A apresentar mensagens correspondentes à consulta "Artur Augusto Silva" ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta "Artur Augusto Silva" ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens

sábado, 4 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25476: 20.º aniversário do nosso blogue (14): Alguns dos melhores postes de sempre (X): O fatídico dia 12 de outubro de 1970: a emboscada de Infandre, Zona Oeste, Setor 04 (Mansoa) (Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412, 1968/70)


O José da Cruz Mamede, de Casal Comba, Mealhada, morto em 12 de outubro de 1970:  foto de álbum da família. Cortesia de Lucília da Cruz Mamede (2007). A legenda é do Afonso Sousa.

Entretanto, por pesquisa na Net, ficámos a saber que a Câmara Municipal da Mealhada, em reunião ordinária de 26 de junho de 2021, aprovou por unanimidade "a alteração toponímica, na localidade de Casal Comba, da atual 'Rua de Traz das Eiras' para 'Rua José da Cruz Mamede'. Por ser esta a rua onde nasceu e viveu o homenageado antes da sua mobilização para a Guerra Colonial e onde viveu a sua família." 


1. A pedido da irmã, Lucília Cruz Mamede (Casal Comba, Mealhada) do nosso infortunado camarada, o ex-1.º cabo, de rendição individual, José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58, morto na emboscada de Infandre, em 12 de outubro de 1970, o nosso camarada Afonso Sousa, depois de dois anos de pesquisa (desde setembro de  2005) (*), organizou este dossiê (**), que merece honras de antologia e de ser republicado por ocasião dos 20 anos de existência do nosso blogue. (***)

O Afonso Sousa é um histórico do nosso blogue, é um dos primeiros de nós a  integrar a nossa tertúlia (logo em junho de 2005): tem 63 referências, foi fur mil trms, CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70), vive em Maceda, Ovar (a 70 km a noroeste da Mealhada, ambos os concelhos pertencendo ao distrito de Aveiro).


O fatídico dia 12 de Outubro de 1970: 
a emboscada de Infandre

por Afonso Sousa

“Recordar é manter a memória colectiva 
ao transmitir os factos do passado às novas gerações”.

 
I. Sete horas da manhã. Militares do Pel Caç Nat 58 e da CCAÇ 2589, acantonados em Infandre (cerca de 10 km a NW de Mansoa), partem deste aquartelamento em direcção a Mansoa, em 2 viaturas Unimog, a fim de efectuarem mais um reabastecimento da Unidade.

Para a deteção de minas, um grupo de militares segue à frente das viaturas, fazendo a habitual picagem da estrada (de terra batida). Duas horas depois a coluna chega a Mansoa.

As viaturas são colocadas nas posições de reabastecimento. Alguns dos militares, como sempre o fazem (sempre que se deslocam à vila), procuram de imediato o único estabelecimento de comidas onde poderão refrear todo o seu justificado apetite pelo esforço destas 2 horas de marcha.

II. Encaminham-se, como sempre, para a Casa Simões, ali mesmo ao lado da Igreja de Mansoa. 

O Simões havia também cumprido o seu serviço militar na PM (Polícia MIlitar). em Bissau, e resolveu continuar na Guiné, abrindo em Mansoa um pequeno restaurante, sobretudo para apoio à comunidade militar desta zona. Por aqui, ele estava na boca de quase todos. Os que vinham da periferia não hesitavam em fazer uma visita ao restaurante. Assim aconteceu com estes militares do aquartelamento de Infandre. Era como que reviver, por instantes, sabores e momentos da saudosa Metrópole.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Igreja > Aqui estiveram as urnas dos militares mortos na emboscada de 12 de outubro de1970 , para as devidas honras e formalidades


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Casa Simões > Na esplanada do restaurante almoçam os fur mil César Dias e Caetano


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  O fur mil César Dias (à direita) e o 1º cabo Brogueira


IV. Reconfortados, estes militares lá voltaram ao espaço do reabastecimento. A operação de carga conclui-se. 

Eram cerca de 11 e meia. Ia começar a viagem de regresso a Infandre. Alguns civis, como de costume, acomodam-se nas viaturas, com as suas compras. A velocidade ronda os 50 - 60 km/h. 

Por volta das 11,45h a coluna está à vista do aquartelamento de Braia. Resolvem parar para um cumprimento rápido aos seus vizinhos e camaradas amigos e tomarem uma bebida. Deixam as viaturas sobre a direita da picada e vão até ao interior do fortim. A visita é rápida, não mais que 10 minutos.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia > O fortim do destacamento


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia  > Efectivos do destacamemto > Parte do 3.º Pelotão da CCAÇ 2589 ("Os Peras") mais quatro elementos do Pel Caç Nat 58 (um deles é o fur A Silva Gomes). Os restantes elementos destes dois Pelotões, juntamente com um Grupo de Milícia, constituiam o efectivo.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia > 
Interior do aquartelamento (Messe). O fur mil António Silva Gomes, de perfil, a ler um jornal ou revista.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia  > Em posição de continência,  o fur A Silva Gomes,  do Pel Caç Nat 58


V. É agora quase meio-dia. Vão retomar o caminho rumo a Infandre. Faltam apenas pouco mais que 4 Km.

Decorrem cerca de 5 minutos, após a partida. Os militares de Braia ouvem um intenso tiroteio para o lado do caminho que a coluna de Infandre seguia. Pressentiram, de imediato, que estava a ser atacada. A sua reacção foi instantânea. As duas viaturas do fortim, puseram-se estrada fora, a toda a velocidade. 

A estrada descreve uma curva à direita. Há um fardo de palha (talvez colmo) na estrada. Contornam-no. Cerca de trezentos metros depois da curva avistam-se as duas viaturas do aquartelamento de Infandre. Estão paradas na estrada. Em cima delas, nativos de armas apontadas ripostam à progressão dos homens de Braia. 

Estes saltam das viaturas e começam a progressão de forma mais cautelosa, pelas bermas da picada, junto ao capim. O furriel António Silva Gomes refere que teve necessidade de reposicionar-se para não ser atingido. Alguém lhe estava a chamar a atenção para isso. A nossa reacção foi determinada e eficaz. Os elementos do PAIGC começam a evadir-se no mato. 

Os militares socorristas aproximam-se. Junto às duas viaturas o ambiente é desolador, dramático... Militares mortos e feridos, no chão, em redor das duas viaturas. Os feridos em estado desesperado. Começam a ouvir-se o estrondo das granadas dos obuses de Mansoa que caíam para o lado da fuga do inimigo. Alguém já tinha dado o alerta. Procura-se o socorro possível aos feridos e estabelece-se a comunicação para as necessárias evacuações. 

O cenário é dantesco e de profunda emoção e tristeza. Um pelotão inteiro está ali, naquele pequeno espaço, completamente abatido. Os olhos humedecidos são de tristeza e de raiva. O inimigo tinha atingido os seus desígnios de forma cruel e bárbara. Diz o furriel António Silva Gomes: 

− Deparámos depois que a cerca de 50 metros, para o lado contrário da emboscada, junto a um bagabaga, aí se haviam escondido cinco dos nossos militares, sobreviventes sem ferimentos, que de forma instantânea e algo feliz conseguiram evadir-se através do alto capim, para o outro lado da picada.

Entretanto chegavam também, em socorro, militares de Infandre. Estes demoraram mais porque tiveram que fazer a deslocação a pé (as duas únicas viaturas existentes eram as que tinham sido emboscadas).

VI. Introduzo aqui um parêntesis para referir que tive, entretanto, conhecimento que o 1.º cabo enfermeiro António Oliveira, do Hospital Militar 241 de Bissau, chegou exactamente ao local da emboscada, por volta das 12,30h. 

Ele era um dos elementos que integrava a equipa do helicóptero que procedeu à evacuação dos feridos de maior gravidade.

Por ironia do destino, o Oliveira também é da Mealhada e morava a pouco mais de 2 km do José da Cruz Mamede. Este tinha estado a gozar férias em Bissau onde, conforme combinação prévia, deveria ter visitado o António Oliveira, no Hospital Militar. Por qualquer circunstância,  o José não esteve com ele e voltou a Infandre uns dias antes da fatídica emboscada.

O António Oliveira reconheceu, no capim, o seu amigo.  Estava do lado esquerdo (conforme a orientação das viaturas), a cerca de 10/15 metros da berma da estrada. Já estava sem vida. À minha observação para a distância a que se situava em relação ao local exacto da emboscada, disse-me que, provavelmente, ainda se terá arrastado naquele espaço, enquanto as forças lho permitiram.

Quanto ao Serifo Djaló, que morreu em Bissau, cinco dias depois, e o Natcha que morreu em 20 de novembro, confirma que se tratavam de elementos apanhados nesta emboscada e que haviam sido evacuados para Bissau.

Dada a quantidade de feridos, deram instruções imediatas para que de Bissau, partissem 2 ambulâncias, por estrada. Os 3 ou 4 feridos de maior gravidade, foram, de imediato, evacuados de helicóptero.

