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quinta-feira, 23 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14923: Agenda cultural (419): "De Freguês a Consumidor, 70 anos de sociedade de consumo". Tertúlia com Mário Beja Santos levada a efeito no passado dia 16 de Julho na Livraria Barata, em Lisboa

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), Técnico Superior Aposentado da Direcção Geral do Consumidor, com data de 20 de Julho de 2015, com o rescaldo da sua intervenção, na tertúlia levada a efeito na Livraria Barata, no passado dia 16*, subordinada ao tema sempre actual "De freguês a Consumidor":

A Livraria Barata faz parte dos meus lugares mágicos. Na minha adolescência, tinha uma entrada como uma padaria ou drogaria, era um espaço minorca talentosamente aproveitado pelo Sr. Barata, até conseguia espaço para que o David Mourão Ferreira ou o Artur Portela Filho ou o Virgílio Ferreira conversassem com os leitores, e nós à volta, a beber todas aquelas palavras em silêncio.

Pedi ao José Rodrigues, genro do Sr. Barata, para ali se fazer uma tertúlia, “De freguês a consumidor” é o meu testemunho como profissional e como professor.

Foi um debate vivo, uma casa bem composta em que o nosso confrade Mário Vitorino Gaspar se referiu ao nosso bairro de infância, o Bairro das Caixas, encravado entre o Campo Grande, a Avenida Alferes Malheiro (hoje Avenida do Brasil), a Avenida dos Estados Unidos da América.
Uma pequena burguesia do funcionalismo para ali foi residir, assistiu ao nascimento daquelas Avenidas Novas que assinalavam o alargamento das classes médias, dava-se por findo a contenção da II Guerra Mundial.

Foi uma tertúlia de memórias a que não faltaram as interrogações sobre este mundo em que os jovens não têm emprego e o interior se desertifica, inexoravelmente.

Um abraço do
Mário





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Nota do editor

(*) Vd. poste de 14 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14875: Agenda cultural (417): "De Freguês a Consumidor, 70 anos de sociedade de consumo". Venha cavaquear comigo, dia 16 de Julho pelas 19 horas, na Livraria Barata, Av. de Roma, n.º 11, em Lisboa (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 17 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14892: Agenda cultural (418): 32º festival de Almada: sábado, 18, 20h00, música guineense, o "Djumbai Jazz" (Jorge Araújo)

domingo, 6 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21329: Blogpoesia (695): "O agitar das águas", "Senhora Marquinhas da venda" e "Apenas agricultor", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. A habitual colaboração semanal do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) com estes belíssimos poemas, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante esta semana:


O agitar das águas

Águas paradas estagnam. Vêm os insectos e as algas, turvam a superfície.
O sol não inunda o seio e a vida definha nelas.
Como um charco. Imundo e fétido.
É a morte.
O que lhe sustenta a vida é o vento em brisa ou na agitação agreste.
Assim se passa no mundo das ideias. A letargia desertifica a
mente.
Tal como a ociosidade como hábito.
A vontade é o motor do corpo.
Se ele pára, a alma desiste e o corpo caminha para a extinção.
Uma amizade se não se demonstra com a presença, a entreajuda e o sacrifício, enfraquece e, depressa, morre.
Porque secaram as flores do belo jardim?
Seu dono deixou de o regar...
A lareira apagou? Se acabaram os cavacos!...

Berlim, 2 de Setembro de 2020
14h39m
Jlmg

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Senhora Marquinhas da venda

Havia na Forca uma tasca. Vinho da pipa e petiscos frescos eram sua bandeira.
Por trás do balcão de madeira,
Andava a senhora Marquinhas, a mãe,
E sua filha também.
Se cuidavam as duas.
Acudiam fregueses, sobretudo, homens.
Ali passavam a tarde.
Cavaqueando de tudo.
Jogavam à sueca e bisca lambida.
Bebiam canecas de tinto, em porcelana.
Umas atrás das outras.
Quando chegava a tardinha,
Recolhiam a casa para o caldo.
Tresandavam a vinho.
Um santuário de paz no seio da Forca.
Não era por ali que o mal vinha ao mundo...

Berlim, 4 de Setembro de 2020
9h41m
Jlmg

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Apenas agricultor

De sacho e enxada nas mãos, sou apenas o agricultor.
Revolvo a terra. Exponho-a ao sol o seu interior.
Tiro as ervas daninhas.
Os vermes a limpam gratuitamente.
A vida dá-a ele.
Me deleita ver crescer a vida verde.
Contemplar suas flores.
Ver seus frutos a amarelecer.
Depois, é um regalo colher tudo e encher de pão o celeiro enxuto.
É o ritmo vital da natureza.
Tudo é gratuito.
A chuva, o sol e a terra.
Uma condição:
Só damos o engenho e a força das nossas mãos.
Que riqueza!...

Berlim, 5 de Setembro de 2020
10h44m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21324: Blogpoesia (694): poemas para dizer em voz alta, em casa, na varanda, na rua, ou à beira-mar, em tempos de pandemia: António Gedeão, Li Bai, David Mourão Ferreira e Viriato da Cruz (seleção de Mário Gaspar, António Graça de Abreu, Mário Beja Santos e Luís Graça respetivamente)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14067: Sob o poilão sagrado e fraterno da nossa Tabanca Grande: boas festas 2014/15 (8): José Eduardo Oliveira, Luís Fonseca, José Carlos Mussá Biai, Joaquim Nunes Sequeira, José Teixeira, António M. Sucena Rodrigues, José R. Firmino, António Tavares, Ernestino Caniço, Júlio C. Abreu e Abel M. Santos

Sob o poilão sagrado e fraterno da nossa Tabanca Grande: Boas Festas 2014/15


1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira (JERO), ex- Fur Mil Enf.º da CCAÇ 675, (QuinhamelBinta e Farim, 1964/66), com data de 17 de Dezembro de 2014:

Boa noite
As minhas primeiras palavras vão para o amigo especial, e que muito prezo, que é o fundador, administrador e editor da primeira hora, que responde pelo nome de Luís Graça Seguem-se nos meus agradecimentos os co-editores e os colaboradores permanentes.
Tomo a liberdade de distinguir a "trave-mestra" do Tabanca Grande, Carlos Vinhal. Que bem merece uma estátua pelo seu trabalho e dedicação. Que acontece já há tantos anos. Muito obrigada a todos.

Abraço fraterno e cisterciense de Alcobaça.
JERO

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2. Mensagem do nosso camarada Luís Fonseca, ex-Fur Mil Trms da CCAV 3366/BCAV 3846, Suzana e Varela, 1971/73, com o seu postal natalício:






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3. Mensagem do nosso amigo guineense José Carlos Mussá Biai, com data de 19 de Dezembro de 2014

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio
no prédio que amanhã for demolido...
entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.
Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
entremos, despojados, mas entremos.
De mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

David Mourão-Ferreira - Cancioneiro de Natal. 
Lisboa: Edições Rolim, 1986.

