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segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16449: Recortes de imprensa (81): " As pessoas não falavam da guerra na guerra. Foi das primeiras coisas que eu percebi. Nem hoje eles falam na guerra. Eles [, os ex-combatentes, ] fazem almoços todos os anos e não falam nisso uns com os outros": entrevista de Ivo M. Ferreira, realizador das "Cartas da Guerra", à Rádio Renascença, em 1 do corrente


Rádio Renascença > 1 de setembro de 2016 > Entrevista, à Renascença, do realizador de cinema Ivo M. Ferreira, cujo filme "Cartas da Guerra" está agora, finalmente, em exibilção nos cinemas portugueses (*)



1. Obrigado ao nosso camarada Carlos Pinheiro, por estar atento ao que se passa na comunicação social e pode interessar aos leitores do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné que há mais de 12 anos, e em contracorrente,  falam todos os dias, da e sobre a guerra colonial... Eis um excerto da entrevista do Ivo M. Ferreira, com a devida vénia à Rádio Renascença (**):



Capa do livro, editado em 2005
pela Dom Quixote
"As pessoas não falavam da guerra na guerra. Nem depois"


(...) Há muito que o realizador queria tratar o tema da Guerra Colonial, "mas nunca tinha encontrado uma forma". Até que tropeçou nas cartas que o jovem António Lobo Antunes escreveu à mulher durante uma comissão de serviço em Angola, entre 1971 e 1973 (tinham sido organizadas pelas filhas de ambos e publicadas no livro "Deste Viver Aqui Neste Papel Descripto: Cartas d[a] Guerra", em 2005).

Um dia ouviu a mulher (Margarida Vila-Nova, que interpreta a mulher de Lobo Antunes no filme) ler o livro para a barriga onde crescia o filho de ambos e a ideia plantou-se. "Em termos históricos, de documento de guerra, em termos biográficos e de uma história de amor fantástica, havia uma série de elementos que me permitiam pensar que daria um bom filme." Escreveu o argumento com Edgar Medina em pouco mais de quatro meses.

(...) A pesquisa para o filme passou não só por outros escritos e livros de Lobo Antunes, como "Os Cus de Judas" ou "Memória de Elefante", mas também por conversas com outros antigos combatentes. Ouviu muitas vezes reacções. Como esta: "Mas por que caraças é que tu queres falar nisto?".

"As pessoas não falavam da guerra na guerra. Foi das primeiras coisas que eu percebi. Nem hoje eles falam na guerra. Eles [ex-combatentes] fazem almoços todos os anos e não falam nisso uns com os outros", diz.

Ivo M. Ferreira percebeu que muita coisa que ficou enterrada, "atirada para o mesmo canto do fascismo" para nunca mais se revisitar. Todo um período de "anseios e medos que não eram revelados nem à família nem aos colegas", que criou "um aquartelamento de silêncio muito mais forte do que o que eles tinham enquanto lá estavam".

Por isto tudo, Ivo não podia ter ficado mais surpreendido com as reacções que tem tido. "Sinto que este filme tem funcionado para fazer um desfolhar da cebola que, se calhar, também só podia acontecer agora, quando as pessoas estão naturalmente a desaparecer."

Agora que o filme finalmente chega às salas, trouxe uma surpresa para Ivo M. Ferreira. "Pensei sempre que as mulheres, as filhas, os filhos é que iriam ver o filme. As pessoas que os viram voltar diferentes. Mas de repente sei que há excursões de ex-combatentes, que é uma coisa que eu nunca pensei." (...)


Fonte: A entrevista, conduzida por Catarina Santos,. pode ser lida na íntegra, aqui,  no sítio da Rádio Renascença

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

31 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16433: Agenda cultural (489): Amanhã, dia de 1 setembro, estreia nos cinemas o filme, de Ivo M. Ferreira, "Cartas da Guerra", baseado nas cartas de amor e guerra de António Lobo Antunes, ex-alf mil médico, da CART 3313 (Angola, 1971/73). Descontos especiais para grupos de ex-combatentes e séniores

7 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16281: Agenda cultural (488): O filme "Cartas da Guerra", de Ivo M. Ferreira, baseado na obra de António Lobo Antunes, tem estreia comercial em 1 de setembro próximo


(**) Último poste da série > 27 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16423: Recortes de imprensa (80): Os "últimos tugas" de Bafatá: João e Célia Dinis, entrevistados pelo "Público", em 13/4/2013... O nosso camarada João Dinis, hoje empresário, vive na Guiné desde 1963. Pertenceu à CART 496 (Cacine e Cameconde, 1963/65)

domingo, 24 de abril de 2016

Guiné 63/74 - P16010 Recortes de imprensa (80): João Paulo Diniz (,que vai estar mais logo no Jornal da Meia Noite, da SIC Notícias, para relembrar o seu papel no 25 de abril): "As minhas melhores amizades são do tempo da Guiné, quando fui locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, em Bissau, em 1970/72" (Excerto de entrevista, DN -Diário de Notícias, 30/8/2015)

1. Excerto, com a devida vénia, de um entrevista dada pelo nosso camarada João Paulo Diniz, ao DN - Diário de Notícias, em 30/8/2015.

João Paulo Diniz, ex-1º cabo, BENG 447, ex-locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, Serviço de Radiodifusão e Imprensa, Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica, QG / Com-Chefe, Bissau, 1970/72; profissional da Rádio e da TV, com 50 anos de carreira; Oficial da Ordem da Liberdade em 2013; membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 630, desde 19 de outubro de 2013]


DN - Díario de Notícias > 30 de agosto de 2015 > 

João Paulo Diniz: "Gostava que me deixassem trabalhar"

Entrevista por Paula Freitas Ferreira


Na noite de 24 de abril de 1974, anunciou a chegada da democracia na rádio. Aos 66 anos, e com uma carreira de cinco décadas celebradas amanhã, o jornalista confessa ao DN que gostava de experimentar ser pivô de TV.


P: Comemora amanhã 50 anos de carreira no jornalismo. Ainda se lembra do seu primeiro dia?

Foi na Rádio Peninsular e pela mão de Augusto Poiares. Desde os 13 anos que lhe pedia constantemente que me deixasse fazer um teste na rádio. Tanto insisti que ele acedeu. Dias depois de fazer o teste, o meu pai telefonou-me e disse que tinham gostado do meu registo de voz. O radialista Aurélio Carlos Moreira tinha gostado da minha gravação e convidou-me para apresentar o Pajú, que era um passatempo juvenil. Tinha 16 anos.

P: E passou a viver na rádio...

João Paulo Diniz, radialista do PIFAS (Bissau, 1970/72).
Foto de Garcez Costa
Atirei-me de cabeça. Passava lá os dias. Saía às duas da madrugada e entrava às seis da manhã. Foram tempos muito felizes e fartei-me de aprender. Tapava buracos. Se faltava alguém, porque estava doente, eu substituía-o. Eles chamavam-me: "Miúdo, anda para aqui para a cabine" e lá ia eu, com todo o respeito, observar o que faziam essas pessoas que tinham uma enorme experiência em rádio.



P: Também esteve ao microfone durante a guerra colonial...

Fui mobilizado para a Guiné, onde estive entre 1970 e 1972. Tive muita sorte. Nesse período foram fabricadas as minhas melhores amizades. Como tinha experiência em rádio, convidaram-me para apresentar o Programa das Forças Armadas, que era carinhosamente chamado de PIFAs. Era um programa do género de Good Morning Vietnam. Anos mais tarde, já a Guiné-Bissau era independente, cruzei-me com o Presidente Nino Vieira e disse-lhe que tinha sido militar na Guiné, que apresentava o PIFAs e ele confessou-me que também eles ouviam o programa.

P: Otelo Saraiva de Carvalho escolheu-o para dar o primeiro sinal que esteve na origem da Revolução de Abril de 1974. Como é que tudo aconteceu?

Estava na cabine da rádio [Peninsular] e chamaram-me à porta, porque estava ali alguém para falar comigo. Era o Capitão José Costa Martins. Chamou-me ao carro e disse que as Forças Armadas precisavam que eu desse um sinal na rádio que iria marcar o início de um golpe de estado. Respondi que não o podia fazer. Não o conhecia, até podia ser da PIDE. Ele identificou-se e fez-me esta pergunta: "E se fosse o Otelo a falar consigo?"

P: E falou?

Sim. Eu tinha-o conhecido na Guiné-Bissau. Respondi que até gostava de lhe dar um abraço. Então o Capitão Costa Martins perguntou-me quando é que eu podia encontrar-me com o Otelo. Estávamos a 22 de abril de 1974 e respondi que podia marcar o encontro lá para meados de maio. Olhou muito sério para mim e disse que teria de ser naquele dia, que era muito importante. Percebi que era. Combinámos encontrar-nos nessa noite no Centro Comercial Apolo 70.