Refere que, antes de procederem à descida, no local, um T6 procedeu a bombardeamentos no enfiamento de Morés e Canquebo.

O António Oliveira não põe de lado a hipótese da coluna ter parado entre o fortim de Braia e a zona da emboscada, para dar boleia a alguém da população. Continua, por isso, a haver alguma dúvida se terão parado, para esse efeito. 

A paragem poderia ser tácita com os elementos do PAIGC. Por ora, é ainda uma questão difícil de investigar ou concluir. Sobre esta questão, o ex-furriel António Silva Gomes (um dos socorristas de Braia) afirma de forma quase peremptória que não houve qualquer paragem, dado que entre a saída de Braia e o momento da emboscada, apenas decorreu um intervalo de cinco minutos.

Quem sabe se algum daqueles 5 militares que estavam ilesos, atrás de um bagabaga, poderiam ajudar a esclarecer o assunto.

O problema é que ainda não se descobriu os seus nomes. Supõe-se que um deles terá sido o 1.º cabo Costa (Laureano Augusto Costa ?) que esteve emigrado em França e que acaba de regressar à sua terra, em Mirandela. O seu depoimento seria de grande interesse, mas não foi ainda possível contactá-lo.

VII. Segundo o António Oliveira, quem esteve também no local, nesse momento ou no dia seguinte, foi o Marcelino da Mata. 

O seu testemunho também poderia ajudar na pormenorização de uma ou outra questão sobre as quais pareça subsistir ainda alguma dúvida ou menor clarificação, como, por exemplo, esta: o ex-furriel César Dias diz que só no dia seguinte (13 de outubro) foram evacuados, de Mansoa, 6 elementos do Pel Caç Nat 58. 

O cabo enf António Oliveira diz que, de imediato (12 de outubro), foram chamadas ambulâncias, de Bissau, para procederem à evacuação de todos os feridos que o transporte de helicóptero não pôde contemplar.

Falta saber, quanto ao atado de palha, deixado na estrada (logo após a curva, pouco mais de 1 km à frente de Braia), se foi ou não aí colocado pelo IN e, em caso afirmativo, se o terá feito antes ou depois da passagem da coluna emboscada.

Os taipais das viaturas encontravam-se muito esburacados por força das rajadas, feitas quase à queima-roupa, já que a emboscada foi executada por elementos do PAIGC, camuflados no alto capim (lado N), a escassos 2 metros da borda da picada. Os nossos militares estimaram que seriam cerca de 100 guerrilheiros, com um relevante potencial de armamento.

O furriel Dinis César de Castro foi capturado, tendo-lhe sido exigido que tirasse a farda. Recusou-se, com grande determinação e enorme sentido de patriotismo. Foi cruelmente rasgado, de lado a lado, com rajada de metralhadora. 

Este incomensurável gesto de patriotismo haveria de ser reconhecido pelo Estado português, quando, na cerimónia do 10 de Junho de 1971, Dinis César de Castro foi condecorado, a título póstumo, com a Cruz de Guerra.

VIII. Introduzo aqui um testemunho, recente, de alguém que, na altura, seguiu e viveu este acontecimento:


"12-10-1970 é uma data que recordo com tristeza. Como muitas outras, era mais uma coluna a passar naquele itinerário, (Braia-Infandre), mas daquela vez havia à volta duma centena de guerrilheiros emboscados com morteiros, lança-granadas-foguete e armas automáticas. Chegaram mesmo a lutar corpo a corpo. 

"Sofremos 10 mortos (entre os quais, do Pel Caç Nat 58, o 1.º cabo José Mamede, o 1.º cabo Joaquim Baná e os soldados Cumba, Seidi, Mundi, e Baldée da CCAÇ 2589 o meu amigo Furriel Mil de Op Esp Dinis Castro, e os soldados Joaquim M Silva, Joaquim J Silva, Duarte Gualdino, a quem presto sentida homenagem), 9 feridos graves, 8 feridos ligeiros e um soldado capturado. 

"Recorri aos documentos que guardo com muito carinho, e mais uma vez fiquei emocionado" (Furriel mil César Dias – CCS / BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)


IX. Em 20 de Novembro de 1970, o furriel Carlos Fortunato, da CCAÇ 13, que se dirigia para Bissau para participar na Operação Mar Verde, passou no local da emboscada e viu, espetada num tronco, uma granada de RPG-7, que não tinha explodido. Estimava em cerca de 3 Km a distância até Braia. E, de facto, esse cálculo não estava muito longe da realidade.

Mais duas informações, entretanto recolhidas:

- Às 18,35h do próprio dia 12 de outubro de 1970, o IN flagelou Mansoa, com canhão sem recuo, a partir de Cussanja (junto ao Rio Geba) - 4,4 Km a SE de Mansoa, no entroncamento da estrada Mansoa-Cussaná-Cussanja com a estrada de Jugudul-Porto Gole. Cussanja, pela sua situação, junto à margem do Rio Geba, o IN tinha-a como um ponto privilegiado para flagelações de Mansoa. 

Tudo indica que esta flagelação terá surgido como retaliação aos bombardeamentos aéreos feitos pelas nossas tropas, logo a seguir à emboscada e teriam como objectivo surpreender os efectivos de Mansoa que estavam preocupados com a recolha dos mortos e feridos e com todas as acções inerentes ao desfecho da emboscada. Cussanja ficava precisamente do lado oposto de Braia/Infandre, a NW de Mansoa.

As pesquisas levam-nos, por vezes, a resultados surpreendentes, como é este caso que me acaba de ser relatado pelo 1.º Cabo Luís Camões, à altura, em Mansoa: 

O condutor de uma das duas viaturas emboscadas, quase dado como desaparecido, surgiu, à noite, em Mansoa (com a sua G3), depois de ter percorrido, pela mata, cerca de 9 km, previsivelmente em puro sofrimento (*). Falta averiguar o seu nome e se ainda permanece entre nós para, neste caso, procurar obter o seu testemunho e o porquê deste seu arriscado procedimento. (Pertencia à CCaç 2589 e estava adstrito ao Pel Caç Nat 58, em Infandre.)

X. O trajeto e os momentos do fatídico dia 12 de outubro de 1970

Momentos:
  • 7:00  >  Saída de Infandre
  • 9:00 >  Chegada a Mansoa
  • 9:30 - 10:00 >  Alguns dos elementos da coluna fazem a habitual visita à Casa Simões 
  • 10:00 - 11:30 >  Carregamento do reabastecimento
  • 11:50 >  Chegada a Braia
  • 11: 45 - 11:55 > Paragem em Braia
  • 12:00 >  Emboscada
  • 12: 04 >  Ajuda de Braia (chegada a 300 m do local da emboscada)
  • 12: 10 > Termo dos confrontos – evasão dos guerrilheiros do PAIGC

Distâncias:
  • Braia ao local da emboscada: 2,26 Km (0,8 Km na parte recta)
  • Braia a Infandre: 4,69 Km
  • Local da emboscada a Infandre: 2,43 Km
  • Infandre – Mansoa: 9,56 Km
  • Infandre – Namedão: 8 Km

Guiné > Região do Oio > Mansoa (1954) > Carta de 1/50 mil >  Trajeto Infandre - Braia - Mansoa, em 12 de outubro de 1970


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Estrada Mansoa - Braia -Infandre > 
Reta de 800 metros, entre a estrada da emboscada e a entrada do aquartelamento de Infandre


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > 
Local: a cerca de 500 metros do cruzamento para Infandre. Deslocação de uma das viaturas de Infandre, para apanhar lenha precisamente junto à estrada, a cerca de 1500 metros, onde, mais tarde, havia de acontecer a emboscada


Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansoa > s/d > Estrada Mansoa-Bissorã, algures, após o antigo fortim de Braia


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Uma 
 coluna da CCAÇ 13 acaba de atravessar a bolanha e o rio Braia e aproxima-se do aquartelamento de Braia


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >
Uma coluna da CCAÇ 13 após atravessar a bolanha, junto ao Rio Braia


XI. Mortos e feridos

A trágica ocorrência redundou em 10 mortos, 9 feridos, 8 feridos ligeiros e um soldado capturado. (6 mortos e 6 feridos eram do Pel Caç Nat 58 e os restantes da CCAÇ 2589 e população) . 

Dois dos feridos do Pel Caç Nat 58  vieram depois a falecer em Bissau, o que elevou o número de mortos, do Pel Caç Nat 58, para oito.

Listagem de mortos do Pel Caç Nat 58 e da CCAÇ 2589

As listas dos combatentes falecidos no Ultramar, que podem ser consultas no site da APAV, ou da Liga dos Combatentes, nem sempre são rigorosas, neste caso omitiram o falecimento do sold Joaquim Manuel da Silva da CCAÇ 2589 (12/10/1970).

