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sexta-feira, 21 de junho de 2013

Guiné 63/74 - P11740: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): IV (e última) Parte: Quando o bravo soldado Spínola também dansa a valsa do Corubal azul. Ensinamentos colhidos e críticas do cor Hélio Felgas, comandante da operação, à falta de articulação dos 3 ramos das Forças Armadas


Guiné  > Zona leste > Setor L1  (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > c. 1968/60 > Uma das raras foto do ten cor inf Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1969/71). É o segundo militar, a contar da esquerda para a direita. Aqui, em visita ao aquartelamento de Mansambo, em construção, c. 1968/69. Na Op Lança Afiada, ele foi o comandante do Agrupamento Tático Norte. Depois do ataque a Bambadinca, sede do BCAÇ 2852, em 28 de maio de 1969, foi punido disciplinarmente pelo Com-Chefe.

Dele disse o António Vaz, o cap mil do Xime, à epoca da Lança Afiada:

"Chamo-me Antonio Vaz tenho 73 anos e fui capitão mil comandante da Cart 1746,  no Xime,  de janeiro de 1968 até ao fim da comissão, em  junho de 1969. Como companhia  independente conheci vários comandantes  de batalhão, primeiro os de Bula e depois de Bambadinca. Dos que me recordo melhor foram o comdt do BART 1904 , ten cor  Branco,  o Fontoura e o Pimentel Bastos.Todos diferentes,  todos iguais. Do Pimentel Bastos recordo com saudade o espirito,  a cultura e a simpatia ingénua de um homem que não nascera para aquilo. Nas muitas conversas que tive com ele compreendi o seu drama.Eu estimei-o,"

Foto: © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > CART 2339> c. Março / maio de 1969 > Milhares de nativos são requisitados pela administração do concelho de Bafatá para capinar a estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole (cerca de 30 Km), de um lado e de outro, numa faixa (variável) de 50 a a 100 metros.

(...) "A foto e a legenda referem-se à Operação Cabeça Rapada I, iniciada em 25 de Março de 69, com duração de 2 dias e envolvendo cerca de 7000 nativos. Em 8 de Março tinha havido a Operação Lança Afiada… Era necessário dizer ao PAIGC: A população está connosco…

"Em 9 de Abril houve a Cabeça Rapada II, com duração de um dia. Ver escrito do Carlos Marques dos Santos (*). O itinerário escolhido foi Mansambo/Ponte dos Fulas. Em 30 de Abril e até 2 de Maio, teve lugar a Cabeça Rapada III, já de maior envergadura, quer pelas nossas forças e nativos envolvidos, duração e itinerários escolhidos – Samba Juli / Mansambo; Bambadinca, Candamã, Galomaro e Samba Cumbera. (Fonte: Historial da Cart 2339).

"A população envolvida era Fulas e Mandingas. Os Balantas estiveram e muito bem, como carregadores, integrados na minha Companhia na Op Lança Afiada. Um dia contarei…Tanta estória." (...) 

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados.



Cópia da caderneta de voo do Jorge Félix (ex-alf mil, pilav heli AL III, BA 12, Bissalanca, 1968/70):


Nota de Jorge Félix (**) :

(...) "dias em que estive envolvido na operação Lança Afiada, (...) o que lá está  [na minha caderneta de voo}:

Dia 12 de Março de 1969 Hel Al III nº 9279 Desp- Bs-Buba-Bambadinca 2 ater 1:40 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca. 5 Aterragens 1:40 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragens 35 minutos.
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Mansambo-Zops 10 aterragens 1:20 horas
Dia 12/3/09 Tger-Tevs- Bambadinca-Zops-Bambadinca 2 aterragem 30 minutos
Dia 12/3/09 Desp- Bambadinca- Bafata 1 aterragem 15 minutos

Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9275 Desp Bambadinca -Bissau 1 aterrag 50 minutos
Dia 13/3/69 Hel AlIII nº 9279 Desp Bafata Bambadinca 1 aterrag 15 minutos
Dia 13/3/69 Tger- Tevs-Bambadinca- Zops (3x) 10 aterrag 1:45 Horas
Dia 13/3/69 Tger-Bambadinca-Zops- Bambadinca 2 aterrag 30 minutos
Dia 13/3/69 Tger- Bambadinca Zops-Bambadinca 2 aterragens 25 minutos
Dia 13/3/69 Tger Bambadinca-Zops-Bafatá 10 aterragens 1:50 horas

Dia 14/3/69 Hel AlIII 9276 Aesc Bafatá-Bambadinca-Zops 4 aterragens 2:10 Horas

Dia 15/3/69 Hel AlIII 9279 Tevs- Bafatá-Bambadinca-BS 3 aterrag 1:25 Hora
Dia 15/3/69 Desp-Bs- Bambadinca 1 aterrag 45 mint
Dia 15/3/69 Tger-Tevs Bambadinca-Zops 16 aterragens 2:20 Horas
Dia 15/3/69 Tger-Tevs Bambadinca-Zops 10 aterrag 2:00 horas
Dia 15/3/69 Desp Bambadinca-Bafatá 1 aterrag 15 minutos

Dia 16/3/69 Desp Bambadinca Bafatá Bambadinca 2 aterrag 2:00 Horas
Dia 16/3/69 Av DO27 3470 Desp Bamb-Bafatá-Bambadinca 2 aterragens 30 minutos

Dia 18/3/69 AlIII 9276 Tman BS Zops (2x) BS 5 aterg 45. (...)

(Esta operação no dia 18 já não é em Bambadinca, e o voo em DO27 foi talvez de apoio às Forças terrestres, navegação, orientação pelo ar.)

Entre os dias 12 e 16 de Março voei 23:00 Horas na Zops da operação Lança Afiada." (...)

[Observ.: TEVS= Transporte Evacuações; TGER= Transporte Geral; ZOPS= Zona Operacional. L.G.]

 Fotos: © Jorge Félix (2009). Todos os direitos reservados


A. Publica-se a quarta e última do extenso relatório da Op Lança Afiada, que decorreu entre 8 e 18 de Março de 1969, na região compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal, até então considerada como um "santuário do IN". (***)

A operação, comandada pelo coronel Hélio Felgas (o patrão do Agrupamento 2947, mais tarde comando operacional de Bafatá, COP 7, se não me engano, e depois no final da guerra CAOP 2), coadjuvado por dois tenentes-coronéis, Jaime Banazol (liderando o Agrupamento Táctico Sul, com mais de 500 homens que partiram do Xitole e de Mansambo) e Manuel Pinto Bastos (comandante do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), que encabeçava o Agrupamento Tático Norte (com cerca de 750 homens, que partiram do Xime). Ao todo 1300, entre soldados metropolitanos, milícias e carregadores...

Foi uma das últimas grandes "operações de limpeza", realizadas no primeiro ano do consulado de  Spínola, enquanto Governador Geral e Comandante-Chefe (que fez questão de estar presente, junto das NT, no Dia D + 9, ou seja, 17 de Março de 1969, partilhando inclusive o transporte naval que levou os nossos esgotadíssimos camaradas da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês, no regresso ao Xime).

Apesar dos elevados meios humanos e materiais envolvidos, a correlação de forças não se modificou e, depois de um rápido processo de reorganização, a guerrilha voltava a obrigar as NT a acantonarem-se nos seus aquartelamentos onde flutuava a bandeira verde-rubra no setor L1 (Bambadinca, Xime, Mansambo e Xitole) e destacamentos dispersos. A população civil, sob o controlo  do PAIGC, foi a grande vítima desta algo megalómana e provavelmente mal planeada e pior coordenada operação.

Os soldados portugueses serviram, por sua vez, de cobaia num teste de resistência, a que o autor do relatório, sem despudor, chama processo de "selecção natural" (sic)... Num total de 700 e tal militares, de origem  metropolitanos (o resto eram milícias e carregadores, habituados às duras condições do terreno e ao clima do leste da Guiné), conclui-se que um sétimo fora mal selecionado para o TO da Guiné, já que no decorrer da operação teve de ser evacuado, de helicóptero, por "insolação, ataque de abelhas e doença" (sic).

É o próprio relatório a reconhecer que, na época em que se realizou a operação  (março, tempo seco), as temperaturas andavam entre os 39 e os 44 graus, à sombra, e entre os 55 e os 70º ao sol, e que nessas condições, (i) a guerra tinha que parar das 10 da manhã às 16h da tarde, (ii) precisando um soldado metropolitano de 8 a 10 litros de água (!)...

Nesta operação em que os guerrilheiros e a população por eles controlada passaram simplesmente para o outro lado do Rio Corubal (com os cães, os porcos, as galinhas, etc., não havendo  paras, comandos nem fuzos do outro lado, para os "encurralar"), o verdadeiro inimigo das NT foi, de facto, a desidratação e a resistência física e psicológica, além dos problemas alimentares: o tipo de rações que deram aos nossos soldados (a ração dita normal) era tão má que provocava uma sede horrível; ao segundo dia, já não se comia; ao terceiro, começava a haver problemas... (Veja-se, por exemplo, o número de TEVS, ou transportes de evacuação, que o Jorge Félix teve que fazer, nos dia  12 e 13 de março, para Bambadinca e para Mansambo. Sabemos que durante o tempo em que decorreu a Op Lança Afiada, havia 4 médicos em alerta (Bambadinca, Xime, Mansambo, Xitole), conforme se pode ler no relatório:

(...) "O médico de Bambadinca [, David Payne,]  foi para Mansambo. A CMF [?] dos Serviços de Saúde colocou um médico no Xitole (em permanência) e outro no Xime (só durante a operação). O médico de Bafatá foi a Bambadinca sempre que necessário" (...) 