P: Como foi esse encontro?

O Otelo explicou-me os objetivos da Revolução: fim da guerra no Ultramar, libertação dos presos políticos, instauração de uma democracia com eleições livres. E foi então que se escolheu a canção que eu teria que anunciar, logo após a transmissão da senha, que era a frase: "Faltam cinco minutos para as 24 horas". A hora foi depois antecipada e marcada para quando faltassem cinco minutos para as onze da noite. Ele queria que eu colocasse no ar uma cantiga do Zeca Afonso, que estava proibido de passar na rádio e eu sugeri a canção E Depois do Adeus, de Paulo de Carvalho. A música tinha ido ao Festival da Canção e não iria despertar desconfianças.

P: Aceitou logo? Não teve medo?

Claro que sim. Perguntei: "E se corre mal?"

P: Otelo respondeu-lhe?

Disse-me isto: "Se correr mal, nós, que somos militares, vamos para a Trafaria [prisão militar] e o João, que é civil, vai para Caxias [cadeia]".


P: Há quem lhe chame herói de Abril. Arriscou a vida. Podia ter corrido mal...

Não sou nenhum herói. Os heróis foram os militares das Forças Armadas. Não arrisquei a minha
vida, arrisquei a minha liberdade. Eles sim, arriscaram as vidas... (...)


2. Mensagem de hoje do Garcez Costa,  reencaminhando um mail do João Paulo Diniz, de ontem, e  que se retranscreve:

De: João Paulo Diniz
Data: 23 de abril de 2016 às 16:15
Assunto: SIC-Notícias

Olá,

Por este meio gostaria de informar as minhas Amigas e Amigos que fui convidado para estar presente no 'Jornal da Meia-Noite' da  SIC-Notícias. E decidi aceitar.

Data - de 24 para 25 de Abril.


O 'Jornal' começa à meia-noite, já nos primeiros instantes de dia 25 e eu aparecerei não sei exactamente a que horas. Se puderem ver, agradeço, e que depois me digam o que acharam...

Kisses & Abraços,
JP

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Nota do editor:

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15578: Recortes de imprensa (78): Vicente Batalha, de alf mil cav, CCAV 1483 (CTIG, 1965/67) a cap mil, cmdt do Departamento de Fotografia e Cinema )DFC) nº 3011 (Angola, 1972/74)

Vicente Batalha, foto de
"O Mirante" (2010)
 (com a devida
vénia)
1.  Vicente Batalha, nascido em Pernes, Santarém, em 1941, ex-autarca, actor, promotor cultural, encenador e presidente do Instituto Bernardo Santareno (IBS), foi nosso camarada no CTIG, em 1965/67, na CCAV 1483, e curiosamente é o primeiro comandante de um Destacamento de Fotografia e Cinema, de que ouço falar.

Julgo, de resto, que não temos nenhum "foto-cine",  ou "operador de fotocine", entre os membros da nossa Tabanca Grande. E são escassas, na Net, as referências a estes camaradas que também andaram nas guerras de África...

Depois da Guiné, o Vicente Batalha continuou na tropa e, como tenente a trabalhar nos serviços mecanográfticos do exército, é chamado a fazer o curso de capitães milicianos. A frequência do Curso de Foto-Cine, nos Serviços Cartográficos do Exército, dá-lhe a possibilidade de ir comandar o Destacamento de Fotografia e Cinema 3011, na Região Militar de Angola.

Destaca, entre os seus instrutores, os nomes de Jorge Botelho Moniz, Lauro António e  Fernando Matos Silva (este último o realizador de "Acto dos Feitos da Guiné", 1980).

Em Angola, diz que comandou um  "excelente grupo, com grandes profissionais de fotografia, cinema [e] rádio" que desenvolveu "um notável trabalho de reportagens". Além disso, "tinha furriéis colocados no mato, e todos os meses visitava unidades e levava cinema, percorrendo grande parte de Angola".

A minha dúvida é a de saber se os destacamentos de foto-cine se limitaram a levar cinema aos quartéis do mato e a produzir programas de rádio ou a gravar as famosas mensagens de Natal e Ano Novo... ou se também "fizeram cinema" (atualidades de guerra, documentários, etc.), para além da "cobertura" de acontecimentos protocolares e propagandísticos... E, se sim, por onde para hoje esse material... que ninguém lhe põe a vista em cima, à parte os (poucos) documentários produzidos pela RTP no longo período em que decorreu a guerra colonial (1961-75) ?

Em 2014, e a propósito dos 40 anos do 25 de Abril, o semanário regional "Correio do Ribatejo" (, fundado em 1891, e com sede em Santarém,)  ouviu o "testemunho geracional" do ribatejano Vicente Batalha. Desses quatro artigos, retirámos alguns excertos, com a devida vénia. (LG).



(…) Arrancado aos bancos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a 11 de setembro de 1964, assentei praça, na Escola Prática de Cavalaria de Santarém (EPC), como cadete, para frequentar a instrução básica do Curso de Oficiais Milicianos (COM).

A 17 de dezembro, jurei bandeira, e continuei na EPC, para a instrução especial, de atirador de cavalaria. Em abril de 1965, fui promovido a aspirante-a-oficial miliciano, e mandado apresentar, no Centro de Instrução de Operações Especiais de Lamego (CIOE), onde fui selecionado, para a frequência Curso de Operações Especiais, vulgo, “Ranger”.

Findo o curso, fui mandado apresentar, no Regimento de Cavalaria nº 7, na Calçada da Ajuda, em Lisboa. Ia fazer parte da Companhia de Cavalaria 1483 (CCAV), mobilizada para o Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG). Comandante, capitão José Olímpio Caiado da Costa Gomes, e os quatro alferes eram o retrato do país em guerra: 1º Pelotão, Azevedo, do Porto, 2º, Batalha, de Pernes-Santarém, 3º, Diogo, de Tavira, e 4º, Garcia, da Serra da Estrela; e, os, 1º Sargento, Dias Jorge, e 2ºs Sargentos, Tibério e Arvana. Com a CCAV 1483, iam para a Guiné mais três companhias: comandadas por, CCAV 1482, Capitão Alves Ribeiro, CCAV 1484, Capitão Pessoa de Amorim, e CCAV 1485, Capitão Lemos Alves.

Fizemos a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, no RI 13 de Vila Real, e, a 19 de outubro, desfilamos, até à estação da cidade, e partimos de comboio, via Porto, para Lisboa, tendo feito a viagem durante a noite. A 20 de outubro de 1965, perante uma multidão, choros e gritos, amigos que me chamavam, daqui e dali, que quiseram estar na despedida, ao som de marchas militares, com “Angola é nossa” a martelar os ouvidos, desfilamos. Aguentei, comovido, sem uma lágrima. Submersos num mar de lenços e adeuses, embarcamos, no “Niassa”, do Cais da Fundição, Santa Apolónia, rumo à Guiné. (…)




(…) Cinco dias depois, a 26 de outubro 1965, estávamos a atracar, no cais de Bissau, em ebulição. As viaturas militares esperavam no cais. Foi em breves minutos, que desembarcamos com as nossas bagagens, saltamos para as viaturas, e lá fomos, com rumo desconhecido… por entre a pequena cidade de Bissau, que olhamos de soslaio, chegamos à jangada (a jangada de João Landim, que está sempre avariada, como diz o “cancioneiro da malta”), que nos levou à outra margem, e continuamos até Bula, a sede do Batalhão de Cavalaria 790, sob o comando do tenente-coronel Henrique Calado, ilustre cavaleiro hípico, dono do célebre “Caramulo”, que nos representou nos Jogos Olímpicos de Tóquio, 1964. Entre escassas palavras, trocávamos olhares, tristes e surpreendidos, perdidos naquele mundo estranho…

Em fase de adaptação, ainda, a 9 de novembro [de 1965], o aquartelamento foi alvo de flagelação, e, na noite seguinte, véspera de S. Martinho, perante informações seguras de novo ataque, recebi a missão de ir montar uma emboscada, para impedir, que o inimigo voltasse a atacar… às tantas, montado o dispositivo, o tiroteio infernal iniciou-se, vindo de todos os lados… foi esse o nosso baptismo de fogo. Regressado ao quartel, recebi ordens, para voltar a sair, para ir buscar o 2º comandante, major Laranjeira, que estava na povoação, que distava algumas centenas de metros do quartel, por entre novo tiroteio, a fechar aquela noite de todos perigos, uma entre tantas, que se iam suceder…

O dispositivo tinha uma companhia, em Có, e Pelundo, outra, em Teixeira Pinto e Cacheu; e do outro lado, a terceira, em Ingoré e Ingorezinho. O meu irmão, tinha embarcado, em rendição individual, a 10 de Janeiro, para a Guiné, onde passamos juntos o Natal de 1965, o primeiro Natal, em pleno teatro de operações. É difícil explicar a saudade, que vivemos nesse Natal, a ler os inúmeros cartões, cartas, a desembrulhar as prendas, que nos chegaram, foi tocante… os meus pais, sobretudo, o meu pai, nunca recuperaram das aflições, desassossego e tristeza, por ter dois filhos num complexo cenário de guerra.