Votos de um Feliz Natal e um Bom Ano Novo!
José C. Mussá Biai

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4. Mensagem do nosso camarada Joaquim Nunes Sequeira, ex-1.º Cabo Canalizador do BENG 447, Guiné, 1965/67, com data de 19 de Dezembro de 2014:

Camarada Luís Graça e companhia.
Segue Boas-Festas e ao mesmo tempo vão umas fotos de Farim de 1966 para tentar dar mais um toque do que era Farim naquele tempo.
Há dias vi as fotos do companheiro Patrício Ribeiro e fui ao baú tirar as que seguem dá para marcar mais uns pontos no nosso blogue.

Um Abraço a todos os Camarigos do
Sempre “Sintra” da Guiné.
Camarigo n.º 608

Nota do editor:
As fotos alusivas a Farim, porque são muitas, serão publicadas oportunamente na série A memória dos lugares

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5. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux. Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2014:

Bom amigo.
Todos os anos, pelo Natal, somos convidados:
A parar um pouco no tempo e olharmo-nos com outros olhos.
A distribuir amor à nossa volta com sorrisinhos e votos de Boas Festas.
A dar oportunidade à Família.
A olhar os mais frágeis (coitadinhos) com outros olhos.

e depois...


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6. Mensagem do nosso camarada António Manuel Sucena Rodrigues (ex-Fur Mil da CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74), com data de 20 de Dezembro de 2014:

A todos os camaradas desejo Boas Festas



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7. Do nosso camarada José Rodrigues Firmino, ex-Soldado Atirador da Companhia de Caçadores 2585/BCAÇ 2884 Jolmete, 1969/1971:





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8. Do nosso camarada António Tavares, ex-Fur Mil da CCS/BCAÇ 2912, Galomaro, 1970/72:






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9. Do nosso camarada Ernestino Caniço, ex-Alf Mil, CMDT do Pel Rec Daimler 2208, MansabáMansoa e Bissau, 1970/72:






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10. Mensagem do nosso camarada Júlio da Costa Abreu, ex-1.º Cabo Comando, Chefe da 2.ª Equipa do Grupo de Comandos "Centuriões" (Brá, 1964/66); a viver na Holanda:

Caros Amigos Luís e Vinhal,
Por este meio e desta fria Hollanda, venho juntar os meus votos sinceros de UM NATAL MUITO FELIZ e UM ANO 2015 muito próspero para todos os colegas (e famílias) não só da Guiné, mas também de Angola e Moçambique, onde perderam parte da juventude e se formaram verdadeiros Homens e Mulheres, comendo o pão que infelizmente o diabo amassou.

Júlio Abreu
Grupo de Comandos  Centuriões
Ex-Guiné Portuguesa

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11. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), com data de 14 de Dezembro de 2014:

Para os meus camaradas ex. combatentes e toda a tertúlia, assim como seus familiares um Santo e Feliz Natal.

Abel Santos

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14066: Sob o poilão sagrado e fraterno da nossa Tabanca Grande: boas festas 2014/15 (7): Continuo a ter razões para acreditar na existência do Menino Jesus (José da Câmara)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9341: Memórias de Manuel Joaquim (3): Est-il un ennemi?

1. Mensagem de Manuel Joaquim* (ex-Fur Mil de Armas Pesadas da CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67), com data de 6 de Janeiro de 2012:

Meus queridos camaradas, editor e co-editores:
Aqui vai mais um texto sobre a "minha guerra". Não sei avaliá-lo quanto à sua publicação. Cometemos muitas vezes erros de avaliação por olharmos mais para o próprio umbigo do que para o universo que nos envolve. Sei que "Est-il un ennemi?" me marcou, para o bem ou para o mal agora não interessa.

Um grande abraço
Manuel Joaquim


EST-IL UN ENNEMI ?

“Bellum dulce inexpertis”, é uma expressão latina que pode ser entendida como “bem parece a guerra a quem não vai nela”. Pois é, devem ser raros os combatentes que não concordem com tal afirmação. Eu fui nela, a guerra, e ela também não me pareceu nada bem. Quando nela entrei senti necessidade de solucionar uma dúvida, como que existencial para mim: “quem é o inimigo?", “sou inimigo do meu inimigo?”, “vê-me ele seu inimigo?”

Chegado a Bissau, onde fiquei dois meses e meio, este processo mental foi tendo um lento desenvolvimento ao mesmo tempo que eu tentava “apreciar” a atmosfera militar e política da Guiné. Havia uma guerra de guerrilha, onde está o inimigo? A teoria bélica diz que pode estar em qualquer lado.

Ideologicamente percebia a guerra, comecei a ver que a minha observação (no local) ia ao encontro das minhas ideias sobre o assunto. Estava numa guerra iniciada pelos mesmos motivos e com os mesmos objetivos que justificaram centenas de outras no decurso da história das nações, e que era a conquista da independência de um certo território, a do meu próprio país é um pequeno exemplo (ou grande!).

Parti de Bissau para Bissorã, saí da coscuvilhisse da guerra para uma zona de combate. Psicologicamente tinha de agarrar a nova situação “pelos cornos”, construir o meu lugar naquele conflito, para evitar “ir-me abaixo”. Em primeiro lugar arrumar a cabeça. Como controlar as emoções, como gerir as contradições entre as ideias e os atos? Já que tinha obedecido à mobilização só tinha uma coisa a fazer, que era combater o designado inimigo. A ética assim mo exigia, em respeito por mim próprio e pelos meus camaradas.

Percebendo as razões do conflito, não foi difícil imaginar-me na pele do IN e pensar que provavelmente estaria a fazer o mesmo que ele, se estivesse no seu lugar. Éramos inimigos mas os dois lados do conflito combatiam por ideias de soberania para um mesmo território, uns a favor outros contra. Éramos inimigos num combate político, usando armas de guerra. Assim, não poderia guardar em mim um lugar para ódio, desprezo, nem mesmo menosprezo pelo IN. E foi com este estado de espírito que geri, na parte que me cabia, a minha presença e ação nesta guerra.

A propósito de inimigo, aqui vai uma pequena história.

Ao chegar a Bissorã, uma das primeiras coisas que fiz foi ligar o meu rádio/gravador e procurar estações de rádio em OM. Já esperava “apanhar” bem o Senegal mas a surpresa foi grande quando começo a ouvir um acordeão tocando uma melodia para mim desconhecida e que me pareceu familiar mas, para mim, completamente deslocada nas estações de rádio daquela zona de África. Já não sei se era o indicativo da estação ou de um seu programa. Adiantando: anos mais tarde ouvi tal música na voz de Amália e, surpresa, era o fado “Maria Lisboa” (letra de David Mourão-Ferreira e música de Alain Oulman).