Tratou-se de uma operação onde se foi a lugares míticos (ou mitificados desde o início da guerra, como a mata do Fiofioli, junto ao Corubal), mas ninguém encontrou médicos e enfermeiras cubanas... Hospitais (?) de campanha, sim, mas já abandonados, uns meses antes. Destruíram-se muitas toneladas de arroz, mataram-se milhares de animais, queimou-se tudo o que era tabanca... Em contrapartida, houve 24 flagelações do IN, mas os guerrilheiros seguiram a regra básica da guerrilha: primeiro, retirar quando o inimigo, ataca: segundo, e quando possível, atacar, quando o inimigo retira... O autor do relatório, irritado, queria que os tipos do PAIGC se apresentasse de peito feito às balas e dessem luta...

O mais caricato (e hilariante, se fosse caso para rir) desta operação é que o pessoal deitou fora... as intragáveis rações de combate e desatou a comer... leitão assado no espeto!

Este é um cínico relato da dura condição da guerra da Guiné, vista pelo lado da hierarquia militar. O relatório tem a chancela do então Cor Hélio Felgas, já falecido como Maj Gen Ref. Tem  críticas veladas, se não mesmo picardias,  ao Comandante-Chefe, ao Quartel General, à Marinha e à Força Aérea...

Há coisas, que se passaram nesta operação, sobre as quais  n ão faço qualquer comentário crítico, deixando isso à atenção e consideração dos poucos camaradas do blogue que estiveram nesta operação: estou-me a lembrar do Jorge Félix, do Paulo Raposo, do Torcato Mendonça, do Hilário Peixeiro...

Cada um dossos nossos leitores que faça a sua leitura, se possível distanciada e desapaixonada... Aqueles de nós, que foram operacionais, rever-se-ão mais facilmente no cenário que foi o da Op Lança Afiada (e que eu e outros camaradas da CCAÇ 12 conhecemos bem entre julho de 1969 e março de 1971).

Seria interessante ouvir, entretanto, o depoimento de camaradas do BCAÇ 2852 e doutras unidades que participaram na Op Lança Afiada (***).  Para uma correcta localização das povoações ao longo da margem direita do Rio Corubal, consulte-se o mapa, dos Serviços Cartográficos do Exército, relativo ao Xime, disponibilizado,  logo em 2005, pelo nosso amigo e camarada Humberto Reis, ex-furriel miliciano da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71). O mapa do Xime deve ser complementado por outros como Fulacunda, Xitole e Bambadinca, também disponíveis on line.

Deixem-me só lembrar que, dois meses depois desta operação, o PAIGC retribuiu a visita das NT e apareceu às portas de Bambadinca em força: mais de 100 homens, três canhões sem recuo, montes de LGFog, morteiros... Esse ataque ficou célebre, pelo menos a nível do humor de caserna: provavelmente. sem qualquer fundamente, dizia-se em Bissau, na 5ª Rep, no Café Bento,  e em Contuboel, "longe do Vietname", que "os tipos de Bambadinca foram apanhados com as calças na mão, faziam quartos de sentinela sem armas; enfim, um regabofe... Claro que no dia seguinte o Caco Baldé deu porrada de bota a baixo, nos oficiais todos, do tenente-coronel (o célebre Pimbas) até ao capitão da CCS"...

Eu e o resto da malta da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 estava a chegar a Bissau, no Niassa, quando se deu o ataque a Bambadinca, na noite de 28 de maio de 1969. E passámos por Bambadinca, a caminho de Contuboel, dias depois, a 2 de junho, a tempo ainda de ver e ouvir relatos na primeira pessoa dos camaradas da CCS/BCAÇ 2852...

Ainda há pouco tempo o fur mil reabast José Carlos Lopes (que conserva em casa o lençol da sua cama, todo crivado de estilhaços, na sequência de uma granada de morteiro que explodiu nos quartos dos sargentos) me dizia, ao telefone que "a sorte da malata foi os canhões s/r dos gajos terem-se enterrado no solo e a canhoada cair na bolanha"...

Na história do BCAÇ 2852, o ataque a Bambadinca é dado em três linhas, secas,  em estilo telegráfico:

"Em 28 [de Maio de 1969], às 00H25, um Gr In de mais de 100 elementos flagelou com 3 Can s/r, Mort 82, LGF, ML, MP e PM, durante cerca de 40 minutos, o aquartelamento de Bambadinca, causando 2 feridos ligeiros".  (L.G.)


B. Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) - IV (e última) parte

(...) Áreas principais de concentração IN:

1 – Poindon;
2 - Baio-Buruntoni;
3 - Gã Garnes (Ponta do Inglês);
4 - Ponta Luís Dias (Calága) – Gã João;
5 - Mangai -Tubacuta;
6 - Madina Tenhegi;
7 - Fiofioli;
8 - Cancodeas;
9 – Mina – Gã Júlio;
10 – Galo Corubal – Satecuta;
11- Galoiel.


Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969) (IV e última parte) (*)


5. Desenrolar da acção [, o ocorrido]: (Continuação)


Dia D + 8 (16 de Março de 1969)

Os Dest A, B e C actuaram entre Queroane e Mangai destruindo tudo à sua passagem. O que sobrara de Mangai ficou reduzido a cinzas. Foram ainda capturados 3 nativos e feitos 2 mortos confirmados.

Os Dest F, G e I voltaram a bater a mata do Fiofioli mas agora no sentido Leste-Oeste. Inicialmente, porém, deslocaram-se por indicação do guia à zona (C8-71) e aí do lado de lá da bolanha, e portanto já fora da mata do Fiofioli, encontraram espalhado pelo mato, além de novos documentos, importante e valioso material de guerra que deu para encher mais de dois helis.

Os Dest E e H bateram também no sentido Oeste-Leste e Sul da mata e foram acabar de destruir a tabanca de Fiofioli, capturando ainda muitas munições.

Nesse dia, às 10h30 houve nova reunião em Bambadinca com Sua Excia o Comandante-Chefe. Sua Excia informou que em virtude de ter de realizar uma operação noutro Sector, determinava a suspensão do apoio aéreo em 17 [de Março] e o embarque dos Dest A, B e C em Ponta Luís Dias nesse dia com destino ao Xime. Os outros Dest do Agrupamento Sul não seriam reabastecidos em 17. Que o seriam em 18 mas compreendeu-se mal pois, segundo Sua Excia, em 17 o esforço aéreo não poderia ser mantido e só seria deixado o heli de evacuações. No entanto, os Dest do Agrupamento somavam nessa altura mais de 750 homens que seria necessário reabastecer de água e alimentação (os Dest A, B e C somavam entre 450 e 500 homens).

Nessa reunião foram também alteradas as instruções acerca do arroz IN: devia passar a ser todo destruído. Na véspera, porém, de acordo com a ordem recebida, comunicara-se aos Dest que deviam recolher todo o arroz possível, prevendo-se até o seu transporte por meio de colunas de carregadores a serem novamente recrutados. Havia até sido distribuído mais algumas centenas de sacos de linhagem.

Em face desta nova ordem, os helis passaram no regresso do reabastecimento a trazer homens em vez de arroz, afim de aliviar o esforço de reabastecimento. Mas foi só em 16 [de março]. Neste dia fizeram quase reabastecimento e meio, pois sabia-se que não seriam feitos reabastecimentos alguns em 17.

Foi recebida uma mensagem que dizia: “Confirmação ordens verbais Com-Chefe cessa 17MAR Op ‘Lança Afiada’ Agr Norte (.) Tropas Agr. Norte em Ponta Luís Dias 170600Mar69 (.) Comandante Agr Norte coordena Oper embarque atingido cerca 1000 (.) Com-Chefe desloca-se local partir 170900(.)”.

Dia D + 9 (17 de Março de 1969)

O PCV com o comandante do Agrupamento Táctico Norte sobrevoou os Dest A, B e C cerca das 07H00, verificando que estavam no local que a carta indica como sendo o “Porto” de Ponta Luís Dias. Não conseguiu entrar em contacto rádio com a FN [ Força Naval] , apesar desta força ter indicativo e frequência marcados no Anexo de Transmissões da OOP.

O PCV regressou depois a Bambadinca para se reabastecer. Cerca das 09H20 chegou a Bambadinca o heli de Sua Excia o Comandante-Chefe que deixara Sua Excia junto dos Dest A, B e C. Aparentemente o embarque não podia ser feito onde as NT se encontravam pois via-se uma grande língua de areia. O heli levantou para escolher um local onde a língua de areia fosse mais estreita, o que ocorreu cerca de 1,5 quilómetros a Norte.

Quando a maré subiu, verificou-se que a água cobria toda a língua de areia e que as LDM [lanças de desembarque médias ] e a BOR [, embarcação civil,]  podiam ter abicado no local onde as NT se encontravam inicialmente. O esforço que a estas foi exigido de caminhar quilómetro e meio pelo lodo podia ter sido poupado se a bordo do PCV tivesse ido um oficial de marinha.

Foi nessa altura que Sua Excia o Comandante-Chefe informou que, por uma questão de marés, as NT não seriam transportadas ao Xime como ficara combinado na véspera mas sim apenas a Ponta do Inglês. A CART 1743, no entanto, seguiria para Bissau. Os Dest A e B, desembarcados em Ponta do Inglês, seguiriam depois a pé para o Xime, o que aconteceu.

A avaria de uma das LDM obrigou a outra a ficar-lhe ao pé e levou a BOR a transportar 300, isto é, mais do que a sua lotação permite. Como o heli do COMCHEFE não chegou a tempo, Sua Excia tomou também lugar na BOR, com o Comandante da Operação e com o Delegado do QG [ Quartel General ] que viera coordenar o embarque.

Cerca do meio dia as LDM e a BOR abicaram a Ponta do Inglês. Sua Excia tomou o seu heli para Bissau e o Comandante da Operação tomou o das evacuações que entretanto mandar vir para fazer duas evacuações para Bambadinca.