Regressamos, com vida e saúde, mas a amargura de meus pais é uma fatura, que nunca lhes foi paga. Dado o agravamento da situação de guerra, no setor Oeste, e após ter passado três meses, como companhia operacional do BCAV 790, a nossa unidade foi colocada em quadrícula, em São Domingos, terra de felupes e baiotes, mais a norte, a 3 quilómetros da fronteira com o Senegal, com o 3º pelotão, em Susana, e o 4º pelotão, em Varela. 

O ano 1966, foi de guerra intensa: a 14 de fevereiro, sofremos o maior ataque ao aquartelamento, da uma às cinco da manhã, onde foram usados pela 1ª vez canhões sem recuo, gerou-se o pânico; a 4 de dezembro, sofremos a primeira mina, na estrada para Nhambalã. Isolados, com pontões queimados, de um lado, no acesso a Susana, e, do outro, no acesso a Poilão de Leão e Ingoré, o cerco fechava-se e remetia-nos cada vez para o interior do arame farpado. Os ataques sucediam-se, e o setor Oeste foi desdobrado em 1 e 2, pelo que, para São Domingos, foi deslocado o Batalhão de Caçadores 1894, comandado pelo tenente-coronel Fausto Laginha Ramos, e a CCAV 1483 voltou a ser companhia operacional. (…)

O meu irmão regressou, em abril, eu regressei, em agosto de 1967. (…)




(…) Surgiu  [, entretanto,] o convite, para continuar na tropa, num serviço, que permitia conciliar estudo e trabalho, e aceitei. Fui colocado nos Serviços Mecanográficos do Exército, onde, como tenente, num ambiente descontraído, com a presença de senhoras, os militares trajavam à civil, no horário, 13h30-19h00. Ao meu cargo, as especialidades, que vinham do Centro de Estudos Psicotécnicos do Exército, e as consequentes mobilizações do contingente geral. O Largo da Graça, de que gostava muito, passou a fazer parte da minha nova rotina.

Em 1971, fui chamado para o Curso de Capitães, na EPI, em Mafra, com um escol de gente das mais variadas profissões, chefes de família, regressados à tropa, a par dos chamados capitães-proveta… apesar da condenação da guerra, muitas críticas, e incomodidades, foi um curso diferente, familiar, com grande formação política, criei amigos para toda a vida.

Estágio no CIOE, o regresso a Lamego. Como 2º classificado do curso, podia escolher, e decidi frequentar o Curso de Foto-Cine, nos Serviços Cartográficos do Exército, para ir comandar o Destacamento de Fotografia e Cinema da Região Militar de Angola.

Tive instrutores essenciais, Jorge Botelho Moniz, Lauro António, Fernando Matos Silva. 

No Regimento de Transmissões, formei o DFC 3011, excelente grupo, com grandes profissionais de fotografia, cinema, rádio (o meu abraço, Sansão Coelho), desenvolvemos um notável trabalho de reportagens. 



A 9 de janeiro de 1972, embarquei para Angola, no paquete, “Vera Cruz”, a sua última viagem como transporte de tropas. A, 16 de janeiro, desembarquei em Luanda (no cais, os meus compadres e família), e, no dia seguinte, assumi o comando do Destacamento [de Foto Cine 3011], instalado numa aprazível vivenda, entre o Comando da Região Militar, de que dependia administrativamente, e o Comando-Chefe das Forças Armadas, sediado na Fortaleza, de que dependia operacionalmente, a meio caminho, ficava o Palácio do Governo-Geral de Angola.

Capa da revista Fotocine [Angola, 1973-74]...
Cortesia da Hemeroteca da Biblioteca do Exército
Criei a revista “FotoCine”, onde se falava sobre Salvador Allende, e o cinema de Buñuel, e o último número acabou por ser suspenso, mas foi distribuído…  lancei um inédito Concurso de Fotografia, a preto e branco e a cores.

Adorei a cidade, a vida agitada da cidade, com uma vida cultural em ascensão. Convivia com toda a estrutura militar, e seus comandos, espalhados pelo vasto território. O mal-estar era evidente, trocavam-se opiniões, discutia-se a situação política, e, aqui e ali, caíam notícias, sobre o alastrar dos protestos e movimentações. Tinha furriéis colocados no mato, e todos os meses visitava unidades e levava cinema, percorrendo grande parte de Angola.

As minhas funções giravam entre a área cultural e a comunicação social, pois no DFC dirigia um programa, “A Hora do Soldado”, emitido todos os dias, das 11 às 12 horas e das 24 às 01 horas, a partir da Emissora Oficial de Angola. O director da Emissora proibiu a Norberto de Castro um programa sobre o pacifista Bertrand Russel, pedi-lhe a bobina e transmitia-a em “A Hora do Soldado”, o que criou uma situação delicada…mas, já não havia força para me punir. (…)
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Fonte:  Excertos,  com a devida vénia ao autor, Vicente Batalha, e ao semanário "Correio do Ribatejo"

Vicente Batalha – Testemunho geracional (1962-1965),  nos 40 anos do 25 de Abril. [Em linha] Correio do Ribatejo. 11 de abril de 2014. [Consult em 4/1/2016]. Disponível em  
http://correiodoribatejo.com/opiniao-vicente-batalha-testemunho-geracional-1962-1965-nos-40-anos-
do-25-de-abril/

Vicente Batalha – Testemunho Geracional (1965-1974), nos 40 Anos do 25 de Abril. [Em linha]. Correio do Ribatejo, 18 de abril de 2014. [Consult em 4/1/2016]. Disponível em
http://correiodoribatejo.com/opiniao-vicente-batalha-testemunho-geracional-1965-1974-nos-40-anos-do-25-de-abril/

Vicente Batalha – Testemunho Geracional (1974-1975), nos 40 Anos do 25 de Abril. [Em linha]. Correio do Ribatejo, 25 de abril de 2014. [Consult em 4/1/2016]. Disponível em
http://correiodoribatejo.com/opiniao-vicente-batalha-testemunho-geracional-1974-1975-nos-40-anos-do-25-de-abril/
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de novembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15361: Recortes de imprensa (77): Recensão ao livro "Nacionalismo, Regionalismo e Autoritarismo nos Açores Durante a I República", da autoria do Professor Carlos Cordeiro, por Santos Narciso, incluída em Leituras do Atlântico, no Jornal Atlântico Expresso

sábado, 5 de dezembro de 2015

Guiné 63/74 - P15449: O PIFAS de saudosa memória (19): O Armando Carvalhêda no programa "Canções da Guerra", do Luís Marinho, na Antena Um: "O PIFAS, o Programa das Forças Armadas, era mais liberal do que a Emissora Nacional"...

  

A mascote do Programa [de Informação]  das Forças Armadas (PIFAS), da responsabilidade da Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica. Autor desconhecido. 

Imagem, enviada pelo nosso camarada Miguel Pessoa, cor pilav ref (ten pilav, Bissalanca, BA 12, 1972/74). 



1. O Armando Carvalhêda é outro dos grandes senhores da rádio (*) que passou pelo Programa das Forças Armadas, o popular PIFAS, entre abril de 1972 e  setembro de  1973, conforme ele recorda em conversa com o Luís Marinho, no programa da Antena Um, Canções da Guerra.  O seu depoimento pode ser aqui ouvido, em ficheiro áudio de 4' 55''.

Segundo o Armando Carvalhêda, o PIFAS,  transmitido pela Emissora Oficial da Guiné, era "mais liberal" do que a estação oficial, transmitindo  canções de "autores malditos",  como José Mário Branco, Sérgio Godinho ou Zeca Afonso, que não faziam parte da "playlist" (como se diz agora) da Emissora Nacional, em Lisboa.

Armando Carvalhêda.
 Foto: cortesia do blogue Expressões Lusitanas
Eram os próprios radialistas, os locutores de serviço, jovens a cumprir o serviço militar e coaptados para a Rep Apsico, para o Serviço de Radiodifusão e Imprensa, que faziam "a pior das censuras", que era a autocensura...

