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sábado, 9 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22614: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (17): as meninas do rio Gambiel, no regulado do Cuor, à pesca...


Foto nº 1A


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 5A

Guiné-Bissau > Leste > Região de Bafatá > Setor de Bambadinca > Regulado do Cuor > Rio Gambiel > Junho de 2021

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. M
ensagem de Patrício Ribeiro (português, natural de Águeda, da colheita de 1947, criado e casado em Nova Lisboa, hoje Huambo, Angola, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. XX, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda; membro da nossa Tabanca Grande, com 107 referências no blogue):


Data - 05/10/2021, 22:39 (há 3 dias)


Assunto - Fotos de Finete, Bambadinca, pesca

Luís,

Conforme teu pedido (, "Patrício, quando passares lá pelos meus lados - Contuboel, Bafatá, Bambadinca, Fá Mandinga, Xime, Xitole, Saltinho, Rio Corubal - bate umas chapas"), mando-te fotos do Leste.

Tu e o Beja Santos, poderão encontrar nestas fotos as bisnetas … (dos vossos camaradas de armas) à pesca no rio Gambiel, nos finais de julho de 2021. (Fotos nºs 1 e 2).

Junto à ponte de betão que atravessa o rio (Foto nº 3), no meio da bolanha onde se cultiva o arroz no tempo da chuva, entre Finete e Bantajã, perto de Bambadinca, onde as bajudas e mulheres, se juntaram às dezenas para fechar o rio, com as sua redes artesanais, para pescarem na maré baixa. (Fotos nºs 4 e 5).

Esta pesca, é muito comum nos diversos rios da Guiné, com água até ao peito e com o balde à cabeça.

O rio, um pouco mais a nascente, é alimentado por lagoas de água doce, onde há mais de 30 anos eu comprava peixes para a alimentação dos meus colegas de trabalho.

Neste rio e lagoas, eu também “pescava” patos bravos para as minhas refeições, quando durante 3 anos, tive uma casa na tabanca de Gambiel, para os meus trabalhos nos diversos projetos da empresa pública de madeira SOCOTRAN, financiados pela Cooperação Sueca.

Esta ponte  (sobre o rio Gambiel, afluente do Rio Geba Estreito)
 foi construída depois da Independência (Foto nº 3).

Em 1998, era uma das muitas fronteiras; entre os militares da Junta militar do Ansumane Mané do lado norte, e os militares da Guiné-Conacri, que apoiavam o presidente 'Nino' Vieira que estavam do lado sul, tinham carros blindados na encosta de Bantajã debaixo das árvores.

Quando por lá passei de viatura a caminho de Dacar, levando alguns amigos comigo, para apanhar avião para Lisboa, não fomos autorizados a sair de Bissau. Tivemos que fugir… apanhámos muitos sustos, passamos por 20 controlos militares e policiais, até Dacar. Nesta altura, o aeroporto de Bissau, esteve fechado durante muitos meses.

Tabanca onde anteriormente a Soares da Costa e a Somec, Empresas Portuguesas de Construção Civil, tinham as suas pedreiras, para as extrações da pedra duralite, semelhante ao granito, utilizada nas maiores construções de obras publicas, pós-independência. (Vamos ver os comentários que o nosso amigo António Rosinha tem, sobre o assunto !!!???)

Nota: Ver o que o nosso amigo Beja Santo escreveu nos seus livros sobre esta zona, e continua a escrever …

Abraço, Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guine Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com


Guiné >Leste >  Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Bambadinca, Nhabijõs, Mato Cão, Finete, Mero, Santa Helena, Bantajá,Ponta Brandão, Fá Mandinga, Canturé,  Missirá, Aldeia do Cuor, rio Geba e tio Gambiel... Lugares "míticos" que alguns de nós conhecemos...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021)

___________

Nota do editor:

Último poste da série > 2 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22589: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (16): Mais algumas fotos dos meus passeios: Bolama, junho de 2021

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20225: Agenda cultural (705): Lançamento do livro "Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau: Imagens para uma história", de Albano Mendes, Ramon Sarró e Ana Temudo. Lisboa, Centro de História, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Sala B1, 15/10/2019, 18h. (Patrício Ribeiro)


Guiné > Bissau > s/d  [. c. 1960] > Edifício do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, hoje Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau. Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, 143". (Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal).

Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalização, legenda e edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)







1. É uma sugestão que nos chega do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro, que agora divide o seu tempo entre Portugal (Águeda e Lisboa) e a Guiné-Bissau (Bissau).

Mensagem que nos chegou anteontem:

Data: terça, 8/10, 11:43



Assunto: 15out 18h na FLUL: Apresentação do livro "O Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau: imagens para uma história" em Lisboa


Luís,

Depois e muitas semanas nos campos do Baixo Vouga, cheguei à cidade.

Pedem-me para divulgar.

Abraço

Patricio Ribeiro
Impar Lda Energia
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com



2. Para saber mais sobre o Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau, que é uma autêntica  "Fénix Renascida", leia-se este artigo da Wikipédia:


(...) O Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau é um museu etnográfico localizado em Bissau, na Guiné-Bissau. É um dos dois principais museus do país.

O museu iniciou as actividades de recolha entre 1985 e 1986,  sendo oficialmente inaugurado a 31 de Maio de 1988  em instalações localizadas no bairro da Ajuda, juntamente com os Arquivos Nacionais,  recebendo cerca de uma centena de peças da coleção etnográfica e dos arquivos nacionais provenientes do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, activo entre 1946 e 1975.

Durante a guerra civil de 1998-1999 o edifício do museu foi usado como base das Forças Armadas Senegalesas. A colecção etnográfica e os Arquivos nacionais sofreram danos irreparáveis. Perderam-se definitivamente muitos objetos e documentos, incluindo um importante espólio fotográfico que documentava os primeiros anos de atividade do museu, entre 1996 e 1990. (...)



(...) Na reabertura do museu, a 15 de Setembro de 2017, foi inaugurada a exposição "O Museu Etnográfico Nacional de Bissau: 30 Anos de História", expondo o trabalho realizado ao longo dos quatro anos anteriores o director do museu, Albano Mendes, o antropólogo Ramon Sarró e a museóloga/curadora Ana Temudo, com a digitalização de um antigo conjunto de cerca de 400 provas de contacto, guardadas ao longo de 30 anos em Bissau, que permitiram reconstruir a história do museu e das respectivas peças.

Embora os negativos e as fotografias impressas tenham sido irremediavelmente perdidos para sempre, as provas de contacto permitem conhecer as origens do museu no final da década de 1980. As imagens digitalizadas foram expostas em conjunto com alguns objetos que os conservadores do museu lograram recuperar da destruição em 1999. 

Nas imagens recuperadas observa-se a arte dos costeiros, ferreiros, tecelões e oleiros, assim como os rituais e cerimónias das diferentes etnias. Podem ver-se também os primeiros registos do museu e da sua actividade. (...)

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20099: A galeria dos meus heróis (32): o angolano que serviu duas pátrias, Portugal, como furriel miliciano do exército colonial (1973/75) e Angola, como tenente das FAPLA (1975/ c. finais de 1980) (Luís Graça)


Bandeiras de Angola & Portugal. Imagem: Foto Arte.  Cortesia de Angop (2014)



A galeria dos meus heróis > Servir duas vezes a pátria, ontem Portugal, hoje Angola...

por Luís Graça


 



1. Ilha de Luanda, Clínica X. 23/7/2013. Levanto-me às cinco e meia da manhã. É dia ou quase dia. Às seis em ponto,  o motorista de ambulâncias da clínica  já está pronto para me levar ao aeroporto, de regresso a Lisboa. É o meu motorista habitual, quando aqui venho, à ilha de Luanda em serviço... É o meu motorista das partidas.

Já o conheço há uns anos... E costumo trazer-lhe uma garrafa de vinho tinto português, comprada 
no "freeshop" do aeroporto de Lisboa.  Voltarei a encontrá-lo para a próxima semana.  Sábado, venho de novo a Luanda, para dar formação, desta vez,  a futuros médicos do trabalho. É a 1ª edição do curso de medicina do trabalho em Angola.

O meu motorista, o  C... [, não o quero identificar, nem a ele nem à empresa onde trabalha, já que não lhe pedi autorização expressa para contar a sua história de vida,]  "estava de férias", mas levantou-se para me conduzir, a tempo e horas, até ao aeroporto de Luanda.


Há um outro motorista, mais jovem, mas mora longe. Sair de casa a essa hora é arriscado, devido à insegurança nos musseques. Mesmo assim, na Clínica, há gente (incluindo médicos) que sai de casa às 4h da manhã para vir trabalhar!...A vida é dura para os luandenses que precisam de trabalhar. 

Esse outro motorista, mais jovem, que costuma ir buscar.me ao aeroporto, à noite, não é tão fiável: um dia, ficou à minha espera, à noite, devia estar cansado, adormeceu na viatura,  o avião atrasou-se... Enfim, deixou-me completamente "pendurado", sem transporte nem telemóvel: foi uma pequena aventura, chegar, à Clínica, às 11 h da noite, com um jovem "taxista" de ocasião, numa viatura, sem portas, completamente "descaracterizada" e "canibalizada", com o tabliê esventrado... 