Os Dest A e B chegaram ao Xime cerca das 15h30 depois de terem sofrido novo ataque de abelhas que, tal como em Ponta Luís Dias, de manhã, ocasionou desorganização e levou os carregadores a abandonarem material, recuperado mais tarde.

Ao compreender-se que apenas era deixado o heli de evacuações, deu-se ordem aos Dest E, F, G, H e I para se aproximarem dos respectivos aquartelamentos [ Mansambo e Xitole]. Não se podiam abandonar sem alimentação nem água garantidos. Aliás aqueles Dest haviam saído às 03H30 da tabanca do Fiofioli onde se haviam reunido e, uns por Cancodea Balanta e por outros por Cancodea Beafada, completaram a destruição de todos os meios de vida IN da região. Encontraram vacas que mataram, levando outras consigo. Em Cancodea Beafada capturaram 2 homens, 3 mulheres e 3 crianças.

Estes Dest passaram depois por Mina e por Gã Júlio, utilizando sempre trilhos diferentes dos de ida. Quando, ao fim da tarde, foram sobrevoados pelo PCV, encontravam-se próximos da foz do Rio Bissari, tendo já percorrido nesse dia uns 30 quilómetros. Foram-lhes recomendadas todas as cautelas e autorização para prosseguirem quando quisessem pois não se poderiam reabastecer.

Mal o PCV saiu da área, o IN flagelou o Dest com 2 morteiradas e rajadas, de longe, procedimento este que afinal utilizou durante toda a operação e que revelou impotência [no original, importância] e falta de agressividade.


Dia D + 10 (18 de Março de 1969)

Na [noite] de 17 para 18 os Dest H e I chegaram ao Xitole transportando consigo 4 vacas que em certos pontos tiveram quase que ser levadas ao colo para passarem troncos estendidos sobre os ribeiros. As outras capturadas tiveram que ser abatidas.

Por seu lado, os Dest E, F e G passaram pela margem esquerda do Rio Bissari, atingiram a estrada e chegaram a Mansambo cerca das 08H30. Durante a noite, enquanto pernoitavam, um dos nativos capturados tentou fugir, sendo abatido.

6. Resultados obtidos

a) Baixas infligidas ao IN

O IN sofreu 5 mortos confirmados (contando com o que tentou fugir na última noite) e cerca de 20 feridos.

b) Inimigos capturados

Foram capturados 17 nativos, na sua maioria mulheres.

c) Material e documentos capturados ao IN

1 Carabina “Mosin Nagant”, 7,62 m/m modelo 1944

1 Espingarda “Mauser”, 7,92 m/mm, K98K

Idem 7,9 modelo 904

1 Espingarda sdemi-automática “Simonov” (SKS), 7,62 m/m

2 Metralhadoras pesadas “Goryonov", 7,62 m/m

2 Pistolas metralhadoras “Shpagin”, 7,62 (PPSH)

1 Granada para LG P-27 “Pancerovka”

12 Granadas para LG RPG-7

85 Granadas para LG RPG-2

1 Granada de Mort 60

19 Granadas de Mort 82

1 Mina A/P de salto e fragmentação (Bailarina)

1 Mina A/P de fragmentação PPMI

1 Mina TMB

2 Petardos de trotil de 1,2 kg

24 Cargas suplementares para morteiro (caixas)

42 Espoletas de granada Mort 82

3 Bolsas para carregadores PPZSH

1 Bolsa para carregadores Degtyarev

Cerca de 10 mil cartuchos 7,62 e 7,9 (60% dos quais impróprios)

E ainda outro material diversos bem como livros, cartas, cadernos e objectos de uso pessoal.´

d) Baixas sofridas pelas NT

AS NT não tiveram mortos. Sofreram 22 feridos, quase todos ligeiros. Tiveram ainda cerca de 110 elementos evacuados por insolação, ataque de abelhas e doença

7. Serviços

a. Rações de combate

As R/C especiais agradaram de uma forma geral. As normais (nº 20, E) são absolutamente intragáveis e mais se tornam em operações tão prolongadas como esta.

b. Recursos locais

Só muito raramente foi encontrada água bebível. Alguns poços foram atulhados pelo IN ou estavam já secos. Outros continham água negra ou meia salgada que só os carregadores conseguiram beber. Quando, junto de Gã Júlio, por exemplo, os soldados metropolitanos quiseram seguir o exemplo dos carregadores tiveram que ser evacuados uns 16 com febre alta.

Centenas de galináceos e cabritos ou leitões foram capturados e comidos em tabancas abandonadas, compensando assim um reabastecimento alimentar que se revelou algo deficiente quer em qualidade quer em quantidade.

c. Pessoal do Serviço de Saúde

As forças levavam o seu pessoal orgânico.

O médico de Bambadinca foi para Mansambo. A CMF [?] dos Serviços de Saúde colocou um médico no Xitole (em permanência) e outro no Xime (só durante a operação). O médico de Bafatá foi a Bambadinca sempre que necessário.

d. Evacuações

Os feridos e os doentes foram evacuados por heli.

8. Apoio aéreo

a. Ligação Ar-Terra

Foi relativamente boa.

b. Resultados da acção aérea

Não houve propriamente acção aérea se por acção aérea se pretende significar: apoio aéreo pelo fogo. Só no dia 12 de Março, o helicanhão actuou na margem oposta do Rio Corubal contra a tabanca de Inchandanga Balanta. E em 14 de Março, a FA [ Força Aérea ] bombardeou a mata de Fiofioli, não tendo as NT notado no dia seguinte quaisquer vestígios deste bombardeamento.

Não se teve conhecimento de outras acções aéreas pelo fogo.

c. Apoio aéreo

Inicialmente o apoio aéreo, no que respeita a reabastecimentos, revelou-se deficiente. O facto de não ter sido cedido o heli ao Comandante da operação [, cor inf Hélio Felgas], dificultou a acção de comando e influiu nos rendimentos dos meios à disposição, pois previra-se que esse heli colaboraria com o das evacuações e com o dos reabastecimentos.

Além disso, a coordenação levou o seu tempo a rodar, o que é naturalíssimo pois não tem havido muitas operações como esta.

Em terceiro lugar, os meios aéreos não deram inicialmente o rendimento que se esperava, uns por avarias, outros por serem desviados para outras missões e outros por estarem na altura das inspecções e revisões.

A situação quanto ao apoio aéreo era a seguinte em 13 de Março de 1969, às 13H45 (MSG 735/I/BCAÇ 2852):

- 1 DO estava avariado havia 2 dias;

- O outro DO só começou a trabalhar às 10H00;

- O heli trabalhava pouco mais de 1 hora, seguindo para Bissau;

- O outro heli seguira às 08H00 directo de Bafatá para Bissau (parece que podia ter ido ficar a Bissau na véspera);

- O helicanhão saira para Bissau às 10H30, só regressando no dia seguinte às 11H00;

Os helis que haviam seguido para Bissau só foram substituídos cerca das 11H00 ; só depois desta hora, portanto, se regularizou o serviço de reabastecimentos e evacuações.

No dia 13 a actividade dos meios aéreos fornecidos para a operação foi a seguinte:

- A DO levantou de Bafatá para a área 9 [ Mina – Gã Júlio ] às 07H20 com o Comandante do Agrupamento Táctico Sul, o Major Negrão da FA e o Cap Lopes que ia assumir o comando do Dest G e ficou no Xitole; à tarde foi para Bissau;

- Os 2 helis levantaram às 07H30 com o comandante da operação para Bambadinca (serviço normal);

- O helicanhão, saído da zona de operações em 11 de Março, às 10H30, e regressado a 12, às 11H00, fez escolta ao heli de Sexa Comandante-Chefe; não prestou serviço à operação, que se tivesse conhecimento;

- A DO chegou de Bissau, foi a Piche buscar o Coronel Neves Cardoso para uma reunião em Bambadincas onde chegou às 11H00; à tarde voltoiu a levar a Piche o mesmo oficial.

Em 14 os helis chegaram a Bambadinca às 08H30 e só aqui é que se abasteceram (pelo menos um). Podiam tê-lo feito em Bafatá. No entanto, a situação melhorou por vários motivos. Primeiro, porque se acabou com os recomplementos. Segundo, porque a selecção natural fez baixar o número de evacuações. Terceiro, porque os meios aéreos ficaram mais tempo na zona da operação. Quarto, porque a coordenação ar-terra ganhou experiência e tornou-se por isso mais eficiente.

9. Ensinamentos colhidos

Dentro do espírito das NEP, este parágrafo “não é uma crítica mas uma análise objectiva que permite obter ensinamentos”. [Itálico e bold, do editor]

a) Torna-se evidente que a Op Lança Afiada foi bem sucedida, tendo sido alcançados todos os objectivos e cumprida integralmente a Missão.

Não há dúvida porém que o IN podia ter sofrido muito mais baixas e que as NT podiam ter capturado muito mais população se simultaneamente tivessem sido montadas emboscadas nocturnas na outra margem do Rio Corubal, conforme pedido. Esta margem fica fora dos limites do Agrupamento Leste e, concordo, é difícil de alcançar a partir de Buba. Mas uma companhia de paraquedistas ou de comandos teria operado maravilhas nela e evitado que a maior parte do IN e da população da margem Norte fugisse para a margem Sul como se sabe que fugiu durante as noites.

b) O facto de o IN nunca ter tentado resistir pode levar-nos à conclusão de que ele não era tão forte como se julgava. 

No entanto, não se tirou desta Operação um tal ensinamento. O que ele se viu foi varrido por todos os lados. Ao descobrir o “furo” da margem oposta passou-se para ela. Mas se tivéssemos podido tapar esse furo, ele teria sido talvez obrigado a resistir e mostraria então uma força que agora não mostrou porque achou inconveniente fazê-lo.