O Armando dá um exemplo,  com o LP do José Mário Branco, "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" (que tinha sido editado em Paris, em 1971)... Havia um consenso tácito sobre algumas músicas que não deviam passar no PIFAS. Neste LP, era,  por exemplo,  o "Casa comigo, Marta!"...



Estava-se na época do vinil, o LP tinha seis faixas, de cada lado,... Intencionalmente ou não, ele uma vez deixou "cair" a agulha da cabeça do gira-disco na faixa do "Casa comigo, Marta" (cuja letra, "subversiva",  para a época, de crítica social corrosiva, se repoduz abaixo; recorde-se que o portuense José Mário Branco, compositor e músico,  era um conhecido opositor ao regime e à guerra colonial, estando exilado em Paris)... 

Ainda de acordo com o Armando Carvalhêda, o PIFAS era o produzido pela  Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica, a APSICO, a 2ª Rep do Com-Chefe, na Amura, por onde passaram nomes ligados ao 25 de Abril como Ramalho Eanes  e Otelo Saraiva de Carvalho. [Em 1969/71, o Serviço de  Radiodifusão e Imprensa foi chefiado por Ramalho Eanes.]

Mais diz  o conhecido autor e realizador de rádio, que não havia "confronto direto" com a Rádio Libertação do PAIGC  (e, portanto, com a "Maria Turra", a locutora do IN, a Amélia Araújo), "embora a gente os ouvisse e eles a nós"...

O Armando Carvalhêda lembra-se com emoção das gravações áudio  que fez, por toda a Guiné,  por ocasião das gravação das mensagens de Natal e Ano Novo. Recorda-se, em particular,  do Natal de 1972: havia soldados emocionados que recebiam o pessoal do PIFAS com grande entusiasmo e carinho. Num aquartelamento, o comandante já tinha selecionado quem iria falar para a rádio.  Um dos soldados que ficara de fora da lista,   quis "meter uma cunha" ao Armando Carvalhêda, oferecendo-lhe o fio de ouro que trazia ao pescoço...

Também se lembra do programa de discos pedidos, que era feito pelo  "senhor primeiro" [, o 1º sargento Silvério Dias] e a "senhora tenente [, a esposa, Maria Eugénia Valente dos Santos Dias]. Em geral o que passava então, nesse programa de discos pedidos, eram as "canções românticas", em voga na época, com letras de fazer chorar as pedras da calçada… O PIFAS recebia centenas, milhares de cartas/aerogramas com pedidos para passarem canções...

Já aqui temos falado do Armando Carvalheda, de resto conhecido do nosso grã-tabanqueiro Hélder Sousa,  dos tempos de juventude. Não sei se ele nos acompanha, ao nosso blogue, de qualquer modo ele tem a "porta aberta", na Tabanca Grande, para partilhar, connosco, mais memórias do tempo de Guiné, em geral,  e do PIFAS, em particular. Alguém aqui escreveu que ele estava colocado em Gadamael quando foi requisitado para o PIFAS. Já trabalhava na rádio, na vida civil, antes de ir para a tropa. (LG)




Um poema de Natal enviado de Farim, dezembro de 1967,  pelo  2º srgt art  Silvério Dias,  da CART 1802, mais tarde radialista no PIFAS (de 1969 a 1974)... O aerograma (edição especial de Natal do MNF) era endereçado à D. Maria Eugénia Valente dos Santos Dias, que morava em Carnide, Lisboa. Já na altura era um "poeta de todos os dias", o nosso camarada e grã-tabanqueiro Silvério Dias, um jovem de 80 anos... [Vd. aqui o seu blogue].

Foto: © Silvério Dias (2014). Todos os direitos reservados [Edição: LG]

________________
  
Casa Comigo, Marta
Música e ntérpretação: José Mário Branco
Álbum: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (1971)

Chamava-se ela Marta,
Ele Doutor Dom Gaspar,
Ela pobre e gaiata,
Ele rico e tutelar,
Gaspar tinha por Marta uma paixão sem par
Mas Marta estava farta, mais que farta de o aturar.
- Casa comigo, Marta,
Que estou morto por casar.
- Casar contigo, não, maganão,
Não te metas comigo, deixa-me da mão.

- Casa comigo, Marta,
Tenho roupa a passajar,
Tenho talheres de prata
Que estão todos por lavar,
Tenho um faisão no forno e não sei cozinhar,
Camisas, camisolas, lenços, fatos por passar
Casa comigo, Marta,
Tenho roupa a passajar.
- Casar contigo, não, maganão
Não te metas comigo, deixa-me da mão

- Casa comigo, Marta,
Tenho acções e rendimentos,
Tenho uma cama larga
Num dos meus apartamentos,
Tenho ouro na Suíça e padrinhos aos centos,
Empresto e hipoteco e transacciono investimentos.
Casa comigo, Marta,
Tenho acções e rendimentos.
- Casar contigo, não, maganão,
Não te metas comigo deixa-me da mão.

- Casa comigo, Marta,
Tenho rédeas p´ra mandar,
Tenho gente que trata
De me fazer respeitar,
Tenho meios de sobra p´ra te nomear
Rainha dos pacóvios de aquém e além mar.
Casas comigo, Marta,
Que eu obrigo-te a casar
- Casar contigo, não, maganão,
Só me levas contigo dentro de um caixão.

A música pode ser aqui ouvida.
A letra foi aqui recolhida. [Fixação de texto por LG.]

 ________________

Notas do editor:

(*) VIVA A MÚSICA! - Música ao vivo cantada na nossa língua. Um programa de Armando Carvalhêda.

Desde 1996, a ANTENA 1 tem no ar o programa VIVA A MÚSICA!, único espaço regular no panorama áudio-visual nacional que apresenta semanalmente, durante uma hora música cantada na nossa língua, ao vivo e em directo.

O programa desenrola-se no Teatro da Luz, em frente ao Colégio Militar, em Lisboa, todas as Quinta-feiras, entre as 15h00 e as 16h00, e é produzido por Ana Sofia Carvalhêda e realizado e apresentado por Armando Carvalhêda.
Por aqui desfilaram já quase todas as grandes figuras da música cantada em português como são os exemplos de: Carlos do Carmo, Pedro Abrunhosa, Ala dos Namorados,..

domingo, 22 de novembro de 2015

Guiné 63/74 - P15391: O Nosso Cancioneiro (1): o "Hino dos Gatos Pretos" e os "Binóculos de Guerra", produção coletiva da CCAÇ 5, que esteve em Canjadude até ao fim, apresentados pelo José Martins no programa de Luís Marinho, na Antena Um, "Canções da Guerra"


"Canções da Guerra!", um programa de Luís Marinho, que passa todos os dias, desde meados de outubro de 2015, de 2ª a 6ª feira, na Antena Um, às 14h55. Há mais de meia centena de canções disponíveis "on line" do portal da RTP. (*)


1. O nosso camarada, amigo e colaborador permanente do nosso blogue, José Martins (ex-fur mil trms, CCAÇ 5, "Gatos Pretos", Canjadude, 1968/70)  [, foto à esquerda], colaborou com o Luís Marinho no programa "Canções da Guerra", com duas canções do Nosso Cancioneiro...

Recordemos aqui o Cancioneiro de Canjadude, com (i) o Hino dos Gatos Pretos;  e (ii) os Binóculos de Guerra... Mas há mais, ou havia mais, que em Canjude havia manga de poetas e músicos (**)...

O José Martins recordou, recentemente, no programa o "making of" destas duas canções. É também uma boa oportunidade para começar a recuperar e juntar numa só série os nossos vários "cancioneiros", dispersos pelo blogue... (LG)

2. CANÇÕES DA GUERRA: Programa da Antena 1

Portal da RTP > "Canções da Guerra": programa de rádio, passa todo os dias, de 2ª a 6ª,  na Antena Um, às 14h55. Os episódios mais antigos e os mais recentes podem aqui ser vistos.

Sinopse:

(...) "A guerra colonial, tendo em conta o seu enorme impacto social, foi motivo de canções.


"Desde o hino 'Angola é Nossa', criado após o início da rebelião em Angola, que levou a uma guerra que durou 14 anos.

"As canções ligadas à guerra, falam da vida dos soldados, da saudade da terra, ou criticam de forma mais dissimulada ou mais directa, a própria guerra.

"De 2ª a 6ª feira, às 14h55 na Antena1, ou nesta página, escute as canções da guerra colonial, enquadradas por uma história. Que pode ser a da própria canção, do seu autor ou de um episódio que com ela esteja relacionado.