Lista dos mortos do Pel Caç Nat 58
  • Bomboro Joaquim - 21-08-1969
  • Joaquim da Silva Magalhães, 1.º Cabo - 30-08-1969
  • José da Cruz Mamede, 1.º Cabo - 12-10-1970
  • Joaquim Banam, 1.º Cabo - 12-10-1970
  • Idrissa Seidi, Sold - 12-10-1970
  • Tangina Mute, Sold - 12-10-1970
  • Betaquete Cumbá, Sold - 12-10-1970
  • Gilberto Mamadú Baldé, Sold - 12-10-1970
  • Serifo Djaló, Sold - 17-10-1970
  • Natcha Quefique, Sold - 20-11-1970

Lista dos mortos da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885
  • José Luciano Veríssimo Franco - 29-05-1969
  • António José Penhasco da Costa - 09-11-1969
  • Joaquim Moreira Marques - 09-11-1969
  • Dinis César de Castro, fur mil - 12-10-1970
  • Duarte Ribeiro Gualdino, sold - 12-10-1970
  • Joaquim João da Silva, sold - 12-10-1970
Em 20-11-1970, o fur mil Henrique Martins de Brito, do Pel Caç Nat 58, foi evacuado para a Metrópole.

Feridos do Pel Caç Nat 58 evacuados de Mansoa, para o HM241 de Bissau, no dia seguinte ao da emboscada:
  • Augusto Ali Jaló – 2.º sarg mil
  • Jamba Seidi – 1.º cabo
  • Malam Dabó – Sold
  • Serifo Djaló – Sold (viria a falecer 4 dias depois – 17-10-1970)
  • Jorge Cantibar – Sold
  • Samba Canté – Sold

XII. Notas e esclarecimentos adicionais:

(i) Justificação do espaço de 5 minutos entre a saída da coluna de Braia e o momento da emboscada:
  • Saída do fortim, chegada às viaturas e pô-las em movimento: 2 minutos;
  • Percurso de 2,26 Km (à velocidade provável de 50 km/h): 2,71 minutos (total: +/- 5 minutos).
Tem este cálculo o objectivo de comprovar (e confirmar testemunhos) de que neste espaço de 2,26 km a coluna não fez qualquer paragem e que o molho de palha encontrado na estrada, pelos militares de Braia, terá, eventual e estrategicamente, ali sido colocado por algum dos guerrilheiros do PAIGC, logo após a passagem da coluna, talvez com o objectivo de confundir ou surpreender os homens de Braia ou moderar a passagem das suas viaturas.

(ii) O José da Cruz Mamede (n.º 17762169), desembarcou em Bissau em 21/11/69. Veio, em rendição individual, para substituir o 1.º cabo Joaquim da Silva Magalhães (n.º 01779368), falecido em combate (Pel Caç Nat  58) em 30/8/69. O Manuel João Mimoso Belo (Sacavém) foi posteriormente para Infandre, para substituir o José da Cruz Mamede.

(iii) O Pel Caç Nat 58 chegou a Infandre a 16/11/69, para substituir o Pel Caç Nat 62, que foi extinto.

Durante a permanência em Infandre, o Pel Caç Nat 58 sofreu 16 confrontos, entre flagelações e emboscadas.

Era comandante do Pel Caç Nat 58 o alferes Eduardo Ribeiro Manuel Cardoso Guerra que não esteve envolvido neste acontecimento, visto não ter feito parte da coluna de reabastecimento. Consta-se que, posteriormente, foi evacuado para a Metrópole, não se sabe se por doença ou por ferimentos em combate.

(iv) À data da emboscada, era esta a distribuição dos efectivos militares, nestes 2 destacamentos:
  • Infandre: 2 Sec do Pel Caç Nat 58 + 1 Sec de um 1 Gr Comb da CCAÇ 2589 + Grupo de Milícia;
  • Braia: 2 Sec de um Pel da CCAÇ 2589 + 1 Sec do Pel Caç Nat 58.
(v) O Henrique Martins de Brito, furriel, mais tarde (20/11/70), viria a ser evacuado para a Metrópole, não se sabe se em consequência de ferimentos, nesta emboscada.

(vi) Em Mansoa estava sediado o BCAÇ 2885 (RI 15 – Tomar – Maio de 1969 a Fevereiro de 1971). Rendição do BCAÇ 2885 pelo BCAÇ 3832 (RI 2 – Abrantes - Janeiro de 1971 a Janeiro de 1973.
 
(vii) Testemunho que  obtive, em 2007,  de um dos feridos na emboscada :

O Augusto Ali Jaló,  então 2.º sargento, era o comandante desta coluna de reabastecimento. Localizei-o na zona de Lisboa. Tive com ele uma agradável conversação, no sentido de tentar obter a clarificação de algumas destas questões. Nesta coluna, o Augusto seguia na viatura da frente, a mesma onde também seguia o José Mamede. Ao eclodir da emboscada, saltou da viatura. Não foi atingido mas sofreu um severo trautamatismo craneano e uma grave contusão no joelho esquerdo. O helicóptero que se apresentou no local, 20 minutos depois da emboscada, levou o Jaló para Bissau, juntamente com outros 3 dos feridos mais graves. Esteve 3 meses, com gesso, no Hospital de Bissau.

Quanto à sua condecoração, confirma-se. Na cerimónia do 10 de junho de 1970, em Bissau, foi condecorado com a medalha de cobre de Serviços Distintos com Palma. Em Agosto, seguinte, foi promovido a 2.º Sargento.

Outras clarificações:

O furriel Henrique Martins de Brito, evacuado para a Metrópole 8 dias depois da emboscada, não participou nesta coluna de reabastecimento. A sua evacuação terá derivado de doença.

O molho de palha (molho de "fundo", segundo o Jaló) que estava na estrada, após a curva, foi deixado por algum elemento da população, logo após ouvir a 1.ª detonação da emboscada. Não se tratou, por isso, de qualquer estratagema do PAIGC. Quando a coluna passou não estava lá.

Confirma o Augusto Jaló que não pararam para dar qualquer boleia o que, de todo, dissipa algumas dúvidas que ainda existiam sobre esta questão.

E revela ainda: na zona da emboscada, os guerrilheiros haviam colocado uma mina antcarro mas, à vista da coluna e à sua aproximação ao sítio da mina, os guerrilheiros anteciparam-se com uma roquetada. O condutor da 1.ª viatura (onde ia o Jaló), desviou-se ligeiramente para a direita e, por felicidade, contornou a mina, não a accionando. De contrário a tragédia teria sido ainda maior. 

O José Mamede ia do lado direito dessa 1.ª viatura (lado da emboscada e lado do Morés). Foi atingido e ainda encetou um movimento de refúgio para o lado esquerdo. Morreu a cerca de 15 metros da estrada. Foi aí que o seu conterrâneo e amigo António Oliveira (1.º cabo enf do HM241 de Bissau) o encontrou, após a descida do helicóptero que veio proceder à evacuação dos feridos de maior gravidade, entre eles o Jaló.

Confirma também o Augusto que uma secção do Pel Caç Nat  58 fez a picagem entre Infandre e Mansoa e que alguns dos elementos da coluna estiveram a comer na Casa do Simões e na Tasca da Emília de Sá. (Em 2007, o Simões era o gerente e proprietário de “O Painel – Restaurante Simões, Lda”, próximo da Curia.)

O Jaló, como responsável da coluna, não pôde deslocar-se a estes estabelecimentos, de visita costumada, por estar envolvido na orientação do reabastecimento.

Sobre os 5 militares que se protegeram atrás de um bagabaga, não sabe dizer quem eram, dado que estava muito ferido e foi, de seguida, evacuado para Bissau. O mesmo e pelas mesmas circunstâncias, quanto ao condutor que, à noite, apareceu em Mansoa, apenas acompanhado da sua G3.

Os militares mortos foram levados para Mansoa, onde estiveram na igreja local, para as habituais formalidades.

Outros testemunhos poderão, ainda, vir a ser obtidos, no sentido de chegar a um registo factual, tão exaustivo quanto possível, sobre este trágico acontecimento.


XIII. Agradecimentos

A todos os que, de alguma forma, contribuíram com as suas informações ou testemunhos, para que se pudesse encontrar a clarificação possível sobre esta trágica ocorrência.

