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quinta-feira, 8 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22351: Agenda Cultural (774): A segunda decoração d’A Brasileira: Lembranças de José-Augusto França e de bela azulejaria no Corpo Santo, ao Cais do Sodré (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Julho de 2021:

Queridos amigos,
A minha colaboração no jornal "O Templário" centra-se, obviamente, em personalidades e factos familiares ou tomarenses. Acontece que ao longo do século XX Tomar foi terra natal de duas personalidades de grande prestígio nacional e internacional: o compositor Fernando Lopes-Graça e o historiador de arte José-Augusto França, este a caminho dos 99 anos de idade. Bastante arredio a homenagens post-mortem, tenho procurado divulgar a obra do historiador, impressionante pela qualidade e quantidade, vai desde a Lisboa Pombalina até à análise das Artes Plásticas no fim do século XX. José-Augusto França é seguramente o historiador que mais estudou a primeira e a segunda decoração de A Brasileira, a primeira encetada em 1926 e a segunda em 1971. O Museu Nacional de Arte Contemporânea resolveu homenagear com uma evocação a propósito do cinquentenário da segunda decoração, está patente uma exposição documental com inéditos referentes à primeira decoração, perdeu-se o rasto a um conjunto de obras, mas a evocação mostra duas obras icónicas de Almada Negreiros e uma obra de António Soares. E o visitante tem oportunidade de ver imagens daquele dia em que A Brasileira mudou de pele, em 1971. À saída, e estando uma tarde aprazível, desci a Rua do Ferragial até ao Corpo Santo, gosto muito de cirandar dali, se possível beber uma cerveja de gengibre no British Bar e percorrer a Ribeira das Naus. Mas não resisti a registar a bela azulejaria de uma velha casa de ferragens, felizmente que ainda temos algum acervo representativo de Arte Nova e Arte Deco de estabelecimentos comerciais. Espero que apreciem.

Um abraço do
Mário


A segunda decoração d’A Brasileira:
Lembranças de José-Augusto França e de bela azulejaria no Corpo Santo, ao Cais do Sodré


Mário Beja Santos

A exposição evoca a segunda decoração d’A Brasileira, está patente no Museu Nacional de Arte Contemporânea, revela documentação em grande parte inédita da decoração anterior e podemos ver fotografias da colocação de pinturas nas paredes, que aconteceu na noite de 26 de junho de 1971, assim foram apeados os que lá estavam desde 1926. O visitante poderá obter informação do trabalho da primeira decoração que coube aos pintores Eduardo Viana e António Soares, e apareceu mesmo a obra deste último que se julgava perdida, como escrevem Maria de Aires Silveira e Raquel Henriques da Silva, a quem coube comissionar esta evocação, mesmo com muitas cumplicidades e apoios e muito estudo, não se encontraram vestígios do espólio documental do antiquário e decorador Joachim Mitnizky, que comprara, em 1970, os quadros envelhecidos da montagem de 1926. E alertam-nos as duas investigadoras, no quadro desta celebração, da importância histórica que teve e que tem A Brasileira, “para a urgência de salvaguardar e estudar os espólios de personalidades que, sendo nossas contemporâneas, estão sujeitas a um processo injusto de esquecimento”.
José-Augusto França no centro de um grupo que acompanhou a segunda decoração, ele é o autor privilegiado dos estudos da primeira e segunda decoração, inclusive romanceou um quadro de Almada e aparece numa obra de Nikias Skapinakis da segunda decoração
Imagem do transporte das obras de arte, em 26 de junho de 1971
Imagens dos quadros já montados na segunda decoração
Duas obras de Almada Negreiros que faziam parte da primeira decoração
Quadro "As Banhistas" em pormenor, permitindo analisar a mestria, a inovação e a revolução das formas que Almada trouxe ao 2.º Modernismo
Não é por acaso que A Brasileira goza da fama de estar entre os mais belos cafés do mundo
Uma imagem alusiva a um quadro de Jorge Barradas que fazia parte da primeira decoração, depois desaparecido
Quadro de António Soares, também presente na primeira decoração
Imagem alusiva a um recanto da icónica A Brasileira