Foi, seguramente, a viagem de "táxi" mais surrealista da minha vida: custou-me 40 euros,  todo o dinheiro trocado que tinha no bolso, nem sequer tinha cuanzas ou dólares para pagar ao mais jovial, simpático e prestável "taxista da candonga", a quem confiei a minha bolsa e talvez até a minha vida. 

Fomos todo o caminho a conversar sobre tropa, médicos e militares... Ele fizera tropa mas já não fora à guerra... Puxei dos meus galões, e falei-lhe de alguns nomes de gente da "nomencltura" que me gabava de conhecer... Acabou por ser uma relação empática e lá cheguei ao destino sem mais problemas.

2. Mas voltando ao C... É um homem afável, de 59 anos, mestiço, do Kuanza Sul (, salvo erro), província a sul, a cerca de 300 km de Luanda...  Pelas minhas contas deve ter nascido em 1953/54.


É preciso atravessar Luanda, de uma ponta à outra, até chegar ao aeroporto... Nas horas de ponta, pode ser um inferno. Daí ter que me levantar às 6 da manhã... para estar com uma certa margem de segurança, a tempo e horas, no aeroporto... É outra aventura, mesmo com "passaporte especial", até poder sentar-me no meu lugar do avião da TAP e poder, enfim, respirar fundo... 

Além disso, levo comigo, dez mil dólares, em maços de notas, limite máximo legal... E o credo na boca:  não é dinheiro meu, é da minha Escola, e vai servir para pagar viagens e ajudas de custo dos próximos formadores... Enfim, uma forma expedita, um desenrascanço, à portuguesa e à angolana, para contornar a morosidade burocrática da transferência de dinheiro entre os dois países...

O C... mora na ilha de Luanda, perto da Clínica aonde fui dar formação e onde ele trabalha, como motorista de ambulâncias... Trabalho que, diga-se de passagem, não é pêra doce: há uns largos anos atrás, talvez em finais da década de 1990, a sua ambulância foi metralhada num musseque dos arredores (, ele disse-me o nome, que não fixei), quando um "grupo de bandidos" (sic) tentava assaltar a casa de um "fulano ricaço" (sic)... 


Os "bandidos, que não sabiam ler" (sic), confundiram o "tinonim" da ambulância com o carro da polícia... Houve feridos graves, baleados dentro da ambulância; mas, mesmo com os pneus todos furados, e o assento do motorista todo crivado de balas, o meu amigo C... lá conseguiu safar-se, são e salvo... Revelou grande sangue frio e coragem, dois atributos essenciais para se poder sobreviver numa cidade como Luanda de 5 ou 6 milhões de habitantes onde só uma escassa elite privilegiada tem vida segura e  decente.

Esse sangue frio e coragem vêm-lhe do tempo da guerra. É um duplo ex-combatente. Tem muitas histórias para (e por) contar. Rapidamente criei com ele um laço de cumplicidade e uma grande empatia. Nada como dois ex-combatentes encontrarem-se.... Fez a guerra colonial, do lado português, com "muita honra" (sic), creio que por volta de 1972/74 (*) ou até talvez 1973/75 (, já não posso precisar). Era furriel miliciano. Serviu "a sua pátria de então" (sic). 

Angola > Posição relativa da privíncia de
 Kuando Kubango, 
Adapt. de Wikipedia
Quando os sul-africanos, os zairenses e outros invadem Angola, sua terra, as FAPLA, as Forças Armadas para a Libertação de Angola, convocam-no para as suas fileiras. Foi então 1º tenente de infantaria, comandando cerca de 70 homens (, se bem percebi). Participou em várias batalhas. E lá ficou na tropa e na guerra até à desmobilização, em finais de 1980, se não erro... Também se queixa, tal como nós,  de o Estado angolano ter abandonado os seus antigos combatentes...

3. Pelo que percebi, também terá estado  na província do Kuando Kubango (e, possivelmente, na batalha de Kuito Kuanavale, de trágica memória para todos os contendores de um lado e do outro, angolanos, cubanos, soviéticos, sul-
africanos)...


Mas a cena mais dramática da guerra para o meu amigo C... não foram os bombardeamentos 
maçiços  da artilharia, cavalaria e aviação dos sul-africanos no sul, foi sim uma emboscada às portas de Luanda (a cerca de 100 km, se bem percebi), a um coluna de várias viaturas guarnecidas po um grupo de combate que ele comandava, composto por cerca de 30 homens. 

Tenho dúvidas se foi na altura da batalha de Kifangondo [, em 10/11/1975], às portas de Luanda ou se foi no âmbito da batalha do Ebo...  Em qualquer dos casos, o desfecho destas duas batalhas foi fundamental para reforçar a posição do MPLA. 

Pela descrição da batalho do Ebo (no portal cubano EcuRed, que não pode todavia ser considerado uma fonte independente), inclino-me mais para a primeira hipótese, a da emboscada em que caiu a coluna comandada por C..., ter ocorrido no âmbito da batalha de Kifangondo, a escassa centena de quilómetros de Luanda, a nordeste.

Nessa altura as forças que apoiavam a FNLA já tinham tomado o Caxito, estando às portas de Luanda.  Eram constituídas pelos comandos de Santos e Castro, por forças do exército regular do Zaire, e por uma unidade de artilharia dos sul-africanos mais um grupo de mercenários.   

Sobre batalha de Kifangondo (em 10 de novembro de 1975), vd. aqui o depoimento do general António França 'Ndalu' (chefe do Estado-Maior da 9ª Brigada, uma unidade das Forças Armadas Populares de Libertação de Angola,  criada uns meses antes para "defender Luanda das investidas do inimigo contra a capital, nos dias que antecederam a Independência no dia 11 de Novembro de 1975"]. 

Já agora leia-se, com atenção, também o seguinte comentário de um anónimo:

"O que o General António dos Santos França, na altura Comandante N´Dalu, não mencionou, talvez por não lhe ter sido perguntado, foi a constituição da 9ª Brigada . Estavam incluídos nela os melhores guerrilheiros das então FAPLA, e principalmente militares angolanos desmobilizados das forças portuguesas, onde se incluiram também paraquedistas e comandos portugueses. 

Ouvi pessoalmente oficiais cubanos a elogiarem a preparação destes militares do contingente de Angola nas forças portugueses. Foi a 9ª Brigada e os cubanos quem destroçaram as forças da FNLA/Zairenses/sul-africanos a norte, e perseguiram os sul-africanos estacionados próximos de Porto Amboim até à fronteira, no Cunene. 

Paradoxal e infelizmente, a maioria dos militares da 9ª Brigada foi fuzilada dois anos depois, nos acontecimentos do [27] de Maio [de 1977]".

É muito possível que o meu amigo C... seja um daqueles jovens, desmobilizados do exército português, que se ofereceu voluntário para a 9ª brigada... Mas tenho que admitir também a  hipótese do meu amigo C... ter participado na batalha do Ebo onde morreria o comandante cubano Raul Díaz-Argüelles (1936-1975),em 11 de dezembro de 1975 (um mês depois da proclamação da independência de Angola). 

Recorde-se que o Diaz-Argëlles também passou pelo TO da Guiné, em 1972, ao tempo da guerra colonial, tendo ajudado o PAIGC a planear a operação contra Guileje.
Angola > Província de Cuanza Sul.
Fonte: Cortesia de Wikipedia

A batalha do Ebo, a sudeste de Luanda, que teria sido travada em 23 de novembro de 1975, a par da batalha de Kifangondo (a nordeste de Luanda),  foi decisiva para suster o avanço das forças  anti-MPLA  que pretendiam impedir a proclamação da independência em Luanda pelo partido de Agostinho Neto.

É bom lembrar que, à revelia da potência colonizadora, Portugal, e do Acordo do Alvor (janeiro de 1975),  cada um dos três movimentos nacionalistas proclamou a independência de Angola em sítios e datas diferentes: a FNLA  no Uíge, a UNITA no Huambo e o MPLA em Luanda.

Não tive oportunidade, no trajeto até ao aeroporto, 
de esclarecer este e outros pormenores importantes da história... que me foi contada a título de confidência. 

Ia com um ouvido atento à conversa com o motorista e um olho no vidro da janela do meu lado... Reconstitui a nossa conversa uns dias depois de chegar a Lisboa. E posso estar a ser traído pela memória. Mas confio na boa fé do meu amigo angolano.

Essa emboscada (ou ataque de artilharia ?) poderia ter sido  quando as forças sul-africanas,  que invadiram Angola,  chegaram até ao sul do Ebo, na província do Kwanza Sul, ameaçando Luanda. Os angolanos e os cubanos destruiram as pontes e sustiveram o avanço dos invasores justamente no Ebo (município a 300 km de Luanda).

Segundo o depoimento do C..., nessa emboscada, as viaturas foram todas destruídas, as FAPLA tiveram cerca de 2/3 de baixas mortais, incluindo 7 cubanos e 12 angolanos... O C... , na altura tenente e comandante da força, nunca mais se esqueceria desse "dia pavoroso" (sic), em que viu, mais uma vez, a morte à sua frente.