Entre esses, permito-me destacar:
  • César Dias (fur mil sapador, CCS BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71):procedeu a um armadilhamento na zona Braia-Infandre (por estas alturas);
  • António Silva Gomes (fur mil, Pel Caç Nat 58,  Braia, 1970);
  • “Kimbas do Olossato” (onde coloquei esta 1.ª mensagem, em setembro de 2005, questionando se alguém poderia informar onde estaria sediado o Pel Caç Nat 58, em Outubro de 1970); página descontimuada: capturada pelo Arquivo.pt:  https://arquivo.pt/wayback/20140926210228/http://kimbas.no.sapo.pt/ ;
  • Benjamim Durães (fur mil, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72); foi crucial para o seguimento da pesquisa; foi ele que, após ter visto a minha mensagem (de 2005) no sítio Kimbas do Olossato, se me dirigiu, em 18/3/2007, para me fornecer o guião do Pel Caç Nat 58;
  • Manuel João Mimoso Belo (1.º Cabo, Pel Caç Nat 58, Infandre, 1970);
  • Dinis Pinto Silva (1.º cabo, Pel Caç Nat 58, Infandre, 1970; depois da comissão: professor em Infandre);
  • Manuel Simões (Restaurante Simões dos Leitões – Tamengos (junto à Curia, Anadia), telefone 231202031);
  • Carlos Fortunato (Fur mil, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71); criador do sítio  da CCAÇ 13: https://arquivo.pt/wayback/20140926233410/http://leoesnegros.com.sapo.pt/ ). Na página da CCAÇ 13, Leões Negros, existe uma subpágina dedicada a este tema, com o título Pel Caç Nat 58;
  •  Luís Graça (editor do maior Blog sobre a Guerra na Guiné: Luís Graça & Camaradas da Guiné;
  • Paulo Raposo (alf mil, CCAÇ 2405/BCAÇ 2852, Mansoa e Dulombi, 1968/70);
  • Joaquim Mexia Alves (alf mil, CART 3492,  Pel Caç Nat 52 e  CCAÇ 15, 1971/73);
  • Jorge Cabral;
  • Augusto Ali Jaló;
  • Eduardo Ribeiro (fur mil op esp / ranger, CCS/BCAÇ 4612; mais conhecido por Pira de Mansoa);
  • Artur Conceição;
  • Paulo Reis (Inglaterra) pcv_reis@yahoo.co.uk – jornalista em missão de pesquisa nos arquivos do CTIG);
  • Aniceto Henrique Afonso (na altura, ten cor, Director do Arquivo Histórico Militar (Exército), ahm@exercito.pt ;
  • António Oliveira (1.º Cabo Enfermeiro,  HM241 de Bissau); fez parte da equipa heli-transportada que procedeu à evacuação de alguns dos feridos, a partir do local da emboscada;
  • Lucília da Cruz Mamede (irmã do falecido José da Cruz Mamede), Mealhada.
Nenhuma pesquisa deste género poderá dar-se por finalizada enquanto subsistirem dúvidas, omissões, imprecisões ou desencontro de informações.

Pese embora toda a boa vontade, interesse e persuasão, como esforço investigativo, a exactidão, pela exaustão e cruzamento dos relatos, o fundamento dos conceitos ou a isenção, são factores determinantes que conduzem à autêntica realidade. Enquanto não se atingir esse patamar, teremos sempre e apenas relatos próximos ou tendentes a essa certeza, por onde, eventualmente, perpassam ainda algumas interrogações.

Vem a propósito referir que o Carlos Fortunato contava voltar a Infandre (provavelmente ainda no ano de 2007) e propunha-se encontrar alguém que tivesse estado envolvido nesta sinistra emboscada, que vitimou, praticamente, um pelotão. Não sabemos se o conseguiu fazer  esse papel de repórter, quase quarenta anos depois de haver calcado aquelas paragens, envergando a farda do exército português. Era sua intenção ir à procura de outros eventuais pormenores, testemunhos e justificações e trazer mais algumas imagens da realidade presente destas terras de Mansoa.

Fotos cedidas por gentileza de:
  • António Silva Gomes (Lisboa), ex-fur mil Pel Caç Nat 58;
  • Joaquim Carlos Fortunato (Lisboa), ex-fur mil, CCAÇ 13;
  • César V. Dias (Santiago do Cacém), ex-fur mil, CSS/BCAÇ 2885 (Mansoa);
  • Lucília Cruz Mamede  (Casal Comba – Mealhada), irmã do falecido José da Cruz Mamede
Com o meu especial agradecimento.

Fotos (e legendas) : © António S. Gomes, J.Carlos Fortunato, César Dias e Lucília Cruz Mamede, Afonso Sousa (2007). 
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 

(Revisão / fxação de texto, reedição das fotos: CV/LG)
______________

Notas de CV / LG:

(*) Vd. postes de 3 de Abril de 2007:


(**) Vd. poste de 7 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2162: O fatídico dia 12 de Outubro de 1970 - Emboscada no itinerário Braia/Infandre (Afonso M. F. Sousa)

Vd. também poste de 3 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2807: Estórias de Jorge Picado (1): A emboscada do Infandre vivida pelo CMDT da CCAÇ 2589 (Jorge Picado)

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25366: Trabalho sobre a formação dos Comandos na Guiné, publicado na Revista da Associação de Comandos, MAMA SUME - Parte II (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando)



"Os Comandos na Guiné", artigo da autoria do nosso camarada Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando, publicado na Revista MAMA SUME, da Associação de Comandos, e enviado ao Blog no dia 22 de Março de 2024:

“Comandos” do CTIG - Parte II

Resumo sobre a História dos Cmds do CTIG[4]

I. Cronologia

˗ Partida, em 29 de Outubro de 1963, para Angola dos Oficiais, Sargento e Praças, do CTIG, a fim de frequentarem um curso de Comandos, no C.l.16 na Quibala - Norte:
˗ Maj. Inf.ª Correia Diniz
˗ Alf. Mil. Maurício Saraiva
˗ Alf. Mil. Justino Godinho
˗ 2º Sarg. Inf.ª Gil Roseira Dias
˗ Fur. Inf.ª Mário Roseira Dias
˗ Fur. Milf. Cav. Artur Pereira Pires
˗ Fur. Milf. Cav. António Vassalo Miranda
˗ 1º Cb. At. Inf.ª Abdulai Queta Jamanca
˗ Sold. At. Inf.ª Adulai Jaló
˗ Regressaram a Bissau em 6 de Dezembro de 1963, e, formaram um grupo que participou na Operação "Tridente" (Ilha do Como), de 15Jan. a 22 Mar. 1964.
˗ Em 3 de Agosto de 1964, início das actividades do CIC/Brá, com a Escola de Quadros para dar instrução ao 1.°Curso de Comandos da Guiné, que decorreu entre 24 de Agosto e 17 de Outubro de 1964.
Deste curso saíram os três primeiros grupos de Comandos, que desenvolveram actividade operacional na Guiné até Julho de 1965:
˗ "Camaleões": Alf. Mil. Cmd Justino Godinho (Cmdt)
˗ "Fantasmas": Alf. Mil. Cmd Maurício Saraiva (Cmdt)
˗ "Panteras": Alf. Mil. Cmd Pombo dos Santos (Cmdt)

Militares seleccionados para o GrCmds na op. Tridente:

˗ Alf Mil Pombo dos Santos, do PelAA 943 (juntou-se ao GrCmds no Como, já depois do início da op "Tridente")
˗ 1º Cabo Marcelino da Mata, da 1ª CCaç (idem)
˗ Soldado 1/63 António Paulista Solda
˗ Soldado 75/63 J. Ramalho Godinho, da CCav 487
˗ Soldado 235/63 S. Conceição Veiga, da CCav 488
˗ Soldado 749/83 J. Firmino Martins Correia, da CCav 487
˗ Soldado 674/63 António Gomes, da CCaç 510
˗ Soldado 338/63 Francisco da S. Duarte, da CCaç 510
˗ Soldado 194/63 Joel António Pereira, da CCaç 487 (regressou à Cª, após o final da op. “Tridente”)
˗ Soldado 225/63 Maurício Romão Conceição, da CCav 488 (idem)
˗ Soldado 221/63 J. Trindade Cavaco, da CCav 487
˗ Soldado 598/63 Manuel Martins da Cunha, da CArt 494
˗ 1º Cabo foto-cine Celestino Raimundo, da CCS/QG/CTIG (evacuado Mai64 devido a acidente em serviço, para o H.Militar de Belém. Foto-cine ao serviço da 3ª Rep/QG, encarregado da cobertura da operação, juntou-se ao GrCmds e a ele se devem as poucas imagens da referida operação).