Conhecedor dos trabalhos de José-Augusto França sobre as duas decorações d’A Brasileira, não posso deixar de felicitar quem organizou esta singela homenagem e revelou pormenores inéditos sobre a primeira. Feliz por tudo quanto visitara, desci a Rua do Ferragial, que anda bastante remoçada, até ao Corpo Santo, comecei por olhar para o escritório na esquina da Rua do Arsenal onde Fernando Pessoa escreveu algumas das suas obras memoráveis e virei-me para um estabelecimento que conheço desde pequeno e cuja azulejaria admiro tão profundamente. Felizmente há também quem estude os azulejos semi-industriais de fachada, as cartelas, os letreiros e painéis publicitários, até as estações de caminho-de-ferro, de um modo geral o nosso património de Arte Nova e Arte Deco guarda primores de valor incontestável, pois bem, aqui fiquei regalado frente a estes detalhes, até me apetece partir daqui para a Avenida Almirante Reis ou ir ver a fachada da Fábrica Viúva Lamego, depois deu-me na veneta e daqui vou em excursão sem, porém, vos deixar esta grata lembrança que captei no Corpo Santo. Laus Deo.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22307: Agenda Cultural (773): Convite para ver a entrevista de Carlos Vale Ferraz a Mário Carneiro, no programa da RTP-África, Mar de Letras, onde o autor fala do seu romance "Angoche - Os fantasmas do Império", uma abordagem ao misterioso caso ocorrido há 50 anos na costa de Moçambique e ainda hoje não resolvido

sábado, 19 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22297: Os nossos seres, saberes e lazeres (456): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (3): De visita obrigatória: exposição Representações do Povo, Museu do Neo-Realismo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Maio de 2021:

Queridos amigos,
Trata-se de um acontecimento cultural relevante, um conteúdo organizado num espaço onde os núcleos dialogam ora entre si ora exprimem a diferença das épocas e o peso das respetivas mentalidades. Mas todas elas representações do mesmo povo, o que foge do invasor francês e come a sopa em Arroios, então à entrada da cidade, o estereotipado Zé Povinho, umas vezes sujeito à canga, outras vezes veemente no seu manguito para quem dele usa e abusa; e atravessamos os campos da Reforma Agrária, o mundo piscatório de Matosinhos, a dolorosa aprendizagem dos jovens vidreiros da Marinha Grande até chegarmos à mulher transmontana, de vigorosa sabedoria. A exposição intitula-se Representações do Povo, a sua coordenadora é Raquel Henriques da Silva, nome indispensável da historiografia de arte, e diretora científica do Museu do Neo-Realismo. Está patente até abril do próximo ano, é excecional, recomenda-se que não se perca estas representações do povo, numa apresentação original e credoras de um catálogo de imperdível leitura.