Mas o nosso amigo C... diz que a emboscada ocorreu a c. de 100 km de Luanda, portanto às portas de Luanda, a nordeste da capital... Logo só poderia ser no âmbito da batalha de Kifandongo e não do Ebo (a mais de 300 km, a sudeste de Luanda)

Depois de desmobilizado, começou a trabalhar na Clínica quando esta reabriu em 1990/91. Ele já pertencia ao quadro de pessoal da Endiama (, herdeira da Diamang), proprietária da Clínica. 

Conversa puxa conversa, diz-me que "já não há bandidos na ilha de Luanda e no centro de Luanda" (sic). A polícia "limpou-os" (sic). A esta hora, 6 da manhã, há grupos de 3 e 4 brancos (presumivelmente estrangeiros, incluindo portugueses,  a trabalhar em Luanda) que andam a fazer "jogging" na marginal. 

As praias estão "limpas",  contrariamente ao que se via há uns anos atrás... A zona agora é "turística" (sic), as barracas dos pescadores desapareceram... Enfim, a cidade mudou, "para melhor"... "Bandido é no musseque onde a polícia não entra" (sic). 

Tinha-lhe prometido trazer uma garrafa de vinho de Lisboa. Deixei-lhe cuanzas para beber um copo à nossa saúde e à nossa condição de antigos combatentes, homens da mesma geração, nascidos sob a mesma bandeira, falando a mesma língua...

Percebo agora melhor porque é que os nossos amigos  angolanos, são pessoas que vivem com tanta intensidade o dia que passa e manifestam publicamente a sua felicidade, através da comida, da bebida, do sexo, da música, da dança. 

"Para ser feliz tem que ser aqui em Angola", diz um kudurista dos musseques de Luanda no filme angolano "I Love Kuduro", do realizador português Mário Patrocínio, (a cuja estreia, em Portugal, eu assisti, em novembro de 2013, no Cinema São Jorge, no âmbito do doclisboa'13)... 

4. Confesso, por outro lado, a minha grande ignorância em relação à história e à geografia de Angola, apesar de lá ir já desde 2003...  

Por exemplo, Kuando Kubango... É uma província situada no sudeste do país. Verifico que é limitada a norte pelas províncias do Bié e Moxico, a leste pela República da Zâmbia, a sul pela República da Namíbia e a oeste pelas províncias do Kunene (onde a guerrilha da SWAPO tinha bases e campos de refugiados) e Huíla. A capital da província é a cidade de Menongue e dista de Luanda mais de mil km e de Kuito menos de 350 km. Tem cerca de 140.000 habitantes e ocupa uma superfície duas vezes superior a Portugal...

É constituída pelos municípios de Kalai, Kuangar, Kuchi, Kuito Kuanavale, Dirico, Mavinga, Menongue, Nancova e Rivungo. O clima é tropical no norte da província e semi-árido no sul. Esta região de Angola é conhecida atualmente como "terras do progresso», devido ao seu grande potencial económico, praticamente por explorar.

Mas voltemos à guerra, à chamada segunda guerra da independência em que participou o nosso amigo C.... Durante muito tempo alguns municípios (como Mavinga, Dirico, Cuchi e Kuito Kuanavale) serviram como bases de apoio à guerrilha da UNITA, liderada por Jonas Savimbi, que só abandonou completamente estes territórios (a famigerada "Jamba") em finais de 2001, aquando da ofensiva das forças armadas angolanas. 


É sabido que o Movimento do Galo Negro recebeu apoio dos EUA e da África do Sul, na luta contra contra o MPLA, que por sua vez era apoiado pela União Soviética e Cuba. Estávamos em plena guerra fria. Angola era uma peça importante no tabuleiro do xadrez da geopolítica mundial, sendo cobiçada pelas potências neocloniais pelas suas riquezas (, o petróleo, os diamantes) mas também era fundamental para a sobrevivência do regime de supremacia branca na África do Sul...

A batalha de Kuito Kuanavale terá sido o maior confronto militar da guerra civil angolana. Foi um batalha sangrenta e prolongada durante mais de 4 meses, entre 15 de novembro de 1987 e 23 de março de 1988.


Foi aqui , na província de Kuando Kubango , e mais concretamente no munícipio de Kuito Kuanavale, que as FAPLA (Forças Armadas Populares de Libertação de Angola), apoiadas pelos cubanos e com armamento soviético, se confrontaram com a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), apoiada pelo exército sul-africano.

Foi considerada a batalha mais longa travada no continente africano desde a Segunda Guerra Mundial.

Nesta batalha de Kuito Kuanavale, foi posto em cheque o mito, aos olhos dos angolanos, da invencibilidade do exército "racista" da África do Sul. 

Independentemente das duas partes terem clamado vitória, a África do Sul terá sido obrigada a reconhecer tacitamente a superioridade demonstrada pelas FAPLA (e seus aliados cubanos) no campo de batalha. 

Isso explicará a posterior assinatura dos Acordos de Nova Iorque, ponto de partida para o fim de um conflito que afinal não era apenas uma guerra civil, nem um simples conflito regional. 

Como é sabido, a implementação da resolução 435/78 do Conselho de Segurança da ONU vai levar à independência da Namíbia e apressar o fim do regime de segregação racial, que vigorava na África do Sul.

Se eu ainda conseguir voltar a Angola em 2020, espero poder reencontrar e  abraçar o meu amigo e camarada C..., agora com 65 ou 66 anos. E continuar a nossa conversa, à mesa, com um copo de tinto português. Ele é um dos bravos que passa a figurar na "Galeria dos Meus Heróis" (**). 

Lisboa, julho de 2013. Revisto.

_________________

Notas do editor:

(*) Quem sabe, pode ter feito parte do BCAÇ 3880 ou até da CCAÇ 3534, do nosso camarada Fernando de Sousa Ribeiro... 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18197: (De)Caras (103): Patrício Ribeiro, "pai dos tugas" ou o "último improvável herói tuga" na Guiné-Bissau?... Recordando o seu ato de heroísmo e altruísmo em Varela, em 1998, ao "pôr a salvo", na fragata Vasco da Gama, um grupo de portugueses e outros estrangeiros... 18 milhas / c. 33 km pelo mar dentro, numa canoa nhominca...


Foto nº 810 > Guiné > Região de Cacheu > Varela > Maio de 1968 > Perdidos no rio... A extensa praia de Varela...

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário de Patrício Ribeiro ao poste P18183 (*):

Patrício Ribeiro,
grumete fuzileiro,
1969/72
[Foto à direita; um antigo "filho da Escola", leia-se: fuzileiro da Marinha Portuguesa, radicado na Guiné-Bissau há mais de 3 décadas, fundador e diretor da empresa Impar Lda; nascido em Águeda, em 1947, viveu desde tenra idade em Angola, onde fez tropa, foi grumete fuzileiro, 1969/72; voltou a Portugal com a descolonização; fixou-se na Guiné-Bissau em 1984]

Varela... Estas árvores que se vêm na foto [, de cima,], já foram levadas pelo mar.

Tenho aqui perto uma pequena palhota para passar alguns fins de semana. Há 20 anos estava a mais de 250 metros do mar, agora o mar já está muito mais perto; dentro de algum tempo, já posso pescar com a cana, a partir da minha varanda…

Neste mesmo local, numa clareira, aterraram os helicópteros da fragata Vasco da Gama, para recolher os Portugueses que aqui estavam encurralados na guerra de 1998.  Foi num destes helis que o nosso saudoso Pepito, saiu.

Eu também aqui estava… Mas tinha por missão ajudar a sair outros Portugueses que se encontravam no interior, em Canchungo e Cacheu. Como não apareceram às horas combinadas, estive em S. Domingos e depois em Ingoré (, sem combustível e em situação de guerra),  à procura deles… E de onde, a partir dos rádios da Missão Católica, comuniquei com a fragata a informar que estavam atrasados para a sua evacuação…

Ao fim do dia, também saí desta praia [, de Varela,] numa canoa nhominca, acompanhando os últimos 10 portugueses que quiseram sair, assim como de outras nacionalidades,  a quem a fragata autorizou o embarque… 

Como destino, “o pôr do sol”, o poente… Passados 18 milhas, mar adentro, lá encontramos a nossa frota com 3 navios dos “filhos da escola” que na parte final nos vierem cumprimentar nos botes e mandar subir pela escada de corda, para a Vasco.

Já não foi possível os helis voltarem a aterrar na praia, havia quem os quisesse deitar abaixo… mas fomos acompanhados pelo ar, de onde recebíamos ordens, por vezes mandavam-nos, à nossa canoa, desviar de alguns obstáculos, que havia no mar …


Guiné-Bissau > Bolama > s/d > Cais > Uma canoa nhominca, para transporte de passageiros. A sua lotação máxima são 100 passageiros. As canoas nhominca são as melhores embarcações e que se adaptam ao mar desta costa de África. O povo nhominca foi quem as construiu há séculos, propositadamente para este mar!... Já mandei construir algumas destas canoas, que depois entrego aos projectos, em pequenos estaleiros em Bissau, ou no grande estaleiro de Zinguichor, no Senegal. A maior concentração destas embarcações que já vi, foi em St. Louis, no norte do Senegal, umas largas centenas! Elas percorrem todo o mar costeiro, nesta costa de África, à pesca.

