustavam à descrição por nós elaborada.

Na realidade, o Comandante Pedro Peralta cometeu algumas falhas: as obsevações que mandou efectuar deixaram sinais detectados pelos nossos patrulhamentos. Por outro lado a preparação do tiro de artilharia que efectuou nas vésperas do ataque (disparos isolados ocorriam a horas inesperadas) levou-nos a prever o tipo de ataque que se preparava. Para cúmulo instalou as suas bocas de fogo nos pontos de mais provável instalação, já utilizados em inúmeros outros ataques. Mal foram ouvidas as "saídas" da artilharia inimiga já a nossa resposta ía a caminho com precisão. O resto já está descrito. Mas o "azar" de Pedro Peralta não acabou ali. Passadas escassas semanas, no dia 18 de Novembro, caía numa emboscada dos pára-quedistas do CCP 122, onde foi gravemente ferido e capturado pelas nossas tropas. Ficava adiada por mais uns anos a tentativa do PAIGC de fazer subir a fasquia do tipo de guerra de que vinha tomando a iniciativa.

Gomes de Araújo (Cap Mil Art) (...)

(**) Vd. último poste desta série > 16 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6166: Tabanca Grande (212): Manuel Carvalho Passos, Pel Rec Inf/CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/73 (Juvenal Amado)

(***) vd. postes de:

28 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)

17 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3581: Eu, capitão miliciano, me confesso (2): Vasco da Gama, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74

quarta-feira, 17 de março de 2010

Guiné 63/74 - P6004: Freixo de Espada à Cinta: notícias do ex-Cap Mil Inf Sérgio Faria, engenheiro, residente em Matosinhos, 3ª C/BART 6522/72 (Ingoré e Sedengal, 1972/74) (Luís Graça)


Freixo de Espada à Cinta > Lápide evocativa do nascimento de Sarmento Rodrigues (Freixo de Espada à Cinta, 15 de Junho de 1899 / Lisboa, 1 de Agosto de 1979), oficial da Marinha de Guerra Portuguesa, político, africanista, homem de cultura, escritor... Foi Governador da Guiné, entre 1946 e 1949, e por muitos considerado o melhor dirigente da administração colonial que passou por aquele  território. Em 1950 integrou o Governo de António de Oliveira Salazar como Ministro das Colónias (a partir de 1951, Ministro do Ultramar). Nessas funções governativas levou a cabo  uma vasta reforma da administração colonial portuguesa, tendo visitado o Extremo Oriente, o Sueste Asiático e a África. Entre 1961 e 1964 foi governador-geral de Moçambique.

Tem uma extensa obra publicada sobre assuntos navais, de defesa e de administração colonial. Cite-se apenas algumas das suas publicações, relacionadas com a Guiné:  Os maometanos no futuro da Guiné Portuguesa (1948),  No governo da Guiné : discursos e afirmações (1949), Horizontes para um médico em África:  conferência pronunciada no Instituto de Medicina Tropical em 30/3/1950, A nossa Guiné (1972)...




Freixo de Espada à Cinta > Miradouro do Penedo Durão > O majestoso grifo planando sobre o Douro Internacional... Uma paisagem de cortar a respiração... e que, para mim,  passa a  figurar no top ten das Maravilhas Naturais de Portugal... Há no You Tube um belo vídeo sobre a "dança dos grifos" no Penedo Durão (Autor: Victor Araújo; duração: 5' 29'')

Fotos: © Luís Graça (2010). Direitos reservados


1. Texto do editor Luís Graça:

Meu caro Carlos [Vinhal]:

Como te tinha dito, fui este fim de semana fazer um passeio até ao nordeste transmontano... O pretexto eram as amendoeiras em flor. A viagem foi organizada pela Casa do Pessoal do IPP - Instituto Politécnico do Porto. Fui de propósito de Lisboa, a convite da minha cunhada Ana Carneiro Soares (Nitas), que é técnica superior, no Laboratório de Química do ISEP.

Fui até a um concelho que, para mim e para os demais mouros do sul, era sempre associado - injustamente - ao "cu de Judas", Freixo de Espada à Cinta,  e que eu lamentavelmente não conhecia (um dos poucos, de resto, aonde nunca tinha ido, nem de passagem)... Pois foi uma surpresa, pela positiva, a começar pela riqueza e diversidade do seu património natural e edificado. E, claro, as suas gentes... Mas disso falarei noutra altura...

O que é surpreendente é ir encontrar, num grupo de cerca de 40 pessoas (Trabalhadores e seus familiares dde diversas unidades orgânicas do Instituto Politécnico do Porto), nada mais do que 3 camaradas nossos, que fizeram a guerra colonial na Guiné, e, ainda por cima, naturais e/ou residentes em Matosinhos...

Tomei nota do nome de dois deles, com quem privei mais de perto, nesse fim d\e semana (sábado e domingo passados):

(i) o António Soares [, foto à direita,] natural de Ovar, mas residente em Matosinhos, casado com a Nina, bancário reformado do BES, ex-Fur Mil de um pelotão de artilharia (obus 14), que passou por Gadamael, Bafatá e Bissau (1969/71, portanto do meu tempo); 

(ii)  O Sérgio Faria, engenheiro mecânico, antigo docente do ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto, residente na Rua Ruy Belo, em Matosinhos... (Para quem quiser, tenho o telefone e o mail, que não vou aqui, por razões óbvias, divulgar; espero que o Sérgio um dia destes apareça aqui a contar a sua história e a entrar pela porta grande da nossa Tabanca).

Depois de acabar o curso de engenharia, aos 24 anos, o Sérgio foi mobilizado para a Guiné, onde comandou, como capitão miliciano, a unidade de quadrícula que esteve em Ingoré e Sedengal.  Fez a transferência de soberania para o PAIGC em 1974. Antes, o seu pessoal tinha sofrido uma emboscada com seis mortos, "mortos com tiro na nuca" (sic), pesdsoal que,  ao que parece, descontraída e irresponsavelmente ia de viatura para Bissau... desarmado ou sem escolta (Episódio sujeito a revalidação dos pormenores; não sei a data nem o local  da emboscada).

O Sérgio [,  foto à esquerda], que é um excelente conviva e um homem bem disposto e divertido,  reinadio, que gosta de dançar e cantar (faz parte do coro do IPP), adoraria voltar à Guiné, estando mesmo disposto a fazê-lo, desde que arranje companheiros de viagem ou garanta algum apoio logístico em Bissau e  no interior...

Profissional liberal, ainda está no activo, mas não tem constrangimentos de tempo nem problemas com colaboradores ou pessoal assalariado...Em suma, é livre de planear o seu tempo.

Contou-me como,  graças aos seus conhecimentos pessoais e profissionais no batalhão de engenharia (BENG), em Bissau (aonde ia, periodicamente, de avião...), conseguiu construir excelentes instalações para o seu pessoal, "passando por cima da hierarquia" (ou melhor, fazendo uma finta a um tenente coronel qualquer que lhe 'roubava' o material em trânsito, entre Bissau e Sedengal)...

Falei aos dois, ao António Soares e ao  Sérgio Faria, da Tabanca de Matosinhos, e dos convívios de 4ª feira... Também conheci o Alberto Sousa Guimarães, presidente da Casa de Pessoal do ISEP, engenheiro electrotécnico, antigo docente, vice-presidente do Conselho Directivo do ISEP [, foto à direita]. Antigo alferes miliciano, o Sousa Guimarães esteve em Bigene, em 1973, sendo contemporâneo dos acontecimentos de Guidaje...   Disse-me que tinha um parente, de nome Manuel-qualquer-coisa [, não se lembrava do apelido,] que ia agora à Guiné, e que faria parte da Tabanca de Matosinhos...

Falei-lhes, aos nossos três camaradas,  do nosso blogue. Prometerem dar uma vista de olhos...

Entretanto, explorando as nossas fontes de informação descobri que o Cap Mil Inf Sérgio Matos Marinho de Faria foi o comandante da 3ª Companhia do BART  6522/72, mobilizada pelo RAL 5. Partida para a Guiné em  7/12/1972 e regresso à Metrópole em 3/9/1974. Confirma-se que esteve em Ingoré e em Sedengal, na região do Cacheu, a leste de Farim. 

O BART 6522/72, comandado pelo  Ten Cor Art João Corte-Real de Araújo Pereira, esteve sedeado em Ingoré e em Bolama. As outras duas companhias do batalhão estiveram  no chão felupe: em S. Domingos (a 1ª, comandada pelo Cap Mil  Inf Artur António Pereira) e em Susana (a 2ª, comandada pelo Cap Mil Inf Raúl Manuel Bivar de Azevedo).

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4631: Controvérsias (31): Os Milicianos, combatentes de primeira, cidadãos de segunda (Vasco da Gama)

1. Mensagem de Vasco da Gama (*), ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, 1972/74, com data de 30 de Junho de 2009:

Camarada Editor Carlos Vinhal,

Junto envio texto bem como algumas fotos que serão por ti colocadas no desenrolar do escrito, ou no final. Sempre o pedido do periquito informático: Chegou o Texto e as Fotos?
Caro carlos, vou enviar, depois vejo as fotos e indico a legendagem.
Desculpa.
Abração
Vasco da Gama

P.S. Para além dos dois destinatários acima é costume, ou bom hábito, dar conhecimento aos outros dois Editores?


OS MILICIANOS (não só os Cabos), COMBATENTES DE PRIMEIRA, CIDADÃOS DE SEGUNDA.

Ao contrário do que já li, creio que o Post 4584 do nosso Camarada Libério Lopes, é deveras importante, bem como alguns dos comentários que se lhe seguiram, levantando uma questão pertinente e fazendo comparações que não têm nada de injustas.

As banalidades que hoje vou escrevinhar, quero-as mais abrangentes, pois como disse, o escrito do nosso camarada Libério, foi depois enriquecido com alguns comentários, abrindo desta forma a porta para que possa falar dos Milicianos em geral.