II. Comandos do C.T.I.Guiné: efemérides

˗ 23/7/64: início das actividades do Centro de Instrução Comandos em Brá.
˗ O CIC/Brá, sob o comando do Maj. Inf.ª Cmd Correia Diniz, recebeu do CIC de Angola, para a formação de quadros, os seguintes militares:
Ten. Mil. Cmd Abreu Cardoso
Alf. Mil. Cmd Luís Câmara Pina
2.º Sarg. Infª. Cmd Ferreira Gaspar
Fur. Mil. Cmd Pompílio Gato
1.º Cb. Cmd Pires Júnior (Pegacho)
1.º Gr. Cmds "GATOS" / BART 400, comandado pelo Alf. Mil. Cmd Martins Valente
Estes elementos participaram nas primeiras acções conjuntas com os grupos acima referidos.
˗ 3/8/64: início da Escola Preparatória de Quadros.
˗ 24/8 a 17/10/64: Iº Curso de formação dos GrsCmds (Camaleões, Fantasmas e Panteras
˗ 20/10/64 a Junho de 1965: actividade operacional dos GrsCmds.
˗ 1/7/65: extinção do CIC de Brá.
˗ Para dar continuidade à formação de Grupos de Comandos, foi criada a Companhia de Comandos do CTIG (CCmds/CTIG), tendo sido nomeado seu comandante o Cap. Art.ª Nuno Rubim, substituído em 20 de Fevereiro de 1966 pelo Cap. Art. Garcia Leandro.
˗ 24/05/65 a 22/06/65 : IIº Curso da Escola de Quadros do C. I. Comandos.
˗ O 2º.Curso de Comandos teve início em 07 de Julho de 1965, terminando em 04 de Setembro, com a formação de 4 Grupos de Comandos, que tomaram os nomes:
"Apaches": Alf. Mil. Cmd Neves da Silva (Cmdt)[5]
"Centuriões": Alf. Mil. Cmd Almeida Rainha (Cmdt)
"Diabólicos": Alf. Mil. Cmd Silva Briote (Cmdt)
"Vampiros": Alf. Mil. Cmd Pereira Vilaça (Cmdt)[6]
˗ Set. 65 a 30/6/66 : actividade operacional dos grupos.
˗ 20/2/66: nomeado o capitão Artª Garcia Leandro para Comandante da CCmds.
˗ O 3.º Curso de Comandos, realizado pela CCmds/CTIG, aquartelada em Brá, decorreu de 09 de Março de 1966 a 28 de Abril de 1966, e foi constituído por militares voluntários pertencentes a Unidades sediadas na Guiné e que se destinaram a recompletamento dos Grupos de Comandos. O alf. Mil. V. Briote foi o responsável pelo curso tendo sido aprovados 2 sargentos e 18 praças, englobados no GrCmds "Diabólicos, cerca de um mês depois.
˗ Com a chegada à Guiné da 3.ª Companhia de Comandos, vinda do CIOE - Lamego, a CCmds/CTIG foi extinta em 30 de Junho de 1966, mantendo-se em actividade o Grupo de Comandos "Diabólicos", até finais de Setembro de 1966, data em que a maioria dos militares que o integravam terminaram a sua comissão de serviço.
Partida para zona de Mansoa – Diabólicos.
Heliembarque de GrCmds.
Operação Atraca, heliassalto – Grupo Diabólicos.
Operação Atraca – recolha.

III. Militares naturais da Guiné que fizeram parte dos Grupos de Comandos iniciais (1964/1966)

1.º Cabo Braima Seidi, da BAC
1.º Cabo Tomaz Camará, da CCS/QG
1.º Cabo Marcelino da Mata, da CCS/QG
Sold. Momo Camará
Sold. Lifna Cumba
Sold. Bacar Jassi
Sold. Gouveia Yalá
Sold. Mamadu Jaló
Sold. Justo Orlando Nascimento
Sold. Pedro Costa Malan Sani
Sold. Raul Manuel Gomes
Sold. Bacar Mané
Sold. Mamadu Bari
Sold. António Mamadu Saboli Camará
Sold. Augusto Alfredo de Sá
Sold. Braima Bá
Sold. Adriano Sisseco
Material capturado pelo Grupo de Comandos Apaches, em Bigene.

IV. Resultados da Cª Cmds da Guiné (23/08/64 a 31/08/66)

˗ Efectivos envolvidos: 211
˗ Mortos em combate: 12
˗ Feridos em combate: 19
˗ Acções realizadas: 113[7]
 Gr. “Fantasmas”: 21 operações
 Gr. “Camaleões”: 9
 Gr. “Panteras”: 11
 Gr. “Apaches”: 14
 Gr. "Centuriões": 12
 Gr. “Diabólicos”: 24
 Gr. “Vampiros”: 14
˗ Armas apreendidas: 71

____________

Notas de VB:

[4] - In Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961/1974); 14º Vol. “COMANDOS”

[5] - Razões familiares obrigaram o alf. Neves da Silva a deixar o comando do grupo, sendo substituído pelo Sarg. Mil. Mário Dias

[6] - Inoperacional por motivos de saúde após 7Set1965, sendo substituído pelo Furriel Mil. Moura dos Santos e mais tarde pelo alf. Mil. Vítor Caldeira

[7] - Total de operações, incluindo acções executadas apenas por oficiais e sargentos.


********************

A opinião do Comandante John MacCain, oficial norte-americano, sobre os Comandos do CTIG

O comando militar da Guiné lançou a operação Tridente. Uma operação com o objectivo de limpar as ilhas de Caiar, Como e Catunco, que ficavam no sul, entre os rios Cumbijã e Tombali. A acção durou setenta e um dias entre Janeiro e Marco de 1964 e nela foram utilizados praticamente todos os recursos militares, na altura, disponíveis na Guiné.

A força de “Comandos”, ainda a nascer não foi poupada, e um grupo foi formado com oito dos nove que tinham sido treinados em Angola a que se juntaram mais treze militares que ainda não tinham recebido instrução de “Comandos”. O grupo de “Comandos” foi integrado na força terrestre para a operação, que incluiu três destacamentos de fuzileiros, um pelotão de para- quedistas, um pelotão de artilharia, três companhias de cavalaria e um pelotão de infantaria africana, sob o comando de um oficial de cavalaria, o tenente- coronel Fernando Cavaleiro. Durante a operação, o grupo de “comandos” teve um desempenho que mereceu destaque, sem sofrerem baixas.

Depois da op. Tridente, o comando militar autorizou a abertura de um Centro de Instrução de Comandos, num aquartelamento em Brá, , uma aldeia localizada a meio caminho entre Bissau e o aeródromo principal em Bissalanca ao norte, que foi oficialmente inaugurado em Julho de 1964 sob o comando do major Correia Dinis, um dos militares que tinham recebido instrução em Angola. O CIC da Guiné teve muitas dificuldades para obter o apoio necessário e não pôde dar a formação requerida. Em Dezembro desse ano, um frustrado Correia Dinis levantou a questão ao Comandante-em-Chefe, pois não havia livros, maquetes de instrução, ou qualquer outro material de apoio. Não havia veículos, nem armas para praticar pontaria, não havia munições, granadas de mão nem explosivos, e assim por diante. Também era importante ter armas capturadas para instrução. Eventualmente, alguns desses problemas foram sendo resolvidos, mas tudo à custa de um tempo precioso e de enorme esforço.

A instrução e a administração no CICmdss acompanharam o CIC em Angola e seguiram o que agora se tornou uma rotina padronizada. A preparação dos instrutores do CIC levou treze semanas e começou em Junho de 1964, após a conclusão da Tridente. No final do curso de instrutores em Agosto, participaram na operação Alfinete em que o grupo executou um ataque a um acampamento PAIGC de oito barracas no mato da floresta Oio da aldeia de Santambato. Isso completou a formação e o primeiro curso de comandos formal teve início rapidamente no mesmo mês. Sairam deste curso três grupos de “Comandos” depois de oito semanas de instrução, e como era agora tradição cada grupo adoptou um nome: Fantasmas, Camaleões e Panteras.

Após o primeiro curso, o número de instrutores do CIC foi aumentado em cinco, dois da metrópole e três de Angola, em preparação para o segundo curso. O aumento adicional foi solicitado e recebido de Angola sob a forma de um grupo, os Gatos, que tinha sido treinado um ano antes e tinha já uma considerável experiência de combate. Este grupo realizou uma série de operações com instrutores para os orientar em operações de “comandos”.

O segundo curso começou em Junho de 1965 e durou oito semanas e dele saíram quatro grupos: Apaches Centuriões, Diabólicos e Vampiros.

Na conclusão deste segundo curso, houve uma reavaliação da organização dos “comandos” na Guiné, e o comando militar decidiu criar uma Companhia de “comandos” autónoma. Devido aos requisitos específicos para os “comandos”, pensou-se que seriam mais eficazes em vez de fazerem parte de uma estrutura regular de tropas. A instrução avançada, o ethos (hábitos ou crenças que definem um grupo), o trabalho em equipa e a moral eram muito diferentes do “mainstream”, e a separação era indispensável para preservar a diferença que os “comandos” tinham.

Assim, a partir de Novembro de 1965, Brá passou a ser o aquartelamento da Companhia de Comandos, que foi formada pelos grupos existentes. Houve resistência a este movimento por parte dos comandantes de batalhão que anteriormente tinham fornecido os militares e agora se viam obrigados a renunciar à valiosa capacidade dos grupos. No entanto, no início de 1966 começaram os preparativos para o terceiro curso em Brá e deu-se início ao recrutamento. O curso começou em Março e, como os anteriores, durou o período de oito semanas.

Alguns dos grupos estavam então fortemente engajados e sofreram baixas significativas. O preço do combate foi reduzindo o seu número, uns por doença e outros por baixas em combate, e enquanto o terceiro curso iria aliviar um pouco a situação, a integridade dos grupos foi ameaçada. Os Apaches, Centuriões e Vampiros acabaram por ser dissolvidos, e os seus sobreviventes juntaram-se num grupo, os Diabólicos. Estes estiveram fortemente envolvidos em torno de Mansoa e Jugudul e acabaram por sofrer o mesmo destino em finais de Agosto.

