[Foto à esquerda, de Lázaro Ferreira, nosso próximo grã-tabanqueiro: malta de Gadamael, 1974].
1. O C. Martins - nosso leitor e camarada, mais conhecido por ter sido o "último artilheiro de Gadamael" , comandante do Pel Art 23, que acabará por (con)fundir-se com o 15, mas também médico, hoje, no Portugal profundo, - não faz parte formalmente da nossa Tabanca Grande (TG), por razões alegadamente deontológicas, éticas e profissionais que eu entendo e respeito. Isto quer dizer que: (i) nunca pediu para aderir à TG; (ii) nunca aceitou o meu convite para ingressar na TG; (iii) nunca se apresentou ao "pessoal da caserna", como mandam as NEP do blogue; (iv) nem nunca enviou as duas fotos da praxe...
Em contrapartida, é leitor assíduo, fã do nosso blogue, comentador diário dos nossos postes, frequentador dos nossos encontros nacionais, e profundo conhecer da Guiné, amigo das suas gentes... Tem, além disso - e excecionalmente - uma série feita com os seus comentários neste blogue... Ele é um bom contador de histórias, tem sentido de humor, e muitas memórias da tropa, da guerra e da paz, por partilhar... Seria uma pena que esta, que a seguir (re)publicamos, ficasse escondida (e perdida) na montra traseira (que é a caixa de comentários) do nosso blogue...
Sem sequer lhe pedir autorização (já foi dada tacitamente), aproveitei esta história, que considero exemplar, para mais um poste da série Lições de artilharia para os infantes... Pode perguntar-se: Foi a tropa uma escola de virtudes ? Quero eu dizer, a tropa do nosso tempo... Aprendia-se lá só coisas de artilharia, infantaria, cavalaria, transmissões ? Mas também valores ?...
A pergunta não tem uma resposta dicotómica: como de resto tudo na vida, nada pode ser visto a preto e branco... Depois da história do J.L. Mendes Gomes, a do C. Martins: são duas histórias que têm direito a "mural ao fundo"... Não confundir com "moral"... São histórias que se prestam a que a gente, os grã-tabanqueiros e demais leitores deste blogue, escrevem os seus grafitos na parede (mural), ao fundo... Eu diria que são "contos morais"... Mas ao leitor é que é reservada a última palavra.
O C. Martins que me perdoe a partida, mas achei que este seu comentário era um pequeno diamante em bruto, que merecia ser lapidado... Podia tentar adivinhar quando e com quem se passou... Seguramente, gente da artilharia, mas para o caso não interessa. Os "contos morais" não têm historicidade, isto é, a espessura e a ganga do tempo e do espaço... (Quanto a mim, limitei-me a fazer o papel do escriba de serviço, neste turno, que foi o de fazer a fixação do texto; os méritos vão inteirinhos para o C. Martins).
Para o J.L. Mendes Gomes vai também o meu apreço pela coragem e frontalidade com que ele partilha, connosco (e com os netos...), uma história que alguns poderiam/poderão achar "politicamente pouco correta"... (LG).
2. Lições de artilharia para os infantes > Quando o oficial de dia fez uma levantamento de rancho...
por C. Martins
Este tema é muito interessante: Relação entre comandantes e comandados e vice-versa (*).
Atitudes, justiça, injustiça, abuso de poder, capacidade de liderança ou não, coesão ou espírito de corpo.
Todos nós tivemos casos, independentemente da categoria ou posto hierárquico.
A propósito de rancho... Lembro-me de um caso passado num regimento de uma cidade alentejana. O oficial de dia fez um levantamento de rancho !!!!.
Este tinha por hábito não se limitar a provar a comidinha da bandeja, mas verificar as pesagens dos géneros segundo as NEP. Era vitela à jardineira: tanto de ervilhas, cenouras, batatas e a carne da dita.
Iniciado o repasto, que a bem da verdade o pessoal comia com sofreguidão, o dito oficial, olhando de soslaio para pratos e travessas repara que havia ervilhas, cenouras, grande quantidade de batatas e, surpresa, a carne praticamente tinha-se evaporado!.