No que diz respeito aos Cabos Milicianos/Furriéis e face ao papel que desempenharam, primeiro na formação e instrução das Companhias, onde no caso concreto da minha CCav8351 foram de uma utilidade enorme, trabalhando em conjunto com os aspirantes, desempenhando alguns deles, na ausência dos aspirantes, exactamente as mesmas funções, eram discriminados nas regalias, vou chamar-lhes sociais e fundamentalmente no pagamento dos serviços que prestavam. Ignoro qual o fosso salarial entre um aspirante e um cabo miliciano, mas fosse qual fosse, era tremendamente injusto para a similitude dos papéis que desempenhavam na formação activa das Companhias e no enriquecimento do cimentar das relações de TODOS os elementos de uma Companhia. Mais tarde, na guerra, foram peças fulcrais na minha Companhia e presto-lhes a minha humilde homenagem. Também não sei a diferença salarial entre um alferes e um furriel, mas o funcionamento do sistema, na sua génese, tinha por bom criar uma separação entre as pessoas, para mais fácil utilização do argumento do galão em detrimento do diálogo inteligente. Felizmente, tive a sorte de ter um conjunto de furriéis que, pela sua excelência, em muito contribuíram para que e em face dos perigos que corremos, a nossa CCav 8351 não fosse mais fustigada por um número maior de baixas e que irmanados com os alferes com os soldados e comigo, constituíram uma equipa que se fosse de futebol lhe chamaria de “dream team”.

Não é por mero acaso que dois furriéis da minha Companhia foram graduados em alferes, sendo a dificuldade a da escolha. Ficaram de fora outros que dariam também excelentes alferes em qualquer Companhia.

Obrigado a todos, Camaradas e Amigos.

Caros Camaradas, também eu que fui Capitão Miliciano senti discriminação enquanto militar Miliciano tendo de engolir, contra todos os meus princípios, metade das respostas que alguns oficiais do quadro, nem todos, mereciam da minha parte face a medidas que tomavam num mapa muito grande, preenchido por alfinetes coloridos, debitando algumas baboseiras, do embosque aqui, assalte acolá, cambe o rio acoli, sem terem o mínimo conhecimento do terreno que nos obrigavam a pisar. Quão diferente é um quilómetro no mapa de um quilómetro no terreno, mas eles não sabiam disso; só conheciam o mapa, o terreno era para nós os MILICIANOS.

Quero ressalvar que esta minha exposição tem a ver com a realidade que eu vivi no comando da Companhia de Cavalaria 8351 e reporto-me a vivências pessoais nos matos do Cumbijã e de Nhacobá, sendo que este somatório de factos que relato não tem a ver com pessoas enquanto tal, mas com os cargos que desempenhavam.

Quantos oficiais profissionais me acompanharam, quando fui ocupar aquele imenso campo de minas que era então o desértico Cumbijã?

Foto 1 - O Cumbijã desértico, povoado de minas.

Quantos oficiais profissionais me acompanharam no assalto a Nhacobá?

Quantos oficiais profissionais estiveram presentes na operação “Lance Pertinente” em 1973 que tinha como objectivo, pasme-se, fazer um reconhecimento à Região do Unal? Eu estava de férias em Portugal, por isso e relativamente a esta operação fico-me por aqui, adiantando apenas que foram envolvidas cinco Companhias e centenas de carregadores que acarretavam bidons e paus à cabeça, para cambar determinado rio, sob chuva que caiu ininterruptamente durante vários dias. Cinco companhias camaradas no Teatro de operações! Quem as coordenou no terreno? Terá sido o Alferes da minha Companhia que marchou com o seu pelotão à frente desta operação de seu nome FLORIVALDO dos SANTOS ABUNDÂNCIO, apesar da presença de capitães milicianos na operação? Se não foi qual a razão de ter sido ele a elaborar o relatório? Ou ter um oficial profissional ido de Aldeia para o nosso Cumbijã e permanecido durante cinco dias já dava direito a louvor?

Foto 2 - Saída para o mato. O Alferes Abundâncio no meio do grupo de combate com a sua farfalhuda bigodeira.

É verdade que os alfinetes coloridos se enganaram no nome dos rios? E os rios que eram, para os alfinetes, simples fios de água, que tinham de ser atravessados com água pelo peito? O meu Camarada e Amigo Abundâncio, um destes dias, quando os afazeres profissionais lhe permitirem, escreverá sobre o assunto. Cabe aqui uma palavra de respeito, carinho e agradecimento ao Abundâncio, grande Homem grande Camarada e grande Amigo.

Quantos oficiais profissionais estiveram com OS TIGRES quando nos mataram o António Bento Boa? E o Victor Coelho? E o Fausto Costa? Todos estes meus companheiros foram mortos em combate em situações e dias diferentes.

Foto 3 - O Alferes Beires juntamente com outros camaradas, aparecendo à esquerda da foto com um balde na mão o nosso camarada Fausto Costa, morto em combate a 21 de Agosto de 1973.

Quanto recebem as famílias destes meus queridos camaradas de pensão? Sim, só falo em termos monetários, pois sobre o reconhecimento da sociedade para com eles estamos conversados!

Quanto recebem de reforma os meus camaradas feridos gravemente em combate evacuados para a então Metrópole?

Quanto recebe de reforma o nosso camarada Batista, membro do nosso Blogue, mais conhecido pelo morto-vivo?

Já agora, quanto recebe de reforma um qualquer coronel, que no meu tempo tinha a mesma patente que eu?

Houve oficiais profissionais que se distinguiram? Não posso dizer que não, mas esses não viveram nenhuma das situações que eu descrevi e que são as que conheço. Reafirmo o que já disse uma vez, agora com maior precisão: quem aguentou a guerra dos tiros, no mato que eu conheço, foi a tropa macaca a que eu me honro de ter pertencido.

Quero apenas ressalvar que a sacrificada Companhia do Guileje e de Gadamael Porto, a nossa irmã, CCav 8350, Os Piratas, quando foi para o Cumbijã a 29 de Novembro de 1973, era comandada na altura por um Capitão do Quadro Permanente o então Cap Rui Reis (nunca mais o vi), com quem sempre tive relações cordiais. O Cap Reis foi depois substituído pelo Cap Vieira, com quem me encontrei há dias, sendo hoje Coronel reformado. Para eles um abraço extensivo a todos Os Piratas de Guileje, que tiveram quatro ou cinco Comandantes de Companhia e que sofreram horrores no porrete da guerra, tendo ainda de aguentar com bocas que roçavam o enxovalho! Nas pessoas dos meus Amigos Manuel Reis, João Seabra e Casimiro Carvalho, as minhas homenagens a todos OS PIRATAS de GUILEJE.

Nem de propósito, num post da autoria do meu Amigo Santos Oliveira, com o número 4608 é relatado episódio que o envolve a ele e a um combatente natural da Guiné de seu nome João Bacar Djaló. O primeiro era furriel e o segundo alferes. Não o vou repetir, está lá tudo, preto no branco. Retiro apenas afirmações avulsas como “os graduados são sempre inferiores” ou “os nativos quando comandam tropas são sempre inferiores”!!! Também eu, que comandei como Miliciano uma Companhia, era graduado, logo capitão de segunda, logo chefe de um qualquer bando acoitado no arame farpado, só faltando dizer que tudo o que OS TIGRES fizeram se deveu aos estrategas de operações ou aos inteligentes do bem bom do ar condicionado. Claro que depois de ter servido como capitão, fui desgraduado e ao passar à disponibilidade, tive as exactas regalias de qualquer outro alferes. É o usar e deitar fora, apanágio das capelinhas que por aí pululam.

Foto 4 - Azambuja Martins, Vasco da Gama e o nosso homem da bianda, Xico Ferreira.

Foto 5 - Furriel Azambuja e Furriel Joaquim da Silva Costa em Nhacobá.

O que é premiado nesta sociedade que me vai consumindo?

O Mérito ou o Carreirismo?

O Valor ou o Oportunismo?

Os Sabedores ou os Seguidores?

Os Inteligentes ou os Bajuladores?

Responda quem souber, mas de uma coisa tenho a certeza:

Os meus queridos camaradas da 8351, independentemente do posto, tiveram na sua esmagadora maioria, Mérito, Valor, Sabedoria e Inteligência.

Numa sociedade em que quase todos se atropelam no afã da busca dos seus objectivos, numa sociedade onda ninguém agradece nada a ninguém, eu curvo-me perante todos eles, os mortos, os feridos e os que me acompanharam até ao dia do nosso regresso tanto mais, como alguém disse, NINGUÉM MORRE POR DOBRAR A COLUNA SEMPRE QUE ACHE NECESSÁRIO!

Honraram-me com o seu companheirismo, como hoje me honram ao convidarem-me para o casamento dos filhos, para o baptizado dos netos ou para as comezainas em casa deste ou daquele.

Emblema da CCAV 8351 "Os Tigres de Cumbijã", que tinha como divisa ET PLURIBUS UNUM

Texto e fotos: © Vasco da Gama (2009). Direitos reservados


Um Abraço do Tigre
Vasco Augusto Rodrigues da Gama
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4532: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (III): Desertores

Vd. último episódio da série de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4614: Controvérsias (23): Milicianos… eram os peões das nicas! (Jorge Teixeira)

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3893: Tributo aos nossos Sargentos do QP que mantinham as contas em dia (TCor José Francisco Robalo Borrego)

1. Mensagem do nosso camarada José Francisco Robalo Borrego (*), Ten Cor que pertenceu ao Grupo de Artilharia n.º 7 de Bissau e ao 9.º Pel Art, Bajocunda, Guiné 1970/72, com data de 12 de Fevereiro de 2009:

Camarada e amigo Carlos Vinhal,

Envio-te, para publicação, por favor, mais um contributo da Guiné para o prestígio da nossa Tabanca Grande, fazendo um pouco de justiça ao saber e experiência da classe de Sargentos do Quadro Permanente que se revelou no apoio dado aos Oficiais e Sargentos Milicianos (Quadro Complemento), principalmente àqueles Oficiais que tiveram a enorme responsabilidade de comandarem Companhias e cuja experiência de comando era muito incipiente no que respeitava à vertente administrativa.