Abraço do
Mário


De visita obrigatória: exposição Representações do Povo, Museu do Neo-Realismo

Mário Beja Santos

É irrefutável que o povo só passa a ser uma presença obrigatória na obra de arte depois do Século das Luzes, aufere os seus galões nos movimentos revolucionários, a industrialização, os movimentos estéticos realistas e as ideias socialistas deram razão de ser às representações do povo, designadamente na pintura, na fotografia, no desenho (na literatura seguirá os seus rumos, bem distintos). A exposição Representações do Povo, coordenada por Raquel Henriques da Silva, que permanecerá no Museu do Neorrealismo até abril de 2022, é um acontecimento cultural pelas abordagens apresentadas, o desafio à resposta O que é o povo?. Escolheram-se obras concretas, algumas de extraordinário valor, mas o aliciante da organização do espaço expositivo é o diálogo entre essas mesmas representações onde cabem uma gravura de Domingos António Sequeira, A Sopa dos Pobres em Arroios, um tributo ao macerado povo alentejano, um quadro a óleo de Jorge Pinheiro que nos leva ao assassinato de dois cooperantes alentejanos no ciclo final da Reforma Agrária, intervém o génio de Rafael Bordalo Pinheiro com um ícone que jamais saiu de cena, o Zé Povinho, com o seu manguito e a sua albarda; e vamos a Matosinhos, onde Augusto Gomes nos revela os pescadores da sua terra natal na sua impressionante qualidade, tema popular que se confronta com outro, o povo dos vidreiros da Marinha Grande, da autoria de Teresa Arriaga; e assim chegamos ao último núcleo, da autoria de Graça Morais que nos apresenta as mulheres de Vieiro, aldeia transmontana onde nasceu. Como escreve Raquel Henriques da Silva na introdução do magnífico catálogo que o visitante não deve dispensar: “O nosso objetivo foi dar continuidade à linha expositiva do Museu do Neo-Realismo que valoriza os contextos sociais, políticos e culturais da produção artística. Trata-se de um repto estimulante, pouco praticado nos museus de arte que, ao longo do século XX, foram afirmando uma expografia centrada na capacidade falante do objeto artístico e da sua autonomia em relação aos contextos produtivos. Há casos em que assim é, mas há muitos outros, como acontece com os autores aqui expostos, que na totalidade das suas obras, ou em parte delas, assumem, como motivação, a narrativa da História (…) O povo destes artistas é a representação dos fundamentos de uma nação (…) O que muitos artistas têm feito, em ciclos longos e muito diversificados, é representar essa humanidade menorizada, dando-lhes uma simbólica aura, pressentindo que ela é o fundamento de uma cultura regida por ritmos antiquíssimos, talvez mais afins da biologia do que de frágeis conceitos de História”. Assim nasceu o desafio de pôr o século XIX em franco diálogo com o século XX, o povo no palco da História. E o desafio do projeto triunfou, a exposição é magnífica, vamos visitá-la.
Sugere-se ao visitante que comece por contemplar no bar os azulejos de Querubim Lapa, datam da inauguração do museu, 2007, ali estão vibrantes, geométricos e buliçosos, melhor acicate ou tónico para entrar no museu duvida-se que pudesse haver.
Para quê estar a apregoar a ousadia de linhas de Alcino Soutinho? A disposição das formas garante a leveza, luminosidade, apetece subir e descer e descobrir ângulos recônditos, há para ali uma escadaria flutuante que faz medrar ilusões óticas pelas subtis combinações matéricas, e tal leveza – deverá ter sido esse o móbil do arquiteto – põe todo este interior museológico a conversar entre paredes e estimular o visitante a subir e descer, sem pressa nenhuma, pois as obras de arte que visita estão transfiguradas pela obra de arte que as encerra. E ponto final.
Tudo aconteceu em 27 de setembro de 1979, António Maria do Pomar Casquinha, 17 anos, e João Geraldo “Caravela”, 57 anos, foram mortos pela GNR, na Herdade do Vale do Nobre, perto de Montemor-O-Novo, durante uma devolução de terras ao seu proprietário. Houve quem fotografasse na hora própria, há obras de arte alusivas, mas este impressionante quadro de Jorge Pinheiro intitulado Ao Povo Alentejano catapulta-nos para os valores simbólicos, usados com uma simplicidade que atrai quem contempla a obra de arte: as papoilas e as espigas convocam o pão; quem está morto e quase transfigurado em todo aquele planejamento que se assemelha a um sudário evoca a indignidade de quem morreu e queria ganhar a vida com o suor do seu rosto, é como se uma força revolucionária dali emanasse para abalar a consciência.
Sopa dos Pobres em Arroios (Domingos Sequeira)