Esta rádio senegalesa era de expressão francesa e começou a fazer-me companhia diária, ouvia-se muito bem, tinha belas canções, enfim, respirava-se Europa. E aconteceu o imprevisto numa canção que me marcou. Melodia triste, com tonalidades que me faziam lembrar uma mistura de fado e flamenco, muito agradável de ouvir e... com uma letra que me revolveu e que não mais esqueci, 46 anos passados. Não sei qual a razão por que era reposta frequentemente. Seria pela mensagem? Gravei-a e ficou uma das canções da minha vida, não pelo seu valor artístico mas pelo tempo e circunstâncias em que a ouvi. Era cantada pelo franco-argelino Enrico Macias mas só agora soube o seu nome (abençoada internet). Chama-se “Est-il un ennemi?” (É ele um inimigo?)


Est-il un ennemi? tem uma letra que marcou a minha visão sobre os meus inimigos, numa guerra em que lutei para os vencer. Humanizou a sua presença como meus adversários e mostrou-me que, apesar de estarmos tão “longe”, estávamos muito perto como seres humanos-peças duma guerra em que o sacrifício e o sangue, no limite, nos fazia “irmãos” mesmo que disto não tivéssemos consciência. Aqui vai, com desculpas para possíveis erros de uma tradução sujeita aos limites dos meus conhecimentos de francês, que não são lá grande coisa.



Est-elle un ennemie?
A minha lavadeira, minha amiga e meu alento. Na sua pose vislumbra-se a personagem. Segura, confiante e, para mim, um esteio de beleza humana que me ajudou a admirar as mulheres da Guiné. Inesquecíveis os momentos de convívio que me proporcionou. 
(Nota: ponha-se de lado qualquer ideia de cariz sexual)

Esta visão do “meu” inimigo poderia ser uma ilusão, na prática a morte dava os mesmos resultados fosse ela motivada por ódio ou não, com sadismo ou com misericórdia, com respeito pelo inimigo ou não. Mas isso é outra história que não diminui a dimensão humana que muitos de nós tentaram preservar nas atitudes tomadas tanto com os camaradas como com toda a gente, mesmo do lado inimigo.

O medo e a coragem andavam juntos, talvez muitas vezes o não percebêssemos, tanto para vivermos como para (não)morrermos.Vivemos aqueles nossos tempos com a morte que, desejando-a longe de nós, sempre a sentíamos presente. A nossa sobrevivência, se calhar, dependia mais do desespero que nos fazia agarrar à vida, ao futuro, do que à sorte que tantas vezes suplicámos que não nos abandonasse. A esta distância de dezenas de anos, falo por mim, olho para aquele tempo desgraçado, dolorido, vivido ao dia quando não à hora, algumas vezes ao minuto, como um tempo de vida tão limitada quanto intensa e cheia. Como nunca mais tive mas do qual não tenho saudades. Tenho saudades, sim, é da minha juventude.
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9326: Memórias de Manuel Joaquim (2): Manhã maculada

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8485: Os nossos médicos (29): O arraial minhoto do Alf Mil Med Pinheiro Azevedo no Xitole, em 4 de Abril de 1972 (Joaquim Mexia Alves, CART 3492 / BART 3873, 1971/74)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > CART 3942 / BART 3873 (1971/73)  > Empenagens de granadas de canhão sem recuo, recuperadas depois da primeira flagelação ao Xitole em 04.04.1972. Ao fundo vêem-se as valas que utilizávamos durante as flagelações.

Foto: © J. Mexia Alves (2009). Todos os direitos reservados





Viseu> 15 de Junho de 2007> Encontro do BART 3873 ( Bambadinca 71/74)> Da esquerda para a direita e de cima para baixo: Casimiro Barata, António Silva, Álvaro Basto, António Barroso; Silva, Eduardinho, Lima Rodrigues, António  Azevedo (assinalado com rectângulo a amarelo); Maçães, Mourão, Ceia, Artur Soares e Carlos Nunes.

Foto (e legenda) : © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, aproveitando  este pequeno e feliz macaréu que foi a chegada, à nossa Tabanca Grande, mais um camarada doutor, o ex-Alf Mil Med José Pardete Ferreira (*):

De: Joaquim Alves [joquim.alves@gmail.com]
Enviado: quarta-feira, 29 de Junho de 2011 11:07
 Assunto: Falando de médicos


Meus caros editores: Como estamos a falar de médicos (*), envio-vos uma pequena história, que não sei se já contei aqui na Tabanca Grande.


O António Azevedo, não me leva a mal, tenho a certeza, por eu contar esta história, que foi ele próprio que a contou. O António Azevedo, médico, que o foi durante uns meses no Xitole, é uma pessoa excelente, que deixou saudades em todos nós e,  por isso mesmo, é um amigo que todos muito prezamos.


A história conta algo que, se calhar, alguns de nós vivemos assim mais ou menos parecida!


Lembro-me, como já uma vez contei aqui na Tabanca Grande, que no primeiro ataque na Ponte dos Fulas, salvo o erro, o meu pensamento ser qualquer coisa como:
- Aqueles gajos são doidos! Ainda matam alguém a disparar para aqui!


Enfim, a noção de guerra ainda era um "sonho"!


A fotografia [, acima,] mostra empenagens de granadas de canhão sem recuo, julgo que recolhidas no quartel do Xitole após a flagelação de 4 de Abril de 1972. Ao fundo, a chamada vala da "messe de oficiais", da qual se vê uma ponta do alpendre de entrada.


Um abraço bem camarigo e sorridente do
Joaquim Mexia Alves


2. Onde é o arraial ???
por Joaquim Mexia Alves


Num almoço que a CART 3492 teve em Monte Real, há dois anos, talvez, o António Azevedo, nosso médico, (que deixou saudades) (**), durante uns tempos no Xitole, contou-me a seguinte história que tenho a certeza não levará a mal que aqui a reproduza.

Conta ele que quando foi o primeiro ataque ao Xitole estava no exterior da "messe" de oficiais, e ao ouvir os sons das saídas de morteiro e canhão sem recuo, começou a olhar para o ar para ver onde era o "arraial", pensando estar em Viana do Castelo,  nas festas ou coisa parecida.

Conta ainda que se sentiu projectado no ar e caiu dentro da vala, comigo por cima!

Tinha sido eu que o tinha "atirado" para a vala,  ao dar-me conta que ele não percebia o que se estava a passar!

Se fosse hoje, com o meu peso,... esmagava-o!!!!