"Um programa: António Luís Marinho | Produção: Joana Jorge".


3. Hino dos Gatos Pretos


No Leste da Guiné, entre Madina do Boé e Gabu, na altura Nova Lamego, estava instalada, em Canjadude, a Companhia de Caçadores 5.

Eram os Gatos Pretos. O ex-furriel José Martins, conta-nos a história desta companhia e também a do seu hino.


4. Binóculos de Guerra

Num quartel na região leste da Guiné, Canjadude, numa zona de grande atividade da guerrilha do PAIGC, estava uma companhia africana do exército português, a de Caçadores 5.

A maioria dos oficiais e sargentos era oriunda da metrópole e, nas horas de descanso, criavam-se canções.

O ex-furriel José Martins, que esteve na Guiné entre 1968 e 1970, foi um dos autores de algumas destas canções.

Enviou-nos uma delas, Binóculos de Guerra,  e contou-nos também como nasciam …

(Fonte: Media > RTP  > Canções da Guerra... Com a devida vénia)




Guiné > Região do Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (Gatos Pretos) > 1973 > Interior do "Clube de Oficiais e Sargentos de Canjadude"... O ex- fur mil enf João Carvalho, membro da nossa Tabanca Grande, é o terceiro a contar da esquerda... No mural, na pintura na parede, pode ler-se: [gato] preto agarra à mão grrr....

Percebe-se que estamos no Rio Corubal com o destacamento de Cheche do lado de cá (margem direita) e... o mítico campo fortitificado de Madina do Boé, do lado de lá (margem esquerda)... Em 24 de setembro de 1973, não em Madina do Boé, mas algures, na vasta e desertificada região do Boé, junto à fronteira (se não mesmo para lá da fronteira...), o PAIGC proclama "urbi et orbi", unilateralmente, numa  "jogada de mestre", a independência da nova República da Guiné-Bissau: foi um verdadeiro xeque-mate à diplomacia portuguesa...  O aquartelamento de Madina do Boé, como se sabe, foi retirado pelas NT em 6/2/1969.

Foto: © João Carvalho (2005). Todo os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]
____________


(...) O isolamento em que nos encontrávamos, a necessidade de ocupar a mente com algo diferente que não fosse a actividade operacional, a tentativa de encurtar a distância que nos separava da metrópole, o sentido de improvisação e muitas mais razões, levaram a que os militares tomassem como suas as músicas em voga, na época, e lhes dessem nova vida, com factos que lhes estavam mais próximos e, sobretudo, que ajudavam a manter um espírito de corpo.

Os textos das canções ou poemas que se seguem, quando não identificam o autor, devem ser considerados de criação colectiva, pois que, se sempre há quem lance a ideia e lhe dê uma forma inicial, será o conjunto a sancioná-la e a transmitir-lhe a forma definitiva. (...)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15127: Agenda cultural (424): "Canções da Guerra", um programa da Antena 1, todos os dias, a partir de 14 do corrente, de 2ª a 6ª feira, às 10h45, 14h55 e 20h55, com António Luís Marinho...

1. Canções da Guerra, um programa da RTP, Antena 1, todos os dias, de 2ª a 6ª feira, a partir de 14 do corrente:

Sinopse:

A guerra colonial, tendo em conta o seu enorme impacto social, foi motivo de canções. Desde logo, o hino "Angola é Nossa", criado logo após o início da rebelião em Angola que levou a uma guerra que durou 14 anos.

As canções ligadas à guerra falam da vida dos soldados, da saudade da terra, ou criticam, de forma mais dissimulada ou mais direta, a própria guerra.

Em programas diários de cerca de 5 minutos, vão apresentar-se as canções cujo tema é a guerra colonial, enquadradas por uma pequena história, que pode ser a da própria canção, do seu autor, ou um episódio que com ela esteja relacionado.

Antena 1, de 2ª a 6ª feira às 10h45, 14h55 e 20h55. (*)


2. Ficha Técnica:

Título Original: Canções da Guerra
Com: António Luis Marinho
Produção: Joana Jorge
Autoria: António Luis Marinho (**)

3. Cinco episódios disponíveis até hoje:



(...) Como sigo o seu blog, que é um referencial importante para quem se interessa pelo tema da guerra de África, gostaria de lhe propor que divulgasse o programa mas, sobretudo, que incentive os seguidores do seu blog a enviarem sugestões de músicas e histórias ligadas a elas. (...)

(***) Letra de Santos Braga e música de Duarte Pestana:

(...) Quando a guerra teve início em Angola, em Março de 1961, o governo português decidiu responder prontamente, enviando milhares de soldados para combater naquele território africano. No final de 1961, já combatem em Angola 33 mil e 500 soldados portugueses. Era necessário, no entanto, convencer a população portuguesa, de aquém e além- mar, para a necessidade daquela guerra.

Era preciso que ninguém duvidasse de que Angola fazia parte de Portugal.

Assim nasceu, em Junho de 1961, o hino “Angola é nossa”, com música de Duarte Pestana e letra de Santos Braga, interpretado pelo coro e orquestra da FNAT – Federação Nacional para a Alegria no Trabalho.

Trata-se de uma notável peça de propaganda. Um hino heróico e triunfalista, que se tornou de imediato numa espécie de hino de Angola, que fechava e abria as emissões de rádio e era cantado nas escolas. (...)




(****) Letra de Felix Bermudes e João Bastos, música de António Melo:

(...) Nos primeiros meses a seguir ao início da guerra em Angola, não houve inspiração para construir canções inspiradas no conflito. Só quando a guerra entrou na rotina das famílias portuguesas é que começaram também a surgir as primeiras canções, inicialmente de apoio aos soldados e à sua participação naquela guerra.

Por isso, o “Fado das trincheiras”, composto em 1940 para o filme “João Ratão”, de Jorge Brum do Canto, que conta o regresso de um soldado português da frente de batalha da I guerra mundial, começou na ser tocado assiduamente nas rádios, agora interpretado pelo grande fadista Fernando Farinha.

A letra é de Felix Bermudes e João Bastos, e a música de António Melo. (...)



(*****) Na Hora da Despedida:

(..:) Em 1966, a fadista Ada de Castro estreia-se no teatro de revista, no teatro Maria Vitória, na peça “Tudo à Mostra”. Foi ali que cantou o fado “Na hora da despedida”, que se tornaria num grande êxito.

Numa altura em que as opiniões já se dividiam claramente entre o apoio e a rejeição à guerra do ultramar, este fado cumpria inteiramente as três características destas canções de apoio aos soldados portugueses: a resposta ao apelo da pátria e o cumprimento do dever, a despedida e as saudades e desejo de regresso. (...)




(******) Raul Solnado:

(...) Com a guerra no ultramar ainda localizada só na frente de Angola, Raul Solnado apresenta, em outubro de 1961, na revista “Bate o Pé”, um dos maiores êxitos da sua longa carreira: “A guerra de 1908”.

O disco seria editado em abril de 1962 e bateu todos os recordes de venda de discos.

Ainda em 1962, Raul Solnado volta ao tema da guerra, com um número genial: “É do inimigo?”, na revista “Lisboa à Noite”, no Teatro Variedades.

A ridicularização da guerra, num texto notável, que a implacável censura deixou passar. (...)



(*******) Letra de Reinaldo Ferreira e música de Adriano Correia de Oliveira:

(...) Em 1964, Adriano Correia de Oliveira grava um disco de quatro faixas, onde inclui um poema do luso-moçambicano Reinaldo Ferreira, musicado por José Afonso: “Menina dos olhos tristes”.

O disco é rapidamente proibido, mas a canção fica e circula pelos meios clandestinos.

Em 1969, José Afonso grava um single com o título “Menina dos olhos tristes”, também retirado pela censura.

Falar de soldados que morriam, não era possível para a censura do regime. Na verdade, nos 14 anos de guerra, morreram perto de nove mil soldados portugueses, 14 mil ficaram deficientes físicos e muitas dezenas de milhares afetados psicologicamente. (...)



sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Guiné 63/74 - P15049: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (33): "Canções da Guerra", programa diário na Antena 1, a partir de 7 de setembro... Sugestões e histórias precisam-se (Luís Marinho, RTP - Gabinete de Projetos Especiais)

1. Mensagem de ontem, de Luís Marinho, da RTP - Gabinete de Projetos Especiais


 Data: 27 de agosto de 2015 às 10:02

Assunto: CANÇÕES DA GUERRA


Caro Luis Graça,

Vamos iniciar a partir de 7 de setembro um programa diário na Antena 1, que se chama "Canções da Guerra". A ideia é apresentar diariamente uma canção que esteve direta ou indiretamente ligada á guerra de África. Envio-lhe em anexo o texto de apresentação.