Os Primeiros-Sargentos que respondiam pelas Companhias eram responsáveis, perante o Comandante, de toda a administração, incluindo a panóplia dos materiais, sendo coadjuvados por um ou mais Segundos-Sargentos. Pertenciam às Armas Combatentes, mas como tinham formação administrativa e a média das idades andava pelos 40 anos eram nomeados (mobilizados) para tarefas administrivas e não operacionais. Era uma prática que estava institucionalizada no Exército.

Recordo que, em 1972, o senhor Capitão Miliciano que comandava a Companhia de Bajocunda me ter relatado que não tinha experiência nenhuma de comando. Que tinha embarcado para a Guiné como Alferes e desembarcado como Capitão, Comandante de Companhia, mas tinha tido a sorte de ter a seu lado um Primeiro-Sargento muito competente e fiável, que já estava na terceira comissão e que orientava com mestria toda a máquina administrativa sem ser necessário a sua intervenção era, por assim dizer, um descanso!

O mesmo senhor Oficial de quem guardo as melhores recordações, por ser um homem culto e muito humano no relacionamento, confidenciou-me que se tivesse algum problema administrativo na Companhia, resultante de má administração, que o pudesse afectar, quando fosse de férias à Metrópole já não regressava à Guiné, porque provavelmente desertaria para o estrangeiro, mas que tal não era necessário, porque tinha a certeza que o seu Adjunto Administrativo tinha tudo em boa ordem. É evidente que ninguém é perfeito e houve, com certeza, casos menos bons, mas na generalidade penso que estes combatentes não operacionais foram úteis no apoio que prestaram aos combatentes operacionais, aliás considerados, por muitos, como peças importantes na engrenagem militar.

Quero também dedicar uma palavra de apreço e estima a todos os outros Sargentos que não pertencendo às Armas Combatentes deram o seu generoso contributo para o esforço de guerra na Guiné e nos outros Teatros de Operações.

Caro Carlos Vinhal,
já que estou a falar de Bajocunda, aproveito para contar uma pequena história que me veio à memória e tem a ver com um comerciante branco que tinha o monopólio do negócio da mancarra (amendoim). Quando o dito comerciante saía do Aquartelamento para tratar dos seus negócios algures no Senegal (segundo se dizia), o Comandante da Companhia ficava preocupado, porque de certeza que nessa noite havia flagelação ao Quartel.

É espantoso como um único homem, ainda por cima civil, punha uma Companhia de militares com os nervos à flor da pele! o homem circulava à vontade entre Bajocunda e Pirada com o seu veículo sem que nada lhe acontecesse, contrastando com o azar das NT que, de vez em quando, sofriam emboscadas e detectavam minas. Mera coincidência? Ou algo mais...? Enfim, coisas da guerra!

Um abraço amigo e fraterno do
José Borrego


2. Comentário de CV:

Quero aproveitar este poste do Ten Cor José Francisco Borrego, para prestar a minha homenagem ao (no início da Comissão da CART 2732) Segundo-Sargento João da Costa Rita, homem competente e honesto que desempenhou as funções de Primeiro-Sargento da Companhia na ausência de um Primeiro que não chegou a embarcar.
Acabou por ser promovido a meio da comissão, continuando a desempenhar o seu cargo até à Comissão Liquidatária, já depois do nosso regresso.

Deixo uma transcrição da última página da História da Unidade CART 2732:

CITAÇÃO

Pela correcta elaboração das contas e ainda pelo respeito aos prazos superiormente determinados para o seu envio, verifica-se a boa colaboração prestada à CSCA/QG/CTIG por algumas subunidades.
Este procedimento, por prestigiante para essas subunidades e para o próprio CTIG, merece ser citado, motivo pelo qual se referem as seguintes:

.................................
.................................
Companhia de Artilharia n.º 2732
.................................
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 12 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3445: Tabanca Grande (96): Ten Cor José Francisco Robalo Borrego, ex-1.º Cabo do Gr Art 7 e Furriel QP do 9.º PELART (1970/72)

domingo, 7 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3581: A História dos Tigres de Cumbijã, contada pelo ex-Cap Mil Vasco da Gama (1): Apresentação e Chegada a Bissau


1. Mensagem de Vasco da Gama (*), ex-Cap Mil da CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74, com data de 4 de Dezembro de 2008:

Mesmo agora, ao iniciar a minha prosa, depois de muito ter hesitado em expor a história da CCAV 8351, sinto-me um pouco nervoso e a fluidez com que os meus pensamentos me ocorrem, esbarram na dificuldade em lhes dar letra de forma.

Vou começar por me apresentar, pois assim será mais fácil entrar no ritmo.
Como disse no relato intitulado antes da Guiné, chamo-me Vasco Augusto Rodrigues da Gama, sou licenciado em Economia pela Universidade do Porto, nasci e moro actualmente na Figueira da Foz, embora tenha feito praticamente toda a vida em Coimbra, onde fui professor do Ensino Superior desde 1976 até 1999, primeiro e durante quatro anos no, hoje, designado Instituto Superior Miguel Torga, na altura Instituto Superior de Serviço Social, e depois durante cerca de vinte anos exerci funções docentes ininterruptamente no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra.

Paralelamente à actividade docente, fundei com outro economista em 1984 uma fábrica de cerâmica decorativa que exportava a quase totalidade da sua produção.

Entre 1999 e meados de 2007, após ter abandonado, a meu pedido, o ensino, dediquei-me a tempo inteiro à administração da fábrica, imitando os comandantes dos navios dos filmes que víamos na nossa meninice. Afundei-me com a nau, gosto mais assim e condiz mais com o meu nome, e desde então, aguardo que cheguem os 65 anos para ter direito à reforma, sem que de momento, tenha direito a emprego, pois aos sessenta e dois anos sou velho; nem subsídio de desemprego, pois fui arrais da lancha naufragada.

Como nunca chafurdei na gamela de nenhum partido político, vou aguardando com serenidade que seja suficientemente velho para que chegue a reforma. Julgo que, como antigo combatente, terei direito a um chorudo subsídio que fará de mim um homem rico, pois um rico homem sempre fui e continuarei a ser (é o que diz a minha mulher, companheira de um casamento que já dura há 38 anos).

Corria o ano de 1972, estava eu posto em sossego no RI7 de Leiria, cansado de jogar dados e crapeau, quando o oficial de operações me chamou ao seu gabinete e com um ar ainda mais desolado do que o que normalmente afivelava me disse:
- Gama, foi mobilizado. - Parou, olhou e como nada escutasse do Gama, acrescentou: -Para a GUINÉ.

Todos os que ainda vão tendo paciência para ler este meu arrazoado adivinharam a minha exclamação:
- ****-**!

E lá foi o Gama para o Regimento de Cavalaria n.º 3 em Estremoz, onde viu pela primeira vez os camaradas da CCAV 8351, que faziam a instrução juntamente com a CCAV 8350 que teve como destino Guileje e a CCAV 8352 que foi para (?).

A instrução já decorria desde o dia 10 de Julho e a chegada de um novo elemento causou natural estranheza, pelo que o estudo mútuo, entre a minha pessoa e os meus novos camaradas, foi um desafio interessante, com ambas as partes a jogarem o seu jogo, mas passados dias já não havia necessidade de fazer sempre cara de mau, tendo particularizado a minha atenção no desenvolver de laços de camaradagem entre todos, tentando fazer-lhes chegar os poucos conhecimentos que tinha acerca da Guiné e mostrando-lhes que a união era fundamental nos difíceis tempos que se avizinhavam. Atribuí o lema à nossa companhia que viria a ser baptizada de OS TIGRES, numa locução que identificava esse pensar: ET PLURIBUS UNUM. (**)

A semana de campo entre finais de Agosto e inícios de Setembro, cimentou entre todos nós a Confiança, o Respeito e a Tolerância, bases fundamentais para uma amizade vital para os tempos que se aproximavam e que ainda hoje funciona praticamente entre todos. Alguns episódios curiosos se passaram que não cabem nesta narrativa, mas sim no relato isolado de algumas historietas, que hoje nos fazem sorrir ou lamentar.

Terminada a instrução, gozámos umas férias de dez dias, preenchidos por uma ansiedade crescente, pelo entristecer da família, pelo aumento enorme dos silêncios entre o casal. A Guiné já se fazia sentir...

Regressados de férias e apresentados em Estremoz, recebemos no dia 25 de Setembro ordem para irmos para Portalegre, julgo que para o BC1, e aguardar embarque que se veio a verificar a 26 de Outubro.

Pela calada da noite, 23h00, seguimos de camioneta para a Base n.º 1 em Lisboa onde chegámos às três e meia da manhã. Ao meio-dia do dia seguinte a bordo de um avião dos TAM, que serviu de baptismo de voo à esmagadora maioria dos Tigres, e sem qualquer cerimónia de embarque, lá fomos nós… Acreditem que até essa data, nenhum profissional do exército me havia ensinado o que quer que fosse sobre a Guiné. Apenas e só, como já disse no primeiro texto que vos enviei, o Alf Beja Santos, era eu Soldado Cadete nos inícios de 1971, e ele comandante do meu pelotão, se referira à Guiné, sobretudo nos intervalos da instrução…

Nesta altura amadurece a primeira modificação na minha vida. De estudante para ir passando de ano, optando sempre por um bailarico, por uma boa lerpa jogada até de manhã, por uma jogatina de futebol em detrimento das frequências ou exames, encontro-me como aprendiz de Comandante de Companhia, a querer saber mais do que os professores me haviam ensinado. Dizia-me, com algum receio, o meu falecido pai, que havia pertencido à comissão de eleição para a Presidência da República do General Norton de Matos e mais tarde do General Humberto Delgado:
- Ó rapaz, não me digas que queres seguir a carreira militar.

Não se havia apercebido que o Vasquito era homem com grandes responsabilidades, responsabilidades essas que tinham modificado e de que maneira o seu modo de estar na vida.
- Deserta-se ou não, mulher?

- Vamos a isso - ajudava a minha, hoje, patroa! - Vamos para a Bélgica… O meu tio A arranja-nos emprego. Ou então para o Brasil, o teu tio João já te disse mil vezes para irmos ter com eles, inclusive arranja as passagens de um dia para o outro.
- E a minha mãe? - perguntava o Vasquito/Vasco!