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Notas do editor:


(**) De seu nome completo, António Alfredo Viana Pinheiro Azevedo, natural do Porto, ou a viver e a trabalhar no Porto,  neurologista do Hospital Stº  António. É conhecido profissionalmente pelo apelido de família, Pinheiro Azevedo. 


A informação é do Álvaro Basto, que foi Fur Mil Enf da CART 3942 (Xitole).  No nosso blogue também aparece como António Alfredo Azevedo ou Alfredo Pinheiro Azevedo:


17 de Abril de 2009  > Guiné 63/74 - P4200: Ainda e sempre a tragédia do Quirafo. Sortes distintas para António Batista e António Ferreira (Mário Migueis / Paulo Santiago)

(...) Ora, esta alegada constatação do Álvaro Basto, cuja presença no Saltinho, bem como a do Alf Médico Alfredo Pinheiro de Azevedo, me passou despercebida no meio daquela verdadeira barafunda – pelo menos, não me lembro de os ter visto -, leva (ou pode levar) os leitores a concluírem que nenhum dos mortos terá sido identificado e os familiares a interrogarem-se mesmo sobre a realidade (o quê ou quem?) escondida naquelas urnas seladas, chumbadas, que um dia lhes remeteram para casa. (...)


(...)  P1985 (22/07/2007: “… O Álvaro Basto tem uma questão pertinente. No dia da emboscada, ele e o Alf Médico Azevedo, que prestava assistência no Xitole e no Saltinho, foram a este último quartel, a fim de passarem as respectivas certidões de óbito. O Dr Azevedo, apesar da insistência do Lourenço (capitão da CCaç 3490) recusou-se a passar certidões daqueles corpos carbonizados e desmembrados…”.(...)


(...) Não corresponde, pois, à realidade a ideia de que não terá sido possível a identificação dos corpos, conforme poderia inferir-se do teor do P4117. Na verdade, o Fur Álvaro Basto e o Alf Médico Alfredo Azevedo poderão não o ter conseguido fazer (e, se calhar, é justamente isso que o Álvaro pretende dizer), justificando-se perfeitamente a eventual recusa de emissão das certidões de óbito (não conhecendo pessoalmente as vítimas e perante corpos tão maltratados, mais não se lhes poderia exigir, mesmo disponibilizando-lhes os documentos de identificação, com foto, da totalidade das vítimas). Mas, outros puderam fazê-lo com segurança: traços fisionómicos e/ou outros característicos permitiram, felizmente, esse reconhecimento, pelo que não havia razões para inventar nada, como terá sido o caso em situações análogas (constava, não sei se de facto existiram) verificadas nos três teatros de operações. De qualquer modo, acredito que, na Guiné, durante o consulado de António de Spínola, isso seria absolutamente desaconselhável de tentar, dado o pendor patriarcal do General e a sua reputação de Comandante-Chefe implacável para com os incompetentes e irresponsáveis. (...).








(...) [Comentário a este poste] Mensagem do Álvaro Basto, nosso prezado camarada, que é trambém um dos animadores da Tabanca de Matosinhos, e que foi Fur Mil Enf, na CART 3492 (Xitole e Ponte dos Fulas, 1971/74)















Luis: Excelente texto, este do Mário Miguéis a quem na passada quarta-feira tive o prazer de conhecer pessoalmente embora não o relacionando nem de perto nem de longe com este assunto. O esforço pela síntese da verdade na amálgama de tanta informação, alguma até contraditória, é merecedora do nosso mais vivo respeito e daqui quero expressar-lhe desde já os meus parabéns.















Muito do que tenho procurado transmitir tem sido ventilado com o Dr. Pinheiro Azevedo com quem continuo a ter excelentes relações e que por diversas vezes tenho tentado trazer à liça com as suas informações obviamente credíveis e esclarecedoras.















Adianto que irei uma vez mais insistir para que, também ele, dê o seu contributo esclarecendo e confirmando alguns dos aspectos mais relevantes desta tragédia especialmente no que concerne à identificação dos corpos. 















O horror dessa tarefa teve em mim duas acções contraditórias no tempo, por um lado nunca mais esqueci as suas imagens mais gerais e por outro (se calhar ditado pelo meu inconsciente), o de ter esquecido muitos dos pormenores.















Ficou-me com especial nitidez a imagem do [Alf] Armandino que jazia inanimado em cima de um unimog e os corpos mutilados e carbonizados nas casas de banho. Recordo-me da dificuldade que reinava em reconhecer muitos deles. Recordo-me que dois deles estavam especialmente mal tratados e que não haveria concenso quanto a saber-se quem era quem. Acho que o Dr. Alfredo Pinheiro Azevedo se recusou mesmo a assinar as respectivas certidões de óbito desses dois tendo-me contado que, mais tarde, em Bissau de partida para férias, foi confrontado com a insistência do Capitão Lourenço e tanto quanto sei do primeiro sargento da companhia que queriam.... arrumar aquela papelada... tendo-se no entanto este mantido firme e não tendo assinado... 















Mas para evitar mais especulações estou a mandar cópia deste mail ao Dr. Alfredo Viana Pinheiro Azevedo com um pedido solene aqui expresso de se pronunciar.... Esperemos que ele se decida a faze-lo depois de ler a síntese do Miguéis no Post 4194 e no Post 4200.Um grande Alfa Bravo. Álvaro Basto (...)







  

Em 2008, o Dr. Pinheiro Azevedo estava também registado como investigador do Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC) da Universidade do Porto (UP)


Fica uma dúvida:


 (i) o Joaquim Mexia Alves diz que ele, Dr. António   Azevedo, ou Pinheiro Azevedo [, foto da época, à esquerda], pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74), que tinha companhias sediadas em Xitole (CART 3492), Mansambo (CART 3493) e Xime (CART 3494); 


(ii) o Álvaro Basto garante-me que o médico em causa (Dr. Pinheiro Azevedo) pertencia ao BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74), com companhias em Cancolim (CCAÇ 3489), Saltinho (CCAÇ 3490) e Dulombi e Galomaro (CCAÇ 3491)...



22 de Julho de 2007  > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)

(...) O Álvaro Basto tem uma questão pertinente. No dia da emboscada, ele e o Alf Mil Médico Azevedo [, foto actual à direita], que prestava assistência no Xitole e no Saltinho, foram a este último quartel, afim de passarem as respectivas Certidões de Óbito. O Dr Azevedo, apesar das insistências do Lourenço [, capitão da CCAÇ 3490], recusou-se a passar certidões daqueles corpos carbonizados e desmembrados.

Pergunta o Álvaro e agora também eu [, Paulo Santiago,] pergunto :
- Quem assinou as ditas certidões? (...) 