Como sigo o seu blog, que é um referencial importante para quem se interessa pelo tema da guerra de África, gostaria de lhe propor que divulgasse o programa mas, sobretudo, que incentive os seguidores do seu blog a enviarem sugestões de músicas e histórias ligadas a elas.

Estou ao seu dispor para todos os esclarecimentos que entender necessários,

Muito obrigado e parabéns pelo seu trabalho.

Luis Marinho
RTP – Gabinete de Projetos Especiais


2. CANÇÕES DA GUERRA

APRESENTAÇÃO

A guerra colonial durou 14 anos. Mobilizou quase um milhão de soldados portugueses e várias centenas de milhares de guerrilheiros angolanos, guineenses e moçambicanos.

A exemplo do que aconteceu noutras guerras prolongadas, para além de outras manifestações artísticas, a música também teve inspiração no conflito.

Desde logo, um hino composto logo no início da guerra de Angola.

Depois, o aproveitamento de fados antigos, inspirados na I Guerra Mundial, regravados por artistas populares.

Ao longo dos anos, a guerra inspirou outras canções. Umas, de apoio aos soldados, mas outras foram compostas por artistas no exílio, contra a guerra.

Na verdade, também na música as opiniões estavam divididas, mas cada vez mais, com o passar dos anos, se manifestavam contrárias ao conflito em três frentes em África.

As canções de protesto não eram ouvidas em Portugal através da rádio, por exemplo, uma vez que estavam proibidas pela censura. Eram ouvidas e cantadas em reuniões políticas clandestinas e em convívios universitários, muitos deles interrompidos pela intervenção da polícia.

Nos quartéis do mato africano, os militares ouviam todo o tipo de música. E também adaptavam músicas conhecidas, com letras escritas sobre a sua vida no mato.

As mais célebres constituem hoje o denominado Cancioneiro do Niassa, uma interessante colectânea que revela muito do sentimento dos soldados.

Na guerrilha, a música também esteve presente, quer com hinos dos diferentes movimentos independentistas, quer com canções de incentivo à luta.

É esta recolha de cerca de sete dezenas de músicas, as canções da guerra, que agora apresentamos.

Um programa de Luís Marinho, com produção de Joana Jorge.

Músicas com História, para ouvir de segunda a sexta, na Antena 1, a partir de 7 de setembro.



3. Nota biobibliográfica sobre António Luís Marinho:

(i) nasceu em Lisboa, em 1954;

(ii) é jornalista desde 1981;

(iii) trabalhou em todos os géneros da Comunicação Social: imprensa, rádio e televisão;

(iv) na RTP, desempenhou, entre outros, o o cargo de director geral de conteúdos de rádio e televisão;

(v) é autor dos livros Operação Mar Verde – Um Documento para a História,[vd. nota de leitura do nosso camarada e colaborador permanente Mário Beja Santos]; e 1961 – O Ano Horrível de Salazar, ambos editados pela Temas e Debates e pelo Círculo de Leitores;

(vi) foi coautor, com Joana Pontes, da série de treze documentários televisivos intitulada Século XX Português, emitida na SIC;

(vii) concluiu o curso de especialização em História Contemporânea, na Universidade Nova de Lisboa; 

(viii) frequenta o 3º ano do curso de doutoramento em Ciências da Comunicação, no ISCTE.

(Fonte:  adapt. de Wook, com a devida vénia)

4. Comentário de LG:

Meu caro Luís Marinho:

Parabéns pelo projeto, que aproveito para divulgar, e obrigado pelas palavras simpáticas que nos dirige. Na realidade, não fazemos História com H grande, mas sem as nossas histórias com h pequeno, a grande será ou seria sempre mais pobre e redutora... Refiro-me, naturalmente, àquele pedacinho de História que nos coube na rifa: Guiné, 1961/74...

Para suia informação, temos um marcador que lhe deve interessar, com cerca de 15 referências: "as músicas das nossas vidas"... Vamos apelar aos nossos camaradas que integram a Tabanca Grande e que alimentam o nosso blogue, para que retomem este tema... O Pifas [, mascote do Programa das Forças Armadas,] é outro marcador que lhe pode interessar, a si e à equipa radiofónica que está a fazer o programa "Canções da Guerra"...

Vou-lhe mandar o meu nº de telemóvel. Sei que frequenta as terras da minha natalícia Lourinhã, já o tenho visto por aqui, aos fins de semana.  Gostaria de o conhecer pessoalmente, para trocarmos ideias sobre este projeto. Sinta-se à vontade para me contactar por telemóvel ou email. Boa sorte para o programa a que vou /vamos estar atentos. De resto, a Antena 1 é a minha rádio... LG

_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 26 de agosto de  2015 > Guiné 63/74 - P15041: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (32): O "making of" de um projeto de ajuda ao Hospital de Cumura (João Martel e Ana Maria Gala)

segunda-feira, 20 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14905: Nas férias do verão de 2015, mandem-nos um bate-estradas (10): Não, nunca percebi para que serviam os CTT no CTIG... Notícias de Alhandra, da minha família, por ocasião da tragédia, as grandes inundações, de 25 para 26 de novembro de 1967, que atingiram a Grande Lisboa, recebi-as através de telegrama militar... (Mário Gaspar, ex-fur mil at art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)






As notícias, mesmo censuradas, da tragédia que se abateu sobre a grande Lisboa na noite de 25 para 26 de novembro de 1967... Capas do Diário de Lisboa. Cortesia da Fundação Mário Soares > Fundo:  DRR - Documentos Ruelle Ramos



1. "Bate-estradas" do Mário Gaspar (*)


[ Mário Gaspar, foto atual à direita; ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associaçºao APOIAR]:



 Data: 18 de julho de 2015 às 01:04

Assunto: Os CTT para Telefonar

Comrades:

Nos dias 19 e 20 de Novembro de 1967, participei na "Operação Raiana. Missão: Executar um golpe de mão ao acampamento de Boror. Não se chegou a descobrir o objectivo. No dia 26 de Novembro, dormindo na cama ao lado do Furriel Mecânico José Manuel Guerreiro Justo, e tendo este comprado um rádio onde ouvíamos somente Guiné Conacri, mexendo por mero acaso nos botões, oiço uma rádio portuguesa, dando notícias da nossa terra.

Contente, mas logo amargurado quando tenho conhecimento não existirem notícias animadoras. Pelo contrário acontecera uma tragédia, as inundações da Grande Lisboa, com indicações de muitos mortos e feridos e o dramatismo de algumas povoações terem sido tragadas pelas enxurradas e inundações (**).

Tudo se iniciara por volta das 19 horas. Parecia mais tratar-se de um milagre, estar a escutar, e com nitidez notícias de Portugal, nós escondidos naquele recanto no sul da Guiné – ouvi falar em Alhandra – povoação em que vivia, portanto terra onde viviam os meus pais e igualmente um irmão. Falavam para além de Lisboa escutava os nomes das vilas, entre outras de Odivelas, Loures, Alenquer, Vila Franca de Xira, Povos, e muito mais.

Parecia estar a ser atacado pelo PAIGC. Então escutava o nome de Alhandra. Recordava os anos passados, em que as cheias levavam água ao interior da vila. Cheguei a andar de botins altos e alguns barcos percorrem as ruas mais encostadas ao Tejo. Durante anos acostumei-me à ideia de ver todas as portas dos rés-chão tapadas com tábuas seguras com lama. Falava-se em enxurradas de lama que soterraram terras.

Fiquei atordoado, e resolvi falar com o Comandante da Companhia o Capitão Miliciano de Infantaria Manuel Francisco Fernandes de Mansilha. Fiquei admiradíssimo depois de contar o que se passava, tendo dito não ter notícias da família e saber que Alhandra tinha alguns mortos, o Capitão disse para ir com ele e enviámos um telegrama para os meus pais. Desconhecia essa possibilidade. Mas foi verdade.

Depois de sofrer,  recebo então um Telegrama onde a minha mãe dizia para estar sossegado por a água não ter chegado a atingir a casa. Na Praça 7 de Março em Alhandra está marcada a altura das águas neste dia fatídico para inúmeros portugueses. Portanto a minha casa, embora não tenha chegado ao 1.º andar, esteve muito perto. Curioso, nunca perguntei como a minha mãe se deslocou aos Correios,  se era uma zona inundadíssima. Recebi o tal telegrama, desta vez o sistema funcionou. O rádio de plástico do meu amigo algarvio, de Loulé,e Furriel Miliciano Justo, foi justo em informar-me desta tragédia. Ainda o ouvimos, mas depois voltam músicas de Guiné Conacri e muitas mornas e coladeras.