Já passei por grandes problemas que davam para contar durante horas, mas como dizem os meus amigos... "chego sempre"... E eu acrescento: até agora, felizmente! Foi numa destas canoas "nhominca", que fiz a viagem para a fragata Vasco da Gama, acompanhado de outros portugueses [, em 1998]…

Por vezes quando todos entram em pânico, é necessário tomar algumas atitudes pouco "recomendáveis" e tomar conta da embarcação, que o digam os meus colaboradores, ou alguns nossos amigos, que brincam com o que às vezes tenho que fazer, para que tudo corra bem. "É necessário que cada um fique no seu lugar, não deixar que corram todos para o mesmo lado". (***)

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentários dos leitores (*)

(i) Hélder Sousa:

Patrício:

O que nos relatas, de forma sucinta, certamente que daria para um filme de acção e 'suspense' com muitas peripécias.

Sobre o avanço do mar, desconfio que isso pode ser 'ilusão de óptica'. Tenho ouvido e lido o que o presidente Trump considera sobre 'alterações climáticas' e por isso acho que pode haver algum exagero nessa coisa das árvores terem sido levadas pelo mar. Se foram é porque faziam falta nalgum lugar. (...)


(ii) Tabanca Grande [Luís Graça]:

O Patrício Ribeiro não é por acaso que era conhecido em Bissau, ainda até há pouco, como o "pai dos tugas"... Os jovens, cooperantes, rapazes e raparigas, tinham por ele um enorme respeito e admiração na altura em que o meu filho, João Graça, o conheceu em dezembro de 2009, em Bissau...

Esta história do resgaste de diversos portugueses e outros, em plena guerra civil de 1998, perdidos em Varela, Canchungo e Cacheu, devia merecer honras de título de caixa alta nos jornais da época e nas parangonas dos telejornais... Não me dei conta que isso tenha acontecido... Mas é uma história de heroísmo!...

Ouvi-a contar, na tabanca de São Martinho do Porto, há uns anos atrás,  ao saudoso Pepito, um dos "encurralados", aquando da guerra civil de 1998, em Varela, onde também tinha casa de praia, já do tempo dos pais...O Patrício conseguiu metê-lo num dos helí da fragata Vasco da Gama, ancorada a 18 milhas, com mais 2 navios de apoio...

Já sabia, além disso, que na impossibilidade de voltar o heli a Varela, o Patrício se metera na sua canoa nhominca, levando mais um grupo (10 pessoas, de nacionalidade portuguesa e outras...) ao fim da tarde, pelo mar fora, até à fragata salvadora!...

Camaradas 18 milhas náuticas numa canoa nhominca (, embarcação em que ele é perito e que muito admira!) (***),  são mais do que 33 km pelo mar adentro... Não é para todos, é para quem aprender a amar e respeitar o mar, como ele, que foi "filho da escola" da Armada...

Esta história incrível tem de ser melhor conhecida de todos nós... O Ribeiro Patrício, que é um homem modesto,  nosso camarada, ex-grumete fuzileiro, deveria ter sido condecorado no 10 de junho por este feito de grande coragem e altruísmo!... Se isto não é heroísmo, então eu nunca vi nenhum herói ao vivo!

Reparem: ele ficou na Guiné, segundo creio, não abandonou a Guiné, mesmo em plena guerra de 1998/99... O Pepito e a família, cuja casa no bairro do Quelélé, em Bissau, foi pilhada e destruída pela soldadesca senegalesa, que apoiava o 'Nino' Vieira, esteve refugiado em Cabo Verde, creio que à volta de um ano... O Pepito tinha nacionalidade guineense, e este foi um dos acontecimentos mais marcantes (e traumatizantes) da sua vida, segundo me confidenciou em vida... Voltou à Guiné. para recomeçar a sua vida, uma vida nova... O Patrício Ribeiro, por sua vez, é português, é alias o português mais guinéu da Guiné-Bissau... onde vive e trabalha há quase 4 décadas...

Enfim, o Patrício Ribeiro, agora com 70 anos, está a começar a "abrir o livro"... Um homem que sabe muito da história recente da Guiné-Bissau,  saberá até de mais, pelos círculos em que se move, mas sempre o achei uma pessoa cautelosa, discreta, afável e fiável...

Enfim, aqui fica o poste com o seu comentário, que eu tinha prometido!... E, quanto ao meu, peço-lhe que ele corrija ou confirme o que escrevi.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de janeiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18183: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte VIII: Perdidos no rio Cacheu, em maio de 1968 (3)

domingo, 24 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17794: Bibliografia de uma guerra (81): “A Guerra Civil em Angola - 1975-2002”, por Justin Pearce; Tinta da China, 2017 (Mário Beja Santos)



1. Em mensagem do dia 18 de Setembro de 2017, o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), fala-nos do livro "A Guerra Civil em Angola", um período conturbado que aquele país viveu entre 1975 e 2002.


A guerra civil em Angola, por Justin Pearce

Beja Santos

Como soe hoje dizer-se, é muito provavelmente o livro mais rigoroso, mais documentado e que melhor retrata algo que até agora a historiografia da guerra civil não considerava como matéria essencial: como viveu a população angolana a guerra civil, como definiu a sua identidade política com os dois poderosos contendores, o MPLA e a UNITA?

Até agora as investigações partiam do entendimento de que o conflito angolano não passava de um produto da Guerra Fria, os acordos de Bicesse não tinham surgido por iniciativa da sociedade angolana, era uma solução desenhada por atores políticos exteriores a Angola. Logo em 1993 a guerra civil eclodiu com um fragor mais destrutivo do que nunca, os estudos minimizam as continuidades ideológicas e de identidade em que passou a contextualizar-se um MPLA entendido como um partido urbano e a UNITA olhada como o partido das matas. Eram duas forças frontalmente antagónicas, o MPLA liderado por intelectuais, a UNITA comandada por um chefe absoluto e indiscutível. O investigador britânico preambula o seu trabalho falando sobre Angola e a natureza da pretensa política e aborda a questão da identidade. Será um trabalho permanentemente atravessado por depoimentos de pessoas que viveram os transes da guerra civil.

A intervenção externa foi o gatilho que levou à declaração do conflito, os contendores escolheram apoios declarados: a UNITA recebeu algum armamento de África do Sul, vieram depois instrutores; o MPLA recebeu apoio cubano e soviético. “A supremacia da UNITA na região do Planalto Central, em Agosto de 1975, e o controlo de Luanda por parte do MPLA, na mesma data, ficaram sobretudo a dever-se à mobilização local apoiada pela aprovação ativa ou tácita do Estado português. Em Agosto de 1975, estava definido o caráter territorial do conflito angolano”. A FNLA, terceiro movimento, foi sol de pouca dura, rapidamente esmagado pelas tropas do MPLA. Onde o MPLA controlava era violento e procurava a imagem de ser o único grupo de libertação capaz de coordenar um governo; a UNITA, nos territórios onde era preponderante, sem se subtrair a que vivia em guerrilha contínua e sempre dominada por uma ideologia flutuante, onde não estava excluída uma certa simpatia maoísta, privilegiava a educação e a saúde, eram estes os eixos das respetivas propagandas. Liquefeito o diálogo, Agostinho Neto a independência em Luanda e Savimbi anunciava a criação da República Democrática de Angola no Huambo.

Com detalhe, o investigador debruça-se sobre a UNITA, como esta se vai retirando das cidades e lança-se no novo tipo de guerrilha, assentava o seu poder em comunidade camponeses, muitas vezes sujeitas a uma vida ditatorial. O MPLA assentou raízes na construção de um estado urbano e dentro de uma certa lógica: “Consolidou o seu poder nas zonas de Angola por si controladas durante a guerra civil através da instauração de uma visão de desenvolvimento orientada pelo Estado, e da definição do discurso público sobre o papel do Estado e do partido na concretização dessa visão”. A questão da identidade e do sentido de pertença a um movimento é escalpelizada no importante capítulo sobre a migração e identidade, ilumina-se ao pormenor as complexidades da identidade política e a sua relação com o controlo político, no contexto de uma estratégia governamental assente na deslocação de populações como forma de cortar o fornecimento de apoio material à UNITA. Analisa-se, em sequência o desempenho da UNITA no Planalto Central, entre 1976 e 1991. É tempo de responder ao modo como o povo interpretou e reagiu à disputa pelo poder, nos anos que se seguiram às eleições de 1992, são fatores interligados: as anteriores filiações no plano individual; a proximidade ou envolvimento das populações no processo de construção do Estado liderado pelo MPLA; o grau de dependência dessas populações em relação à economia urbana; a dicotomia entre cidade e campo, que se exprimia na ideia do partido urbano ou do partido das matas. “Os entrevistados quando se referiram a questões de legitimidade política e filiação depois de 1992, as considerações ideológicas estavam praticamente ausentes do seu discurso, já que todos avaliaram o MPLA e a UNITA com base no tipo de condições de vida proporcionadas por cada um”.