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2248: Blogpoesia (6): África Raiz, de Fernanda de Castro


Capa do livro de Fernanda de Castro (*) (1900-1994) - Raíz Áfrca.
Desenhos originais de Eleutério Sanches. Capa de Inês Guerreiro
Tipografia A. Cândido Guerreiro, (Herdeiros) Lda.,
em Setúbal, Rua Serpa Pinto, 20 e 22, Portugal
Dezembro de 1966
__________

ÁFRICA RAIZ (**)
À terra de Bolama, em cujos braços repousa minha mãe

África,
no teu corpo rugem feras,
uivam fomes e medos ancestrais,
no teu sangue há marés,
na tua pele há dardos e punhais.

Ventre de Continentes,
és mater e matriz.
Ásia é semente, Europa é flor,
outros serão essência ou tronco,
tu, África, és raiz.

Dos teus flancos de fêmea fecundada,
nascem florestas, rios e montanhas.

Florestas venenosas de gigantes,
de monstros, de ciclopes vegetais,
de fungos, de landólfias e de orquídeas,
onde pastam manadas de elefantes,
onde flores carnívoras,
sob um céu baixo, de invisiveis brasas,
sugam antenas e digerem asas.

Fios de água, que vertes das entranhas
e te rasgam a pele
como pontas de lança,
como lâminas de aço,
prendendo, laço a laço,
matas, capim, tarrafe, canaviais.
Cascatas, cachoeiras,
furiosos caudais
saltando precipícios,
arrastando pirogas, crocodilos,
abrindo a golpes de água
os leitos abissais
dos Zambezes, dos Congos e dos Nilos.

Montanhas como dorsos de mamute,
gargantas de titans, abismos de neblina,
e na crosta rugosa a lepra das florestas,
as pegadas do vento,
as aves de rapina.
Presença subterrânea
de lavas e de chamas,
de vulcões em potência,
ressonância, rumores
dos rios interiores,
promessas de esmeraldas, de rubis,
de metais raros,
Kilimanjaros
nos roxos da distância.

(...)

É meio-dia. O sol, a pino,
é metal em fusão sobre as bolanhas.
Pilam arroz e milho, nas tabancas,
as mulheres Mancanhas.
Meninos de café, de chocolate,
com fieiras de contas e missangas,
rebolam-se no chão,
trincam nozes de coco, chupam mangas.
A cadência, o compasso do pilão,
os zumbidos, as moscas, o calor,
mergulham a tabanca
num cálido torpor.

Não há relógios. O que marca o Tempo,
não é o Sol, não é a Lua, a Estrela,
mas a esteira, o tambor, o arroz, a rede,
o sono, o amor, a fome, a sede.
(...)

Joaquim de Có, que tinha cem mulheres,
costumava dizer
a Dembo, seu herdeiro,
filho primeiro
de sua irmã Fulata:

- Que mais hás-de querer, ó Dembo,
se tiveres
vacas, arroz, mulheres,
aguardente de cana,
chabéu, mancarra, milho,
e cada ano um filho?
E ao homem grande de Lisboa,
ao chefe branco seu amigo,
com felina ironia:

- Negro é assim, coitado...
E sorria
com seus dentes limados,
aguçados,
de velho canibal,
que tem, só para ele, cem mulheres,
pra ele, Joaquim de Có,
enquanto o chefe branco tem só uma,uma só.
(...)
À tarde, à porta das palhotas,
em torno dos mais velhos,
dos que sabem contar coisas remotas
dos tempos esquecidos,
os mais novos escutam
com os cinco sentidos:

Dia que Deus fez mundo,
fez dois homens igual.
Deu a eles embrulho,
dois embrulhos igual,
e disse: não abrir,
se não eu castigar.
Um deles abriu,
pensou: Deus não vem cá.
Deus foi e castigou.
Ao outro deu caneta,
a ele deu enxada;
depois fez ele preto,
e ele pôs-se a chorar.
Veio então diabo,
sem ninguém chamar,
pôs-lhe mão na cabeça,
fez-lhe festa, festinha,
e o cabelo zangou
e ficou carapinha.
__________

Nota de vb:
(1) Maria Fernanda Telles de Castro e Quadros, nasceu a 9 de Dezembro de 1900 e faleceu a 19 de Dezembro de 1994. (...). Autora de livros e de peças para o público infantil, dramaturga, memorialista, romancista, tradutora, muito em especial poeta da alegria, como assinalou David Mourão-Ferreira no discurso de saudação no jantar comemorativo dos 50 anos de vida literária de Fernanda de Castro:
"Ela foi a primeira, neste país de musas sorumbáticas e de poetas tristes, a demonstrar que o riso e a alegria também são formas de inspiração, que uma gargalhada pode estalar no tecido de um poema, que o Sol ao meio-dia, olhado de frente, não é um motivo menos nobre do que a Lua à meia-noite”...
Fonte: Sociedade Portuguesa de Autores (Com os nossos agradecimentos).

(*) Fernanda de Castro, era filha de Ana Teles de Castro e Quadros e de João Filipe Quadros, oficial da Marinha de Guerra. Foi com os seus pais para a Guiné em 1913, quando seu pai foi nomeado Capitão do Porto e Chefe dos Serviços Marítimos de Bolama.
Fernanda de Castro dedicou este poema à memória da sua mãe, enterrada em Bolama, vítima da febre amarela.

(**) África Raiz, in Senegâmbia. Com a devida vénia.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24890: E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas (Joaquim Costa) - Parte II: Depois de Santo Tirso, Portalegre... e 18 razões para não mais esquecer o Alto Alentejo


Portalegre: Escola Secundária de São Lourebço

1.Continuação da nova série do Joaquim Costa, "E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas"...


(i) ex-fur mil at Armas Pesadas Inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74);

(ii) membro da Tabanca Grande desde 30/1/2021, tem cerca de 7 dezenas de referências no blogue;

(iii) autor da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)" (de que se publicaram 28 postes, desde 3/2/2021 a 28/7/2022) , e que depois publicou em livro ("Memórias de um Tigre Azul - O Furriel Pequenina", por Joaquim Costa; Lugar da Palavra Editora, 2021, 180 pp);

(iv) tirou o curso de engenheiro técnico, no ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto;

(v) foi professor do ensino secundário, tendo-se reformado como diretor da escola secundária de Gondomar;

(vi) minhoto, de Vila Nova de Famalicão , vive em Rio Tinto, Gondomar;



Portalegre: O histórico café Alentejano..

 
Joaquim Costa

"E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas" (Joaquim Costa);  Parte II: E depois de Santo Tirso, Portalegre...


Foi desta cidade que às 2 da manhã do dia 29 de outubro de 1972, fui conduzido (juntamente com a minha companhia) até Figo Maduro, onde embarquei num avião da FAP ruma à Guiné.

O pouco tempo que aqui permaneci, enquanto militar, não deu para conhecer esta bela região alentejana e o seu fantástico triângulo: Portalegre, Marvão, Castelo de Vide.