As 24 flagelações sofridas e os documentos apreendidos mostram porém que não devemos subestimar precipitadamente o IN. Nem sobre-estimá-lo, é claro.

c) A inicial deficiência do apoio aéreo podia ter acarretado consequências graves se o IN tivesse reagido com maior agressividade.

Concordamos que o heli é uma arma cara (15 contos por hora). Mas é indispensável neste tipo de guerra.

d) As rações de combate normais voltaram a ser um elemento destruidor do moral das NT. Provocando a sede quando menos água há.

Temendo a sede, os homens deixam simplesmente de comer e ficam rapidamente exaustos.

e) A Op Lança Afiada decorreu durante 11 dias. As temperaturas verificadas neste período foram as seguintes: Máxima à sombra – Entre 39 e 43,6 graus centígrados; Máxima ao sol – Entre 70 e 74,5 graus centígrados. 

Estes números são elucidativos. Por um lado justificam que um homem necessite muita água (entre 8 a 10 litros por dia). Por outro lado aconselham as NT a deslocarem-se e a actuarem ou de noite ou ao amanhecer. Entre as 11 e as 16h, o melhor é parar, se possível à sombra.


10. Não será talvez exagerado afirmar que o IN ficou desorganizado e que as destruições operadas pelas NT vão criar-lhe grandes problemas.


Fonte: Extratos de: Guiné 68-70. Bambadinca: Batalhão de Caçadores nº 2852. Documento policopiado. 30 de Abril de 1970. c. 200 pp. Cap. 64-71. Classificação: Reservado (Agradeço ao Humberto Reis ter-me facultado uma cópia deste valioso documento em formato.pdf).

_______________

Notas do editor:

(*) 22 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLXIX: Estrada Mansambo-Bambadinca (Op Cabeças Rapadas, 1969) (Carlos Marques dos Santos)


(...) Depois de comparar o registrado na minha caderneta tenho que concluir que o relatorio "Batalhão de Caçadores nº 2852" [Bambadinca, 1968/70], acerca da Operação Lança Afiada, tem muitas inverdade que desta vez não vou destacar. Julgo que basta o testemunho da minha participação para verificar quanto de exagero há na apreciação à prestação das FAP naquela operação.

Quando se falar da Operação Lança Afiada, gostaria que juntasses as informações que te enviei, e estou convencido que não fui o único co a voar para a Lança Afiada. A FAP não necessita da minha defesa, mas sinto necessidade de a defender.

 (...) Quando reli o email passei os olhos pela foto junta e lembrei que no dia 7 de Março com base em Catió fui alombar ao Quitafine ond haviam quatro anti-aéreas. No dia 5 passei por Buba e Zops, e para terminar, entre dois whiskies fui no dia 1 a Aldeia Formosa fazer uma Tevs. Hoje vou sonhar com Fiofioli em cor de rosa) (...)

28 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2592: Voando sob os céus de Bambadinca, na Op Lança Afiada, em Março de 1969 (Jorge Félix, ex-Alf Pil Av Al III


(***) Vd. postes anteriores da série > 


24 de maio de 2013 > Guiné 63/74 - P11621: Op Lança Afiada (Setor L1, Bambadinca, 8 a 19 de Março de 1969): II Parte: Desenrolar da ação: o planeado e o realizado. As primeiras dificuldades da ação: dias D, D+1, D+2, D+3

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Guiné 63/74 - P11096: Inquérito online: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (2) Quando o meu pira foi caçar um hipopótamo... e acabámos por apanhar um turra: revisitando uma história do Jorge Cabral






Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  Um prisioneiro a embarcar no heli que o há-de levar a Bissau, ao QG. Não consigo, para identificar, quem é, e em que operação foi capturado. Já agora, quem terá sido o piloto e o mecânico deste voo ? Fotos (nº 5, 6 e 7)  do álbum do fur mil reabastecimentos Lopes, membro recente da nossa Tabanca Grande.

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)


1. Histórias de praxes no em pleno teatro de operações da Guiné ? Claro que as houve! (*)... É o nosso alfero Cabral que o diz, respondendo a um pequena provocação minha:

(i) Luís Graça: E atão o alfero não tem estória cabraliana dessas ditas praxadas fraternais ? ... Fá Mandinga estava no roteiro das praxes, como já vimos com a história do "pira" Fernandes!... Eu próprio assisti a uma "praxe" ao alferes miliciano médico da 1ª CCmds Africanos, quando estava a a chegar a Fá Mandinga... Lembras-te, Jorge ? Estavas lá...nesse fim de tarde. Tu, o Barbosa Henriques...

(ii) Jorge Cabral: Luís Amigo! Já relatei uma praxe na minha estória, "O Hipopótamo,as Formigas e o Prisioneiro"-14/12/2007 (*).

Quanto à praxe do médico em Fá, [que foi praxado à sua chegada à 1ª Companhia de Comandos Africanos], lembro-me muito bem. Era o Drº Vasconcelos,o qual, segundo creio, também foi a Conacri [, no decurso da Op Mar Verde]. J.Cabral

Bom, parece está na altura de revisitar essa "estória cabraliana" publicada aqui há mais de 5 anos atrás (*), mna esperança de que outras, mais frescas, apareçam...

2. Estórias cabralianos > Quando o pira foi caçar um hipopótamo... e acabámos por apanhar um turra

por Jorge Cabral


Nem me lembro qual o Periquito que se apresentou naquele dia em Fá. Mas sei que,  ao anoitecer, saiu, equipado e armado, cumprindo a minha ordem. Objectivo: caçar um hipopótamo.

Levámos morteiro, bazuca e, para impressionar o novo combatente, até picámos o curtíssimo trajecto, que nos separava do rio. Perto da margem, emboscámos, vigiando as águas.

Para o Periquito era certo. Brancos e negros, já o tinham convencido, que todos os meses, caçávamos um enorme bicho.
- Ainda no mês passado, foi um elefante - afiançara-lhe o Monteiro.

Uma hora se passou porém, sem qualquer vislumbre do hipopótamo, embora o pira continuasse atentamente a espiar o rio, animado pelos incentivos dos outros que,  inventando indícios e sinais, lhe garantiam:
- Está quase!

Eis quando em vez do paquiderme, surgem as ferozes formigas, cuja predilecção testicular era nossa conhecida. Atacado nos ditos, o Periquito uivou de dor, aos saltos, e obedeceu aos nossos conselhos:
– Entra na água... Entra na água... senão eles caem!

O espalhafato, o barulho, a confusão, foram tão grandes que um turra acabado de cambar o rio, se entregou, julgando-se descoberto.

No dia seguinte, frente ao Sampaio (#), relatei,  com pompa e circunstância, a captura. Sim, com base em informações fidedignas, montara a emboscada. Do Hipopótamo, das Formigas, do Periquito, nem uma palavra.
- O Cabral é assim, um operacional de mão cheia - confidenciou depois o Major, ao Comandante (##).

Jorge Cabral
___________

(#) Major Herberto Amaral Sampaio, oficial de operações do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), a que estava adido o Pel Caç Nat 63. Substituiu o major Viriato da Silva.


(##) Ten Cor Jovelino Corte Real, o comandante do BCAÇ 2852, que susbtitiu o ten cor Pimentel Bastos (de alcunha, Pimbas), a quem o Com Chefe 'comprou um par de patins', na sequência do ataque a Bambadinca em 28 de maio de 1969.
____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 14 de fevereiro de 2013 > Guiné 63/74 - P11095: Sondagem: "As praxes aos piras, no meu tempo, só lhes fizeram bem"... (1) Quem discorda ? Quem concorda ?

(**) Vd. poste de 14 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2350: Estórias cabralianas (28): O Hipopótamo, as Formigas e o Prisioneiro (Jorge Cabral)

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P11031: O Spínola que eu conheci (26): Talvez só um dos melhores generais dos exércitos europeus do seu tempo (António J. P. Costa / José Carlos Lopes)

Foto nº 41



Foto nº 42

Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Foto nº 42: O gen Spínola possivelmente em março de 1969, por ocasião da Op Lança Afiada (8-19 de março de 1969), em que o com-chefe se empenhou muitissimo, tendo estado inclusive com as NT no final, na Foz do Rio Corubal, na Ponta do Inglês (*) ...  Em, segundo plano, à esquerda o ten cor Manuel Pimentel Bastos (o Pimbas), até então comandante do BCAÇ 2852 (de óculos, careca, virado para o fotógrafo)... Será um das vítimas da ira de Spínola depois do ataque a Bambadicna, em 28 de maio de 1969...  Fotos do álbum do José Carlos Lopes, ex-fur mil reabastecimentos (, aqui, junto ao helicanhão, foto nº 41). 

Foto: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)

1. Comentário do nosso camarada Tó Zé [António J. Pereira da Costa, cor art ref] ao poste P11024:

O Caco Baldé acaba por ser um nome carinhoso para materializar a popularidade o prestígio de um chefe. Sabemos bem que essa alcunha casa o monóculo (Caco) com um apelido frequente na Guiné (um espécie de Silva ou Oliveira) e nada mais.

Creio que realizou uma aprendizagem e aproximação lúcida à vida do seu tempo. O sue modo de pensar terá evoluído desde o 345 até à Guiné73 que só poderia desembocar no 25 de abril.  Tenho para mim que era um dos melhores generais dos exércitos europeus. Ele tinha mais de 30.000 homens sob o seu comando e mais de meio milhão de civis à sua responsabilidade.