Bendito aquele que na organização das exposições se lembrou de aqui trazer uma das mais impressionantes gravuras que se fizeram em Portugal, a Sopa dos Pobres em Arroios, é preciso recorrer aos estudiosos para se saber que estamos em plena Praça do Chile, lá para cima se vai pela Almirante reis até ao Areeiro e em frente está um convento, hoje um escombro que parece destinados a um futuro hotel de luxo. O espetador é atraído por essa torrente humana constituída por milhares de refugiados da Beira e da Estremadura que fogem das tropas de Napoleão, neste caso comandadas pelo marechal André Masséna, estamos em 1810. Domingos Sequeira foi sublime no esquema cenográfico, desloca para primeiro plano o drama humanitário que se desenrola na calçada, deixa os militares a meio, obriga-nos a olhar uma encruzilhada de caminhos que têm o condão de alavancar a animação de tudo quanto se representa. Escreve-se no catálogo: “Em primeiro plano, várias figuras, sobretudo mulheres cobertas com xailes e lenços, comem a sopa em pé, junto de mulas sobrecarregadas com os volumes dos haveres que os camponeses conseguiram trazer de casa. Mas o destaque vai para o numeroso grupo de jovens mulheres que dão de comer ou acompanham bebés e crianças, sorvendo alguns a sopa das málagas. A ausência masculina só reforça a ideia de um país em guerra”. Que tal darmos um elucidativo texto sobre esta topografia, e o autor alude a algo que eventualmente nos possa escapar: Sequeira terá querido veicular uma mensagem que pretendia universal. O povo que Sequeira apresenta nesta gravura não representaria somente uma comunidade nacional e numa leitura atual se pode dizer que o episódio retratado pode ser visto como um exemplo de defesa dos direitos humanos.
O mais genial artista do século XIX fez aparecer o Zé Povinho em 1875. “Veste um traje rústico e remendado, usa barba à passa-piolho e apresenta um riso alvar, ingénuo. É de salientar a escolha do seu nome, composto por dois diminutivos, a partir de José, nome próprio comum em Portugal, e de Povo, identificado com a Nação, mas reduzido ao seu estrato mais baixo e de espetro alargado. Que não sendo ninguém em particular é toda a gente”. O visitante vai encontrar no precioso catálogo ou elementos necessários para conhecer a história desta figura e como ela mantém uma popularidade que nenhuma outra iconografia de representação do povo consegue superar, nos dias de hoje.
Alguém fala das representações destes vidreiros da Marinha Grande, saídos do punho de Teresa Arriaga como sudários do vidro. Esta artista comunista foi professora na Marinha Grande, na escola industrial. Vale a pena ler o documento, conhecer o trabalho do vidro e chegarmos à compreensão e ao testemunho destes jovens vidreiros. “Os aprendizes entravam na fábrica ainda meninos. As tarefas que desempenhavam variavam consoante a tipologia de produção, abrangendo o fechamento e abertura dos moldes, o transporte das peças para as arcas de tempero, galerias normalmente contíguas aos fornos, onde arrefeciam lentamente, a limpeza do espaço de trabalho, dos moldes e dos utensílios”. Chegam a ser pungentes os depoimentos que o catálogo recolhe e este quadro que aqui vemos tem a ver com a obragem. “O trabalho decorre num estrado que organiza o espaço pictórico em diagonal, estruturando a tela de grandes dimensões e disposta ao alto. Os cinco operários movimentam-se neste corredor estreito e enegrecido, exclusivamente iluminado pelas duas bocas de forno, pelas duas peras de vidro incandescente e pela peça que o oficial tem em acabamento. É uma composição centrada na operação que se desenrola e não nas personagens. Nenhuma delas foi individualizada. Teresa não reintroduziu na tela os retratos que tão intensamente desenhara sete anos antes”. E o visitante tem à sua disposição não só esse rol de desenhos como outros retratos.