Lembro-me, na altura, da nossa infantilidade ao entrarmos na escola secundária, em frente do quartel, “matando o tempo”, deliciando-nos com os nomes, para nós, invulgares, mesmo bizarros, dos alunos afixados nas pautas, e, quem sabe, arranjar uma (ou mais) madrinha de guerra…

Nesta cidade lecionou José Régio – reclamado por Vila do Conde onde nasceu e por Portalegre onde viveu, sempre no meio da sua imensa coleção de Cristos.

Depois de dois anos em Santo Tirso, muitas dúvidas permaneciam sobre se seria este o meu caminho. Continuava com a ideia fixa de fazer o meu percurso profissional numa empresa, ou dar corpo a um gabinete de projetos de engenhria,  que estava na incubadora.

A forma como fui recebido em Portalegre: o excelente ambiente entre o corpo docente, o comportamento afável dos alunos (sempre brincando com o meu sotaque nortenho e sempre me dando os parabéns, todas as segundas feiras, pelo desempenho das minhas equipas – FCP e Famalicão que deram cartas nesse ano), as magníficas paisagens, as suas gentes e o seu sotaque doce e meigo e o seu cante, esfriaram a ideia de abandonar o ensino.

Um ano depois de Portalegre, surgiu uma resposta positiva para um emprego numa multinacional Alemã do ramo elétrico. Não obstante umas noites mal dormidas, acabei por rejeitar. O ano em Portalegre creio que foi decisivo para esta decisão.

Nada me tira o meu Minho (… e o meu Douro vinhateiro e...) mas o Alentejo e os Alentejanos estão no meu coração, inclusive o homem que “deitou abaixo” o meu pequeno garrafão de verde tinto nos longínquos anos 60 a caminho de Ermidas Sado.

Na passagem em trânsito para a Guiné, em 1972, não deu para conhecer a bela região do Alto Alentejo, desforrando-me “à tripa forra” em 1977/78.

Jamais esquecerei:

(i) as tertúlias na esplanada do Tarro, depois do jantar, até que os funcionários arrumando as mesas vazias e limpando o lixo debaixo dos nossos pés nos davam ordem de saída;

(ii) o cimbalino (termo que sempre fiz questão de utilizar, com o empregado sempre retorquindo: uma bica?) depois do almoço no café “Facha”, em frente ao imponente plátano, lendo as gordas do jornal da casa;

(iii) uma ou outra vez tomando o cimbalino, depois do jantar, no café Central, a meio da rua direita, mas que é muito “torta”, onde grandes jogadores de xadrez se juntavam;

(iv) um pingo (com o empregado sempre a retorquir: um garoto?) e uma nata, a meio da tarde, no lindo e histórico café Alentejano (onde David Mourão Ferreira comeu uns belos bifes com José Régio), felizmente ainda aberto e mantendo o mesmo “glamour”;

(v) as tardes mais quentes passadas debaixo do frondoso plátano (hoje quase monumento nacional);

(vi) o lanche com um grupo de amigos habituais, depois dos jogos de futebol, na tasquinha do Marchão, bebendo umas espetaculares imperiais (que eu insistia em chamar finos) acompanhadas com perninhas de rã (que eu nunca fui capaz de comer) e umas divinais empadinhas de frango, que eu devorava com sofreguidão;

(vii) as idas a um magnífico restaurante na Serra de S. Mamede, do qual já não me lembro o nome, com paragem obrigatória no magnífico miradouro;

(viii) a Pensão 21 onde me instalei com outro colega e amigo de Viana do Castelo: a qui fomos tratados como filhos pelo proprietário (o Sr. Mourato) e pela simpática empregada que nos servia as refeições; no dia em que decidimos fazer um estendal, na varanda do quarto, com as nossas cuecas a secarem ao sol, foi o dia em que não só o proprietário e a empregada, bem como todos os hóspedes, ficaram definitivamente rendidos aos jovens e prendados professores do Minho;

(ix) as refrescantes idas a uma fonte de água pura e fresca; nos dias de maior calor, a caminho da serra, onde sempre éramos alertados por simpáticas mulheres que aí vendiam fruta; que no alto da sua sabedoria espelhada nos seus cabelos brancos, que bebendo água da fonte o feitiço o ligaria ao Alentejo pelo casamento: o meu amigo de Viana do Castelo casou com uma jovem e simpática professora de Marvão e eu com a Isabel, uma alfacinha de Alcântara, (embora natural de Idanha), professora também deslocada na cidade, ou como diz o provérbio, “Tantas vezes o cântaro vai à fonte que um dia fica lá a asa”!!!

(x) as idas às tasquinhas da Serra de S. Mamede, onde aprendi a letra do “Fado do Embuçado” ;

(xi) o calcorrear, milímetro a milímetro das ruas e tasquinhas de Marvão e Castelo de Vide;

(xii) um fim de semana passado na casa de um colega de Évora, comendo uma divinal sopa de Cação preparada pela sua simpática esposa; 

(xiii) a noite passada numa taberna, estilo Zé d’Alter de Estremoz, onde o fado aparecia de onde menos se esperava, devorando um magnífico gaspacho; terminando a noite a ver nascer o Sol numa das zonas altas da cidade;

(xiv) a abordagem de uma patrulha da polícia, às 4 horas da manhã quando esperava-mos o nascer do sol, pedindo-me a carta de condução, que tinha ficado na pensão, o BI, o título de propriedade da minha Diane, que também não tinha - com o polícia já desesperado a pedir, qualquer documento com fotografia que também não tinha; dada a minha calma, adocicada com algum humor nortenho, o polícia esboçou um sorriso dizendo: parecem boas pessoas, aproveitem bem o fim de semana em Évora;

(xv) uma incursão a Badajoz com o regresso já com a fronteira fechada (chegamos 5 minutos depois da meia noite), voltando a Badajoz, esperando a abertura dos primeiros cafés para o pequeno almoço e acelerar para a primeira aula da manhã;

(xvi) assistir ao dérbi da cidade entre os Estrelas de Portalegre e o Desportivo Portalegrense com as rivalidades levadas ao extremo, durante o jogo, mas logo esvaziadas nas inúmeras tabernas da cidade;

(xvii) participar numa manifestação contra a Lei Barreto, já com o PREC a perder força, com direito a carga policial (e tudo o mais a que tinha-mos direito nestas manifestações…) com fuga ao cassetete com o meu amigo deixando a sua mala de engenheiro para trás;

(xviii) as viagens de comboio (sempre adorei viajar de comboio) a caminho de casa nas pausas escolares na direção: Chança, Mata, Crato… e no regresso ao Alentejo na direção: Crato, Mata, Chança...como gostavam de dizer os portalegrenses;

Viajo de comboio sempre com o mesmo entusiasmo como se fosse a primeira vez. Com o comboio cheio de gente sinto-me personagem de um filme no meio de um turbilhão de cenas do quotidiano. Sozinho sinto-me numa sala de cinema vendo passar o mundo lá fora, pela janela do comboio, como se de uma tela se tratasse.