Se tomarmos como referência os países da NATO não vejo nenhum que tivesse algo para lhe ensinar, na prática (bem entendido). Exceptuando os americanos que, riquíssimos em meios, perdiam a guerra do Viet-Nam e os franceses que também não ganharam a da Argélia, todos andavam a "brincar aos soldados" em cenários hipotéticos em que o "insidioso, ardiloso e mauzinho In" vinha de Leste a correr pela Europa fora com uma foice numa mão, um martelo na outra e uma estrelinha no alto da cabeça.

Enquanto que ele tinha operações todos os dias (de todos os tipos e formas); logística (má e insuficiente) todos os dias; gestão de pessoal (insuficiente) todos os dias e todo o resto... e era tudo par ter efeitos ontem, porque amanhã já era outro dia com novos problemas. Depois veio o período mais conturbado que nenhum dos estrangeiros atravessou, mesmo os que poderiam ter tido intervenção na condução da política dos seus países. Andou mal. Poderia ter andado melhor. Talvez, mas os homens que não fazem asneiras normalmente também não fazem mais nada.

Um Ab.

António J. P. Costa (**)
__________

Notas do editor

(*) Vd. I Série > 14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal

(...) Publica-se a quarta e última do extenso relatório da Op Lança Afiada, que decorreu entre 8 e 18 de Março de 1969, na região compreendida entre a linha Xime-Xitole e a margem direita do Rio Corubal, até então considerada como um "santuário do IN".

A operação, comandada pelo coronel Hélio Felgas (o patrão do Agrupamento 2947, mais tarde comando operacional de Bafatá, COP 7, se não me engano), coadjuvado por dois tenentes-coronéis, Jaime Banazol (liderando o Agrupamento Táctico Sul, com mais de 500 homens que partiram do Xitole e de Mansambo) e Manuel Pinto Bastos (comandante do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), que encabeçava o Agrupamento Tático Norte (com cerca de 750 homens, que partiram do Xime). Ao todo 1300, entre soldados metropolitanos, milícias e carregadores...

Foi uma das últimas grandes "operações de limpeza", realizadas no primeiro ano de Spínola, enquanto Governador Geral e Comandante-Chefe (que fez questão de estar presente, junto das NT, no Dia D + 9, ou seja, 17 de Março de 1969, partilhando inclusive o transporte naval que levou os nossos esgotadíssimos camaradas da Ponta Luís Dias à Ponta do Inglês, no regresso ao Xime. (...)


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9189: O nosso fad...ário (7): O fado do BART 2857: Parte I: Obras em Piche: letra de José Luís Tavares, recolha de Manuel Mata (Esq Rec Fox 2640, Bafatá, 1969/71)



Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71) > Jardim da Bafatá > Eis o autor das quadras que aqui se publicam, buscando inspiração na espuma dos dias, o José Luís Tavares, sentado, à direita, sob a estátua de João Augusto Oliveira Muzanty, um dos pacificadores da Guiné tal como Teixeira Pinto. Primeiro tenente da Marinha,  foi governador do território entre 1906 e 1909.

O monumento a Oliveira Muzanty, inaugurado em 28 de Maio de 1950, foi obra do escultor António Duarte e do arquitecto Fernando Pessoa. Encontra-se hoje parcialmente destruído (só resta a base em pedra onde assentava a estátua do nosso antepassado).

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados




Guiné > Zona Leste > Bafatá > Esq Rec Fox 2640 (1969/71) > O Manuel Mata em cima de uma Autometrelhadora Daimler.

Foto: © Manuel Mata (2006). Todos os direitos reservados


1. Manuel Mata é dos mais antigos membros da nossa Tabanca Grande. Na I Série do nosso blogue tem diversos postes publicados. Foi 1º cabo apontador de Carros de Combate M 47 (, máquina de guerra que nem sequer havia no TO da Guiné...). É do meu tempo do leste: pertenceu ao Esquadrão de Reconhecimento Fox 2640 (Bafatá, 1969/71, e era amigo (e confidente) do velho Teófilo, do Café Teófilo.

Há cinco anos atrás, ele mandou-nos algumas quadras que foram agrupadas, com maior ou menor propriedade sob a designação de Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá. Foi a minha maneira de fazer uma pequena homenagem aos nossos camaradas da arma de cavalaria que penaram lá para os lados de Bafatá, Nova Lamego, Piche, Buruntuma... Também iam a Bambadinca, mas menos vezes. Bambadinca tinha o seu Pel Rec Daimler, que fazia o que podia (e podia pouco) para, com dignidade e coragem, ir aos pontos mais críticos e difíceis (sobretudo na época das chuvas) do Sector l1, como Mansambo, Xitole, Saltinho...

Do alentejano Manuel Mata, que vive no Crato, aqui vão algumas quadras do seu amigo José Luís Tavares, "homem de transmissões, companheiro do Esquadrão e das lides de organização dos convívios anuais" (sic)... Ele fez, em 2006, questão de sublinhar que se destinavam aos "amigos que gostam de quadras com algum sentido crítico-satírico"... 


Nunca cheguei a saber, junto dele, se na Cavalaria de Bafatá se cantava o fado... marialva ou não. Presumo que sim... Mas não tenho qualquer indicação de música de fado (ou outra) para acompanhar esta letra...  As quadras, com versos de 7 sílabas, são perfeitas (depois de um retoque final),  tocam-se com música de um fado tradicional, haja uma viola, um guitarra e uma garganta afinada. Pode ser o fado corrido, que casa bem com as quadras populares. Chamei-lhe nesta revisão o Fado do Bart 2857, com uma 1ª parte, Obras em Piche... (Com a devida vénia, ao autor da letra e ao Manuel Mata, que a recolheu) (*) (LG)


2. Fado do BART 2857: Parte I: Obras em Piche (***)

Aqui em Piche é mato,
Mas manga de animação,
Tem cá uma [bela] piscina,
Foi hoje a inuguração.

F'zeram várias brincadeiras
Que meteram muita graça,
Jogaram também f'tebol
E, ao fim, entrega da taça.

Foi um jogo de grande interesse,
Como já é natural,
Mas ao fim, em vez da taça,
Deram uma cerveja Cristal.

Vou dizer-lhes o resultado.
Só para nós em comum,
Que perderam os furriéis
Por nove golos a um.

Foi um jogo bem disputado,
Ouvi eu, numa entrevista,
Que mais par'cia uma final
Com Sporting e Boavista.

Passou-se isto a vinte e oito,
Mais nada, vou terminar,
E quanto à arbitragem
Acho que foi regular.

José Luis Tavares - Radiotelegrafista
28 de Junho de 1970


[Recolha: Manuel Mata] (**)

[Revisão /fixação de texto: L.G.]

__________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de Dezembro de 2011 Guiné 63/74 - P9165: O nosso fad...ário (6): Fado Canção da Fome: Livrou o autor de levar uma porrada do célebre Pimbas (Manuel Moreira, CART 1746, Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, 1967/69)


(**) Vd. I Série >
 Poste de 31 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCLXV: Cancioneiro da Cavalaria de Bafatá (Radiotelegrafista Tavares) (1): Obras em Piche

(***) Ao tempo do BART 2857 (Piche, 1968/70), que tem um blogue próprio, aqui. Pelo "slideshow" com fotos do João Maria Pereira da Costa, vê-se que era malta danada para jogar á bola...

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9165: O nosso fad...ário (6): Fado Canção da Fome: Livrou o autor de levar uma porrada do célebre Pimbas (Manuel Moreira, CART 1746, Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, 1967/69)


Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CART 1746 (1968/69) >  Destacamento da Ponta do Inglês > Em primeiro plano, do lado direito, o ex-1º Cabo Mec Auto Manuel Vieira Moreira... Foi aqui, neste destacamento, de má memória para muitos de nós, que o Manuel Moreira escreveu o seu fado, Canção da Fome...

Por detrás dos militares da CART 1746 (unidade de quadrícula do Xime), à mesa, partilhando uma refeição, vê-se uma parede revestida a chapas de bidão... que lá ficaram, quando as NT retiraram do destacamento, por ordem do Com-Chefe, em Novembro de 1968, desguarnecendo a posição estratégica que era a foz do Rio Corubal... (LG)

Foto: © Manuel Moreira (2009). Todos os direitos reservados






Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Margem direita do Rio Corubal > Foz do Corubal, tendo à direita a Ponta do Inglês, de triste memória para muitos de nós... Mais acima, na margem esquerda, Ganjauará, perto de Gampará, de triste memória para o Vitor Tavares e os seus  camaradas da CCP 121/BCP 12 (Mapa de Fulacunda, Escala 1/50000 (detalhes).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2011).

 
1. Texto do Manuel Moreira, um dos fadistas da nossa Tabanca Grande, natural de Águeda, ex-1.º Cabo Mec Auto da CART 1746 (Bissorã, Xime e Ponta do Inglês, 1967/69), com data de hoje, com mais um magnífico contributo para a série O Nosso Fad...ário (*)

Camarada e Amigo Luís

O porquê da Canção da Fome já foi dito, agora vai a história :

O meu fado, Canção da Fome,é baseado na música do fado gingão Tempos que já lá vão,  de Manuel de Almeida. Mas eu canto-o de forma diferente de modo a dar-lhe o sentido próprio da situação vivida. Foi gravado em bobines de fita, porque na altura não havia cassetes, e acompanhado por duas violas tocadas pelo Alf Mil [Gilberto]Madail e pelo [Soldado] Corneteiro Agostinho Pacheco Moreira.

Fez sucesso por todos os Destacamentos onde esteve colocada a CART 1746, como sendo: Ponta do Inglês, Taibata, Demba Taco, Amedalai e Galomaro.

Foi de Galomaro que apanhei o maior susto quando o Comandante do Batalhão de Bambadinca [, Ten Cor Pimentel Bastos, do BCAÇ 2852, 1968/70] fez visita a Galomaro em Março de 1968. O gravador do Fur Melo estava a passar a Canção da Fome e quando se apercebeu da sua presença correu a desligar o aparelho. De seguida, foi admoestado pelo Comandante por ter feito o que fez e pediu para ligar o aparelho onde ficou a ouvir com atenção e repetiu...