A minha mãe, menina Adelaide, como foi sempre conhecida e ainda hoje é recordada, foi das primeiras pessoas operadas ao coração em Portugal, já lá vão cinquenta e cinco anos, e havia perdido, por doença, dois filhos que haviam nascido antes de mim e que eu não cheguei a conhecer, gozava de uma saúde precária e se o seu menino fugisse não mais o voltaria a ver, pois o meu pai não gozava da liberdade de um qualquer turista do regime.

Isto dava outra história!

E o que foi Soldado Cadete até meados de 1971, está um ano e picos depois feito Capitão e Comandante de Companhia com a responsabilidade de conduzir 150 homens, tendo sobre eles apenas a vantagem de ter estagiado quatro meses no leste de Angola, mais cinco anos de idade e pouco mais…

Chegámos ao Aeroporto de Bissalanca cerca das duas da tarde do dia 27 do mês de Outubro de 1972, seguindo toda a Companhia para o Cumeré onde recebeu o material de aquartelamento e fez durante três semanas a sua adaptação ao clima, treinando fundamentalmente o tiro, e acampando durante seis ou sete dias na região de NHACRA TEDA, fazendo diversos patrulhamentos diurnos e emboscadas nocturnas.

Em meados de Novembro desfilámos no C.M.I., perante o General Spínola que fez uma pequena alocução mais ou menos inflamada sobre o Soldado português mas que, de seguida se reuniu com todos os oficiais e sargentos permitindo uma abertura no diálogo onde, lembro-me como se fosse hoje, para além da minha pessoa um outro oficial bastante politizado, fruto da sua participação activa da crise estudantil de 1969 em Coimbra, onde cursava Direito, discordava das teses do Gen Spínola e onde, para arrepio de todos, manifestava a sua não concordância com um, enfim, demasiado à vontade. Termos como federalismo, solução política, PAIGC e outros eram trazidos à colação.

A CCAV 8351 cruzar-se-ia por diversas vezes com o Gen António de Spínola, como, se acharem que devo continuar, relatarei mais tarde.

Apenas uma nota de pé de página para a falta, pelo menos não tenho conhecimento de nenhum texto, do papel dos milicianos universitários no preparar da libertação do país. Muito gostava que da pena brilhante do Mário Beja Santos saísse um texto sobre, por exemplo, o que se passou em Mafra no segundo trimestre de 1971, ou será que já havia abandonado Mafra?
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Notas de CV

(*) Vd. postes de:

11 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3436: O Nosso Livro de Visitas (42): Vasco Augusto Rodrigues da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74

5 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3570: Tabanca Grande (102): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74

(**) Todos por um... Os Tigres passam a ser doravante designados por Tigres de Cumbijã (a cova que lhe coube no buraco da Guiné, algures na Região de Tombali, entre Mampatá e Guileje...). Em Guileje foram colocados, de finais de 1972 a 22 de Maio de 1973, os Piratas de Guileje (CCAV 8350).

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3570: Tabanca Grande (102): Vasco da Gama, ex-Cap Mil, CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74



Vasco da Gama
Ex-Cap Mil
CCAV 8351
Cumbijã
1972/74


1. Publicamos hoje as fotos do nosso novo camarada Vasco da Gama, recebidas ontem, dia 4 de Dezembro.

Recordemos parte da sua mensagem de 9 de Novembro de 2008, publicada no poste 3436 (*):

Camaradas

Recebi hoje um mail de um camarada da Companhia de Cavalaria 8351, Os Tigres do Cumbijã, que faz parte da Tabanca e cujo nome é João Melo e me fez reavivar sentimentos tão contraditórios como o sentimento da revolta perante a obrigação do cumprimento do serviço militar, e o sentimento da ternura com que os camaradas da minha Companhia, e porventura de tantas outras, partilham nos encontros que vamos promovendo anualmente.

Muito brevemente irei aderir à Tabanca, pois tive a honra de comandar a Companhia de Cavalaria 8351, como Capitão Miliciano, Miliciano obviamente, pois aqueles locais por onde fomos obrigados a deambular destinavam-se aos não profissionais, e ao aderir, vou tentar preencher algumas imprecisões que, por exemplo, ainda hoje li acerca do Cumbijã e de Nhacobá e relembrar alguns dos meus queridos camaradas que morreram em combate, bem como os que ultimamente vão desaparecendo a uma velocidade vertiginosa, ceifados pela doença e pelo suicídio… Será o durante e o após…

Hoje limito-me ao antes e porquê ao antes? Ao consultar a lista dos camaradas da Tabanca da Guiné deparei com o nome Mário Beja Santos! Curioso, como o mundo é pequeno… O Senhor Beja Santos foi meu comandante de pelotão em Mafra, onde assentei praça em Janeiro de 1971. É verdade, também ao recordar esta fase muito difícil da minha vida poderei afirmar peremptoriamente que tive a honra de ter sido comandado, ou melhor ensinado, pelo Dr. Beja Santos, suponho que na altura estudante universitário, quase finalista de um curso de Letras. Eu, estava então na faculdade de Economia da Universidade do Porto, onde terminei a licenciatura em 1975, após ter interrompido os estudos durante quarenta e cinco meses para cumprimento do serviço militar obrigatório, pois passei à disponibilidade em finais de 1974.
[...]


2. Comentário de CV

Caro Vasco da Gama
O texto que enviaste, juntamente com as tuas fotos, será publicado noutro poste e noutra série.

Terás uma visão da guerra diferente da maioria de nós, pois na condição de Cap Mil e de CMDT de Companhia, tiveste concerteza situações bem difíceis de enfrentar. Esperamos os relatos destas e outras experiências para conhecimento da tertúlia.

Para já deixo-te uma saudação de boas-vindas em nome da tertúlia.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3436: O Nosso Livro de Visitas (42): Vasco Augusto Rodrigues da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74

Vd. último poste da série de 29 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3540: Tabanca Grande (101): Joaquim Pinheiro da Silva, CCAÇ 3566 "Os Metralhas" (Empada e Catió, 1972/74)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3556: Controvérsias (14): O Silvério e outros capitães, milicianos ou do QP, que desertaram a meio da comissão (Luís Graça)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAV 8350 (1972/73) > Na foto, o ex-Fur Mil Op Esp J. Casimiro Carvalho, conivendo com a população local... A seu colo uma criança que bem poderia ser órfã de pai... Por analogia, poderia falar-se de companhias orfãs, na Guiné, devido ao facto de ter perdido - por razão ou outra - o seu capitão original... Houve companhias com três, quatro e até mais comandantes... Assunto controverso a merecer aprofundamento e debate... (LG)

Foto: © José Casimiro Carvalho (2007). Direitos reservados.

1- Comentário de Luís Graça ao poste de 2 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

Alberto, estás um mestre: em duas pinceladas desenhas uma personagem e um contexto, e contas uma história com a tensão dramática q.b. E, sempre claro, conciso e preciso, sabes, com rigor e magia, falar de emoções que nos eram proibidas... Os nossos medos, a nossa angústia, a nossa culpa, os nossos ódios, a nossa solidão... muitas vezes sublimados pelo álcool, o sexo, o jogo, os comportamentos de risco e de bravata...

Quantos capitães, sobretudo milicianos (mas também do QP), não pensaram, no seu íntimo, seguir os passos do Silvério ? A maior parte não desertou... Mas quem, deles, se atreve a atirar a primeira pedra contra o Silvério, os Silvérios que, nas férias, foram para a França ou para a Suécia, não tendo regressado à Guiné ?

Não sei se haverá muitas histórias dessas, de companhias órfãs, que ficaram sem o seu capitão, a meio da comissão ou até mais cedo...

Sei que muitas companhias, na Guiné, tiveram mais do que um comandante, algumas até três e quatro capitães... Havia outros recursos menos dolorosos, mais cómodos, do que a vergonhosa (para a família...) deserção: a psiquiatria, a cunha, o compadrio, a corrupação, a golpada, etc.

Já aqui falámos de algumas dessas companhias: a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Torcato Mendonça; a CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74) do Sousa de Castro... Haverá muitas mais...

O que não deixa de ser motivo de interrogação e inquietação: porquê tão elevada taxa de turnover (rotação) de capitães, milicianos ou do Quadro Permanente, na Guiné ?

Eis um bom assunto para a nossa série Controvérsias (*) ... Talvez o Jorge Picado (que foi até agora o único capitão miliciano, se não me engano, a dar a cara e a contar a sua história de vida) (**), queira e possa abordar este tema-tabu, escaldante, incómodo (***).

Alberto, vamos ter livro! Parabéns! Esta é uma das histórias que vou pôr na nossa antologia, quando um dia tivermos que fechar o blogue...

Luís
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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 27 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3531: Controvérsias (14): PAIGC/FLING, Tite/São Domingos...(Carlos Silva)

(**) Vd. poste de 28 de Setembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3248: Eu, capitão miliciano, me confesso (1): Engenheiro agrónomo, ilhavense, 32 anos, casado, pai de 4 filhos... (Jorge Picado)

(...)Apresentámo-nos na EPI em Mafra no dia 25 de Agosto pelas 8H(?), devidamente fardados como constava das normas e de imediato, num dos corredores do Claustro bem perto da Porta de Armas(?), procedeu-se à formatura onde foi feita a chamada – para conhecimento dos possíveis desertores, que creio não ter havido – tendo sido dada a voz – pelo Ten do QP que nos comandava – de “apresentação a doentes(?)”, com a respectivamente formatura uns passos em frente.

Para meu espanto – não sei qual foi a reacção dos restantes – logo se adiantaram alguns que, creio, seguiram quase de imediato para a consulta externa em Lisboa. Não sei quantos se safaram ou quantos regressaram, mas sempre guardei a imagem dum, que deve ter sido um bom actor – pelo menos amador no teatro da Academia de Coimbra – cuja face mais parecia ter sido revestida por “uma máscara de desvairado”. Uma coisa é certa, obteve os resultados que queria na Psiquiatria, pois livrou-se de tais sacrifícios pela Pátria. Estou a falar dum tal… oriundo da Figueira da Foz e mais não digo…

Não posso precisar se fui o único – logo o 1.º – do meu COM de ART, mas creio que sim e apenas citarei os nomes daqueles de que me lembro.