Durante as viagens faço sempre um esforço tremendo para não adormecer, já que um minuto dormido é um minuto não vivido.

Nos primeiro anos depois da Guiné vivi sofregamente os dias, “engasgando-me” aqui e ali na ânsia de agarrar o mundo todo num só dia. Fui há procura de resgatar os três anos “roubados” da minha juventude, até hoje ainda não devolvidos.

____________

Nota do editor:

Último poste da série >20  de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24865: E depois da peluda... a luta continua: as minhas escolas (Joaquim Costa) - Parte I: Santo Tirso, o dono da "tasca"

quinta-feira, 8 de março de 2012

Guiné 63/74 - P9583: Blogpoesia (181): Pois que vivam os poetas, eles e elas, parqueados ou não! ... (Luís Graça)

Revisto, mais  uma e outra vez, para eu poder:


(i) dedicar às duas mulheres que eu amo, a Alice e a Joana (e elas sabem porquê); 


mas também (ii) assinar o livro de ponto neste dia que, infelizmente, ainda continua a ser, perdido ou não o seu sentido original,   o Dia Internacional da Mulher,  8 de março de 2012... LG




Que vivam os/as Poetas do Parque dos Poetas


Poeta é quem tem
Uma estátua do Simões
No Parque dos Poetas

Mas também
As contas em dia
Nos Serviços Municipalizados
De Águas e Saneamento
De Oeiras.
Em questões de género,
Aplique-se, entretanto,
O camartelo
Camarário,
Perdão, o regulamento municipal
Em forma de soneto,
Que manda atribuir quotas
Às senhoras:
- São cotas, senhoras, são cotas!


Para o caso são três, não mais,
Que foi a conta que Deus fez:
Natália, Sophia, Florbela.
- Mas que raio de país é este,
Em que a poesia é coisa de homens!
E onde estão elas, as garças,
Graciosas como as nossas caravelas ?!-
Grita o almoxarife dos SMAS.
As senhoras, meu Deus,
Ficam sempre bem é
Nas quermesses da cidade,
Nos jogos florais,
Nos bazares da caridade,
Nas feiras e mercados,
Na vida e na tela,
Ao télélé,
Nas telenovelas,
Nos lavadouros públicos,
Na vida-de-faz-de-conta,
No passeio das virtudes,
Na despedida dos soldados,
Na partida das naus da Índia,
Nos velórios, funerais e procissões.
Nos comícios.
Nas comixões.


Um século atrás
As nossas queridas poetas
Teriam ficado à porta do parque,
Com botinha de pé alto
E saias de entrefolhos,
Com cliché tirado pelo Joshua Benoliel,
Capa na Ilustração Portuguesa,
E legenda a condizer:
"Não ficam bem as senhoras
Que se metem a doutoras".
Ou: "Freiras e frieiras,
É coçá-las e deixá-las!".



Salvou-se a Natália,
E com ela a honra do gineceu,
Ao trocar a poesia por comida
Que sempre enche a barriga:
"Senhores autarcas, sois a cidade,
E eu a cereja no cimo do bolo serei,
Não há pólis sem o parque
Dos sonhos que vos roubei".





Dantes os poetas, os machos,
De bigode farfalhudo
Ou de pálidas cores andróginas,
Íam para o Olimpo,
Laureados,
Ou para o Aljube,
Agrilhoados,
Ou para o Manicómio
Do Rilhafolhes,
Ferrados e dopados,
Ou para o Tarrafal,
Exilados,
Ou para o Sanatório,
Tuberculizados.
Para a Ilha da Madeira,
Os mais afortunados.
Ou para a Morgue,
Congelados,
Ou até para o Panteão Nacional,
Nacionalizados.
Conforme as vagas que houvesse
E o equilíbrio dos quatro humores
Do Senhor Intendente Geral.


Só a Sophia pediu para voltar,
na inscrição que deixou no Livro Sexto:
"Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar"...

Hoje o poeta,
Ladies and Genlemen,
Não sonha nem dorme
Nos bancos de jardim,
Ocupados pelos sem abrigo,
Os desistentes,
Os repetentes,
Ou como se diz agora
Os infoexcluídos...
Hoje o poeta vai directamente
Para o Parque,
De preferência já morto,
E devidamente estatuado.
O Parque dos Poetas.
Das merendas.
Dos velhinhos
Que dão milho aos pombinhos.
Das criancinhas
Da escola, de bibe
Aos quadradinhos.
Dos desempregados
À espera do subsídio de
Desemprego
Ou do emprego virtual,
Do teletrabalho,
Da chamada do call centre,
E dos frutos da flexibilidade
Organizacional.
E a fazer contas
À puta da vida
Que está pela hora da morte.


Em vão, protestou
O Rosa,
O Ramos, o António,
Adjectivando a liberdade:
Mas que coisa horrorosa
Se ela não fosse liberdade... livre!
O Parque dos Poetas
E dos namorados,
Do arco e do balão
E das quadras
Ao Santo António,
Afrodisíaco,
Milagreiro,
Casamenteiro,
Brigão,
Brejeiro!
  
Porque a Poesia
Quando nasce não é
Para todos,
Terá já dito um estrangeirado,
O Conde de Oeiras
E futuro Marquês de Pombal
(Volta, Marquês, que estás perdoado!).
Homens de letras
Ou de cânones,
Os poetas lusitanos,
Míopes, nos seus fatos

Puídos e castanhos,
Cinzentões.
Só o Jorge Sena
Era engenheiro.
Naval. No papel.
Não consta que
Tivesse construido ou reparado
Embarcações.
O Torga, clínico.
O Régio, místico.
O O'Neil, publicitário,
E claro
O David Mourão-Ferreira,
Doutor de letras,
Universitário,
De capa e batina,
Mas que também escreveu fado.
E que fado!
E o Pessoa, esse, coitado,
Era escriturário comercial.
Marçanos,
Cabouqueiros,
Coveiros,
Limpa-chaminés,
Cantoneiros de limpeza,
Calafates,
Estivadores,
Mineiros,
Calceteiros,
Picheleiros
Almocreves,
Pescadores,
Barbeiros-sangradores,
Construtores civis
Ou outra gente
Dos ofícios mecânicos.
Não há nenhum,
Que se saiba,
Que conste da lista imortal.
Dos poetas imortais
Do Parque do Isaltino.