Numa entrevista a Maria Antónia Palla disse Augusto Gomes: “Muitas vezes se afirma que sou um neorrealista. Eu diria que a minha pintura é populista. Na verdade, não pretendia fazer uma arte de luta. Pintava temas populares por gosto, porque me sinto próximo dessas figuras". O artista teve a sua vida sempre ligada a Matosinhos, o Litoral está sempre permanente nas suas obras de arte, convoca o mundo da pesca, recorde-se que Matosinhos foi durante a primeira metade do século XX um dos principais portos piscatórios portugueses e mundiais. É impressionante este quadro intitulado Família de Pescadores. “É uma pintura com gente triste, mas não é exatamente uma pintura sentimental, há nela uma combinação entre desânimo e solenidade”. Podemos situar este quadro nos finais dos anos 40, foi uma encomenda da Junta de Freguesia de Matosinhos, após um acontecimento trágico, um naufrágio que ocorreu em 2 de dezembro de 1947, em que morreram 152 pescadores e 4 traineiras. Augusto Gomes dizia-se atraído pela pintura clássica e há de facto um aspeto de sagrada família neste grupo e apresentado como uma estrutura do tipo piramidal: a representação da mãe e do filho, há ali uma evocação de uma Virgem com o Menino, não se pode ignorar uma certa influência da pintura italiana do século XV. Contempla-se, e fica-se esmagado pela força da representação.
Graça Morais representa mulheres transmontanas, sabemo-las que são camponesas com variadas lides, as domésticas e as da terra, a própria artista tece comentários como estes: “Têm o poder da maternidade, um poder fortíssimo. E os homens sabem disso, sabem que as mulheres têm sempre uma grande ligação com os filhos”. O que aqui vemos é algo que se prende ao processo de envelhecimento e da acumulação de saberes, elas aparecem aqui representadas como uma força motriz ancestral que trabalha, garantindo a vitalidade da terra e do ser humano, é obrigatório ler o que se escreve sobre estas Marias transmontanas, que Graça Morais imortalizou.
Convém não sair do edifício desenhado por Alcino Soutinho sem visitar a exposição dedicada a Júlio Pomar e à sua obra gráfica. Trata-se de uma coleção privada onde ganha realce a obra em gravura do grande artista, nas décadas de 1950 e 1960, veja-se o potencial revolucionário do almoço do trolha, da fase puramente neorrealista de Pomar, mas o visitante tem outros núcleos à espera, intitulados Tigres, Índios da Amazónia, Retratos Míticos, Animália, Mitologias, Figuras do Povo, Tauromaquias, Eróticas. Uma excelente oportunidade para conhecer esta obra gráfica de um dos mais significativos artistas portugueses da segunda metade do século XX que foi pioneiro do neorrealismo pictórico.
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Nota do editor
Último poste da série de 12 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22276: Os nossos seres, saberes e lazeres (455): Na Sertã, no dia em que aqui recebi a primeira dose da vacina (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Guiné 61/74 - P21553: Agenda cultural (764): Exposição a não perder: As moranças da Guiné-Bissau, Museu Nacional de História Natural e da Ciência, até ao fim do ano (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Andara desleixado, até que alguém advertiu que a exposição sobre as moranças guineenses estava patente até ao final do ano. Fiquei assombrado com a seleção de imagens, a doação do Arquiteto Fernando Schiappa de Campos parece ter uma dimensão impressionante, foi incansável a registar mais do que as moranças, usos e costumes, museograficamente é um atrativo para os olhos, obriga a refletir e para nós que lá vivemos é uma tremenda sacudidela na nostalgia, percorremos estas atmosferas e até colhemos bonitos sorrisos deste povo que não se ensaia pela belicosidade e que, no entanto, é dos mais afáveis do mundo. Não percam a exposição, até porque com o mesmo bilhete têm acesso ao valiosíssimo património do museu e visita ao esplendoroso jardim botânico.
Quando disse à minha neta que havia lá uma sala de dinossauros, entusiasmada, lá fomos. Depois contarei como foi.