Os vários grupos estiveram na vanguarda da acção de combate desde a sua organização, sempre sob as circunstâncias mais desafiadoras e perigosas, e demonstraram grande coragem. Com a sua dissolução, terminou a primeira fase da história dos Comandos na Guiné. Em fins de Junho de 1966, a 3.ª CCmds, formada em Lamego, desembarcou em Bissau. Esse desdobramento de “Comandos” iria abrir uma nova fase da guerra e, como se quisesse assinalar isso, os seus homens usavam uma boina camuflada. Os Comandos na Guiné acabariam por se estender a doze companhias, três das quais africanas.

_____________

Nota do editor

Vd. post anterior de 9 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25362: Trabalho sobre a formação dos Comandos na Guiné, publicado na Revista da Associação de Comandos, MAMA SUME - Parte I (Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando)

segunda-feira, 4 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25234: 20.º aniversário do nosso blogue (1): Alguns dos nossos melhores postes de sempre (I): Um dos episódios mais trágicos da nossa guerra, no decurso da Op Lenda, em 7/10/1965, Gamol, Fulacunda


Rui A. Ferreira, alf mil,  CCAÇ 1420 (Fulacunda, 1965/67)...
Com um chapéu "turra". Cortesia do autor.


Senegal > Dacar > 15 de março de 1968 > PAIGC > Entrega de 3 prisioneiros de guerra, portugueses, à Cruz Vermelha do Senegal: o José Vieira Lauro, o protagonista desta história, é o segundo do grupo. O PAIGC (leia-se: Amílcar Cabral)  habilmente tirou partido da situação, em termos mediáticos, propagandísticos e diplomáticos... O Lauro foi prisioneiro de guerra cerca de 30 meses, desde 10 de outubro de 1965 até 15 de março de 1968... (LG)


Fonte: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 05224.000.037 | Título: Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal | Assunto: Amílcar Cabral e Osvaldo Lopes da Silva por ocasião da entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal, em Dakar  [Eduardo Dias Vieira, José Vieira Lauro e Manuel Fragata Francisco]. Data: Sexta, 15 de Março de 1968 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral |b Tipo Documental: Fotografias  (Com a devida vérnia..:)
 
Citação: (1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44074 (2024-3-3)



"[Da esquerda para a direita:] Eduardo Dias Vieira, José Vieira Lauro e Manuel Fragata Francisco, prisioneiros de guerra portugueses entregues pelo PAIGC à Cruz Vermelha do Senegal, na sede em Dakar."  (Reproduzido com a devida vénia...)

Citação:
(1968), "Entrega pelo PAIGC de prisioneiros de guerra portugueses à Cruz Vermelha do Senegal", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_44076 (2020-4-5)



1. Para dar início à série do "2o.º aniversário do nosso blogue: alguns dos nossos postes de sempre", nada como republicar este excerto do livro de memórias "Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra", do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (2003) (pp. 37/40) (*).

"Rumo a Fulacunda" era o grito de guerra da CCAÇ 1420, em cujas fileiras ingressou o alf mil Rui Ferreira, em rendição individual, substituindo um camarada "desaparecido em combate" (o seu corpo nunca foi recuperado), o Vasco [Nuno de Loureiro de Sousa] Cardoso,  lisboeta, mas  criado em Angola, como o nosso saudoso Rui Alexandre Ferreira (Benguela, 1943-Viseu, 2022).

"Rumo a Fulacunda" foi escolhido como título para o seu primeiro livro de memórias. Rui A. Ferreira, regressado de Angola (onde fez uma terceira comissão, depois de duas na Guiné), acabou por ir viver para Viseu, em 1975, e lá morreu, na sequência de uma longa e brava luta contra uma doença degenerativa. Era ten-cor inf ref, condecorado com duas cruzes de guerra (1ª e 2ª classe), por feitos em combate.

Neste seu primeiro livro,  em 4 páginas notáveis (pp. 37/40) conta-nos o cruel episódio de guerra, passado no decurso da Op Lenda,  em Gamol, Fulacunda, em 7 de outubro de 1965, envolvendo as CCAÇ 1420 / BCAÇ 1857 (Fulacunda, 1965/67)  e CCAÇ 1423  / BCAÇ 1860 (Tite, 1965/67). 

Seis militares (um oficial e cinco praças), perdem-se do grosso das NT,  divididas em três colunas de progressão, na sequência de uma forte emboscada IN, no mat0, esse próprio dia, no decurso da Op Lenda.

O Rui reconstituiu, com maestria e grande tensão narrativa, as trágicas circunstâncias em que o alf mill Vasco Cardoso, à frente de um pequeno grupo de homens, perseguidos durante três dias por um numeroso grupo IN, foi o último a ser abatido.

O sexto elemento, o soldado José Vieira Lauro, rendeu-se e  foi feito prisioneiro, em 10 de outubro de 1967:  levado para a Guiné-Conacri, para a "Maison de Force" (Casa de Reclusão), de Kindia, será mais tarde, ao fim de penosos 30 meses, já em 15 de março de 1968,  libertado, e entregue em Dacar à Cruz Vermelha do Senegal. 

Foi o único do grupo que restou, para nos contar esta, que é uma das mais trágicas histórias da guerra da Guiné.

Ao reavivar esta história, queremos homenagear, mais uma vez, as vítimas mortais mas também a quem soube preservar a sua memória (o José Vieira Lauro, sobrevivente e prisioneiro, e claro  o Rui A. Ferreira, que deu a essa memóra letra de forma, e que infelizmente já nos deixou também).

Os protagonistas desta histórica trágica da guerra da Guiné foram, por ordem alfabética:
  • Armando dos Santos Almeida, natural de Queiriga, Vila Nova de Paiva, sold at inf, CCaç 1423 ;
  • Armando Leite Marinho, natural de Jugueiros, Felgueiras, sold corneteiro, CCAÇ 1420;
  • Fernando Manuel de Jesus Alves, natural de Leiria, 1.º cabo aux enf, CCaç 1423; 
  • José Ferreira Araújo, natural de Povolide, Viseu, sold at, CCAÇ 1423;
  • José Vieira Lauro, natural de Granjal, Leiria, sold, CCAÇ 1423.
  • Vasco Nuno de Loureiro de Sousa Cardoso, natural de Lisboa, alf mil, CCaç 1420.
Com exceção do José Vieira Lauro, que se rendeu aos seus perseguidores, os restantes militares morreram. Os seus corpos nunca foram recuperados.


2. Comentário do editor LG:

Esta é claramente uma daquelas situações-limite, de vida ou de morte, comuns em cenários de guerra ou de catástrofe, em que o ser humano é obrigado a fazer escolhas radicais: resistir, lutar, matar, morrer... ou render-se. 

Possivelmente nenhum destes destes nossos camarada, mesmo o angolano Vasco Cardoso (embora nascido em Belém, Lisboa), estava em condições de sobreviver a este brutal acontecimento: acossados como animais, com dois cantis de água (no máximo) e uma ração de combate, possivelmente já com poucoas munições, depois de um violenta emboscada horas depois da saída do quartel (em Fulacunda), impossibilitados de dormir ou descansar, sofrendo de fome, sede, insolação e angústia permanente, desorientados, não conhecendo o terreno (nem muito menos o inimigo) estavam mal preparados para resistir, lutar, sobreviver... Para mais, eram duas unidades de quadrícula, "periquitas"...

Nenhum de nós consegue imaginar-se na pele do alf mil Vasco Cardoso, o militar mais graduado, ou dos seus camaradas que com ele se perderam do grosso das NT...

O Rui A. Ferreira diz que a operação teve início na madrugada de 7 de outubro... Confirmámos, noutro poste [sobre a atividade operacional do BCAÇ 1860]  que a Op Lenda, na zona de Gamol,  subsetor de Fulacunda, teve início nesse dia, e envolveu as CCaç 1420 e 1423. 
(**).

Sabemos o nome de código da operação, mas falta-nos informação mais detalhada... A emboscada terá sido nesse dia. E nesse mesmo dia, à tarde, as NT terão regressado a Fulacunda... onde só então deram conta da falta de seis elementos... Pergunta-se: voltaram ao local da emboscada?... 

Parece que sim, no dia seguinte, realizou-se a Op Busca, envolvendo forças da CCaç 797, 1420 e 1423, na zonas de Gamol e Ganjetrá... Mas as buscas terão sido, segundo o Rui A. Teixeira,  apressadas, incompletas e infrutíferas. Houve ainda, a 18Out65, a Op Ovo, nas zonas de Gamol, Bária e Sancorlá, com forças das CCaç 797, 1420, 1423, 1424 e CCav 677.

A agonia dos nossos camaradas ter-se-á prolongado "durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias" (sic), num trágico jogo do gato e do rato, "em manifesta desigualdade"... 