Quando se ouvia o meu nome no final, o então guarda costas do Comandante, já falecido, que era de Águeda,  de seu nome Emanuel Carvalho, disse que me conhecia e ficou incumbido de me convidar a fazer uma visita ao Gabinete do Comandante.

Quando a comitiva se retirou, logo o Fur Melo enviou uma mensagem via rádio para o Xime a contar o sucedido para que eu fosse avisado. E então o Cabo de Transmissões Laurentino Ribeiro, que é de Barcelos, veio ter comigo à Oficina e começa por me dizer, bem à moda do Minho:
- Ó Moreira, estás fodido, pá !

Ao que eu respondi:
- Pois estou,  e já há muito tempo e só acaba quando for embora daqui ... - Mas ele muito sério repete e diz :
- O Comandante  do Batalhão ouviu a tua Canção da Fome e quer que vás ao Gabinete dele responder. - Por isso, aí eu pensei e disse:
- Estou fodido mesmo !

Demorei bastante tempo a ir a Bambadinca a ver se o tipo se esquecia mas não, estava sempre a perguntar ao Emanuel Carvalho por mim.

Depois de vários comentários deste,  com os meus camaradas mecânicos do Xime, lá me convenceram a ir a Bambadinca e qual o meu espanto, quando o Comandante [, o Ten Cor Pimentel Basto,]queria só e apenas que eu cantasse para ele gravar e levar para casa e mostrar aos netos...

Aí eu acreditei. Eu só tinha medo da PIDE.

E tive sorte porque, precisamente em Galomaro,  no dia 5 de Março de 1968,  aquando da rendição de Secção por Secção, o condutor João Medeiros ausentou-se com o Unimog sem autorização e conhecimento,  levando a minha G3 junta com a do Alf Madaíl no banco direito, mecânico e oficial de coluna, que eram as únicas que iam e vinham. Fui beber umas aguardentes de cana e na vinda, depois de vários saltos nos buracos da estrada, a minha G3 caiu e passou-lhe por cima ficando em três pedaços. Ora, auto às costas... Auto que estava nas mãos do Comandante do Batalhão que o arquivou,  graças à Canção da Fome.

O Madaíl não cantava o Fado mas dava uns toques na viola. Eu sempre cantei e canto, de tudo. Cantar faz bem e espanta as tristezas !

Um Abraço Amigo

Manel Moreira
CART 1746

2. Letra do fado Canção da Fome (**)

[Adpat. de Tempos que já lá vão,  de Manuel de Almeida, n. 1922; música do Fado Corrido]

CANÇÃO DA FOME

Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês.
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da Guiné.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:
Manuel Vieira Moreira.

Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968

_________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 6 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9144: O nosso fad...ário (5): Fado Brito que és militar (Letra de Tony Levezinho, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71)

(**) Vd. poste de 31 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1009: Cancioneiro do Xime (1): A canção da fome (Manuel Moreira, CART 1746)

sábado, 3 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8731: Fotos à procura de... uma legenda (13): Auto-retrato do fotógrafo com cão ao fundo... (Luís Graça)


 Foto nº 1

 Foto nº 2



Foto nº 3

Tabanca de Candoz > 31 de Agosto de 2011 > Último dia do meu/nosso querido mês de Agosto... Deu-me saudades do sol, do sal, do sul,  a que também pertenço... Fui revisitar um poema escrito há 3 anos, no bar da Peralta, no bar Victor, quase a 400 quilómetros a sul desta minha Tabanca nortenha (onde também sou querido e mimado)... Parto daqui a umas horas, rumo ao sul, de regresso a casa, depois de ter participado na nossa vindima (que é sempre azáfama e festa) e de ter feito muitas fotos e vídeos... Segunda feira, 5, entra-se nas calhas da (a)normalidade... Até lá, apetece-me agradecer à vida... a movida!... E a todos os amigos com quem estive  nestas férias que já não são tão grandes como antigamente... E em homenagem ao meu pai, meu velho, meu camarada, que fez 91 anos no passado dia 19 de Agosto... E ainda a todos os demais aniversariantes do mês de Agosto... E, por fim, a todos os leitores do nosso blogue (amigos, camaradas, camarigos...) que tiveram a benevolência e a pachorra de alinhar neste passatempo das Fotos à procura de... uma legenda. Espero que se tenham divertido tanto quanto eu... (LG)

Fotos: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados

Gracias à la (mo)vida 
por Luís Graça

A vida é la movida.
É Sagres.
É Boémia.
E choco frito.
Tudo o que a gente gosta.
Uma esplanada à beira-mar.
O sol.
A maresia.
A boa vida.
A sorna.
O fado.
A morna.
O dolce far niente.
Com a gente de quem se gosta.
Muito, pouco ou nada.
Mais a Nossa Senhora dos Milagres

Que te acode,
Quando aflito.
Enquanto a maré sobe.
E a noite espreita.
E a morte não pré-avisa.

Olha a moreia da costa,

Que é a melhor do mundo.
A vida é pregão.
A vida é merda.
A vida é Sagres, é Boémia.
A vida é hipoglissémia.
A vida é adrenalina.
A vida é prego a fundo.
A vida é stresse.

Sexta-feira à tarde,

Ao fim da tarde,
Uma hora antes do pôr do sol.
A vida é festa.
La fiesta, amigo.
Vengo de la altiva Castilla.

No TGVê espanhol

Que não paga imposto 
Único 
De circulação.
Que o futuro não paga imposto,
Nuestro hermano.
Pressupuesto, amigo.
Que viva la siesta!
Que viva la vida!


Mas agora que vem aí a crise,

Como é que eu chego à ponta mais 
Acidental
Da Europa ?
Para comer o meu choco frito,

No bar da Peralta,
A las cinco de la tarde.
Com navios negreiros, 

Fantasmagóricos,
Na linha do horizonte, 
A quinze milhas.
Com os jacobinos do Junot

Na película da memória.
E o Vimeiro aqui tão perto.
 

Com autos de fé, 
Mouros, judeus, corsários,
No meu ADN de português
Sem história,
Maçarico, maltrapilho, errante.
No mar onde naufragam
Todas as boas consciências
E se afinam as ciências,
As ditas duras mais as ditas moles.

Um homem sorri com meia-cara
O sorriso amarelo do cinismo.
Aqui,
No cabo da terra,
Onde se proclama a ditadura do sucesso.
E do novo riquismo.
Com o isco
Da vã glória de ganhar
A medalha olímpica.
A vida eterna.
O Nobel.
Um lugar no paraíso.
O Olimpo,
Condomínio fechado dos deuses.
Que dos perdedores não reza a História.

A vida é la movida
No Peralta Bar,

no Bar do Victor,
Que não vem na lista do Expresso
Da Boa Cama, Boa Mesa  & Roupa Lavada.
Haja lugar à mesa, 

Comprida,
E valha-nos Baco, velho compincha.
Viva o Portugal do petisco!
Viva o mês de Agosto,

O meu querido mês de Agosto!

Deixei os meus velhos
Institucionalizados
Nacionalizados
Alegaliados
Sedados
Securizados
Acorrentados
À árvore do Welfare State.
Na Atalaia,
A caminho do Porto das Barcas.
Ficaram aos cuidados de uma ucraniana
Que era enfermeira na sua terra,
E da santa padroeira 

Dos pescadores,
A Nossa Senhora da Guia.
Que há sempre uma santa para todas as aflições,
Das dores do parto
À agonia da morte.
Que às vezes, mais vale a morte
Que tal sorte.

Tenho insónias às cinco da manhã,
Mesmo sabendo que da janela
Do quarto dos meus velhos
Há uma linda vista para as Berlengas.
E que a associação é
Cultural,
Social,
Artística,
Desportiva
e Humanitária.

Minha mãe, minha avozinha,
Tens a graça até no nome,
Não é por seres mais velhinha
Que de amor passarás fome.


Passo pela loja do chinês,
Fugido de Tianamen,
E compro um prato
De Alcobaça, pintado à mão,
De contrafação.
Com quadras pimbas
Ao amor de mãe…

Brilhas como uma estrela,
No teu quarto, lá no lar,
Tens uma linda janela,
Com vista de céu e mar.


Quem disse que a vida é bela,
E que as mães é que dão cabo dela ?
Desligo o botão da televisão,
Puxo o reposteiro da janela
Donde vejo o mundo a cor de rosa,
Arrumo o cavalete
E as tintas do arco-íris.
E peço uma posta de moreia frita
E um copo de tinto.
É a hora da doce melancolia
E do leve sentimento de culpa
E da idiota reflexão sobre a idiossincrasia
De se ser velho, europeu e português,
Na ponta de uma navalha
Da economia
Da política
Da demografia
E da geografia.

Não escolhi nascer.
Não escolhi pai e mãe.
Não escolhi o pedaço de chão onde fui parido.
E não sei o que farei com este poema,
Que não vale um algoritmo
Nem um simples teorema.
E que não é de protesto
Nem é manifesto.
Entre a ciência da morte
E a fé da ressurreição,
Haverá sempre uma santa
Que me valha.
Ou uma azinheira ou uma carvalha
Onde possa pôr uma Santa Aparecida
Que me salve da má consciência
De la movida.

Lourinhã, Praia da Peralta, Agosto de 2008  (revisto hoje)
  
Luís Graça > Blogpoesia > 1 de Setembro de 2008 >  Blogantologia(s) II - (68): Gracias à la (mo)vida 
______________

Nota do editor: 

Último poste da série > 1 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8720: Fotos à procura de... uma legenda (12): Mais uma foto-mistério da Tabanca de Candoz (Luis Graça)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8388: A minha CCAÇ 12 (18): Tugas, poucos, mas loucos...30 de Março-1 de Abril de 1970, a dramática e temerária Op Tigre Vadio (Luís Graça)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCAÇ 12 (1969/71) (*) > A sempre penosa progressão no mato...