Começarei logicamente pelos 3 colegas Agrónomos, que tivemos o mesmo TO por destino.

- O Ilídio Moreira, do curso de agronomia anterior ao meu, foi Cmdt duma CCaç (Geba) dum BCaç sedeado em Babadinca de 1970-72;

- O José Maria Queiroga (o tal que estava nas mesmas condições quanto ao emprego), do meu curso, foi chefiar a EAFB (Serviços Agrícolas) de 1970-72;

- O António Clemente da Costa Santos, igualmente do meu curso, na REPACAP do COMCHEFE de 1970-72;

- O João Cupido, de Mira, e que passou a ser meu colega nas viagens a casa aos fins-de-semana, deixando-o à sua porta e apanhando-o lá ao Domingo à noite no regresso a Mafra, cujo destino também foi a Guiné como Cmdt da CCaç 2753 , onde teve um brilhante Alf Mil que conheci nas margens do RCacheu e não mais me esqueci (mesmo desconhecendo o seu nome, até ao encontro de Monte Real. Gratas recordações, podes crer, Victor Junqueiro);

- Tenho uma vaga ideia de que havia um Morais, assim para o gordinho e ar e espírito bonacheirão que teria desertado já em Moçambique (?).

- Um Ten MIL que tinha continuado na vida militar e vinha do Quartel da GNR que existia perto das Janelas Verdes, cujo destino desconheci;

- Os 3 jovens Alf Mil (ou graduados em Ten?) já com uma comissão e voluntários para seguir a carreira, respectivamente Fernandes (o Cap da famosa expressão do “Verão Quente”, “as armas estão em boas mãos”), Caimoto que também foi para a Guiné e um 3º de que não sei o nome;

- Havia ainda um Nascimento que, creio, usava óculos.

Pronto, são estas as minhas recordações concretizáveis dos camaradas do CPC.

A esta distância, sem qualquer elemento de referência, nem sei quantos éramos, mas o sentimento que guardo sobre a disposição, o (des)interesse, a resistência manifestada à execução da preparação militar que nos era ministrada (analisado agora até me parece que era ou foi um contra-senso) e a quezilência para com os instrutores, posso afirmar que era maioritária. (...).

(***) Vd. também poste de 12 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2098: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): Proposta retirada (João Tunes / João Bonifácio)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3554: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (12): Há momentos em que um homem sente culpa e angústia...

Fuga para Lá (Menor?)

Alberto Branquinho




O capitão miliciano Silvério estava sentado na mesa de canto da denominada “messe de oficiais” com um copo de whisky entre as mãos, assente na mesa. Tinha o olhar fixo no vazio e repetia, repetia em surdina:
- E matavam-se por não saberem…/ por que… por que… os mandavam matar/ sem saberem as razões/ por que matavam… matavam… matavam…

Calou-se durante uns segundos. Depois, elevando a voz, começou a cantar:
- Heróis do mar, nobre povo…
- Oh capitão Silvério! – interrompeu o comandante do batalhão olhando para ele, enquanto segurava, com a mão direita, a carta que ia jogar. – Pare lá com isso!

O capitão parou subitamente de cantar e ficou a olhá-lo com ar apatetado:
- Meu comandante, desculpe. São erupções…

Sempre que não estava ausente em operações, o capitão Silvério ocupava aquela mesa depois do jantar, quase sempre sozinho. Não gostava de jogos de cartas. Bebericava whisky, dose atrás de dose. Quando a visão se lhe turvava, falava baixo, dizia poemas e pedaços de textos sem nexo, que pareciam não ter fim.

Voltou ao texto, repetiu, repetiu. Tinha a certeza que não era bem assim, mas, afinal, dava quase no mesmo.

Relacionava-se melhor com os alferes milicianos, mas estes, à noite e quando não tinham saídas, também eram jogadores de cartas. Ficava só. Ou quase.

Tinha dois inimigos de estimação. Um era o major do planeamento de operações, acusando-o de ele ver o terreno (bolanhas, rios, tarrafos, matas, etc.) como se tudo fosse um mapa plano, sem dificuldades nem obstáculos à progressão da tropa. O outro era o agente da PIDE, instalado junto ao quartel, que, solenemente, desprezava. Chamava-lhe o “homem das antenas”.

Com o correr dos meses tornou-se cada vez menos comunicativo e bebia cada vez mais.
- Capitão Silvério, você está a precisar de umas férias - aconselhou o comandante.
- Pois – respondeu secamente.

Foi de férias. Mas não regressou. O alferes Matos, por ser o mais antigo, passou a comandar a companhia, aguardando o capitão substituto.

Passados quase três meses sobre a data em que o capitão Silvério deveria ter regressado, o alferes Matos recebeu uma carta, enviada por alguém que não conhecia. Abriu o envelope e reconheceu a letra:

"Olá, Matos. Pedi ao meu amigo para te enviar esta carta para o SPM. Dá-me notícias vossas. Escreve para este meu amigo, para o endereço que está no envelope. Ele enviará a carta ou o aerograma para mim. Diz-me o que se vai passando com vocês, com todo o pessoal. Espero que não tenham tido azares.

"Há momentos em que acho que não deveria ter vindo para França, que deveria ter voltado para aí. É assim como uma espécie de culpa e fico angustiado. Principalmente à noite.

"Fica ao teu critério falares disto a quem tenhas confiança, mas acho que devia ficar só entre nós dois. Até para tua segurança.

"Escreve, está bem? E vai dando notícias de tudo.

"Um abraço do
Silvério ".


__________


Notas de vb:

1. Artigos do Alberto Branquinho em

26 de Novembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3521: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (11): Um cabo que conheceu Bissau vinte e três meses depois... (Alberto Branquinho)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3344: PAIGC - Instrução, táctica e logística (18): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: O temível helícóptero (A. Marques Lopes)

Tancos > Base Aérea nº3 > 1967 > 1º Curso de Pilotos de Helicópteros, onde pela 1ª vez também foram incorporados milicianos, segundo informação do Jorge Félix, aqui, junto a um Allouette II, no meio dos seus camaradas, onde se inclui o Duarte Nuno de Bragança.


Os primeiros pilotos milicianos de helicópetros da FAP > 14 de Março de 2008 > "Éramos oito milicianos (Eu, Antolin, Cavadas, Melo, Baeta, Pinto e Duarte) e três da Academia Militar (Braga, Afonso e Costa). O Pinto faleceu em Outubro de 2007, em Lisboa, vítima de doença. O Oliveira faleceu no acidente de aviação em Tancos, em 72 ou 73. Estes dois companheiros estiveram comigo na Guiné. O Melo anda em sítio incerto na Venezuela (vou saber pormenores da 'chatice' que foi a vida dele por lhe terem roubado um Allouette III da FAP). O Baeta faleceu em Gago Coutinho, Angola, Março de 1969, num acidente, voo nocturno, Heli. O Cavadas também já faleceu em acidente de Heli, andava nas pulverizações, no Alentejo. O Antolin está de perfeita saúde, Comandante da TAP reformado, a viver em Lisboa. O Duarte é... Sua Alteza D. Duarte Nuno de Bragança, esteve em Moçambique e vive em Lisboa. O Pinto, também reformado da TAP, faleceu há quatro meses. Do Braga, Afonso e Costa, sei muito pouco (...). Jorge Félix".

Foto (e legenda) de Jorge Félix, ex- Alf Mil Pil Av Heli Allouette III (BA 12, Bissalanca, 1968/70) > Cortesia de:
Blogue do Victor Barata > Especialistas da BA 12, Guiné 1965/74.




PAIGC > Figura 1 > O helicóptero > "Helicóptero quer dizer: uma coisa que tem asas (ptero) em forma de hélice ou ventoinha (héli). Na verdade o helicóptero não tem asas como o avião, tem três partes principais: O corpo – com a carlinga onde está o piloto; o rabo – que também tem uma hélice (hélice propulsora); as hélices – grandes, acima do corpo e que se consideram como sendo as asas do helicóptero (ver desenho)"


Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado, de que nos foi enviada uma cópia, através de mais de um dúzia de mails, entre Setembro e Outubro de 2007, pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma.

O Marques Lopes foi Alf Mil na CART 1690 (Geba ) e CCAÇ 3 (Barro) entre 1967 e 1969.

PAIGC: Instrução, táctica e logística (18) > INSTRUÇÕES SOBRE A ACTUAÇÃO CONTRA HELICÓPTEROS [Transcrição de documento, interno, do PAIGC] (1)

Revisão e fixação de texto: AML/LG

INTRODUÇÃO

Desesperados diante do progresso da nossa luta, do aumento crescente das nossas forças armadas, os colonialistas portugueses tentam usar contra nós todos os meios modernos de que podem dispor, para ver se conseguem parar a marcha vitoriosa do nosso Partido. Nos devemos estar prontos para responder com coragem a todos os crimes dos colonialistas. Os combatentes das nossas forças armadas, principalmente os responsáveis do nosso Partido, devem enfrentar com calma e coragem todas as iniciativas criminosas dos colonialistas portugueses, devem estudar bem as suas manobras e os meios que usam contra nós, para poder manter bem alto o espírito combativo dos nossos militares armados, reforçar cada vez mais o apoio do nosso povo à luta armada e infligir novas e mais pesadas derrotas às tropas colonialistas.

Desde meados de 1966 que os colonialistas têm vindo a usar contra nós os helicópteros. Já usavam antes os helicópteros, mas apenas para abastecimento dos soldados isolados, para retirar mortos e feridos dos campos de batalha e para abastecimento.

Agora os colonialistas estão a usar helicópteros armados nas operações contra nós, principalmente contra as tabancas das regiões libertadas, para fazer mal ao nosso povo mas também em operações combinadas e para acções de surpresa contra certos sectores da nossa luta. Já nos fizeram algum mal e poderão fazer muito mais, se não tomarmos as medidas necessárias para responder com coragem e força a esta nova tentativa criminosa dos colonialistas.