E no rescaldo da morte de Savimbi, primou o discurso dos vendedores. Como lembra o autor, o MPLA mantém uma ideologia que dificilmente se coaduna com as ideias de reconciliação. No 20.º aniversário da batalha de Cuíto Cuanavale, José Eduardo dos Santos apelou à propaganda, dizendo que a batalha dera origem a mudança profundas na África Austral, abrindo perspetivas para a queda do regime Apartheid, é um discurso que não menciona a existência de angolanos nos dois campos do conflito e a importância decisiva do apoio militar cubano ao MPLA. Este partido, sempre que necessário, convoca as memórias da luta anticolonial e repudia as diferentes oposições dizendo-se do lado da paz e da tranquilidade e que os críticos mais não oferecem que desacato, destruição e desordem. Quando se chegou à paz, depois da morte de Savimbi, desarticularam-se os núcleos populacionais da UNITA, o Estado/MPLA arvorou-se na legitimidade política sem limites. Sobre a trajetória e a organização do seu trabalho, Justin Pearce também dá explicações: “O que estava em causa era saber qual das duas elites era a herdeira legítima da autoridade conferida pelo conceito de Estado, uma questão que foi elidida por outra: qual das duas elites estava mais habilitada a transformar o Estado enquanto conceito teórico numa realidade. A melhor forma de compreender as mudanças verificadas na adesão política ao longo da guerra é vê-las como uma reação a circunstâncias e realidades em constante mudança. Embora durante a guerra, o controlo do território pendesse ora para o MPLA ora para a UNITA, no que diz respeito à identidade política o movimento foi, em larga medida, unidirecional”. E a concluir: “O MPLA venceu a guerra graças ao seu poderia militar. O fim da guerra, porém, foi o culminar de um processo no qual o potencial de fogo, o derramamento de sangue e a fome foram utilizados para transformar as possibilidades do que era imaginável”.

De leitura obrigatória.
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de Setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17789: Bibliografia de uma guerra (80): “Changing the history of Africa”, por Gabriel García Marquéz, Jorge Risquet e Fidel Castro; Ocean Press, Austrália, 1989 (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 7 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17218: Notas de leitura (944): “O país fantasma”, de Vasco Luís Curado, Publicações Dom Quixote, 2015 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
São quase 500 páginas de uma história bem contada, tudo irá começar no torvelinho dos acontecimentos de 1961, com o massacre de brancos e pretos em fazendas no Norte de Angola. O escritor vai pondo os protagonistas no terreno, descobre um ponto de encontro para eles comunicarem e lança-os, em plena guerra civil, a viajar em colunas como refugiados em que se volatizou a esperança.
Uma estrutura impecável, com as tensões bem doseadas, é um caminhar até 1975 sem mascarar os dramas humanos, sem lamechices, sem bodes expiatórios, cuidando de que há sempre um juízo histórico para aquilatar como se decidiu, como se errou, como se perdeu e achou.

Um abraço do
Mário


O país fantasma, por Vasco Luís Curado (3)

Beja Santos

Continua a escalada da guerra civil, os brancos, em colunas quilométricas, chegam a Nova Lisboa, procuram a família e os amigos. Célia, a namorada de Alexandre, viaja com elementos de um partido da extrema-direita branca, gente que criou um esquadrão da morte encarregado de cometer assassinatos políticos, assaltos a portos policiais e quartéis para obter armas. “Queriam sabotar o programa para a independência. Assaltavam bancos e carrinhas de valor, agentes cambistas, estações de rádio, fábricas. Infiltrados em negócios de tráfico de armas, formaram um arsenal particular com armas ligeiras e pesadas. Suspeitava-se de que tinham sido eles a atacar uma viatura militar portuguesa, disfarçados com fardas da FAPLA, para criar confusão entre os militares portugueses e o MLPA”. Tomé, o elemento do esquadrão da morte explica a Célia como é que pretendem reestabelecer a ordem em Angola:
“Receberemos ajuda da África do Sul. Vamos fazer o que já devíamos ter feito há muito tempo, se os brancos não estivessem tão desunidos e não fossem enganados por Lisboa. Vamos proclamar unilateralmente a independência de Angola e construir um Estado à imagem da Rodésia. Uma aliança entre as forças armadas sul-africanas e a FNLA, com muitos portugueses à mistura, derrotará o MPLA”.
Célia agradece a boleia, sai em Sá da Bandeira. Capelo, antigo oficial português e fazendeiro na Gabela, discursa na primeira pessoa do singular, narra que chegaram a Nova Lisboa, os refugiados procuram um conforto possível naquele pandemónio. Inscrevem-se na lista de espera do voo para Portugal:
“A maior ponte aérea civil do mundo atingiu proporções que ninguém previra. Não havia horários de voo. Assim que aterrava, um avião reabastecia-se de combustível, enchia-se de passageiros até aos limites mínimos de segurança e descolava. Não se sabia quando chegaria o seguinte”.
Tudo serve para fugir, parece um êxodo bíblico: viaja-se em barcos de capotagem e barcaças, no paquete de luxo Infante D. Henrique, colunas motorizadas, algumas com 3 mil camiões, empreenderam a travessia de África em direção a Portugal, arrisca-se tudo para sair do Inferno. Nova Lisboa está num caos, já se comprou todo o ouro possível, a moeda estrangeira era trocada por angolares a um quinto do valor oficial. Comprava-se tudo o que os refugiados ou as empresas vendiam barato por não poderem transportar para fora do país. Todos os fugitivos têm histórias deprimentes para contar. Célia parte para se juntar à família em Nova Lisboa, é impossível chegar a onde está Alexandre. Sobrelotada, Nova Lisboa rebenta pelas costuras: vai desaparecendo a comida, as fábricas fecham, as quintas e vacarias eram assaltadas e os guerrilheiros matavam animais caros, como vacas leiteiras, por serem brancos e ser necessário matar tudo o que era branco. Depois, começou a faltar o carvão, a lenha, o gás e a gasolina. A capital da região agropecuária mais rica de Angola estava a passar fome. Aquela família vai para o aeroporto no dia marcado para o voo, tudo caótico:
“As listas de espera obrigavam pessoas a viver ali há mais de uma semana. Havia tendas oferecidas pelo Exército, havia abrigos improvisados com chapas de zinco como teto, entre caixotes e malas. Cozinhava-se o que se podia”.
Ouve-se perfeitamente o tiroteio, depois de muitas peripécias entram no avião:
“O piloto recusou a descolar enquanto estivesse montada uma metralhadora antiaérea sobre o telhado do aeroporto”.
E assim chegam a Lisboa, é o tormento da adaptação, a via-sacra à procura de familiares ou de um espaço definido pelas autoridades. Voltou-se ao discurso na primeira pessoa do singular, um discurso penitente, uma sentida discriminação, a vida vai-se refazendo, como diz o autor somos também o resultado de catástrofes e mudanças, aquela última descolonização africana era apenas um episódio de perdas e sobrevivência que os seres humanos protagonizavam.

O ponto de encontro destes retornados é a Baixa, mais propriamente o Rossio. Capelo e Mateus reencontram-se. Em Portugal vive-se o período revolucionário. À porta do Banco de Portugal, são longas as filas dos funcionários públicos do Quadro de Adidos, vêm levantar o vencimento, conversam, desabafam, contam histórias mirabolantes dos caixotes que se extraviaram. Os retornados vão acompanhar as notícias da intensa guerra civil, sobretudo do que se vai passar em Luanda, à volta do 11 de Novembro de 1965. Capelo reencontra a irmã, é uma conversa de surdos. Estamos em Novembro, o Rossio está cheio de gente, há para ali uma manifestação, pretendem levar um caixão com terra de Angola para o Palácio de Belém. Do outro lado há uma outra pequena multidão de ex-combatentes das guerras de África, os ânimos aquecem, o confronto é iminente, e o final do romance histórico é metafórico, sublime:
“O caixão que continha terra de Angola foi erguido no ar, acima das cabeças, e só então é que Mateus o viu. Num impulso absurdo, vários braços empurraram o caixão na direção dos ex-combatentes, como para lhes mostrar que tinham alguma culpa pelo morto de que se estava a fazer o funeral simbólico. Pondo-se em bicos de pés, Mateus tornou a ver o caixão, caravela periclitante movida por vagas e vagas de braços, que alcançou o limite daquele mar e oscilou mais ainda, por que já não se sabia que rumo lhe dar, e desapareceu da sua vista, náufrago”.