Foto: © Arlindo T. Roda (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Todos os direitos reservados



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/BART 2917 (1970/72) >  Um heli Al III, no heliporto de Bambadinca...



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/BART 2917 (1970/72) >  Pescadores do Rio Udunduma, afluente do Rio Geba... Na margem direita do Geba Estreito começava o regulado do Cuor... No Sector L1, só havia dois destacamentos no Cuor: Missirá (1 Pel Caç Nat + 1 Pel Mil) e Finete (1 Pel Mil)... Era uma região (o regulado do Cuor), a sul do Oio,  onde o PAIGC se movimentava com relativa à vontade. Segundo o comando do BART 29917, a população sob o controlo do IN, nesta região, na península de Madina/Belel,  andaria à volta dos 1900 habitantes (**)...


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/BART 2917 (1970/72) >  O Rio Geba (Estreito) em Bambadinca ou Bafatá (?)..
.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/BART 2917 (1970/72) > O espaldão do morteiro 81... 

 Fotos: © Benjamim Durães (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Todos os direitos reservados




A. Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graç


(9) Março de 1970: Op Tigre Vadio, 300 homens na península de Madina/Belel, no regulado do Cuor


Esta foi seguramente a mais dramática (e talvez a mais temerária) operação conjunta que a CCAÇ 12 efectuou enquanto esteve de intervenção ao Sector L1, às ordens do Comando do BCAÇ 2852. Podia ter dado para o torto...

A missão confiada às NT era bater chamada península de Madina/Belel, no limite do regulado do Cuor, a fim de aniquilar as posições IN referenciadas do antecedente e eventualmente capturar a população que nela vivesse (espalhada por locais como Madina, Quebá Jilã, Belel e Banir, esta localização já no Oio).

Em Madina, localizada em MAMBONCÓ 8G-1, havia uma população sob controlo do IN, estimada em 1500 habitantes. Mais 400, em Banir, cuja localização era em MAMBONCÓ 8H-9 (**).

Segundo as informações de que se dispunha, existiria 1 bigrupo nesta região, pertencente à base do Enxalé e dispondo de 2 Morteiros 60, 1 Metralhadora Pesada Goryonov, além de armas ligeiras (Metr Degtyarev, Esp Kalashnikov, Pist Metr PPSH, etc).

Admitia-se também que este bigrupo estivesse reforçado com 1 grupo de Mort 82, pertencente ao Grupo de Artilharia de Sara-Sarauol [a noroeste de Madina/Belel, vd. carta de Mambonco].

A última operação com forças terrestres realizara-se em Fevereiro de 1969, não tendo as NT atingido o objectivo devido à fuga do prisioneiro-guia e ao accionamento dum engenho explosivo que alertou o IN. Verificaram-se ainda vários casos de insolação (Op Anda Cá)[ Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desastrosa operação a Madina/Belel ].



Veja-se este diálogo saboroso, mas surreal, entre o Ten Cor Pimentel Bastos, comandante do BCAÇ 2852, e o seu subordinado (e amigo), Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52:


"- Meu Comandante, há duas noites que não durmo a pensar nesta operação que dentro de dias vem para o Cuor. O que me foi dito pelo Major Pires da Silva é que há dois destacamentos que deviam partir juntos e teme-se que não haja condições para tal. Gostava que revêssemos outras possibilidades para não deslocarmos mais de 300 militares em bicha, com todas as desvantagens. Por favor, peço-lhe como seu amigo que converse comigo em particular nas próximas horas. (...)


"O Pimbas cofiava o bigode, aclarou a voz, olhou-me com estima e não escondeu as suas dificuldades:
- Ouve lá, tu até és capaz de ter razão mas o Pires da Silva tem desenhado esta operação com minúcia e está muito determinado. Faz-me o favor de não o causticares, actua como se ele tivesse razão" (...).



Releia-se outro escrito do Mário, aqui publicado no blogue (em 29 de Junho de 2006):


(...) "Soube da Tigre Vadio  em finais de Fevereiro de 1970, quando o Major de operações de Bambadinca [, Sampaio,] me convidou para um passeio numa Dornier sobre os céus do Cuor. Foi uma viagem que permitiu medir o crescimento militar e populacional de Madina/Belel e a sua ligação a Sara/Sarauol, uma enorme base do PAIGC com um hospital de campanha.

"No regresso desse prolongado voo de reconhecimento, o oficial informou-me discretamente que lá para os finais de Março eu iria revisitar Madina. Era o que menos me interessava a 15 dias do meu casamento, que se veio a realizar na Sé Catedral de Bissau, [com a Cristina Allen]. O ano tinha-se iniciado da pior maneira. Desde que, em Novembro anterior, passara a prestar serviço em Bambadinca, não havia um dia de descanso: colunas ao Xitole, correio a Bafatá, noites na ponte de Udunduma, patrulhamentos alucinantes à volta da pista, toda ela bem iluminada, operações no Xime, emboscadas, segurança nas obras do alcatroamento da estrada Xime-Bambadinca" ...


Mais recentemente, em 5 de Março de 1970, forças heli-transportadas tinham destruído vários acampamentos na área de Mamboncó, reagindo o IN com mort 60 na região de Belel durante a Op Prato Verde. Os RVIS apontavam para a existência de uma razoável, e já mal dissimulada, rede de comunicações (trilhos bem batidos) que, do Oio, permitiam fazer infiltrações de homens e material, na zona leste, através do Sector L1.

Participaram na Op Tigre Vadio as seguintes forças (num total de 300 homens, incluindo carregadores civis que transportaram 2 morteiros 81, granadas de morteiro 81 e de bazuca, ... mas alguém se esqueceu dos jericãs com o precioso líquido chamado... água!):

(i) CCAÇ 2636 (2 Gr Comb) + Pel Caç Nat 52 (Destacamento A)

(ii) CCAÇ 12 a 3 Gr Comb reforçados (Destacamento B)

(iii) Pel Caç Nat 54 + 1 Esq Mort 81 / Pel Mort 2106 (Destacamento C).




Guiné-Bissau > Região Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > 1970 > Pel Caç Nat 54 >  Uma unidade constituída por nharros, tugas e até turras!... A legenda é do açoriano Mário Armas de Sousa: " 1ª fila da direita para esquerda: do pessoal metropolitano, o primeiro sou eu, furriel miliciano Mário Armas; o terceiro é o 1º cabo Capitão; 2ª fila da direita para a esquerda: o primeiro é o soldado Amarante; o segundo é o soldado Bulo; o quinto é o furriel miliciano Inácio; o sexto é o 1º cabo Tomé; o nono é o soldado Samba; 3ª fila da direita para a esquerda: do pessoal metropolitano, o primeiro é o furriel miliciano Sousa Pereira; o quinto é o alferes miliciano Correia (comandante de pelotão); o sétimo é o 1º cabo Monteiro; o oitavo, africano, é o soldado Pucha (era guerrilheiro do PAIGC, foi capturado e ficou no nosso exército)"...


Foto: © Mário Armas de Sousa (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

O verdadeiro comandante das NT, envolvidas na Op Tigre Vadio, foi na prática o Alferes Mil Beja Santos, o nosso Mário, profundo conhecedor da região, na qualidade de comandante do Pel Caç Nat 52, agora colocado em Bambadinca. Depois do desastre da Op Anda Cá, repetiu-se a cena, com o comando do BCAÇ 2852 a querer fazer ronco, à conta dos pretos e dos açorianos... (Estava-se no término da comissão, não se quis sacrificar nenhumas das subunidades de quadrícula do batalhão, espelhadas pelo Sector L1)...


No 2º volume do seu livro de memórias (Diário da Guiné: 1969-1970: o Tigre Vadio), o próprio Mário dá a entender que esta missão terá sido uma espécie de prenda de casamento, mas envenenada… Antes de o deixarem ir a Bissau para casar, embora com baixa psiquiátrica (por ter levado uma porrada, não podia ir de férias...), o comandante do BCAÇ 2852, Ten Cor Pamplona Corte Real (que substituiu o famoso Pimbas), e o major Sampaio (que foi para o lugar do Pires da Silva), preparam-no para "o banho de sangue no corredor do Oio" (sic) (p. 271).

Quem são as forças que o comando de Bambadinca quer meter na boca do lobo, para vingar o desaire da Op Anda Cá ? Como se disse atrás, mais uma vez  "os pretos e os açorianos"...




A CCAÇ 2636, mobilizada pelo BII 18, tinha partido para o CTIG em 22/10/1969, ainda era portanto periquita (menos de seis meses de Guiné). Era comandada pelo Cap Mil Inf Manuel Medina e Matos. Passou por Có, Bafatá e Sare Bacar. Regressaria a casa em 6/9/1971. Em Março de 1970, a açoriana CCAÇ 2636 estava aquartelada em Bafatá. 

[Imagem à esquerda: Guião da CCAÇ 2636 a companhia açoriana a que pertenceu o nosso camarada João Varanda (Có/Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/70; Bafatá, Saré Bacar e Pirada, 1970/71)].

A africana CCAÇ 12, por sua vez, era comandada pelo Cap Inf C
arlos Brito, a escassos meses de ser promovido a major. Deste o fim da época das chuvas, que não tínhamos tempo para nos coçarmos... 


Desenrolar da acção:

Em 30 de Março de 1970, as forças empenhadas na Op Tigre Vadio concentrar-se-iam em Missirá (destacamento agora guarnecido pelo Pel Caç Nat 54, por troca com o Pel Caç Nat 52, comandado pelo Alf Mil Beja Santos, então conhecido como o Tigre de Missirá, que fora colocado desde Novembro de 1969 em Bambadinca).