Para conseguirmos votar ao fracasso esta nova iniciativa desesperada dos tugas, todos devem saber bem o que é o helicóptero, para que serve e como se usa, quais são as suas forças e as suas fraquezas, como combater contra os helicópteros e contra as armas transportadas por helicópteros. Os responsáveis do Partido devem saber isso, todos os combatentes devem saber isso, mas também as nossas populações, homens, mulheres e jovens devem saber isso. Os helicópteros nada podem contra um povo unido e pronto a lutar corajosamente para a sua liberdade. Assim como temos derrotado as forças colonialistas com as suas armas modernas e aviões, assim também derrotaremos os helicópteros que agora estão a usar.

Para fazer este documento, tomou-se como base, fundamentalmente, a grande experiência do povo heróico do Vietname na luta contra os helicópteros, tendo em conta as condições próprias da nossa terra.


I - RAZÕES, OBJECTIVOS E CONDIÇÕES DE USO DOS HELICÓPTEROS NA GUERRA COLONIAL


1. Porque é que os tugas usam os helicópteros contra nós



Os colonialistas portugueses já usaram contra o nosso povo muitos meios, quase todos os meios de que podem dispor para nos fazer mal. Manhas e intrigas, escravatura, armas de fogo antigas para conquistar a nossa terra; chicote, pontapé, bofetadas, palmatória e trabalho forçado no tempo do colonialismo; prisões, torturas, assassinatos, armas de fogo modernas, aviões com bombas de todas as espécies, carros blindados, etc., para destruir o nosso Partido, meter medo ao nosso povo e parar a nossa luta de libertação. Agora usam os helicópteros, convencidos de que assim poderão realizar os seus objectivos criminosos. No princípio da luta armada, os tugas vinham de carro. Nós destruímos os carros e passaram a tentar vir a pé. Nós matámo-los nas estradas e no mato em grande número, não conseguiram avançar de surpresa, porque eram descobertos pelas nossas patrulhas. Agora resolveram vir de helicóptero, para chegarem mais depressa, com surpresa, para também poderem fugir mais depressa, e para tentar retomar a iniciativa da luta.

Os tugas usam os hlicópteros para tentarem realizar combates e retirarem-se rapidamente, antes de os liquidarmos. Usam os helicópteros porque já sabem que não podem entrar a pé profundamente nos nossos matos, porque só com helicópteros poderão entrar nas nossas tabancas situadas junto das bolanhas e das matas onde é perigosa para eles andar a pé. Usam helicópteros, porque querem causar surpresa nos seus ataques contra as nossas populações e combatentes, querem ter iniciativa. Porque querem tentar liquidar-nos com ataques rápidos e seguros, para se retirarem rapidamente depois. Usam os helicópteros, porque também estão convencidos de que, como não conhecemos bem os helicópteros, ficamos com medo e não podemos agir.

Mas a razão principal porque os tugas usam agora os helicópteros, é porque todas as táticas e técnicas usadas contra nós até agora não deram resultado para eles. Estão desesperados e usam agora os helicópteros na esperança de que assim poderão mudar a situação. Por isso mesmo, nós devemos fazer frente aos helicópteros, atacá-los, botá-los abaixo, atacar e liquidar as tropas que transportam. Fazendo isso, votando ao fracasso essa nova tentativa desesperada dos tugas, vamos matar uma das suas últimas esperanças na nossa terra e, portanto, conseguir uma vitória decisiva para a expulsão dos tugas da nossa terra.


2. O que os tugas fazem e querem fazer com os helicópteros


Como se disse, os tugas usaram antes os helicópteros só para retirar os feridos e mortos dos campos de batalha e para abastecer ou apoiar as suas tropas tanto nas casernas como nos postos do mato.

Agora, os tugas, além disso, transportam tropas nos helicópteros para fazerem ataques terrorristas contra as nossas populações, para tentar atacar as nossas bases guerrilheiras, para tentarem estabelecer pontos de apoio em certas zonas. Portanto, para tentar destruir as nossas forças. Os helicópteros armados atacam as nossas aldeias e lançam chamas para queimar as nossas culturas.

Os tugas querem, com os helicópteros, com helicópteros que esperam receber dos seus aliados americanos, alemães, ingleses e franceses, desejam fazer grandes ataques contra nós, em operações combinadas com a infantaria, a aviação e a marinha; pensam poder lançar as suas tropas em várias direcções com muitos ataques rápidos, para tentar destruir as nossas forças e tomar o nosso material; esperam poder atacar cada vez mais as populações das regiões libertadas para matá-las ou forçá-las a fugir, para assim nos retirar o apoio do povo, indipensável para a marcha vitoriosa da nossa luta.

Para tentar fazer tudo isto contra nós, os tugas têm de vencer grandes dificuldades. Por isso, procuram aplicar na nossa terra os conhecimentos dos imperialistas americanos e outros, nomeadamente as tácticas e técnicas do uso dos helicópteros pelos americanos, contra o povo do Vietname.


3. Casos em que o tuga usa ou pode vir a usar os helicópteros contra nós


a - Assaltos de surpresa em terreno plano

A Guiné é em geral plana, pelo que não é difícil usar os helicópteros, salvo nas áreas de floresta com muitas árvores. Já em Cabo Verde, onde o terreno é montanhoso, será mais difícil de usar os helicópteros para ataques deste tipo.

Neste caso, o helicóptero é usado apenas como transporte de tropas, não sendo apoiado por fogo de armas pesadas ou por aviões. O objectivo desses assaltos é de prender pequenos grupos guerrilheiros ou gente do Partido. O inimigo procura tirar o maior efeito da surpresa, procura chegar ao local do ataques sem ser esperado. Mas só usa este tipo de ataque, quando sabe que as nossas forças são fracas. Por isso mesmo, na fase actual da nossa luta, em que temos em grande forças em todos os lados, o inimigo não pode usar muito este tipo de ataque dos helicópteros.


b – Assaltos a bases de guerrilha

Para fazer este tipo de assalto em helicópteros, o inimigo precisa de informações dadas pelo serviço de espionagem, pelos traidores ou por prisioneiros que lhes dizem onde estão exactamente as nossas bases, a força que temos nelas as armas que temos, o nosso sistema de defesa, etc. Por isso é preciso muito cuidado om os espiões e com os traidores, e, quando uma pessoa (da população ou combatente) que conhece bem uma base é presa pelos tugas, devemos sempre mudar a base.

Este tipo de assalto tem de ter um apoio aéreo (de aviões), para nos obrigar à defensiva, de maneira a sermos apanhados de surpresa pelas tropas transportadas por helicópteros.

Os helicópteros têm de partir de longe (por exemplo de Bolama para atacar no Cubisseco ou no Como) a fim de não sabermos antes que os tugas vão vir de helicóptero.


c - Desembarque de tropas para ocupar um lugar ou para fazer ataques de envergadura

Este é uso principal dos helicópteros que o IN [Esta abreviatura deve ser vício profissional do tuga que passou o texto à máquina. Não acho que usassem a mesma expressão que nós, o que, aliás, se vê em todo o SUPINTREP - A. Marques Lopes] pode querer fazer na fase actual da nossa luta. Exige bastante preparação, boas informações sobre as nossas forças, apoio de aviões e de fogo de armas pesadas, e, em alguns casos, apoio de tropas vindas por mar e por rio.

Vamos ver mais adiante o caso de desembarque de tropas transportadas por helicópteros.


4. Como é que o inimigo usa os helicópteros

No uso do helicóptero, o inimigo usa o seguinte método de trabalho:


A) – Faz o plano de combate

O plano é traçado de acordo com os métodos de combate da infantaria (as tropas só têm armas ligeiras). Para isso, o inimigo toma em conta o tipo de terreno, o método de desembarque e o número de helicópteros necessários para a peração. O chefe dos helicópteros e o chefe da infantaria reconhecem a situação e traçam o plano.


B) – Faz o plano para o transporte

Para isso toma em consideração:

- o número de soldados

- a quantidade de helicópteros

- a distância até ao lugar do desembarque

O chefe de infantaria indica a direcção do voo, e o chefe dos helicópteros indica como os helicópteros devem formar-se em voo.


C) – Faz o plano de fogo de apoio

Durante o voo dos helicópteros, são combinados três tipos de fogo: Artilharia, bombardeamento e metralhagem por aviões e fogo dos helicópteros que têm canhões e voam separados dos helicópteros que transportam tropas.

Antes de começar o voo e durante o voo, a artilharia e os aviões bombardeiam a posição a atacar, para enfraquecer as nossas forças. Durante o combate continua o fogo de apoio com artilharia e aviões, mas também com morteiros para permitir a saída dos soldados e a retirada dos helicópteros.


D) – Realização do desembarque

O desembarque é feito por fases, porque, em geral, os helicópteros não podem descer (aterrar) todos ao mesmo tempo no mesmo terreno. O primeiro grupo que desembarca é o grupo de protecção. Logo que o helicóptero toca a terra, os soldados saltam ou descem dele. A disposição do inimigo é a mesma que a das tropas de infantaria. Devem estar prontos para combater logo que tocam a terra.


5. Como é que o inimigo prepara um ataque com helicópteros


a - Faz reconhecimentos com aviação

Isto é para conhecer bem: a posição das nossas forças, o número de homens, as condições do terreno, as condições do tempo, etc. Este tipo de reconhecimento toma em geral bastente tempo, mas é muito fácil nas regiões planas como a nossa terra.


b - Faz ensaios de desembarque

Isto é para conhecer as dificuldades que pode encontrar no combate. Faz isso porque não é fácil aterrar e necessita de boas condições.


c – Escolhe o ponto de partida

É preciso para isso que a unidade da infantaria não esteja muito longe do desembarque, e que a caserna ou o posto em que se encontra seja uma base segura. A distância de voo deve ser em geral de cerca de 40 a 50 Km. Quando há muitos aeroportos, eles servem de ponto de partida (Bolama, Catió, Farim, Bafatá, etc).


d – Concentra (junta) os helicópteros e as tropas no ponto de partida

Quando é preciso mudar as tropas do quartel para o aeroporto, faz isso rapidamente, no máximo de uma hora, porque tudo deve estar pronto para partir, uma ou duas horas antes do desembarque.

e – Faz manhas para desviar a nossa atenção, para nos enganar

Pode fingir que está a reconhecer outro lugar em vez daquele que vai atacar, fingir que vai desembarcar noutro lado, lança boatos (notícias falsas) dizendo que vai atacar noutro lado, lança panfletos (cartas com propaganda) para nos desmoralizar e no fim atacam o lugar que sempre tinham em vista atacar.