A trama de um romance histórico como este é um correr da escrita em cima da lâmina, é preciso uma história muito bem contada, plausível, com gente que aparenta ter carne e osso para que a narrativa capture o leitor, é então que o rigor histórico, ou quase, corre fluido entre os parágrafos, e toda aquela multidão que vivera tantos anos longe da guerra apercebe-se que chegou a hora de partir, aquele dragão vomita um fogo que os colonos não poderão apagar. Vasco de Luís Curado ganhou a aposta com este importante romance histórico, em que as próprias descrições da violência se inserem corretamente na tessitura das descrições. Naquele ano de 1975 chegaram náufragos que contribuíram para o fermento novo da democracia portuguesa.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17202: Notas de leitura (943): “O país fantasma”, de Vasco Luís Curado, Publicações Dom Quixote, 2015 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 1 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17094: Notas de leitura (933): “Baía dos Tigres”, por Pedro Rosa Mendes, Publicações Dom Quixote, 1999 (4) (Mário Beja Santos)



Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Nesta gigantesca biblioteca da literatura de guerra há momentos muito compensadores quando pegamos em obras de qualidade irrefutável. É o prazer da descoberta, o ultrapassar pelos próprios meios este espesso território de nevoeiro em que andamos às apalpadelas a descobrir gemas literárias.
Foi consolador encontrar por puro acaso esta obra-prima de Pedro Rosa Mendes, uma peregrinação centrada no drama da guerra civil angolana. Penso que o autor fez bem em não nos relatar toda a sua viagem socorrendo-nos de um mapa, dá-nos a imagem de vários países da África Austral, por lá terá andado, mas é impossível que qualquer leitor português ou angolano não se tenha arrepiado com o que ele descreve acerca do Huambo ou do Cuíto, dos mutilados, dos que vivem vida dúplice, dos que perderam a esperança e até os ideais.
Por favor, logo que possam procurem ler "Baía dos Tigres" e depois conversamos mais a preceito.

Um abraço do
Mário


Baía dos Tigres, por Pedro Rosa Mendes: 
uma obra-prima na descida aos infernos (4)

Beja Santos

Neste livro prodigioso de nome “Baía dos Tigres”, das Publicações Dom Quixote, Pedro Rosa Mendes pega por vezes num protagonista que vai acompanhar uma narrativa dramática, onde não falta o horror e as situações delirantes. É o caso de Maria Alexandre Dáskalos que disse a um embaixador em Luanda acerca da guerra que ia voltar pior do que antes e que recebeu uma resposta vexatória:
“Estou aqui para lidar com negros. Os brancos de Angola são filhos de emigrantes miseráveis”. E o pior veio mesmo, em Huambo. Depois da ocupação da cidade pela UNITA, o MPLA regressou em Fevereiro de 1976, enviando a pior espécie de gente. Quando Maria Alexandra voltou a Luanda, alertou os militares e civis que iriam aparecer mais vítimas. “No quartel-general das FAPLA disseram-lhe que o Huambo era um caso perdido e que já tinham consciência disso há seis meses atrás. Não fizeram nada para salvar a vida dos seus militantes. No estado-maior das FAPLA ouviu também uma frase que lhe ficou para sempre: a revolução precisa de heróis. Foi a definitiva machada enquanto militante do MPLA”.

E há as descrições apocalíticas dos dramas vividos nas regiões transfronteiras. O viajante pretende atravessar de Kanyemba para o Zumbo. Vê o sol a desaparecer vermelhão na cordilheira do Zambeze. E chegaram ao Zumbo, onde não há comida, nem eletricidade, telefone, água ou estrada, ouve-se o resfolegar dos hipopótamos no rio. A descrição que se segue é inesquecível:
“Zimbabueanos, zambianos e moçambicanos sobem as escadas do terraço, como se subissem da água, e entram na casa da imigração para carimbar passaportes – bocados de papel amarrotados que inventam três países diferentes nesta corrente igualmente leitosa. Há uma fronteira tripla onde o Zambeze entra em Moçambique: Moçambique é aqui e do outro lado, o Zimbabué é do outro lado mas mais a montante, a Zâmbia é deste lado mas também a montante, com outro rio entre nós e ela, o Luangwa, afluente do Zambeze. Zumbo, Kanyamba e Feira (o posto zambiano) são uma encruzilhada do nada, pontos cortados dos respetivos centros. Pesca-se muito e o peixe circula em quantidade – come-se em Harare, Lusaca e até Lubumbashi. A água é, portanto, a única nacionalidade.
Os pescadores sobem as escadas dos escravos, as escadas onde estou há horas agrilhoado ao flutuar dos hipopótamos. O posto tem uma bandeira no mastro ao fundo do terraço e posso quase fingir, neste ponto alto, que é a Emigração é um barco de pavilhão FRELIMO a quem proibiram o rio”.

As histórias prosseguem, há crianças em permanente risco de vida, e há crianças que aprendem as regras mais elementares da sobrevivência, um exemplo:
“Os putos do Lobito Velho inventaram uma armadilha para apanhar gaivotas na baía. Espetam dois pauzinhos verticais na areia, à beira da água, de forma a aguentarem-se sozinhos, e atam um fio entre os pauzinhos. Deixam um laço bem largo, com uma ponta ligada a uma pedra. Colocam um isco entre os paus. As gaivotas apanham o isco entre voo, passando pelo meio dos paus e enfiando o bico no laço. O nó aperta-se com o próprio impulso do pássaro, asfixiando-o em poucos segundos. A pedra não deixa as gaivotas levantar voo. Os putos precipitam-se sobre as aves, partem-lhes uma asa e começam a depená-las ainda vivas”.

Isso tudo já é pungente, o mais horrível está por chegar, o massacre em Wiriyamu:
“Ao meio-dia, 13 horas, começou. A 6.ª Companhia de Comandos fez o assalto praticamente em simultâneo em Wiriyamu, Juwau, Chaola e Jimusse. O massacre foi em todos os sítios com um sistema igual. Eles faziam o seguinte: foi um sábado, as pessoas estavam a beber pombe, a conviver, havia portanto aglomerados nos sítios de bebida tradicional. Os Comandos pegavam, metiam as pessoas nas casas maiores e incendiavam-nas e elas morriam queimadas lá dentro. Algumas que tentavam fugir eles matavam a tiro e outras até à baioneta. Até às crianças, pegavam e atiravam-nas para cima das palhotas em fogo. No Jimusse foi onde morreu mais gente mas puseram o local do monumento aqui porque era melhor. No Jimusse juntaram as crianças e as mulheres num sítio e os homens noutro. Punham os homens em fila indiana e três militares armados mandavam-nos correr para ver quem acertava primeiro. Alguns conseguiram fugir aos ziguezagues e a correr. Houve mulheres e crianças que assistiram à morte dos pais e maridos, mesmo em frente deles. No fim, pegavam em granadas e atiravam para os aglomerados de mulheres e crianças”.

Todas as digressões têm imensos riscos, mas há pontos onde se deve esperar sempre uma tragédia, assim:
“De Benguela ao Lubango corre uma das estradas mais perigosas de Angola, das mais riscas em histórias de sangue: as perseguições, os combates, as emboscadas, as serras onde se perderam guarnições das FAPLA, campos das FALA, bases da SWAPO. A viagem é longa e penosa. Tem que ser feita em dois dias porque o piso está péssimo – só os 80 quilómetros finais, a partir de Cacula, demoram 4 horas. Normalmente não se viaja depois do sol-pôr. Em guerra, é um paraíso da guerrilha. Na bizarra paz angolana, é território para os bandos armados. Os camionistas de Benguela avançam para a Huíla armados e em comboio”.
É perto do fim de toda esta dolorosa narrativa que se fala na baía dos tigres:  
“Os cães na Baía dos Tigres eram apanhados da seguinte maneira: os colonos arranjavam uma gaiola muito grande e punham um angolano lá dentro, ou um gajo que aparecesse a querer ganhar dinheiro. Metiam o gajo numa jaula dentro da outra, depois de o fazerem correr um bocado para ele ficar a pingar suor. E ele ficava a ali. Os cães vinham de noite, Sentiam o cheiro do tipo. Mas ele já tinha um atilho na porta e quando os cães entravam ele puxava e os cães ficavam enjaulados. O homem passava lá a noite com o cão a babar-se de ladrar. Os colonos vendiam os cães. Cães bravos. Atacavam tudo o que viam”.

E findamos este horror de dramas com Domingos, a quem 14 anos em combate ensinaram que o pior da guerra são os heróis. “Domingos Pedro, 31 anos, angolano é refugiado em Mongu, capital da Zâmbia Ocidental. Estava no Rivungo (Cuando Cubango) quando o conflito recomeçou em 1992. Resolveu fugir, atravessando o rio Cuando. Salvou-se de morrer na guerra para viver na miséria. É natural do Bié. A família ficou para trás, como é também normal entre grande parte da população angolana afetada pela guerra – os parentes mais queridos desapareceram algures num pontão, ataque, emboscada, evacuação, num desadeus traumático. Uma espécie de morte sem a perfeição do luto que liberta os sobreviventes”. Em criança, Domingos já estava incorporado nas FAPLA, anos depois mudou para a UNITA. “Por duas razões de convicção: uma, foi capturado; duas, MPLA e UNITA há muito que deixaram de precisar de um ideal nos seus soldados – basta-lhes o sacrifício e as disciplina”.
E ficamos a saber como vive Domingos:
“Domingos atravessa o Cuando a salto, contratado por traficantes interessados em entrar-se em perigo e sair com diamantes. Sete anos de Luanda, sete anos de Jamba. Domingos tem uma lucidez privilegiada”.
A sua conclusão aproxima-se da tragédia desta empolgante literatura de viagens que é a Baía dos Tigres:
“Já não há mais nada a libertar. O quê? É negócio, no fim. Um é o petróleo, o outro é os diamantes e o mercúrio. O povo não recebe. Não tem parte. O povo morre. O Santos começou a divergir depois da morte do Neto. E o Savimbi diz-se que nunca teve governo mas um chefe deve tratar bem os empregados”.