Notícias? O correio atrasado. Muito atrasado sem justificação. Isolados, com o mato à vista, paliçadas, abrigos e arame farpado. Telefonar? Telefonava na esquina da morança do Mamadu? Ou no Baldé? O meu telefone era a cerveja, falava dela, falava com ela e palava por causa dela. O que ingeri devia dar inundação se o seu líquido colocado numa piscina Olímpica.

Tive azar e sorte também. O azar é para esquecer, a sorte foi ter dinheiro para gozar licença na minha terra. Gozei mesmo, gastei bem, não me arrependo. Para mim a licença de Setembro/ Outubro de 1967 foi uma coroa de glória. Já estava em guerra, sabia o que ela era. Para mim era a despedida. Aproveitei aqueles 35 dias como os derradeiros dias da minha vida. Chegado a Bissau, escrevi quando se falava já naquela que seria a "Operação Revistar", para alguém – possuo essa carta mas não lhe toco mais – pois escrevi isto: – "Estou farto de Bissau, aqui só se fala em guerra". O que significa que antes desejava a guerra do que falar dela. Fui, entrei em Gadamael numa avioneta, mas nem vi os Correios, nem muito menos o telefone. O único privilégio que gozei, nos domingos ia até o Posto Rádio saber notícias do futebol em Alhandra. Na Aldeia Formosa estava o meu amigo Cordeiro, era radiotelegrafista e sabia o resultado do Alhandra.

Acho que fomos muito maltratados por não haver vontade de dar uma resposta adequada a nós que estávamos desterrados nos confins do mundo, antes, no cu do mundo. Muito pouca vontade, depois com a agravante de sermos obrigados ir buscar o Correio a Sangonhá para nos castigarem com patrulhas, quando nas vésperas tínhamos patrulhado a zona. Éramos uns imbecis e com a agravante de não termos a equivalência à tropa de elite – "Os Especiais". Olha porra! Mas sou também "Especial", "Tropa Especial", até tinha uma treta que se lia: – "Minas e Armadilhas".

Lembro-me dos Correios de Bissau, existia de facto a possibilidade de se pernoitar na cama de uma das suas funcionárias. No guiché assustei-me e desisti dessa noite entre lençóis. Foram poucos os dias de Bissau. E mesmo na cidade nunca fiz um telefonema. Fui ameaçado de castigo. Em Setembro de 1967 um Senhor Coronel disse-me após dois ou três dias seguidos no Café Benfica, estava fardado:
– Onde está, em que quartel?

Respondi-lhe que estava "no mato, em Gadamael Porto". Insistiu:
– Quem é o seu Comandante de Companhia?

Como não havia telefone em Gadamael, só respondi que era o Capitão Mansilha. Respondeu conhecê-lo e enviou cumprimentos. E se não fosse da Companhia… Estava tramado. Logo de seguida, na Agência de Viagens Sagres, estava eu e o meu amigo Jorge a tratar da documentação para entrarmos de licença, era no dia seguinte. Entraram três Capitães, passado algum tempo, berrou um deles:
– Os nossos Furriéis desconhecem os postos! Não cumprimentam? – Respondi:
– Então bom dia!

O meu amigo Jorge, a uns dias de concluir a comissão, após o almoço de despedida, trazia um garrafão de 5 litros de verde. Mesmo defronte do Hotel Portugal, completamente embriagado, agarra nas divisas e pisa-as. Aparece a Polícia Militar, comandada por um Furriel Miliciano. Segue na nossa direcção. Olho para o Jorge e para o Furriel da PM e digo-lhe:
– Vai-te embora, nada vistes, vira as costas.

Olha para mim… Respondo:
– Olha para a esquerda! – E à esquerda, e na esplanada, toda a CART 1659 se colocou de pé. A PM desandou. Não usávamos o telefone, que no mato não existia.

Cumprimentos aos Camaradas Combatentes.

Mário Vitorino Gaspar

____________


(**) Vd. entre outros recortes de imprensa:

DN - Diário de Notícias > 25 de novembro de 2007 

Nunca choveu tanto como em 67
por KÁTIA CATULO

(...) Cheias de 1967 - Memória. Mais de 700 pessoas terão morrido nas cheias que, no dia 25 de Novembro de 1967, apanharam desprevenidas as populações que viviam na região da Grande Lisboa. DN ouviu os relatos dos sobreviventes que têm memórias tão vivas como há 40 anos.

Cinco horas de chuvas torrenciais mergulharam a Grande Lisboa na maior inundação que a região alguma vez conheceu. Faz hoje 40 anos que as cheias de 1967 provocaram mais de 700 mortos e cerca de 1100 desalojados em Lisboa, Loures, Odivelas, Vila Franca de Xira e Alenquer. A enxurrada matou famílias inteiras, arrastou carros, árvores e animais e destruiu pontes, estradas e casas.

A chuva atingiu entre as 19.00 e a meia- -noite do dia 25 de Novembro as zonas baixas dos quatro concelhos da Grande Lisboa, mas só na manhã seguinte é que os portugueses se depararam com a verdadeira dimensão da tragédia. Urmeira, Póvoa de Santo Adrião, Frielas - povoações da bacia do rio Trancão-, e a Quinta dos Silvados, em Odivelas, foram os aglomerados urbanos mais atingidos. As casas eram de madeira e centenas de moradores foram engolidos pelas águas.

Lisboa, por seu turno, ficou irreconhecível. A Avenida de Ceuta, em Alcântara, esteve submersa e o mar de lama desceu até à Avenida da Índia. A água entrou em todas as bifurcações, subiu e desceu escadarias, derrubou as portas de tabernas, lojas e rés-do-chão, arrastando mesas, cadeiras, bilhas de gás, contentores e bidões da estação ferroviária.

Perto das 23.00 a chuva caiu ainda com mais força e as enxurradas atingiram um carro que circulava na Rua de Alcântara, encurralando os três ocupantes. O repórter do DN que na altura acompanhou as inundações, em Alcântara, conta que um soldado mergulhou nas águas e conseguiu retirar os três passageiros, minutos antes de o carro ser arrastado. Interrupções no trânsito sucederam-se desde a Avenida 24 de Julho ao Campo Pequeno, da zona do aeroporto da Portela à Avenida Almirante Reis, da Baixa a Santa Apolónia. Na Praça de Espanha e na Avenida da Liberdade, só se passava de barco e, na estação de caminhos-de-ferro, centenas de pessoas ficaram retidas nas carruagens porque a água submergiu as linhas.

O regime salazarista tentou minimizar os impactos das chuvas, mas as suas repercussões atravessaram fronteiras e desencadearam um movimento de solidariedade internacional. Chegaram donativos dos governos britânico e italiano, do Principado do Mónaco e até o chefe do Estado francês, o general De Gaulle, contribuiu com uma "dádiva pessoal" de 30 mil francos (900 euros, no câmbio da época). O apoio em meios sanitários veio de França, Suíça e sobretudo de Espanha, que ofereceu mil doses de vacina contra a febre tifóide. (...)

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12166: In Memoriam (163): Joaquim Soares Duarte (1933-2013), voz inconfundível da antiga Emissora Oficial da Guiné Portuguesa (João Paulo Diniz, ex-locutor do PIFAS, 1970/72)

1. Mensagem do João Paulo Diniz [, foto à esquerda],  acabada de chegar:

Grande Luis,

Decerto te recordas do Soares Duarte, voz inconfundível da "Emissora Oficial da Guiné Portuguesa". 


Também ele foi militar e acabou por ficar por lá na vida civil.

Soube anteontem do seu falecimento, no sábado passado, e escrevi a mensagem que junto a 'pessoal' amigo no Hotmail e no Facebook.

Se achares que tem algum interesse falar dele, tudo ok?

E estás bem? 
Grande abraço, JPD-


2. Porque morreu um homem bom

por João Paulo Diniz

[, ex-locutor do PFA - Programa das Forças Armadas, mais popularmente conheccido como o PIFAS;  pertenceu originalmente ao BENG 447, 1970/72;  foi responsável do programa "Emoções", na Antena 1, cuja última emissão passou a 29/12/2012; foi agraciado, no passado 10 de junho, com o grau de Oficial da Ordem da Liberdade, pela sua participação no 25 de abril de 1974]


Hoje fiquei triste, logo de manhã, quando consegui confirmar o falecimento de um Amigo de há mais de 40 anos. Conheci-o na Guiné - eu fazia o serviço militar, ele era a grande voz da então chamada "Emissora Oficial da Guiné Portuguesa". E ia a todas: reportagens no Palácio do Governador, relatos de futebol, locução de todo o tipo de programas, directos no aeroporto de Bissau na chegada/partida de alguém de mais peso, publicidade.