6. Como é que o inimigo faz o desembarque


a) Fogo de apoio

Quando começa o fogo de apoio, os helicópteros saem do local de partida. O fogo de apoio dura todo o tempo de voo, de modo que quando chegam os helicópteros para o desembarque pára o fogo de apoio. No momento do desembarque o fogo de apoio recomeça, mas muda para as zonas próximas do local de aterrisagem, com o fim de cobrir o desembarque. Antes do desembarque o inimigo pode lançar paraquedistas falsos para, conforme a nossa reacção, conhecer melhor as nossas posições no terreno. Para o fogo de apoio, usam, como se disse, artilharia e aviões de combate. Os aviões fazem voos razantes (baixos) para fazer muito barulho com o fim de cobrir o ruído dos motores dos helicópteros.

Em geral as tropas que desembarcam e os aviadores de helicópteros pedem fogo de apoio. Mas isso faz com que nós podemos desconfiar do ataque, a surpresa fica diminuída ou sem efeito. Isto acontece porque as tropas colonialistas têm baixo espírito de combate, querem agir com maior segurança.


b) Tipos de desembarque

O inimigo desembarca grupo por grupo, mas se o primeiro grupo é atacado, volta a fazer fogo de apoio. Há três tipos de desembarque:

1º tipo – O helicóptero aterra e os soldados saem. Fazem assim em terrenos planos.

2º tipo – O helicóptero não aterra, fica suspenso no ar a pequena altura, lança uma escada e os soldados saem. Fazem assim nas zonas montanhosas principalmente.

3º tipo – O helicóptero não aterra, fica no ar a uma altura muito baixa, e os soldados saltam dele. Fazem assim nas zonas pantanosas (bolanhas, lalas com água, lama).


c) Tempo que dura o desembarque

O desembarque dos soldados de um helicóptero dura em geral 3 minutos; o desembarque de uma companhia (20 helicópteros) [Não me parece que na Guiné tivéssemos tantos helicópteros. Há-de ser uma ideia colhida junto dos vietnamitas - A. Marques Lopes] dura 10 a 15 minutos.


d) Como ataca o inimigo depois do desembarque

O inimigo age exactamente como fazem as tropas de infantaria, que estamos habituados a enfrentar.


II – BASES PARA A LUTA CONTRA OS HELICÓPTEROS


A nossa luta é uma guerra popular (de todo o povo). Por isso, a luta contra os helicópteros deve ser uma luta de todo o povo. Na luta contra os helicópteros, o trabalho principal é: mobilizar todas as forças armadas (exército e guerrilha), mobilizar todo o povo (população e milícia popular) par combater conra os helicópteros.

Para realizar este trabalho é preciso ensinar às massas populares e a todos os combatentes o que é um helicóptero, quais são as vantagens (forças) desvantagens (fraqueza) dos helicópteros; mostrar que temos capacidade para atacar e botar abaixo os helicópteros, criar e reforçar a confiança do povo e dos combatentes na sua capacidade diante dos helicópteros; aproveitar as nossas próprias experiência e as experiências dos outros, levá-las aos combatentes e às massas para poderem ser aplicadas em grande escala.

Conhecer o helicóptero, estar sempre pronto para lutar contra os helicópteros esta é a condição principal para derrotarmos os helicópteros na nossa terra.

1. O que é um helicóptero

Um avião é um meio de transporte que anda no ar, em geral com grande velocidade, mais epressa que os barcos e os carros. Mas o avião, para levantar voo (descolar) ou assentar na terra (aterrar) precisa de um grande espaço, duma pista (terreno plano, seco e firme) que tem várias centenas de metros e às vezes atá alguns quilómetros (avião a jacto). Por exemplo: um avião não pode descolar nem aterrar num quintal, num terraço, numa lala com água, num monte ou na lama. O avião não pode também parar no ar, nem perto da terra nem a grande altura: tem de estar sempre a andar.

O helicóptero é também um meio de transporte aéreo (que anda no ar), tem emgeral uma velocidade mais pequena do que a do avião, mas pode levantar voo ou aterrar numa porção pequena de terreno (um quintal, um campo de futebol, um terraço, etc.). Isso é possível porque o helicóptero não precisa de correr para levantar voo e porque pode parar no ar, mantendo o motor a trabalhar. O helicóptero levanta voo ou aterra muito devagar, e na vertical, quer dizer no sentido de um tronco de palmeira como quem sobe ou desce uma palmeira. Além disso, porque o helicóptero pode parar no ar, mesmo muito perto da terra, ele pode transportar pessoas e até carga para qualquer terreno: com pedras, com água, com lama, sem ser plano (monte) etc. Basta para isso que ponha uma escada ou um guindaste, e as pessoas ou as cargas descem ou sobem. Esta é a diferença principal entre o helicóptero e o avião: o helicóptero serve para qualquer terreno e até para trabalhos por cima da água, enquanto que o avião precisa de terreno especial para ser utilizado.

Helicóptero quer dizer: uma coisa que tem asas (ptero) em forma de hélice ou ventoinha (héli). Na verdade o helicóptero não tem asas como o avião, tem três partes principais [Vd. Fig 1, acima]:

O corpo – com a carlinga onde está o piloto

O rabo – que também tem uma hélice (hélice propulsora)

As hélices – grandes, acima do corpo e que se consideram como sendo as asas do helicóptero (ver desenho [, no cimo deste texto] )

Como os aviões, os helicópteros são feitos de metal ligeiro (alumínio) e de outros materiais leves, para diminuir ao máximo o seu peso. Como tudo o que voa, o helicóptero se é atingido seriamente ou se fica muito avariado não tem outro caminho senão cair no chão.

2. Quais são as vantagens (forças) dos helicópteros


São as seguintes:

a) – Dão uma grande mobilidade (movimentos rápidos) às tropas que podem assim deslocar-se mais depressa do que a pé ou de carro ou de barco, para qualquer terreno. Tem um raio de acção de 150 Km e uma velocidade de 160 Km/hora.

b) – Raio de acção – capacidade de voar sem receber mais gasolina. Por exemplo: pode ir de Bissau a Bissorã e voltar sem meter mais gasolina (em linha recta).

c) – Levam as tropas e abastecimento (material de guerra, comida, etc) para qualquer terreno e pode retirar tudo isso, assim como feridos e mortos de qualquer terreno.

d) – Causam surpresa tanto na ofensiva como na defensiva, porque chegam rapidamente, muitas vezes sem nós esperarmos e sobre qualquer terreno.

e) – Podem mudar de direcção de ataque rapidamente, dentro dum limite (distância máxima de 20 a 30 Km).

f) – A infantaria não precisa de muito treino para saber desembarcar dos helicópteros. Bastam em geral 5 a 6 minutos de treino para aprender a subis a descer do helicóptero. Logo a seguir ao desembarque podem começar o combate.

g) – Podem ter um grande apoio de fogo de armas pesadas.

h) – Podem ser armados para atirar contra os combatentes e contra a população.


3. Quais são as desvantagens (fraquezas) dos helicópteros


Os helicópteros têm muitas desvantagens (fraquezas).

São as seguintes:

a) – A cobertura de fora dos helicópteros é muito fina. Balas de calibre maior de 7 milímetros poem furar o casco dos helicópteros.

b) – A velocidade dos helicópteros não é grande. Por isso não é difícil fazer fogo contra os helicópteros quando estão em movimento, no ar, ao levantar-se ou a descer.

c) – Os helicópteros têm muita dificuldade em voar com mau tempo. Por isso só podem agir no tempo seco, os seus movimento são muito prejudicados (dificultados) pelo vento e pelas chuvas.

d) – Os helicópteros exigem muita conservação (tratamento). Assim, por cada hora de voo devem ser revistos e tratados durante cerca de três horas. Além disso, o motor dos helicópteros só tem uso em condições durante cerca de 300 a 500 horas.

e) – Os helicópteros gastam muita gasolina. Por exemplo, um helicóptero qie trabalha durante um dia gasta em médi mais de uma tonelada de gasolina.

f) – Quando os helicópteros se juntam num lugar de desembarque de tropas, formam um bom alvo para tiro fácil.

g) – O som do motor é muito forte, e por isso torna difícil ao IN [certamente mais um deslize do tuga escriturário...] de dar ordens de comando e também diminui ou impede a surpresa no momento do desembarque se nós estamos vigilantes.

h) – As tropas que vigiam os helicópteros não podem levar armas pesadas, e precisam de apoio de fogo de outras forças de apoio, o que nem sempre é fácil.

i) – Para usar os helicópteros, o inimigo deve sempre fazer primeiro um reconhecimento e usar fogo de apoio para desembarque, o que tira a surpresa à operação, desde que estejamos com atenção.

j) – O IN [novamente...] pode ter muitos helicópteros, mas não pode usar muitos num mesmo lugar ao mesmo tempo. É obrigado a repetir [é capaz de ser repartir...] os helicópteros por diversos lugares ou então fazer o desembarque por partes, o que torna mais fracas as suas forças.


4. Quais são os pontos mais fracos dos helicópteros

Os pontos mais fracos dos helicópteros são a carlinga, onde se enconta o piloto, e as hélices que fazem voar o helicóptero.

É, portanto, principalmente contra esses pontos que devemos fazer o tiro com a arma que temos. O tiro contra a carlinga tem a vantagem de poder atingir o piloto, deixando o helicóptero sem comando; além disso pode detruir aparelhos importantes sem os quais o helicóptero não poderá continuar a andar. O tiro nas hélices é o mesmo que umtiro nas asas de um pássaro: não poderá voar mais e cai, desde que o tiro seja bem dado.

- Alturas e distâncias

A altura em que está o helicóptero (distância entre o atirador e o helicóptero) pode ser avaliada com a vista. Assim:

Quando o helicóptero está a 100 metros mais ou menos, podemos ver claramento o helicóptero, a cara do piloto, a antena de rádio, e a boca da arma do helicóptero (canhão).