A marcha em direcção ao objectivo (Madina e Belel) iniciou-se às 23h00.  Anteriormente, para despistar e confundir os olhos e os ouvidos do PAIGC em Bambadinca, as NT seguiram não para Finete (como seria normal), mas para Fá. Atravessaram o Rio Geba de sintex (uma cambança morosa...), e dali seguiram para Missirá.

Por falta de trilhos e por dificuldade do terreno, muito arborizado, não foi possível fazer a progressão por itinerários paralelos, como estava inicialmente previsto, pelo que o Dest B (CCAÇ 12) teve de seguir na rectaguarda do Dest C (Pel Caç Nat 52 + Esq Mort 81 /Pel Mort 2106).

Sancorlá só foi atingida três horas e meia depois, pelas 2.45h do dia 31 de Março, por dificuldades de orientação dos guias e pelas frequentes paragens no decorrer da acção.

Quase seis horas depois da partida, por volta das 4h40, fez-se uma paragem de meia hora para descanso do pessoal.

Atingir-se-ia Salà às 7h e Queba Jilã às 8h, não se tendo detectado até aqui quaisquer sinais da presença ou passagem do IN e utilizando-se sempre um antigo trilho, muito arborizado dos lados, o que impossibilitava a progressão por colunas paralelas.

Depois de um novo alto em que se entrou em contacto com o PCV [Posto de Comando Volante], as NT atingiram o início da península onde depararam, pelas 9h, com uma extensa cortina de fogo, em frente a Madina. Pediu-se então ao PCV novas indicações e orientação, uma vez que já não se podia cumprir o plano estabelecido para a batida a desenvolver em linha conjuntamente pelos Dest A e B.

Dada ordem pelo PCV para seguirem na direcção W, torneando a queimada linear feita pelo IN, as NT encontrariam um trilho muito batido no sentido N/S e na direcção de Belel.

Seguindo o trilho, iriam detectar por volta das 14h, no píncaro do calor, um acampamento IN do lado direito, composto por oito moranças de colmo e sete de adobo. O Dest A (Pel Caç Nat 52 + açorianos) tomou imediatamente posição para o assalto enquanto 1 Gr Comb do Dest B (CCAÇ 12) se dispunha de maneira a cortar a retirada ou o eventual afluxo de reforços vindos de Madina e os outros montavam à rectaguarda e à direita a fim de interceptar quaisquer fugas para Norte.

Desencadeado o assalto com bazuca, foi abatida imediatamente a sentinela e incendiadas as barracas de colmo. Como o IN reagisse com RPSH (costureirinhas) e RPG-2 enquanto iniciava a fuga para NW, foi aberto fogo de armas automáticas, dilagrama e morteiro 60.

O Dest C (Pel Caç Nat 54 + Esq Mort 81 / Pel Mort 2106), instalado na rectaguarda dos grupos de assalto,  fez fogo com os dois Mort 81, batendo a mata para onde os elementos IN se refugiaram. 
  


Os Gr Comb que montavam segurança à direita (CCAÇ 12), viram aparecer na orla da mata vários grupos fugindo para norte, pelo que imediatamente abriram fogo, tendo uma das granadas caído no meio dum grupo de 3 elementos que não mais foram vistos (sic). Numa rápida batida à orla da mata, encontraram-se muitos rastos de sangue que conduziam à mata onde o IN se internou.

Depois do assalto foram referenciados mais onze elementos abatidos e nove rastos nítidos de sangue na direcção NW, além de ouvidos gritos de dor nas imediações (segundo o relatório da Op Tigre Vadio). Na busca realizada ao acampamento, verificou-se haver numa das barracas a arder seis armas carbonizadas que pareciam ser Pist Metr PPSH. Também foi vista uma bicicleta no meio do incêndio, o que vinha comprovar a utilização por parte do IN daquele meio de transporte e comunicação no corredor do Oio.

As oito casas de colmo arderam completamente, tendo-se depois completado a destruição das sete casas de adobe, assim como de todos os meios de vida existentes. Foi impossível recolher ou capturar armamento ou munições pois o fogo ateado desenvolveu-se rapidamente, começando também a mata a arder devido ao vento que soprava.

No assalto ficou ferido o soldado Mauro Balbé (3° Gr Comb da CCAÇ 12), com um tiro no antebraço, além dum outro soldado do Pel Caç Nat 52 com um estilhaço de granada de RPG-2 no peito.

Devido ao violento ataque de abelhas que se seguiu, muito material e munições (principalmente o que era transportado pelos carregadores civis) ficaram abandonados, não tendo sido possível a sua recuperação total.

Entretanto, não se conseguiu pedir mais evacuações devida à avaria dos micros do único AN/PRC-10 que nessa altura ainda funcionava (!), nem aliás a DO e o helicóptero com o reabastecimento de água chegariam já a localizar as NT naquele dia. 



O que aconteceu nessa tarde ? Eis mais um excerto do testemunho Beja Santos, de 29 de Junho de 2009 (reproduzido, de resto, no seu livro de 2008):


(...) "Foi nessa altura que pedi um helicóptero para ir buscar água a Bambadinca. Negociámos uma clareira com o oficial aviador e, ao levantar, uma rajada estilhaçou o vidro. Ainda hoje me interrogo sobre a proveniência do fogo, e longe de mim insinuar que foi gente menos calma entre os nossos. O que interessa é que quando cheguei a Bambadinca, o Comandante [do BCAÇ 2852] perguntou-me porque é que eu deixara o teatro de operações. Olhei-o a direito e perguntei-lhe se ele sabia o que era um estado de desidratação total, desafiando-o a vir comigo...

"Lá regressei à mata cheio de garrafões, o helicóptero dançava com os vidros partidos, a ligação ar/terra não se fez e o oficial convidou-me a desembarcar com os garrafões num sítio qualquer. Perguntei-lhe se ele tinha consciência que não estávamos num filme de aventuras na selva e então levou-me até ao Xime, dizendo que regressava a Bissau e que depois da reparação me viria buscar. Até hoje. Dormi no Xime, sem nenhum êxito na tentativa de comunicar com as forças do Tigre Vadio" (...).



O helicóptero trouxe também o médico do batalhão, o Alf Mil Med Vidal nSaraiva... que acabaria por perder a boleia, de regresso a Bambadinca. Andou todo o resto da tarde, de 31, e toda a noite, do dia 1 de Abril, com a destroçada e desmoralizada tropa...


Os Destacamentos continuaram a progressão a corta-mato em direcção a Enxalé, transportando os feridos em macas (improvisadas) e amparando os elementos mais debilitados.

Devido à escuridão e à vegetação densa, os Destacamentos acabaram inevitavelmente a fraccionar-se, perdendo-se completamente a unidade de comando, enquanto o Pel Caç Nat 52 caminhava na vanguarda orientando-se pela bússola, uma vez que os guias, da inteira confiança do Alf Mil Beja Santos,  davam provas de não conhecer a zona. 



A progressão tornou-se, de resto, cada vez mais penosa devido aos crescentes casos de esgotamento físico e psicológico provocado pela marcha quase ininterrupta durante uma noite e um dia (31 de Março), e sobretudo pela terrível desidratação e pelo brutal ataque de abelhas.

Pelas 22h, as várias fracções dos Destacamentos que, embora seguissem trilho feito pelo Gr Comb que ia na frente, não tinham ligação visual ou contacto-rádio entre si, estacionaram para pernoitar a uns 8 quilómetros do Enxalé.

Reiniciou-se a marcha, ao amanhecer, a 1 de Abril, depois dos 3 Destacamentos se reorganizarem, tendo o grupo da frente atingido o Enxalé por volta das 10h da manhã, com o auxílio do PCV que orientou o deslocamento. A maior parte do pessoal, porém foi transportado de viatura a partir do cruzamento de São Belchior, depois de se ter sofregamente dessedentado com água trazida em bidões. (Assisti a cenas que julgava nunca poder ver em vida, e que são reveladoras do mais básico instinto de sobrevivência do ser humano; essas cenas inspirara-me o texto poético, já aqui publicado, O Relim Não é um Poema).


Em resultado da acção das NT, o IN sofreu quinze mortos (entre referenciados e confirmados), dez feridos confirmados e baixas prováveis, não sendo possível discriminar os elementos combatentes dos elementos pop. (Cito o relatório da operação).

Desta operação o Comando colheu os seguintes ensinamentos, conforme também consta no dito documento:

(i) A surpresa conseguida deve-se ao facto de se ter atingido o objectivo pelas 14h, hora que o IN abranda a vigilância por que sabe que as NT fazem habitualmente um alto entre as 11h e as 16h;

(ii)  Outra razão foi ter-se convencido que as NT retiravam devido à cortina de fogo que havia lançado ao capim;

(iii) Um ataque de abelhas tem pior consequências que uma flagelação, pois que naquele caso as NT entram em estado de pânico, abandonando armamento e equipamento num instinto de defesa e tornando impossível a manobra de comando.
 Faz-se por fim, para os devidos efeitos,  a transcrição da mensagem 1404/C do Com-Chefe (Rep Oper):  



COM-CHEFE MANIFESTA SEU AGRADO REALIZAÇÃO RESULTADOS OBTIDOS OP TIGRE VADIO. Fontes consultadas:


(i) Diário de um Tuga, de Luís Graça. Manuscrito.

(ii) História da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71. Bambadinca: CCAÇ 12. 1971. Cap. II. pp. 28-29.Policopiado

(iii) História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Policopiado

(iv) Santos, Mário Beja - Diário da Guiné: 1969-1970: o Tigre Vadio. Lisboa: Círculo de Leitores / Temas & Debates. 2008. 

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