Minto: há o Alberto Caeiro,
Guardador de rebanhos.
Mas esse não vi lá,
Porque é proibido pisar a relva
E pastar. E sonhar.
E sobretudo apascentar.
Guardador de rebanhos,
Ruminador de pensamentos,
À porta da capital,
Parece mal,
Destoa.
Não dá,
Já não é para turista.
Não rima com coisa boa,
Não rima com Lisboa.
Não casa com a modernice
Da Oeiras futurista.


Quem não viu nada,
Nem assinaria o consentimento informado
Mas que riria
Até às lágrimas,
Se o pernil não tivesse já esticado,
Seria
O caixa d'óculos do O'Neil,
Agora príncipe
Do Reino da Dinamarca.
Imagino-o,
De Ombro na Ombreira,
Polidor de esquinas,
Desnalgando as gajas,
Mesmo não sendo trolha
Da construção
Nem nunca tendo ido
Para o trabalho
De lancheira na mão.
Ou de lancheira na mão
Para o trabalho,
Trocando a mão direita
E a esquerda,
A lancheira e a mão,
Baralhando e dando letras,
Subindo e descendo a Avenida
Da Liberdade
À espera talvez de uma outra vida,
Mais segura,
Ou da dita,
Que só era de nome,
Reza a história,
Por causa da Ditadura,
De má catadura,
De má memória.


Mas que pode a palavra, etérea,
De um poeta,
Surrealista, anarca,
Dizem que genial,
Mas mais que morto
E enterrado,
Contra a palavra, de pedra e cal,
De um senhor autarca,
No seu feudo, no seu horto, no seu olival?



Alguém roubou
Uma pérola do colar
Da Florbela,
Flor sofrida,
Tão excessiva em vida
Como na morte.
Alguma ninfomaníaca
Da tribo gótica,
Algum admirador secreto,
Coleccionador,
Adolescente,
Voyeurista,
Turista,
Visionário,
Cleptómano,
Antiquário,
Violador,
Sexista,
Misógino,
Detective,
Homem aranha.
Ou quiçá
Algum promotor
(I)mobiliário,
O próprio dono da obra,
O empreiteiro,
O engenheiro,
O trolha,
O arquitecto paisagista,
O ajudante do escultor,
O fiscal,
O fisco,
O contabilista,
A mulher da limpeza,
O guarda municipal,
Eu sei lá!,
O homem do lixo
Ou até o morto-vivo da guerra colonial.

Por mim, confesso,
Gostaria de ter sido
Um simples Conservador
Do Registo Predial
Como o Pessanha.
E de ter escrito,
Não a fria Clépsidra,
Mas o Caleidoscópio
Lusotropical
Em mangas de alpaca,
Na Foz do Rio das Pérolas.
Gostaria de ter sido poeta-funcionário,
Da autarquia local,
Ou do ministério da eternidade,
Com cama, mesa e roupa lavada,
Uma tença, mesada ou salário,
E ajudas de custo para poder sonhar
E ter tempo e vagar.
Gostaria de ter feito (e dito)
Um soneto,
Desenhado a letra gótica,
À mão,
À moda antiga,
Com punhos de renda,
Em papel azul, selado.
E de ter tido tempo
Para fumar ópio,
Na época das monções,
Em Macau.
E de imaginar
O eclipse total
Do Império Colonial,
Como um baralho de cartas monumental,
A desmoronar-se,
Do Minho a Timor.
Gostaria ainda de ter sido
Laureado
Pelo Prémio do SNI
Do António Ferro.
Gostaria sobretudo
De ter datilografado,
Em Courier, fonte 12,
Sem o mais pequeno erro
Nem rasura,
O Sentimento de um Ocidental
E de o ter posto no meu currículo
Existencial:
"Nas nossas ruas, ao anoitecer
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer".


Queridos/as poetas:
Em Lisboa
Nem poesia má nem prosa boa,
Dizem os críticos encartados,
Mas prefiro aquele verso,
Mais rasca,
Mais proleta,
Que evoca os construtores da cidade,
Tão bravos quanto boçais,
Às vezes até engraçados,
Vistosos nos seus fatos-macacos,
E que engrossavam as estatísticas
Dos acidentes de trabalho
Mortais:
"Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga, os mestres carpinteiros".


Poeta maior da nossa modernidade menor,
Cesário, o Verde,
Não alcançou o Século
Da energia nuclear.
Da viagem à lua.
Do desastre de Cheche, no Corubal
Dos amanhãs que o outro galo cantaria.
Da Festa do Avante.
Do cimento armado.
Do motor de explosão.
Dos tsunamis revolucionários.
Das alegrias dos futebóis.
Do triunfo da ecologia
E da googlização.
Da bomba que brilhou
Mais do que mil sóis
Em Hiroshima, meu amor.
O Século dos chips
E do chispe de porco liofilizado.
Do Spínola, prussiano,
De monóculo e bengalim
Nas bolanhas da Guiné.
Da farsa da história.
Da caixinha que mudou o mundo.
E que mundo!,
Basta puxar o autoclismo
E fazer glu-glu,
Par ires parar aos buracos negros
Do admirável mundo novo virtual.
O Século, e que século!,
O dos vestidos de fru-fru.
Da aspirina e da farinha Amparo.
Da Lili e do Caneco.
Do Taylor e do Ford on the road.
Do terror de Tianannmen.
Da Nossa Senhora de Fátima de Felgueiras.
Do Luís Moita aos microfones da Emissora Nacional:
- Rapazes, não cantem o fado!
O século dos comícios da Fonte Luminosa
Ou do povão do garrafão
No Pontal do Portugal sacroprofano.
O século do Portugal de Salazar,
Prometendo eleições tão livres
Quanto a livre Inglaterra.
E do O'Neil e do Ruy Belo.
E do Millenium BCP.
O Portugal do maneta.
E o Portugal futuro.


Resta-me a Flor Bela,
Chorando a morte de Apeles,
Seu querido mano,
Oficial da Aviação Naval,
Quando os marinheiros tinham asas
E o Tejo das caravelas era um imenso porta-hidroaviões.

Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.


Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!


Se eu sempre fui assim este Mar Morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!


Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...


Cesário não conheceu a Amália,
Nem a Soror Saudade,
Nem a Mariza que canta a Florbela Espanca,
Nem as mulheres desta Lisboa que eu amo.
Não conheceu o Sá,
Talvez só o Mário,
Não o Soares, mas o Carneiro,
O Sá-Carneiro a fazer o pino.
Não figura por isso
No Parque do Isaltino.


[Há uma outra versão, de 6 de abril de 2008, aqui, em Luís Graça > Blogpoesia]
___________________

Nota do editor:

Último poste da série > 8 de Março de 2012 > Guiné 63/74 - P9579: Blogpoesia (180): No Dia Internacional da Mulher, A um modelo de mulher (Felismina Costa)