Quando está a 200 metros, vemos apenas a porta, as letras escritas no corpo ou no rabo, a carlinga, a cabeça do piloto.

Já quando está a 300 metros, só vemos o corpo do helicóptero a sua cauda ou rabo.

Para atirar contra um corpo em movimento é preciso mandar a bala para a frente desse corpo. Por isso é preciso conhecer a distância adiantada a que se deve mandar o tiro.


- A distância adiantada é calculada por fórmula:

DTA (distância) – TP (tempo que leva a bala a chegar ao alvo) x (vezes) VA (velocidade do corpo em movimento)

Suponhamos que o helicóptero está a 200 metros. A bala, para correr 200 metros, leva 0,31 segundos, portanto TP=0,31. O helicóptero anda a 50 m/segundo, portanto VA=50 m/segundo donde DTA=TpxVA=0,31s.x50=15m

Devemos portanto mandar o tiro para 15 metros à frente do helicóptero quando ele está a uma distância de 200 metros do ponto onde nos encontramos.

Fazendo cálculos parecidos com este, vemos que a distâncias adiantadas são as seguintes, para as distâncias do helicóptero a seguir indicadas conforme as armas (em metros).

Distâncias adiantadas (em metros)




Estes números indicam aproximadamente distâncias de tiro adiantadas, tiro isolado (um só atirador). Conforme o resultado do primeiro tiro, regulamos a distância para melhor acertar.

Devemos ter em atenção o seguinte:

Quando disparas várias armas ao mesmo tempo, devemos dobrar a distância de tiro adiantado, para formar à frente do helicóptero uma cortina de fogo com maior possibilidade de acertar.

Devemos ter em atenção o seguinte:

Quando usamos armas automáticas, de rajadas, devemos também dobrar a distância do tiro adiantado.

Antes de disparar, devemos sempre considerar uma distância adiantada maior do que a boa para podermos regular bem a distância que queremos, enquanto o helicóptero avança (em geral toma-se o dobro da distâcia necessária).






6. Como fazer tiro?


Pode-se dar tiros nos helicópteros com espingardas (Mauser), carabina russa ou outra espingarda semi-automática, espingarda metralhadora (G3 ou outra), com sub-metralhadoras como a AK10 (chinesa ou soviética) ou qualquer metralhadora ligeira.

a) – Graduar a alça da arma (regular a distância)

Isso depende da distância a que está o helicóptero sobre o qual se atira. Mas para agir rapidamente, convém ter a alça regulada antes do momento de ataque. Em geral escolhe-se a alça 3, quer dizer 300 metros de distância.

b) – O ângulo de tiro (posição da arma em relação ao solo)

Deve ser de 40º, o que permite um alcance de tiro de 1.200 metros em linha recta (trajectória rasante). Deve-se disparar quando o helicóptero está a uma altura do alto abaixo de cerca de 500 metros.

c) – Escolher o ponto de tiro

Quando o helicóptero está a uma altura igual ao do ponto em que nos encontramos (por exemplo, se estamos em cima de uma árvore, duma casa ou dum muro), atiramos contra ele directamente (tiro directo, ver figura 2).

Quando está no ar parado ou quando está muito perto e avança lentamente atiramos directamente (ver figura 3).

Quando está em voo, em linha recta, artiramos sobre o seu eixo (linha de voo) com tiro adiantado (tiro indirectyo), (ver figura 4).


5. Preparação e organização de combate contra os helicópteros



a) – Apreciar bem a situação do inimigo

Como se sabe, isto deve fazer-se para todos os casos de combate. Combater sem conhecer a situação do inimigo é o mesmo que entrar num quarto escuro cheio de obstáculos, é o mesmo que andar às cegas num caminho perigoso (ver palavras de ordens gerais, no que respeita à necessidade de fazer reconhecimentos antes dos combates).

Para conhecer a situação do inimigo devemos organizar uma rede de informação na zona do inimigo, para obter quaisquer indicações dos movimentos dos colonialistas, que mostram que se preparam para nos atacar em helicópteros.

Devemos saber a quantidade aproximada dos helicópteros que o inimigo vai empregar e apreciar a sua capacidade de combate. O inimigo pode desembarcar desde pequenos grupos de soldados até um ou mais batalhões. Em geral é difícil transportar mais e um batalhão, sobretudo para os tugas que não têm muitos helicópteros.

Devemos apesar disso estar preparados para combater contra o máximo de forças do inimigo, pois assim temos a segurança de poder derrotar essas forças.

Devemos também estudar quais são as forças de apoio que agem em coordenação com os helicópteros (fuzileiros, paraquedistas, etc.) e também qual o fogo de apoio que podem receber.

b) – Estudar o terreno

Com uma boa apreciação (conhecimento e atenção) podemos determinar o lugar onde é possível o desembarque, antes da chegada dos helicópteros. Apesar de que na nossa terra, que é em geral plana, haja muitos lugares para os helicópteros aterrarem, devemos conhecer bem os terrenos à volta das bases, das arrecadações e das tabancas, para fixar aqueles em que é mais fácil poisarem os helicópteros, que são melhores para o desembarque do inimigo.

Em cada Sector de luta e em cada base, devemos marcar esses terrenos. Isso permite-nos pôr obstáculos nesses terrenos (pedras, troncos de árvores, fogo, paus fincados na terra, minas, etc.) para evitar que os helicópteros aterrem, mas também para obrigá-los a aterrar lá onde nos convém melhor para o combate.

Para isso devemos ter em conta:

- O que queremos com o combate, o seu objectivo, quer dizer, se é para dar um golpe no inimigo, para evitar que desembarque ou para o aniquilar (detruir totalmente).

- A forma de combate que vamos utilizar, quer dizer, se combatemos em emboscada (esperando o inimigo no local de desembarque) ou se atacamos em movimento (avançar para o local do desembarque, e atacar o in imigo depois de desembarcar).

- A capacidade (as forças) do inimigo. Conforme essa capacidade, assim organizamos as nossas forças.

- As posições que devemos tomar no terreno.

- A sincronização (quer dizer: acção ao mesmo tempo) com outras forças nossas (guerrilhas, povo armado).

- A distribuição das tarefas (repartição dos tabalhos) durante o combate, o que deve ser feito claramente sem confusões.

- A organização dum sistema de vigilância e de comunicação (vigias, uso de bombolons ou de rádio para comunicar o movimento dos helicópteros), a fim de evitarmos a surpresa.

Quando estamos acampados, devemos prever um possível assalto com helicópteros. Por isso devemos ter um plano de defesa, cavar trincheiras e fossos, tomano posições favoráveis. Isso deve ser feito tanto nos pontos de apoio (acampamentos) como nas bases de guerrilha e também junto das tabancas.


8. Tipos de combate

O tipo de combate contra os helicópteros depende principalmente das forças de que dispomos e das armas que temos. Na fase actual da nossa luta se mobilizarmos e instruirmos (ensinarmos) bem as massas populares e os combatentes para a luta contra os helicópteros, podemos fazer qualquer tipo de combate contra eles. Temos todas as armas n ecessárias.


a) – Combate disperso

É a forma do combate popular, pois pode fazer-se em todos os lugares, os casos e a qualquer momento. Para poder fazer o combate disperso devemos:

- Criar grupos de caçadores de helicópteros formados de guerrilheiros e povo armado. Escolher para isso os bons atiradores.

- Convencer a população e os combatentes (nas horas vagas) a preparar cibes para fincar nos lugares bons para desembarque.

- Semear ou plantar plantas nos lugares em que não há, para nos servir de esconderijo donde faremos fogo contra os helicópteros e o inimigo.

- Nos grandes campos, combinar estacas fincadas no chão com minas anti-pessoais e anti-aéreas que devemos preparar.

- Não arrancar as árvores para fazer lenha, mas cortar apenas a parte dos ramos deixando os troncos no chão (como nos terrenos de queimada).

- Manter grupos de atiradores, devigilância, para darem tiros contra os helicópteros ainda quando estão a voar. Estes grupos devem estar em lugares situados na trajectória (linha de voo) que os helicópteros podem fazer e são a base para as nossas posições.

- Organizar comandos (grupos fortes) para atacar os aeroportos e bases inimigas com o fim de destruir os helicópteros.


b) – Combate concentrado

Este tipo de combate deve ser feito em geral com as forças principais (unidades do Exército e guerrilheiros bem armados). Podemos usar neste tipo de combate as tácticas seguintes:

- Combate de emboscada – Concentramos as nossas forças no lugar ou nos lugares previstos para o desembarque, e esperamos que cheguem os helicópteros. Neste caso, é em geral necessário atrair (chamar) o inimigo ao local da emboscada. Por exemplo: pôr obstáculos em todos os sítios bons para desembarque, menos naqueles que nos convém para combate; atacar um posto de uma caserna inimiga, para provocá-lo, e ficar depois à sua espera no lugar ou lugares bons para desembarque e situados próximos das nossas posições; dispor de forças em todos os lugares.» (2).
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Nota de L.G.:

(1) Vd. último poste da série > 8 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3284: Instrução, táctica e logística (17): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: A formação do soldado das FARP (A. Marques Lopes)

(2) Para saber mais sobre o helicóptero, vd. por exemplo os seguintes sítios:

Wikipédia > Helicóptero

Wikipédia > Portal: Aviação

Blogue do Victor Barata > Especialistas da BA 12, Guiné 65/7

Aproveito para saudar o Victor, que é também membro da nossa Tabanca Grande e tem ido aos nossos encontros nacionais, e desejar-lhe boa sorte e perseverança neste combate, que nem sempre é fácil, de reunir as antigas tropas, agora tresmalhadas, e que no caso dele não eram de terra nem do mar, mas do ar... No seu sempre activo blogue, têm aparecido além dos Melec (técnicos de manutenção aeronáutica, como ele), outros camaradas, como os pilotos e os pára-quedistas... Boa saúdede e bom trabalho para o Victor e os camaradas da FAP que a Guiné juntou e uniu. O Victor está, além disso, a organizar uma viagem de saudade à Guiné, a realizar em Fevereiro do próximo ano.