Um abraço do
Mário


Exposição a não perder: As moranças da Guiné-Bissau,
Museu Nacional de História Natural e da Ciência, até ao fim do ano


Mário Beja Santos

Depois da aula de ginástica, quatro reformados acordaram em ir visitar a exposição sobre as moranças guineenses, supostamente já fechada ao público, descobriu-se que é possível visitá-la no majestoso edifício que foi o Colégio dos Nobres, depois Escola Politécnica e agora Museu Nacional, toca a preparar uma visita-guiada, com antropólogo e tudo. Muito está estudado sobre o habitat guineense. Teixeira da Mota, quando trabalhou como Adjunto do Governador Sarmento Rodrigues, pôs de pé um conjunto de estruturas culturais que marcaram indelevelmente o conhecimento antropológico, etnólogo e etnológico das suas populações. O oficial de Marinha convocava os administradores para produzirem estudos monográficos que vieram a ser publicados no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, as investigações mais curtas e parcelares ficaram dispersas no valioso Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Sobretudo no final da década de 1940, por toda a década de 1950 e também com algum dinamismo ao longo da década seguinte, foram aparecendo trabalhos que deram conta da completa integração da morança do quadro da tabanca, o uso de materiais, a construção permitia espaços sombrios e frescos, as arrecadações, as construções de querentim permitiam a privacidade do agregado familiar, a posição estratégica da mesquita, a produção de adobe, o corte dos cibes, a lógica de pinturas, especialmente na cultura Bijagó. A Junta de Investigações do Ultramar enviou dois arquitetos e um sociólogo no fim da década de 1950 para aprofundar esse conhecimento. É do trabalho dessa missão que esta magnífica exposição revela que o investigador foi acicatado pela curiosidade e cedeu ao feitiço africano. Todas estas imagens falam de um encontro de alguém que seguramente tinha conhecimentos dos locais que visitava, mas foi tão intenso o encontro que o fotógrafo se perdeu de amores. Consta mesmo que o arquiteto Fernando Schiappa de Campos guardou esta revelação até morrer, fora deslumbramento inextinguível.
Para saber mais, quem vai visitar esta exposição pode consultar o seguinte site: https://museus.ulisboa.pt/sites/default/files/Folheto%20Moran%C3%A7as%20site.pdf
Enquanto o grupo espera a chegada do mestre de cerimónias, um tanto à sorrelfa vou até à zona do museu onde se situa o velho Laboratório de Química, que liga com o anfiteatro muitíssimo bem conservado. Nestas balaustradas, os alunos viam professores fazer as experiências que deviam ser comentadas em voz alta, os alunos nesta geral deviam ir pondo questões. Tudo obra do passado, ainda bem que estas relíquias estão primorosamente conservadas. E agora vamos começar a visita propriamente dita.
Aqui ficam as imagens de quem por lá andou e os dois aparelhos fotográficos que pertenceram a Schiappa de Campos. O nome deste arquiteto era muito conhecido, quando andei a pesquisar a história do BNU da Guiné, ele foi chamado a apresentar um projeto para a construção da nova delegação do banco em Bissau, não retive se também fora convidado para apresentar o projeto da delegação de Bafatá, prevista em 1974. Era portanto um conhecedor da Guiné, mas estas imagens não são as de um repórter seduzido, é alguém que entrou na intimidade de diferentes facetas culturais, dir-se-á hoje que procedeu inclusivo, despido de preconceitos, deixando as imagens exprimir formas de resposta àquilo que alguém designou por Babel negra.
Quem visitar a exposição registará que o fotógrafo colheu diferentes imagens deste dançarino Bijagó, ele aparece a remoinhar, aquela ráfia se sacode vertiginosamente, é uma dança que vai afrontar, pode ser um tubarão-martelo, pode ser os espíritos endemoninhados que precisam de ser aplacados pelo vigor do movimento e dos sons. E repare-se como a vida continua na proximidade, aquele toque de quotidiano que nos é dado pelo arco com que o menino brinca.
E temos a luta, um desporto com regras, não é para bater nem massacrar, é para coroar a agilidade, há lutadores com o corpo bem oleado, há quem faça das mãos e da postura o engenho que leva ao desequilíbrio do contendor, veja-se a simetria das posições, até parece que há ali um árbitro que confere as regras da equidade, para ver quem primeiro bate com os costados no chão.
Atenda-se ao pormenor, o que interessa ao fotógrafo é revelar os adornos dentro de uma certa elegância corporal e nada mais, o que prova que não são necessárias braceletes de ouro ou prata, o cordame é mais do que suficiente para decorar e chamar a atenção, em todas as culturas o corpo é vitrina, os adornos são chamariz, é o que dita a imagem.
Temos aqui o transporte de mel, há quem esteja esquecido que foi sempre uma riqueza e produto de troca, há milénios. Há diferenças nas etnias quanto à forma de afugentar as abelhas e retirar os favos preciosos. Como nunca vira este comércio, pensei que se tratasse de uma imagem deslocada, até me pareceu um transporte asiático, mas não, o que está ali é mel e da Guiné.
Temos agora a derradeira fotografia, Schiappa de Campos talvez tenha organizado encenação, uma pose quase de estúdio. Veja-se a seriedade da mulher, o olhar dos dois jovens vai ficar gelificado para a eternidade e aquele sorriso é de quem ama a vida, gostou de acolher o visitante e quer que saibam, para todo o sempre, que tirar uma fotografia é sempre um tiro para a posteridade, como aqui aconteceu, guarda-se a nobreza dos povos e acende-se o rastilho desse feitiço de ver tão belas imagens e ter uma infinita saudade de gente tão acolhedora, tão cruelmente fustigada pelos desatinos do destino.
Não percam esta exposição, é gente que conhecemos e que jamais esquecemos, pelo que a vida nos ensinou.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21550: Agenda cultural (763): "A batalha do Quitafine: a contraguerrilha antiaérea na Guiné e a fantasia das áreas libertadas", de José Francisco Nico, 2ª edição, a sair no final de novembro de 2020 (António Mimoso e Carvalho)