Na Guiné ele viveu uns bons anos, trabalhou muito. Mas não dispensava o seu 'whisky' com água e, muito especialmente, nunca se esquecia de privar com os muitos amigos que foi conquistando, graças à sua simpatia e boa disposição.

Agora resolveu ir-se embora. Partiu no sábado, discretamente como sempre o foi na sua vida. E hoje não pude deixar de ir a Leiria para dar um abraço à Luisa, sua Mulher de uma vida inteira - mais de 50 anos de casados, celebrados ainda não há muito tempo. Filhas e netas constituem a herança feliz deste casal, daqueles que, como diz alguém que conheço, "já não se usam"...

Para quem não saiba, o homem a quem me refiro é para se escrever com maiúscula. Porque, JOAQUIM SOARES DUARTE era, acima de tudo, um Homem Bom!

Que o Senhor te conceda a Paz que mereces, querido Amigo!!

[Foto acima, à direita, de Joaquim Soares Duarte, a dizer poesia do peota açoriano Álamo Oliveira, em Alcanena. Cortesia do blogue Caminhos Entrelaçados, de AS Nunes, 30/10/2011]


3. Informação adicional, recolhida na Net,  sobre o antigo radialista da RDP-Centro, Soares Duarte:

(i)  Faleceu, aos 80 anos, no passado dia 12, em Leiria, vítima de cancro;

(ii)  Era natural da Nazaré;

(iii) Trabalhou como profissional da rádio em Goa, na Guiné (como chefe de Produção da Emissora Nacional) e ainda nos estúdios em Lisboa da Emissora Nacional;

(iv) Terminou a carreira profissional em Coimbra, na então RDP-Centro;

(v) Aposentou-se como Realizador de Programas;

(vi)  Foi um dos fundadores da Associação de Reformados da RDP/RTP, de que era sócio;

(vii) Poeta e declamador,  editou o livro de poesias de sua autoria “Pedaços de Vida” (Leiria: Folheto Edições & Design, 2004,  32 pp).

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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12157: In Memoriam (162): Faleceu ontem, dia 15, o Luís Sampaio Faria, que foi Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72; tinha 65 anos (1948/2013), era natural de Felgueiras, vivia em Paranhos, Porto. O funeral é 5ª feira, dia 17, pelas 15h00, na igreja de Paranhos (Magalhães Ribeiro)

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12075: Recortes de imprensa (67): a situação, em Portugal, dos nossos camaradas guineenses (Deutsche Welle Africa)


Recorte da página da DW - Deutsche Welle, a emissora alemã que emite em português para a África


1. Peça do jornalista João Carlos, correspondente em Portugal da DW África, disponível hoje na página oficial daquela estação de rádio, e já anunciada em poste anterior, P12065, de  21 do corrente. O ficheiro áudio (5' 55'') pode ser ouvido aqui, na íntegra.

Tomamos a liberdade de, com a devida vénia, reproduzir alguns excertos da peça:

(...) A propósito do quadragésimo aniversário da independência da Guiné-Bissau, que se assinala dia 24 de setembro, a DW África foi conhecer a história de alguns antigos combatentes guineenses que vivem em Portugal. Um deles é Racido Bari. Vive sozinho em Queluz-Belas, nos arredores de Lisboa. Foi soldado, telegrafista de Infantaria "na área das comunicações militares. Esta era a minha especialidade. Vim para aqui em 1989".

Veio de Bissau com o objetivo de reunir os documentos necessários e requerer ao Ministério do Exército a constituição de um processo sumário por ter sido ferido em combate. Mas a resposta dada pela instituição portuguesa foi que "não podiamos ter a documentação, como bilhete de identidade. Teriamos que ficar aqui 6 anos, como cidadãos estrangeiros", conta Racido Bari.

Já Julde Jakuité, outro dos feridos de guerra, mora com a mulher no concelho do Seixal, na outra margem do rio Tejo. "Sou furriel graduado no Exército Português e na altura, no tempo da guerra, diziam que o furriel recebe um ordenado compatível com o dos brancos". Jaquité faz parte da Associação dos Antigos Combatentes da Guiné-Bissau em Portugal. Como ele, há colegas seus que vivem também em situações difíceis. Conta que "muita gente está a morrer. Alguns estão com problemas de trombose por causa dos nervos". Outros sofrem "de traumas de guerra". Jaquité afirma que "é a dificuldade que faz isso".


(...) Mas, passados estes anos todos, os direitos de muitos dos soldados ou milícias recrutados localmente foram ignorados. Desprezados até, como nos diz Luís Graça, furriel do exército português na companhia africana, entre 1969 e 1971 [Foto à esquerda, com dois dos miliatres da CCAÇ 12, do 4º Gr Comb, 2ª secção, José Carlos Suleimane Baldé e Umaru Baldé, Setor L1, Bambadinca, Finte, 1969. Foto de L.G.].

 A falta de reconhecimento dos direitos dos militares guineenses é para Luís Graça " uma coisa que me doi a mim enquanto português e antigo combatente e amigo dos guineenses". Para ele "esse problema não foi resolvido e portanto, há muitas situações dramáticas lá e cá. Lá ainda pior..."


(...) Lamentam os militares guineenses que o Governo português não cumpriu o Acordo de Argel de 1974. O acordo diz que Portugal pagará as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a quaisquer cidadãos da República da Guiné-Bissau por motivos de serviços prestados às Forças Armadas Portuguesas. Devido às alterações da lei ao longo dos anos, há casos de ex-militares portugueses, angolanos, moçambicanos e guineenses que não são considerados deficientes das Forças Armadas, consoante o grau de invalidez, refere Jakuité. "Alguns até não conseguem resolver os problemas da junta médica," porque apesar do hospital militar ter dado a confirmação na altura que essa pessoa esteve internada, o governo exige testemunhas.

Mas Jakuité questiona o motivo do governo as exigir, "quando a maioria dos comandantes já morreu, os sargentos, os alferes morreram", então "como é que esta pessoa vai resolver o problema dele?" E por este condicionamento, o antigo combatente afirma que "há algumas pessoas que ficam ali 4, 5, 6 anos à espera que a pensão seja paga".

 (...) Há companheiros há vários anos à espera que o Governo Português lhes atribua uma pensão de invalidez. Alguns recebem na ordem dos 400 euros mensais. É o caso de Racido Bari. "Eu vivo aqui com dificuldades enormes, porque eu pago a renda sozinho, só para mim, 150 euros. Mas o que posso fazer? Não tenho outra alternativa".

Jakuité vive com 530 euros e tem o seu processo arquivado na Procuradoria Geral da República. Considera que tem havido um tratamento de injustiça comparado com colegas portugueses. Conta que "hoje um posto de furriel ganha à volta de 1000 euros, e a mim, nem me pagam o posto que eu tinha. Estou mesmo revoltado com isso".

(...) Depois dos sacrifícios consentidos nos anos dramáticos de guerra, exigem ser tratados com dignidade. Luís Graça refere que não se pode generalizar o problema, mas reafirma que ainda existem cidadãos guineenses que lutam para serem reconhecidos os seus direitos. "O problema mais dramático, até por razões culturais, é o problema de integração dos guineenses, que foram antigos soldados portugueses e nunca houve uma política orientada para os ajudar, para os integrar, para haver um reconhecimento dos seus direitos" como "os direitos de reforma". Afirma que houve alguns que o conseguiram como "Marcelino da Mata, é um exemplo de um homem guineense, militar que acabou por ser integrado, e hoje é coronel do Exército Português." Contudo, Luís Graça sublinha que "o caso do Marcelino da Mata é uma excepção, não é a regra." 

(...) Entretanto, a DW África apurou, perante o impasse na solução destes casos, que um grupo de antigos combatentes guineenses está a preparar condições para interpor uma ação judicial contra o Estado português junto de instâncias internacionais, entre as quais o Tribunal de Haia.
(Itálico, negrito e realce a amarelo, nossos, LG).
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de junho de 2013 > Guiné 63/74 - P11735: Recortes de imprensa (66): Osvaldo Lopes da Silva, então comandante do PAIGC, e um dos principais responsáveis pela Op Amílcar Cabral, sustenta, na mesa-redonda, em Coimbra, no passado dia 23/5/2013, a versão do cerco total ao quartel de Guileje e afirma que as forças sitiantes dispunham de um dispositivo (do qual teria sido utilizado menos de 10%), com condições para actuar durante um mês (AngopPress)