Quatro dias, quer dizer, 7, 8, 9 e 10... Tudo indica que a última morte, a do alf Vasco Cardoso, terá ocorrido a 10 de outubro de 1965, bem como a rendição do sold José Vieira Lauro.

[Segundo a reconstituição feita por uma equipa do portal UTW - Ultramar TerraWeb - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar, a primeira baixa do grupo seria o Fernando Manuel de Jesus Alves, morto no dia 8; a segunda vítima, a 9, terá sido o José Ferreira Araújo; o  Armando dos Santos Almeida, morre a 10; o Armando Leite Marinho, morre a seguir,  possivelmente afogado, também no dia 10; o último a morrer, nesse dia, é o alferes Vasco Cardoso.]

Fica aqui a nossa sentida homenagem a estes camaradas, que tiveram sortes diferentes: 5 morreram (2 alegadamente por suicídio) e um acabou por render-se ao grupo do PAIGC que os perseguiu durante quatro dias (de 7 a 10 de outubro de 1965).



Ficha técnica do livro:

Autor: Rui Alexandrino Ferreira
Título: Rumo a Fulacunda
Editora: Palimage Editores.
Local: Viseu.
Ano: 2000. [1ª ed., 2000, 2ª ed., 2003; 3ª ed., 2016].
Colecção: Imagens de Hoje.
Nº pp.: 415.
Preço: c. 20€.

Nota biográfica:

1943 - Rui Alexandrino Ferreira nasce no Lubango (antiga Sá da Bandeira), Angola
1964 - Integra o último curso de oficiais milicianos que reuniu em Mafra a juventude do Império.
1965 - Rende, na Guiné-Bissau, o alf mil Vasco Cardoso, dado  como  desaparecido em combate [CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67].
1970 - Frequenta o curso para capitão em Mafra, seguindo em nova comissão para a Guiné-Bissau [CCAÇ 18, Aldeia Formosa/Quebo, 1970/72].
1973 - Regressa a Angola em outra comissão.
1975 - Retorna a Portugal.
1976 - Estabiliza em Viseu, onde continua a residir, é ten cor ref.
2000 - Publica, na Palimage, o seu 1º livro, Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra  (***)
2014 - Publica o seu 2º livro. Quebo: nos confins da Guiné (2014), igualmente sob a chancela da Palimage.
2017 - Lança um 3º livro,  A Caminho de Viseu,  nas instalações do RI 14 de Viseu, e sob a mesma chancela, a Palimage.
2022 - Ano da morte


Guiné > Região de Quínara > Carta  de Fulacunda (1955) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Gamol e Ganjetrá, a oeste de Fulacunda.  A norte, o rio Geba, a leste, o rio Corubal. (Em linha reta, de Fulacunda Gamol serão 6/7 km).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Excerto do livro de memórias "Rumo a Fulacunda: crónicas de guerra", do nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira (2003), pp. 37/40 (*). 

(Subtítulos: L.G.;  seleção, parênteses retos, itálic0o, nergritos, revisão / fixação do texto para efeitos de edição no blogue: VB / LG).


(...) Na madrugada do dia sete de outubro [de 1965], lá iniciaram a marcha para o objectivo, de início em bicha de pirilau, uma com a outra logo a morder-lhe os calcanhares.

À medida que o tempo ia passando e o aquartelamento ia ficando mais longe, o passo foi-se tornando mais lento, os ouvidos mais apurados, os olhos mais atentos, todos os sentidos em alerta permanente, numa concentração profunda.

Pausadamente!... Penosamente, lá iam avançando... Subitamente, com o inesperado habitual, deflagrou o tiroteio. O cantar característico das costureirinhas turras (pistolas metralhadoras PPSh) feria os ouvidos e eriçava os nervos.

Milagrosamente não houve nem mortos nem feridos a lamentar, de início. Na frente, que entretanto já havia sido, pelo capitão Pita Alves, dividida em três colunas de progressão, a que se encontrava mais à direita, onde se integrava o alferes Vasco Cardoso, diretamente visada pelo ataque, ficou, imobilizada, retida pelo fogo das armas ligeiras e metralhadoras do inimigo.

−  Tomar posições de defesa!  
gritou o alferes.

 
−  Reagrupar à retaguarda!  −  comandava bem lá de trás o maior da 23 [a CCAÇ 1423], capitão de infantaria [e não de artilharia]  Pita Alves, estratega e comandante-em-chefe da operação.


[Quinta-feira, 7 de outubro de 1965: ] 
Seis homens isolados e perdidos na frente

No meio da confusão que se instalou e que a diversidade das pseudo ordens, opiniões, alvitres e sugestões que se seguiram mais agravou, as colunas viram-se partidas em vários segmentos. Numa das frentes, o alferes e mais cinco homens fixados pelo intenso tiroteio turra, não conseguiam juntar-se à retaguarda ou reintegrar-se na força.

Por seu lado, ninguém ali conseguia esboçar qualquer tipo de reacção. Sufocados pelo tiroteio, desorientados, metidos cegamente na boca do lobo, impreparados para um confronto tão desigual, sem que alguém tivesse conseguido pôr ordem naquela periquitada, o grosso das companhias retirou da zona, dispersa e desordenadamente.

Os seus elementos foram chegando a Fulacunda, desfasados no tempo e em pequenos grupos isolados. Uns quantos agora..., outros tantos tempos depois..., ainda mais alguns quando já se pensava no pior.

Isolados frente aos turras,  permaneciam ainda vivos os seis transviados. Batiam-se com o desespero e a raiva de quem luta pela sobrevivência. 

Nado e criado em África, Vasco Cardoso [alf mil, CCAÇ 1420], era dos elementos mais válidos da companhia. Habituado ao calor e à humidade, entendia-se perfeitamente com o clima e não estranhava o mato. Nele se movia, habitualmente, com o desembaraço dum lisboeta no Chiado. Apaixonado caçador como quase todo o bom africano, este era-lhe familiar. O instinto de conservação levava-o, debalde, à busca de uma qualquer solução.

Ia adiando o desastre que já pressentia, fazendo a um tempo pagar bem caro o preço da sua vida e dando oportunidade a que algo sucedesse. Poucos que eram, mantinham ainda em respeito o mais que numeroso grupo inimigo, esperançados na ajuda que certamente lhes prestaria alguma das companhias. Que nunca chegou!... Foram-se esgotando as munições. Aos poucos... Aos poucos foram entrando em desespero...

Numa tentativa suicida para inverter a situação, romperam o contacto em louca e desorientada correria. Tendo conseguido estabelecer alguma distância entre o minúsculo grupo que constituíam e o numeroso efectivo que o perseguia, a trégua de pouco lhes serviu.

E é pelo relato do Soldado José Vieira Lauro [da CCAÇ 1423], único sobrevivente daquele grupo, que se pode aquilatar a vastidão do desastre.


Perdidas as noções do tempo e das distâncias, perseguidos, acossados, encurralados, cercados, sem pausas para pensar ou tentar coordenar ideias, sem rumo e sem direcção, completamente desorientados, sem saber sequer onde estavam, na maior confusão sobre a localização do aquartelamento, indecisos para onde ou por onde progredir, durante quatro longos, sacrificados, penosos e infernais dias jogaram tragicamente ao 'gato e ao rato' em manifesta desigualdade.

Desigualdade que se foi agravando com o desenrolar do tempo e com a passagem dos dias, cada vez mais sujeitos à hostilidade dum mar verde que os envolvia, tolhia e amedrontava, cada vez mais rejeitados por uma selva que os não reconhecia e onde não tinham lugar.

Sem hipóteses de sobrevivência, facilmente referenciados dada a impossibilidade de integração ou mesmo de dissimulação no meio ambiente que os rodeava, pressionados pela perseguição feroz que o inimigo lhes movia, foram-se desgastando fisicamente e vendo definhar a pouca força moral que ainda restava.

 [Sexta feira, 8 de outubro de 1965: ] 
A  primeira baixa  do grupo

A própria fé que um acordar redentor fizesse com que, em vez da trágica realidade, da dura e cruel situação em que se encontravam, nada mais fosse que um tremendo pesadelo, se desvaneceu.


Afastada por inverosímil e absurda essa hipótese, sem o menor sinal de ajuda, sem a mínima sombra dum apoio, sentiam que o mundo donde provinham, completamente alheado das suas fraquezas, se tinha esquecido das suas angústias e mais grave ainda já duvidava das suas existências.

Abandonados, isolados, completamente entregues a si próprios e às desventuras que o destino lhes reservara, vencidos pelo desânimo, vergados pelo infortúnio, progressivamente se quebrou a pouca resistência que sobrava.

Já só um milagre os salvaria da morte. Milagre que não aconteceu... Sustidos pelo rio que lhes barrava o caminho, encerradas assim as já poucas saídas que lhes restavam, tudo começava a consumar-se.

Uma bala mais certeira trespassou, no segundo dia [sexta-feira, 8 de outubro de 1965], um deles, provocando a primeira baixa no grupo...