Incontestavelmente, uma obra-prima que ultrapassa as dimensões de todos os dramas vividos na descolonização.
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Nota do editor

Último poste da série de 27 de Fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17088: Notas de leitura (932): “Baía dos Tigres”, por Pedro Rosa Mendes, Publicações Dom Quixote, 1999 (3) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17088: Notas de leitura (932): “Baía dos Tigres”, por Pedro Rosa Mendes, Publicações Dom Quixote, 1999 (3) (Mário Beja Santos)



Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Baía dos Tigres foi o primeiro livro dos jornalista Pedro Rosa Mendes, a obra ganhou prontamente notoriedade e foi publicada em Espanha, França, Alemanha, Itália, Grã-Bretanha e Estados Unidos.
Não conheço na literatura de viagens, em língua portuguesa, um pesadelo de tal envergadura no desenho do teatro de horrores, há para ali figuras de Shakespeare, umas desavindas com o destino, outras obstinadas em manterem-se naqueles lugares com que se identificam, nenhuma razão os faz partir, é uma peregrinação trágica de um repórter que partiu de Lisboa com a convicção de que era exequível, um século depois, cumprir o famosíssimo trajeto de Capello e Ivens, de Luanda a Quelimane. Pedro Rosa Mendes deambulará entre guerras, e mesmo a tragédia moçambicana não escapa ao seu olhar.
Quando concluímos a leitura desta obra prodigiosa somos levados a rememorar a guerra que experimentámos, a que se atribuía uma causa e um sentido. E à distância física dos tormentos, temos que reconhecer que quem fica, por amor ou obrigação, é joguete de ambições, carne para canhão, e naqueles jogos monstruosos há gente que se locupleta e goza com o sofrimento dos outros.

Um abraço do
Mário


Baía dos Tigres, por Pedro Rosa Mendes: 
uma obra-prima na descida aos infernos (3)

Beja Santos

Em “Baía dos Tigres”, Publicações Dom Quixote, Pedro Rosa Mendes não só descreve e anota magistralmente os lugares e as pessoas que vai encontrando numa viagem impossível que seria a travessia do continente africano por terra, algo como o itinerário que Capello e Ivens percorreram e que consta do famosíssimo relato “De Angola à Contracosta”, como conta histórias e ouve testemunhos que nos deixam pregados às descrições emocionantes. Tome-se o caso de Ben-Ben:
“Ben-Ben, futuro chefe do estado-maior das FALA e delfim de Jonas Savimbi, era apenas um alferes quando foi a casa de João Miranda no Dirico para o escoltar à morte. João Miranda estava havia 20 dias em prisão domiciliária porque a UNITA o acusara de ser um agente da PIDE. O preso não se revia em nenhuma das acusações.
João Miranda, natural de Bragança (1945) e em Angola desde os 11 anos, tinha família e loja no Dirico. A administração, a polícia e os muitos amigos na pequena povoação tentaram protegê-lo da condenação mas a UNITA insistia em relacioná-lo com a PIDE. A solução foi a fuga. O agente Covachan da PSP (mais tarde fez parte da segurança do presidente Ramalho Eanes), preparou-lhe a fuga numa noite de Janeiro de 1975, providenciando diesel às escondidas para que João Miranda pudesse atingir o Mucusso.
A mulher, Elisabete, e as filhas saíram noutra viatura com o pretexto de irem na direção contrária, de compras ao Huambo. O plano era atravessarem o rio Cubango de canoa, no Calai. Quando chegou ao Mucusso e passou a fronteira para o Sudoeste Africano, as autoridades sul-africanas responderam com rapidez. Comunicaram com o comando do Rundu, que enviou prontamente tropas para receber a família no Calai”.

Há um Paulo de Sousa em Lusaca que é super-enérgico e super-influente, o repórter esboça uma água-forte portentosa, inigualável. Como portentosa é a descrição dos bombeiros, mestiços ou negros, que representavam interesses comerciais em zonas do sertão angolano onde os brancos não podiam chegar. A história é tão mais curiosa dado o facto de Pedro João Baptista e Anastácio Francisco se terem antecipado meio-século à primeira travessia do continente por Livingstone (1854-56) de Luanda a Quelimane. E sabe-se que tal aconteceu de ciência certa, Pedro João Batista escreveu um diário. E o autor observa:
“Uma das delícias do Diário de Pedro João Baptista é o seu estilo. Não era um letrado não sendo um analfabeto, era um militar sertanejo. Escrevia com os pés mas olhava com génio. O pombeiro inventou uma gramática anárquica, onde o discurso direto irrompe sem aviso e os verbos não têm isso de conjugação, onde a pontuação tem a irregularidade do fôlego e expressões eruditas convivem com um léxico existente em nenhum dicionário. Os conceitos científicos não estão lá. Os pontos cardeais não existem mas é uma evidência que Leste se diz “andar com o sol na cara”. O rigor da descrição é tal que foi fácil identificar os locais e acidentes por onde passou o pombeiro”.

Outra apreciação exemplar é a do brigadeiro-general Kalutotai:
“O brigadeiro-general vive numa das pequenas casas arrasadas pela invasão sul-africana e pela guerra civil. Não serão mais do que 10, as ruínas delas, moradias de guerreiros, sem arruamento mas alinhadas numa alameda de árvores enormes que dão sombra a uma história de violência total. A mobília desapareceu no fogo e o resto são instalações de zinco, esteiras, buracos de bala e de obus, alguidares e cães, roupas que secam e bebés que choram a céu aberto. Estes são os privilégios de Kalutotai, comandante da UNITA na área militar do Caiundo. A localidade do Caiundo – o antigo centro de cantineiros, lojistas do mato – erguia-se numa elevação sobre o Cubango, a ponte que ligava ao Sudoeste Africano foi dinamitada em 1975. De dia, se é de paz, o brigadeiro senta-se na varanda térrea e, sem mexer um dedo, ou mexendo apenas o pequeno chicote contra a perna esticada, controla a reta que traz ao rio a estrada de Menongue para a Namíbia. Ele vê sempre muito antes de ser visto. É talvez por isso que continua vivo. O Caiundo é uma célula onde flutuam canoas e Kalutotai é comandante da sua própria prisão perpétua. Em Angola, os partidos – dois exércitos – não são opções ideológicas, tornaram-se simples contingências geográficas – combate-se e vota-se pelo sítio onde se está”.

É Kalutotai que autoriza que o autor prossiga viagem, será uma viagem indescritível. A carta que Pedro Rosa Mendes escreve ao senhor Ventura, diretor da Direção de Estrangeiros e fronteiras de Angola, Cuíto, Bié, Angola, é prosa memorável, crítica mais mordaz aos pequenos poderes do funcionário déspota e mesquinho não pode haver. O autor despedaça-o, redu-lo à sua insignificância:
“Disseram-me que Vossa Excelência era muito nervoso e muito crente. Fiquei chocado e contente. Gente assim produz conversões dramáticas. Deus é a sua última hipótese.
Como na última vez que o vi, Vossa Excelência não me está a olhar nos olhos: nessa ocasião não conseguia, hoje não pode. Dá igual: “Não lhe dou mão nem adeus. Nada fez para merecer isso”.

Viajamos aos tropeções, sempre pela mão do autor, atravessamos fronteiras, conhecemos pessoas extraídas de preciosas antologias do exótico ou do extraordinário. Viajamos à toa, por vezes com a respiração suspensa, o autor corre perigos:
“José rema o meu sarcófago pelas ilhas e rápidos. Costuramos uma fronteira: há ilhas que são Namíbia, outras são Angola. Vou deitado no chão da canoa, com os braços estendidos ao lado do corpo, e a canoa adapta-se ao meu corpo. A cabeça e os ombros encaixam nela. Um sarcófago é isso, uma caixa à medida para a última travessia. Tivemos de aguardar a noite para voltar a Angola encobertos por ela. Devido ao embargo das Nações Unidas, a fronteira angolana está fechada nas áreas controladas pela UNITA, como é o caso do Cuando Cubango. Na Faixa de Caprivi o controlo é muito apertado. As patrulhas namibianas andam rio acima e rio abaixo. São renhidamente zelosas eficientes, quando veem alguém atravessar o rio atiram a matar”.