- NINGUÉM COME MAIS, CAR...!!! - berra o gajo com um galãozito transversal no ombro, e enceta uma corrida frenética até à cozinha onde se depara com grandes nacos de carne sobre a bancada.
Transtornado, enfia uma cabeçada no 1º sargento vago-mestre ou lá o que era:
- Você está preso, seu f... da p...!. E estão todos presos, seus cabr...f...das p..., bandidos, gatunos! ...
Mais calmo, tenta contactar o comandante que não estava, o 2.º também não... Bem, a alternativa era o contacto com o QG da região militar. Atende o oficial de dia da respectiva:
- ... Fez o quê ?!! Você já desgraçou a sua vida!
Nesse dia almoçou-se só às cinco da tarde.
O sorja f... da p... tinha por hábito gamar a carne e outros géneros que vendia a talhos e estabelecimentos civis, com a conivência dum cabo RD... Os outros elementos da cozinha eram ameaçados para se calarem. A justiça militar atuou com penas exemplares... O aspiranteco teve um elogio verbal e foi mobilizado para o CTIG.
Qualquer coincidência com a realidade não foi mera ficção.
C.Martins (**)
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 16 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9910: Cartas do meu avô (4): Segunda Carta: Em Catió (Parte III) (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66).
(**) Último poste da série > 4 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9852: Lições de artilharia para os infantes (4): O que era uma bateria (ou bataria)... (C. Martins, Cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)
2. Lições de artilharia para os infantes > Quando o oficial de dia fez uma levantamento de rancho...
por C. Martins
Este tema é muito interessante: Relação entre comandantes e comandados e vice-versa (*).
Atitudes, justiça, injustiça, abuso de poder, capacidade de liderança ou não, coesão ou espírito de corpo.
Todos nós tivemos casos, independentemente da categoria ou posto hierárquico.
A propósito de rancho... Lembro-me de um caso passado num regimento de uma cidade alentejana. O oficial de dia fez um levantamento de rancho !!!!.
Este tinha por hábito não se limitar a provar a comidinha da bandeja, mas verificar as pesagens dos géneros segundo as NEP. Era vitela à jardineira: tanto de ervilhas, cenouras, batatas e a carne da dita.
Iniciado o repasto, que a bem da verdade o pessoal comia com sofreguidão, o dito oficial, olhando de soslaio para pratos e travessas repara que havia ervilhas, cenouras, grande quantidade de batatas e, surpresa, a carne praticamente tinha-se evaporado!.
- NINGUÉM COME MAIS, CAR...!!! - berra o gajo com um galãozito transversal no ombro, e enceta uma corrida frenética até à cozinha onde se depara com grandes nacos de carne sobre a bancada.
Transtornado, enfia uma cabeçada no 1º sargento vago-mestre ou lá o que era:
- Você está preso, seu f... da p...!. E estão todos presos, seus cabr...f...das p..., bandidos, gatunos! ...
Mais calmo, tenta contactar o comandante que não estava, o 2.º também não... Bem, a alternativa era o contacto com o QG da região militar. Atende o oficial de dia da respectiva:
- ... Fez o quê ?!! Você já desgraçou a sua vida!
Nesse dia almoçou-se só às cinco da tarde.
O sorja f... da p... tinha por hábito gamar a carne e outros géneros que vendia a talhos e estabelecimentos civis, com a conivência dum cabo RD... Os outros elementos da cozinha eram ameaçados para se calarem. A justiça militar atuou com penas exemplares... O aspiranteco teve um elogio verbal e foi mobilizado para o CTIG.
Qualquer coincidência com a realidade não foi mera ficção.
C.Martins (**)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 16 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9910: Cartas do meu avô (4): Segunda Carta: Em Catió (Parte III) (J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil, CCAÇ 728, Bissau, Cachil e Catió, 1964/66).
(**) Último poste da série > 4 de maio de 2012 > Guiné 63/74 - P9852: Lições de artilharia para os infantes (4): O que era uma bateria (ou bataria)... (C. Martins, Cmdt do Pel Art, Gadamael, 1973/74)