O corpo para ali ficou abandonado, repasto para os bichos!...

 
 [Sábado, 9 de outubro de 1965: ] 
A  segunda baixa   


Ao terceiro dia [sábado,  9 de outubro de 1965] caiu o segundo. 

Mais um despojo que para ali ficou esquecido a marcar tragicamente a transitoriedade da vida. Tal como o primeiro,  o seu corpo para ali ficou de qualquer maneira, insepulto.


[ Domingo. 10 de outubro de 1965:] 
O desespero leva a dois suicídios 


No último dia [domingo, 10 de outubro de 1965,] em que funestamente tudo se consumou, um dos sobreviventes entrou em desespero. Não conseguindo suportar todo aquele sofrimento, toda aquela imensa pressão, no limite do controlo sobre as já pouco lúcidas faculdades mentais, em absoluta crise emocional, sem conseguir sequer imaginar uma saída redentora, só a morte se lhe afigurava como solução libertadora. 

Profundamente deprimido e a caminho da alienação total, pôs termo à vida e ao sofrimento, com um tiro na cabeça.

No auge do desespero e numa tentativa suicida, à partida absolutamente condenada ao fracasso, um tentou a salvação através do rio, por onde se meteu... para nunca mais ser visto.

 Jaz com certeza morto, algures... E se não teve por benção e por morte o afogamento, serviu de repasto aos crocodilos no que certamente terá sido um final dramático.


[ Domingo. 10 de outubro de 1965:] 
A morte do alferes Vasco Cardoso 
e a rendição do soldado José Vieira Lauro

O alferes foi o último a ser abatido e o soldado Lauro, largou a arma e entregou-se… 

De nada lhe serviria o sacrifício da vida. Teve início então o longo calvário que se seguiu.

A caminhada rumo à fronteira, só atingida ao fim de vinte e dois dias de marcha, onde as canseiras, a dor e o sofrimento lhe causavam bem menor mágoa que o sentimento de culpa, o profundo abatimento e a vergonha de se sentir prisioneiro. 

A esse angustiante estado de alma se aliava o enorme desconforto motivado pelo receio do desconhecido, agudizado pela incerteza do futuro.

Só, inacreditavelmente só, como nunca se tinha sentido, possuído por uma tristeza mais negra que a pele dos próprios captores que o conduziam, caminhava como se fosse um autómato. 

Da fronteira para Conacri, o transporte em viatura, a entrevista com o próprio Amilcar Cabral, a recusa em ler para a rádio Argel, onde alguns compatriotas então brilhavam, fosse o que fosse contra Portugal, a clausura numa prisão, num antigo forte colonial francês, na cidade de Kindia, cerca de uma centena de quilómetros a nordeste de Conacri.

Aí, onde sob o enorme portão fronteiriço se podia ler "Maison de Force de Kindia", foi encontrar o 1.° sargento piloto-aviador Sousa Lobato, primeiro militar português que o PAIGC aprisionou quando, no sul da província, teve de efectuar uma aterragem de emergência numa bolanha, corria o ano de 1963.

Permaneceu em cativeiro, trinta longos meses. Foi libertado num gesto de boa-vontade, em 1968 e entregue à Cruz Vermelha Internacional que o fez chegar a Lisboa. (***)

Não esqueceu os tempos maus que por lá passou mas nunca foi alvo de procedimentos vexatórios ou de maus tratos. Era um prisioneiro de guerra, assim foi considerado e como tal tratado. 

Nesse aspecto e unicamente reportando-me à Guiné, se alguém teve razões de queixa, não foi seguramente a tropa portuguesa. 

O próprio Amílcar Cabral nunca se cansou de afirmar que a luta era contra o Regime Colonialista que então detinha o poder em Portugal e nunca contra o povo português.

Entretanto em Fulacunda, procedia-se ao rescaldo da operação. Formadas as companhias já a meio da tarde, quando se começou a recear que mais ninguém conseguisse regressar, contavam-se os efectivos.

−  Seis! Faltavam seis homens! Dois da [CCAÇ] 1420 (o Alferes Vasco Cardoso e o Soldado-telefonista n.º 1020/64 Armando Leite Marinho) e quatro da [CCAÇ] 1423 (o 1.° Cabo Fernando de Jesus Alves e os Soldados José Ferreira Araújo, Armando Santos e José Vieira Lauro. (...)  (#)
_______

(#) Vd. também CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico- Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro 1 (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014), pág. 324.

(...) - Sector Sul 1
Em 7 de Outubro de 1965, foi levada a efeito a operação "Lenda" por forças das CCaç 1420 e 1423, constando de um golpe de mão a um acampamento a sul de Gamol; o lN flagelou por 3 vezes as NT, sofreu 6 mortos, tendo sido capturada uma pistola metralhadora.

Na retirada, desapareceram um oficial e 5 praças. Apesar da intensa actividade desenvolvida, quer nessa zona quer nas mais prováveis linhas de trânsito ln para o sul, não foi possível recuperá-los.

Na área de Fulacunda, fizeram-se imediatamente a eguir as operações "Busca", "Ovo" e "Eco".

Em 14Dez, o BCaç 1860, através das CCaç 797 e CCaç 1420, realizou a operação "Onça", na península do Gampará. O ln opôs resistência durante o desembarque das forças da CCaç 797 em Ganquecuta; emboscou por 2 vezes as mesmas forças na região de Gambachicha, causando 3 feridos e flagelou forças da CCaç 1420, perto de Tumaná, sofrendo 5 mortos. As NT
fizeram 10 prisioneiros e capturaram 1 espingarda, 2 pistolas, 2 "longas", carregadores e outro material.

(...) Sobre as duas companhias envolvidas:

A CCAÇ 1420, mobilizada pelo RI 2, partiu para o CTIG em 31/7/1965 e regressou a 3/5/1967. Esteve em Fulacunda, Bissorã e Mansoa. Comandantes: cap inf Manuel dos Santos Caria; cap inf Humberto Amaro Vieira Nascimento; cap mil inf Adolfo Melo Coelho de Moura.

Pertenceu ao BCAÇ 1857 (Bissau, Mansoa, Mansabá, 1965/67).

A CCAÇ 1423, mobilizada pelo RI 15, partiu para o CTIG em 18/8/1965 e regressou a 3/5/1967. Esteve em Bolama, Empada e Cachil. Comandantes: cap inf Artur Pita Alves; cap inf João Augusto dos Santos Dias de Carvalho; cap cav Eurico António Sacavém da Fonseca;

Pertenceu ao BCAÇ 1858 (Bissau, Teixeira Pinto, Catió, 1965/67). (...)
______________


(... ) Comentário do nosso coeditor Virgínio Briote: 

Rui: Ao publicar o artigo que o Santos Oliveira me enviou sobre a história do BCaç 1860, reli o que escreveste sobre o caso dos desaparecidos, que é como a história do Batalhão retrata, rapidamente, o caso.

Duas imagens me saltaram. A primeira, foi a leviandade com que a ausência dos nossos Camaradas foi sentida. Quatro longos dias, abandonados. E o Batalhão  na sua história, neste caso pequena acrescento eu, foge do assunto, de tão notórias lhes são devidas responsabilidades.

A outra é a História que, com base nos depoimentos do Lauro, tu contaste. Como se fosses tu o encarregado de acrescentar a História deles à história do BCaç 1860, para além dos nomes dos desaparecidos com que os escribas da hitória do Batalhão os homenageou.

E é assim, caro Rui, que a tal História, a de todos nós se vai fazendo, já que com as histórias das unidades não iríamos muito longe, se é que queremos contar a tal História com verdade.

Sim, nós sabemos que há sempre duas histórias. A oficial, escrita, e a outra feita destas Histórias, que tão bem descreveste.

Um abraço, Rui, e um obrigado por nos teres possibilitado prestar esta pequena homenagem à memória dos Nossos Camaradas desparecidos, ou mais propriamente abandonados.
vb


(***) Vd. poste de 19 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1972: Prisioneiros de Conacri: Jacinto Madeira Barradas (Alter do Chão) e José Vieira Lauro (Leiria) (Benito Neves)

(...) Um outro camarada.  ex-prisioneiro de Conacri foi o José Vieira Lauro, que já era prisioneiro em Conacri quando o Jacinto Barradas lá chegou (...).

Foi um dos que mais tempo esteve aprisionado e, na prisão, cabia-lhe a tarefa de distribuir a comida pelos restantes prisioneiros. Na maior parte das vezes (segundo o Jacinto Barradas) apenas era distribuído arroz porque, das poucas vezes em que a refeição trazia alguma carne de galinha, esta era roubada pelos guardas.

O José Vieira Lauro vive na região de Leiria - telef. 244 881 695; telem. 919 086 150. (...)


Vd. também poste de 18 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1967: Prisioneiros em Conacri, capa da Revista do Expresso, 29 de Novembro de 1997: o que é hoje feito deles ? (Henrique Matos)