O belo horrível é dado pelo cristalino da língua, impecável, e os pormenores mais medonhos, contados com absoluta dureza. Ouve-se um piano, este sufoca os gritos dos executados, temos uma descrição do horror absoluto:
“Os jovens da Organização dos Pioneiros de Angola tinham a sua bandeira e toda a gente tinha que se pôr em sentido num raio de três quarteirões quando era hasteada. Quem não, levava um tiro ou era preso, os meninos da OPA treinavam-se nisso para ser futuros dirigentes. Os camponeses não sabiam, distraiam-se, eram levados para a cave daquela casa abandonada – era de uma professora de música que fugira meses antes – e torturados ao som do piano para o piano abafar os seus gritos. O terror lança mão de qualquer objeto. Até de um piano”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17079: Notas de leitura (931): “Baía dos Tigres”, por Pedro Rosa Mendes, Publicações Dom Quixote, 1999 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17079: Notas de leitura (931): “Baía dos Tigres”, por Pedro Rosa Mendes, Publicações Dom Quixote, 1999 (2) (Mário Beja Santos)



Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Dezembro de 2015:

Queridos amigos,
Tinha para mim que o livro "Kaputt", de Curzio Mallaparte, era a última palavra sobre os horrores da guerra. Mallaparte viaja por pontos críticos, durante a II Guerra Mundial, presencia guerra na Finlândia, URSS, em Itália, percorre países ocupados.
Buscando uma linguagem neutra, magoa-nos até ao tutano no gueto de Varsóvia, nos pogrons na Roménia, põe a falar pilotos soviéticos que julgam que foi a Finlândia que agrediu a URSS, entre tantíssimas situações.
A questão nevrálgica da "peregrinação" de Pedro Rosa Mendes é a guerra civil angolana, socorrendo-se de uma linguagem sóbria, somos confrontados com a demência, a maldade pura, a degradação ao extremo da condição humana, a quase impossibilidade da fé no futuro, vale a pena ler e reler este documento primorosamente escrito, falando por mim é o documento maior sobre os demónios à solta naquela guerra civil de Angola que só deixou de existir quando acabou o confronto entre superpotências.

Um abraço do
Mário


Baía dos Tigres, por Pedro Rosa Mendes: 
uma obra-prima na descida aos infernos (2)

Beja Santos

Falamos repetidamente daqueles livros que nos exigem uma leitura compulsiva, a necessidade de nos grudarmos a uma prosa exigente, infatigável, com todas as cambiantes da amargura aos sentidos da sobrevivência. Pois bem, “Baía dos Tigres”, por Pedro Rosa Mendes, Publicações Dom Quixote, é um diamante da literatura de viagens, às vezes sentimos a toada poderosa de um grande romance, mas o escritor na pele de um repórter não engana ninguém, meteu o prego a fundo na guerra civil de Angola, andará por outras paragens mas é nesta terra mártir que seremos induzidos, até à repugnância e ao sufoco, sobre os mais absurdos casos que imaginar se possa do teatro de horrores.

Estamos no Planalto, numa região controlada pela UNITA, somos brindados por prosa de primeiríssima água:
“Lutaram pela sua terra, muito e tanto, até fazerem dela uma terra de guerreiros, e de nenhum outro cultivo. Começaram então a nascer dela, homens com raízes aéreas, raízes da terra, até ao osso do caule, até à seiva do nervo. Raízes no lugar das pernas, férteis na terra que as mutilou.
Aparecem, altos, sem espessura, de dentro da neblina do Planalto, do interior do perfume fresco do eucalipto. É de manhã que saem. E vêm. Aparecem, testemunhando o pesadelo e o milagre, agarrados à silhueta das árvores, confundindo-se com elas, caminhando no alto das suas raízes-ossos-troncos-madeiras-andas-próteses: muletas: uma nova espécie, meio-homem, meio-planta, metade-vida e metade-fingida. Os vegetais da terra que se tornou esta.
É de manhã e é para mim que avançam. O cheiro das folhas pica as narinas: aproveito, choro e disfarço, sucumbo. A primeira árvore de madeira-carne alcançou o sítio de onde o choque não me deixa mexer. Aperto, nessas mãos mesmo, o tesouro vivo que lhe resta: as mãos”. E, mais adiante: “Um ex-combatente com dupla amputação de pernas está erguido no alto das raízes que lhe enchem as calças. Um dos pés é um bocado de pneu, com a marca Michelin ainda visível no relevo do “peito”. Mostra-me as suas próteses com orgulho, porque eu não acreditava que as usasse: tinha-o visto chegar de bicicleta”.

Temos novas peripécias em terras do Galo Negro, já se saiu de Caiundo, segue-se um interrogatório burlesco feito por um administrador da UNITA, em Calai. Na continuação, ocorre uma reflexão ao escritor:
“Angola elaborou de forma perversa o conceito de que informação é poder. O que é visto por ser contado, o que é dito já não pode ser retirado. Para uma população em guerra, condenada a servir dois totalitarismos siameses, a informação pode regressar como arma nas mãos do inimigo”. E segue-se uma exposição espantosa sobre a cultura da mentira. A viagem tem altos e baixos, acidentes de percurso, entremeiam-se relatos pavorosos, histórias que até podiam ser pícaras, não tivessem como pano de fundo a destruição, a maldade mais velhaca, e por vezes ocorrem aparecer pontos de heroísmo, vale a pena ler e reler a odisseia de Daniel Libermann, um hino à tenacidade. Há histórias de gente muito antiga, descreve-se a pescaria do Mucuio, falemos então de peixe: “Pode ser uma mulamba de espada, mulamba de corvina, mulamba de carapau. É a forma de abrir o peixe antes de mais. O peixe é aberto pelas costas, pela espinha, e geralmente tira-se a cabeça se é para mulamba de corvina ou de carapau. Depois faz-se uma moura muito leve, com pouco sal, de maneira a não ficar com muito sabor. Deixa-se algumas horas: põe-se a secar um ou dois dias, é rápido. Aqui comemos o peixe grelhado, que é o mufete – o carapau grelhado sem tirar as vísceras, vai para a brasa todo ele, completo. A cabeça é a melhor parte do peixe – o mesmo para o kalulu, com óleo de palma”.

Volta-se a cenários de destruição, estamos de novo no Cuíto:
“O Cuíto é uma vala comum. Há gente enterrada em todo o lado. No adro, na igreja, naqueles jardins, na avenida, nas casas, nos quintais, nos prédios (…) Disparava-se blindados com os canos na horizontal. Disparava-se de uma casa para a outra, a 20 metros do alvo. Tiro à vista, o ódio em cheio no branco dos olhos. Um oficial francês, em operações de desminagem e formação no Cuíto, contou-me que até aí, Julho de 1997, tinham encontrado 71 tipos diferentes de explosivos.
- Costumamos gozar e dizer que, com um pouco de trabalho, acabaremos por encontrar os 700 que faltam – existem cerca de 800 tipos de munições referenciadas em todo o mundo. Aqui a guerra foi diferente de todas as que conheço, Camboja, Afeganistão, Bósnia. Nesses sítios as munições estão dentro do convencional. Minas, aqui, são de todo o tipo. Não há sequer, minas artesanais. O material aqui é do mais sofisticado que há. Israelitas, sul-africanos, chineses, coreanos, franceses, russos, americanos, tudo. É uma espécie de universidade para nós. E ninguém ouviu falar do Cuíto.
As crianças aqui brincam com projéteis ar-terra, que têm um palmo e pouco de comprimento e lhes podem explodir nas mãos a qualquer momento porque não detonaram na queda. Uma ficou em bocados com uma coisa dessas há pouco tempo. Não sei como vão reconstruir isto”.

E a viagem prossegue até Bibala, no sopé da chela, depois Lobito. O viajante telefona para Lisboa, informam-no que morreu Al Berto. Temos mar e linha férrea, avistam-se desmobilizados, mutilados e desempregados. Temos seguidamente uma descrição em Lubumbashi, Congo, vive-se no caos, falam portugueses, contam histórias, andam tropas ruandesas por ali. Mais histórias desta vez em Elizabethville. E a trama regressa a Angola, a Caiundo, entram novas personagens, desta feita os sul-africanos como John Van Der Merwe, comandou os Flechas Negras que, juntamente com o batalhão Búfalo puseram em retirada as tropas de Agostinho Neto e Fidel Castro, do Cuando Cubango até ao Cuanza Norte, este soldado excecional veio da base ómega, Faixa de Caprivi, Sudeste Africano, é uma das histórias mais surpreendentes e galvanizantes deste livro. John Van Der Merwe confessa-se ao escritor:
“Não estou a dizer que fui um assassino: somos treinados para isso, faz parte da vida de um gajo. Fui um indivíduo que em combate carregou muitos homens neste ombro, pretos inimigos, para os salvar. Salvei muita gente. Nunca tive tendência para eliminar pessoas. E foi por isso que não aguentei muito mais tempo. Tenho passagens tristes. Mas matar por prazer não”.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17065: Notas de leitura (931): “Baía dos Tigres”, por Pedro Rosa Mendes, Publicações Dom Quixote, 1999 (1) (Mário Beja Santos)