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21424: Os nossos seres, saberes e lazeres (414): Adão Cruz expõe as suas pinturas na Taberna do Doutor - Rua da Firmeza, Porto

© Adão Cruz


1 - Mensagem do nosso camarada Adão Cruz, médico, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68) com data de 3 de Outubro de 2020:

O meu amigo Zé Carlos, dono da Taberna do Doutor, olhou-me bem nos olhos e disse-me: 

Por que é que você tem os quadros no corredor encostados à parede, em vez de os expor aqui na Taberna? 

Eu respondi: Na Taberna…? Oh!...


A mais bestial das galerias! Eles aí estão. São 21.

Por baixo deste quadro que aqui reproduzo, aquele com que verdadeiramente me identifico, expus o meu resumo curricular. Só me esqueci de referir, no final, que o vinho verde tinto, na minha aldeia e na minha infância, foi o meu segundo leite.

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ADÃO CRUZ


- Nasceu em Vale de Cambra há oito décadas.

- Licenciado em Medicina e Cirurgia pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

- Médico generalista em Vale de Cambra durante seis anos.

- Médico na Guerra Colonial da Guiné.

- Médico cardiologista, subespecializado em Eco-Doppler cardíaco, tendo sido um dos pioneiros desta técnica em Portugal. Foi quem adquiriu o primeiro Ecocardiógrafo Bidimensional que entrou em Portugal.

- Ex-Assistente Hospitalar de Cardiologia graduado em Chefe de Serviço.

- Fez o essencial da sua formação no Porto, Lisboa, S. Paulo, Madrid, Barcelona, Corunha, Santiago de Compostela, Paris, Roterdão e Bordéus.

- Sócio da Sociedade Portuguesa de Cardiologia.

- Foi Sócio da Sociedade Europeia de Cardiologia, com cartão de Cardiologista Europeu.

- Ex-sócio da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos.

- Sócio e colaborador do Sindicato dos Médicos do Norte.

- Sócio da Sociedade Portuguesa de Escritores e Artistas Médicos.

- Escreve desde jovem e pinta desde a década de oitenta.

- Frequentes colaborações em jornais, revistas e blogues.

- Tem doze livros publicados, entre poesia, contos e pintura, e mais um sobre assuntos de cardiologia.

- Tem quadros seus a ilustrar capas de livros de outros autores.

- Convidado para três bienais.

- Fez diversas exposições individuais e colectivas em Portugal e fora de Portugal.

- Tem quadros seus em sete países.

- Vem referido e comentado na Parte II, Vol. V, da enciclopédia “O Mundo Fascinante da Medicina”, ilustrando os seus quadros outros volumes, nomeadamente uma boa parte do Volume II da mesma Parte II.

- Convidado com poesia e pintura para o livro comemorativo dos noventa anos da BIAL.

- Convidado com texto e pinturas para o livro comemorativo dos vinte e cinco anos da abertura da Unidade de Cuidados Intensivos de Cardiologia do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia.