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sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21348: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (18): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Agosto de 2020:

Queridos amigos,
O episódio já tem barbas, apareceu, mais desenvolvidamente, no primeiro volume do meu Diário. Mas fazia todo o sentido fazer-se a revisitação, Paulo Guilherme vai enviando cronologicamente alguns dos episódios para ele mais salientes da guerra que ele viveu. Dentro de uma trama que funciona como as bonecas russas, abre-se um episódio e encontra-se nova porta, emerge desta pseudo correspondência uma relação cada vez mais estreita, pesa a intimidade dos episódios, um tanto caleidoscópicos, que organizam a imagem afetuosa destes dois cinquentões que vivem em pleno deslumbramento, onde o passado de ambos adquire uma nova imagem, um quase cabedal de sabedoria que os prepara para enfrentar o futuro em radiante felicidade.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (18): A funda que arremessa para o fundo da memória

Mário Beja Santos

Mon amoureux Paulo, a reunião no Parlamento terminou cedo, vim rapidamente para casa, limitei-me a fazer umas compras imperativas no Delhaize, tinha uma volumosa carta tua no correio, és sempre mais importante que as artes da culinária, sentei-me na sala, estava imenso calor, servi-me de uma cerveja Orval, em tua homenagem, sei muito bem que é a tua cerveja predileta. Davas-me conta do primeiro grande drama, um patrulhamento perto de uma antiga povoação chamada Chicri, será a primeira que tu matarás um ser humano, num recontro com população rebelde, e virá então um episódio do maior dos sofrimentos que tu intitulas “O Presépio de Chicri”, observando que se acaso o romance for por diante tudo aquilo que aqui se escreve será dele parte integrante. Começas por referir o encontro com Paulo Ribeiro Semedo, vocês não se viam há mais de 31 anos, e impressiona-me muito os elementos que tu pões na escrita, tudo numa toada de conversa, tu vais reviver o que foi o sofrimento do Paulo:
 “A 19 de dezembro de 1968, tomei a decisão de partirmos a 22 para patrulhar Chicri, aproveitando a missão de vigilância em Mato de Cão, fora anunciado que passaria um comboio de embarcações civis ao amanhecer, saí de Bambadinca para Bissau.
Precisei de meses para me aperceber da importância estratégica de Missirá e Finete, e bem patrulhei a região até aos limites da sensatez, nunca procurei o contato direto indo com um grupo que não excedia 30 homens. Mas as provas da presença dos rebeldes no Cuor eram por demais evidentes. Os guerrilheiros de Madina do Cuor abasteciam-se atravessando o Geba em dois pontos: perto de Samba Silate, que fora até ao princípio da guerra a mais populosa tabanca de todo o Leste; ou em Mero, a Oeste, atravessando o Geba estreito, em região habitada por Balantas. Dizia-se, mas eu não o podia comprovar, que na região de Ponta Varela o PAIGC atravessava o Geba com a sua artilharia pesada e munições.
Visitei várias vezes esta região de Chicri, possuía um esplendoroso palmar, antes da guerra pôr a terra próspera, agora restavam umas estacas ainda espetadas no ar e subindo um pouco um declive pedregoso a vista era bafejada por um Geba refulgente, serpenteando entre o Xime e Bambadinca. E na última visita detetámos um trilho, houve o cuidado de o flanquear, para não deixar marcas. A 22 seria o patrulhamento para reconhecer o itinerário rebelde.

Paulo, provavelmente estará esquecido, mas a 19 de dezembro, contemplando aquele anfiteatro, tu disseste-me: ‘Chicri não parece um presépio?’. E pediste-me para ir a Bafatá comprar figurinhas de barro, querias fazer um presépio em Missirá, não me surpreendeu, tu eras cristão de Geba, usavas o fio ao pescoço com a Cruz de Cristo. Nessa madrugada do dia 22, tu já tinhas deixado armado na messe o presépio com as figuras principais, ornado de uma bela vegetação. Percorremos lamaçais, atravessámos, um tanto tolhidos pelo cacimbo, as pernas encharcadas pelo capim orvalhado, eram cerca de sete horas com muita humidade naquele dia a despertar. Avistado o trilho, confirmada a presença recente pelos vestígios de uma fogueira, restos de caju e peixe e uma patorra bem desenhada na areia, desta vez sem qualquer hesitação internamos a floresta fechada, à frente Quebá Soncó, Cibo Indjai, eu e o José Jamanca, íamos dentro do trilho, o importante era detetar se havia uma base rebelde entre Madina e Chicri. Quebá, sempre com aquele seu ar assustado e receoso, a rogar uma marcha mais lenta, um sol brutal escoava-se entre a ramaria e assim progrediu aquele caminhar quase sonâmbulo, sem se ouvir o piar das aves. Como se fosse hoje, tu vieste de mim pedir um cigarro, desaconselhei, não se fuma em terra de combate.
E de repente, na curva da picada, Quebá Sonco e Cibo Indjai atiram-se para o chão, tenho a pouco mais de cinco metros de mim um homem fardado de caqui amarelo, um estranho cofió, olhamo-nos estuporados e confusos. Levantámos as armas, foram dois tiros num só eco. Aquele homem que eu nunca vira levou a mão ao ombro direito, revolteou e quem seguia atrás dele tomou conta de um corpo ferido. Seguiu-se o tiroteio caótico, o estoiro das granadas, tu estrondeavas o temível dilagrama, os guerrilheiros abandonaram o terreno que ficou juncado de despojos. Cibo Indjai exibia triunfante uma Simonov, arma que nunca me passara pelas mãos. E nisto ouviu-se um urro medonho, e eu só me lembro de ver numa rodilha de carne dilacerada, feridas de onde saíam golfadas de sangue. Logo que se percebeu o que tinha acontecido, tinhas misturado os cartuchos especiais para dilagrama com balas reais, preparavas a tua condenação. Pressentiste um fim doloroso, estava ajoelhado diante de ti, impotente tu a pedires para te dar um tiro de misericórdia. Tu estavas muito mal, o braço esquerdo todo rasgado, buracos no peito, estilhaços nas pernas, pensei mesmo que tinhas perdido os dois olhos.

Havia que retirar prontamente, tentar um helicóptero para a tua salvação. Vieste nas minhas cavalitas, pernas e pés presos com cordões, resvalavas como um peso morto, ajudava-me Mamadu Djau que te elevava pela rabada. Paulo, encurtemos estes pormenores dolorosos, chegámos a Bambadinca e uma Dornier levou-te para Bissau. Ficaste muito sinistrado, mas para mim era muito importante que resistisses a tanto sofrimento, bem digo a tua sobrevivência.
Regressámos a Missirá, entreguei no comando de Bambadinca os principais despojos, confirmei o que todos suspeitavam quanto a corredores de abastecimento.
E assim chegou a noite de Natal, organizou-se uma festa para a população, mas tu não podes imaginar a frialdade no meu coração. Perto da meia-noite, o Teixeira das Transmissões foi chamar-me. No nosso refeitório, tal como tu o deixaste enfeitado, iluminava-se o presépio. Estávamos todos com um nó na garganta, brindámos às tuas melhoras.
Estou a falar-te pausadamente, Paulo, é só para calar a emoção, são memórias de quem assistiu ao teu corpo a estropiar-se. Estamos no Natal, e ter-te aqui, à minha frente, 31 anos depois, é uma incomensurável alegria. Perdi o teu paradeiro, não me comportei bem contigo, quando a guerra acabou dei primazia aos estudos, à vida familiar, ao trabalho. Sabia que os meus sinistrados viviam em Portugal, concentrei-me em Fodé Dahaba, ele era a minha fonte de informações. Os anos passaram, eu sentia-me intimidado em rever-vos, então ganhei coragem, obtive moradas e números de telefone, e aqui estou hoje a pedir perdão, tenho uma declaração muito importante: tu sobreviveste para lembrar aos homens da tua pátria e da minha que há muitos presépios de Chicri perdidos ou esquecidos. E muito importante para mim trago-te as figuras de barro que compraste em Bafatá e que resistiram a todas as inclemências do tempo. Não seja esta noite igual às outras noites, vamos hoje celebrar um Natal há tanto tempo adiado”.

Mon amoureux, que ternura, que texto tão íntimo e convincente! Às vezes penso que há dimensões da realidade que extravasam a ficção. E quando rememoro que estávamos nós sentados à mesa numa cantina de uma instituição da Comissão Europeia e me pediste ajuda para forjares um romance em que era preciso haver uma relação poderosamente afetiva que justificasse estas memórias, ainda mais feliz me sinto por ser a zeladora de medonhos acontecimentos que fizeram de ti o homem em que eu revejo o meu futuro. Vou agora preparar o meu jantar e pode até dar-se o caso de o telefone tocar e a boa notícia que me breve estarei dentro dos teus braços...

(continua)

 Pôr-do-sol na ilha de Bubaque, bilhete-postal enviado de Bissau para Lisboa, 1991

 A equipa de futebol de Missirá veio a Bambadinca perder 1-11

A despedida de Bambadinca, a guerra acabou. Ao fundo, à esquerda, o major Anjos de Carvalho, ao centro, o meu sucessor, Nelson Wahnon Reis, o tenente-coronel Domingos Magalhães Filipe, e de sorriso bem largo o Abel Maria Rodrigues, agosto de 1970

Paulo Ribeiro Semedo, o grande sinistrado e principal personagem dos acontecimentos de Chicri, Natal de 1968

Os CTT de Bambadinca, imagem de 1997, pertence ao blogue

O rio Geba junto a Porto Gole, imagem que pertence ao nosso blogue
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de Setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21323: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (17): A funda que arremessa para o fundo da memória

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Guiné 61/74 - P21306: Memórias cruzadas na região do "Macaréu" (Bambadinca) em 1971: a realidade e a ficção (Jorge Araújo)

Foto 1 – Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca (1970) - Vista aérea da tabanca de Bambadinca tirada no sentido sul-norte. Em primeiro plano a saída (lado leste) do aquartelamento, ligando à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá (para leste); Bambadinca-Xitole/Saltinho (para sul) e Bambadinca-Xime (para oeste). Ao fundo, o Rio Geba Estreito [foto do álbum de Humberto Reis, fur mil op esp da CCAÇ 12 (1969/1971)], com a devida vénia.
 

Foto 2 –  Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca (1972) >  BART 2917 (25Mai70-27Mar72) > Bambadinca; Carreira de Tiro, Março de 1972. Da direita para a esquerda: na primeira fila, o TCor Tiago Martins (Cmdt do BART 3873), o General Spínola, e o TCor Polidoro Monteiro (Cmdt do BART 2917). Atrás, na segunda fila, o Paulo Santiago (Alf mil PCNAT 53, Saltinho, 1970/72, de bigode e ósculos escuros) e o antigo administrador de Bafatá, o então intendente Guerra Ribeiro – P11288. [Foto do álbum de Paulo Santiago], com a devida vénia.


O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada: acaba de regressar de Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos, onde foi "apanhado" durante vários meses pela pandemia de Covid-19; tem mais de 260 registos no nosso blogue.
  
MEMÓRIAS CRUZADAS
NA REGIÃO DO "MACARÉU" (BAMBADINCA) EM 1971
- O EXERCÍCIO DE COMPREENDER A REALIDADE E A FICÇÃO 

1.     - INTRODUÇÃO

A contextualização da presente partilha de informação, como pode depreender-se do seu título, tem por cenário uma parcela do território da Guiné, situada na Região Leste (Sector L1), de nome Bambadinca (foto 1), local onde durante dois anos da minha missão ultramarina, na qualidade de miliciano do exército (1972/1974) passei por diversas experiências, entre elas a do "macaréu" (10Ago72; hoje memórias), que, quando cruzadas com outras, nos permitem compreender melhor as diferenças existentes entre "verdade" e "ficção".

Por outro lado, a ideia de colocar no papel uma nova reflexão sobre alguns "factos" relacionados com aquela região, de que tivéramos conhecimento por leituras que foram acontecendo, data do ano de 2016, como iremos dar conta no ponto seguinte.

2.     - O LIVRO DE AL J. VENDER

Mais ou menos há quatro anos, um familiar (dos mais próximos) ofereceu-me o livro «Portugal e as Guerrilhas de África. As guerras portuguesas em Angola, Moçambique e Guiné Portuguesa 1961-1974», da autoria de Albertus Johannes Venter, identificado por AL J. Venter, um conhecido jornalista de guerra, nascido a 25 de Novembro de 1938, em Kroonstad, a sul de Pretória, portanto sul-africano, e que é considerado internacionalmente como "um veterano na cobertura de conflitos em África e no Médio Oriente".


O meu familiar, ao ter a intenção de me oferecer "algo" (já não sei a que propósito), encontrou na expressão "um testemunho surpreendente do único jornalista estrangeiro presente nas três frentes da Guerra Colonial", a opção por esta sua escolha, uma vez que sabia que a temática da «Guerra Colonial» ou «Guerra do Ultramar», conteúdo historiográfico abordado nesta obra, era uma das áreas do meu interesse pessoal, concomitante com o facto de ter sido ex-combatente na Guiné, como já referi.

Entretanto, só passados alguns dias me foi possível folhear o livro, iniciado, por defeito ou virtude (técnica) da prática profissional, pelo índice. Aí encontrei, desde logo, na página 245, o início da Parte II «A Guerra na Guiné Portuguesa», estruturada entre os pontos 12 e 20, ou seja, das páginas 247 a 372.

Chamou-me a atenção o ponto 17. «Guiné Portuguesa: Norte e Leste de Bissau», com início na página 309. Mas foi na página 322 que o meu foco se fixou, naturalmente, por tratar-se de uma referência a Bambadinca, onde é citado o lema «BRAVOS E SEMPRE LEAIS», curiosamente o mesmo do meu Batalhão [BART 3873] – Bambadinca: Fev72-Mar74 – por ser a divisa da Unidade Mobilizadora: o RAP 2 (Regimento de Artilharia Pesada 2), e não a divida do BART 2917, que era «P'LA GUINÈ E SUAS GENTES», como se pode observar no ponto 3.2.

Li, reli e voltei a ler, para me certificar do que estava a entender da narrativa. Mas não queria acreditar, por experiência feita e por muitas leituras já realizadas na minha continuada investigação. Não tive dúvidas!… Estava perante uma "fraude" intelectual e histórica. Grande parte do conteúdo do "conto" não podia ter acontecido… dizia eu em voz alterada para os "meus botões". Era (é) uma gigantesca «ficção» que não só descredibiliza o autor como põe em causa o valor histórico, logo científico, do "objecto" divulgado e que, não raras vezes, é utilizado (citado) na elaboração de trabalhos académicos, como iremos sinalizar de seguida.

2.1       - FACTOS ERRÓNEOS

Para melhor esclarecimento e posterior análise dos "factos erróneos", contidos na narração a que tivemos acesso, reproduz-se na íntegra o seu conteúdo, retirado da página 322, onde consta:

"Em Bambadinca ficava o quartel-general do tenente-coronel João Monteiro [João Polidoro Monteiro], chefe do Batalhão 2917 [BART 2917; de 25Mai70 a 27Mar72] (lema: «Bravos e Sempre Leais», do RAP 2, Unidade mobilizadora); [divisa da Unidade: «P'la Guiné e suas Gentes». O Aquartelamento situava-se num dos poucos rios do interior onde não se fazia sentir a humidade usual da região costeira pantanosa.

A Base controlava [?] uma área que incluía a confluência dos rios Geba e Corubal, outra parte do país que vira muitos confrontos violentos no período anterior a 1968 [triângulo: Bambadinca-Xime-Xitole].

O Último ataque ocorrera exactamente um ano antes de eu chegar [só podia ter sido em 1970]: um grupo infiltrado tinha-se dirigido para norte do outro lado da fronteira a partir de Kandiafara para tentar cortar e minar a estrada de Bafatá. Num final de tarde, os guerrilheiros atacaram Bambadinca a partir do outro lado do rio [?], retirando-se depois para uma posição pré-determinada, onde esperaram pelo dia seguinte antes de se juntarem a outros dois grupos. Esta força combinada iria atacar outras posições durante o assalto [?].

Foi então que algo correu mal. Um grupo de pisteiros do grupo de ataque colidiu com uma das patrulhas do coronel [João Polidoro] Monteiro [Cmdt do BART 2917] e foi capturada[o] intacta[o], sem ter sido disparado um único tiro. Um dos homens era um alto oficial do PAIGC [?]. Os quatro homens foram levados de helicóptero para Bambadinca, onde foi oferecida ao oficial a opção de contar tudo ou aceitar as consequências. Era uma situação sem saída, e o rebelde foi suficientemente inteligente para aceitar.

E foi assim que o general Spínola teve todo o plano de batalha [?] dos guerrilheiros nas suas mãos nessa mesma manhã…"



2.2       - CONTRIBUTOS PARA O CONTRADITÓRIO

Na sequência das várias leituras que fiz aos diversos temas abordados ao longo da obra acima citada, procurei encontrar outras perspectivas que me ajudassem a aliviar "a revolta" que então senti pela imprudência (ou desfaçatez) de tanta "ficção".

◙ Vejamos as principais:

▬ No circuito comercial:

Em "Opinião dos Leitores", Miguel da Costa (04.01.2016) dizia: "Um livro fundamental, escrito por um jornalista credível…Recomendo Vivamente".



▬ Nas redes sociais:

No Blogue "Herdeiro de Aécio", com mais de dois milhões e meio de visualizações, em 16 de Outubro de 2018, o seu editor, A. Teixeira, escreve:




▬ Em trabalhos académicos:





[…]
"Bem ou mal, a história militar da Guerra Colonial Portuguesa está feita (Venter [,Al J.], 2015 [Portugal e as Guerrilhas de África. …]; Afonso & Gomes, 2010; Garcia, 2010; Teixeira, 2010; Leite, 2009; Rebocho, 2009; Brandão, 2008; Garcia, 2006; Cann [John], 2005; Bacelar, 2000)." […] (p 96)

▬ No Blogue da «Tabanca Grande»:

Durante a pesquisa realizada ao espólio fotográfico do blogue, visando a selecção de algumas imagens de Bambadinca para enquadramento deste trabalho, foi com surpresa (e ainda bem!) que encontrei no P17378 (19Mai2017), na série «Notas de leitura», da responsabilidade do camarada Beja Santos, uma análise ao mesmo livro de Al J. Venter "Portugal e as Guerrilhas de África", bem como um conjunto de "comentários" que vieram mesmo a calhar nesta minha narrativa, a saber:

● [Luís Graça] – (i) O referido ataque a Bambadinca foi a 28/5/1969 (ou "flagelação", segundo a história da unidade...), estavas tu em Missirá e eu a chegar a Bissau no "Niassa", ainda deu no dia 2 de junho'69, ao passar por lá, vindo de Bissau a caminho de Contuboel, para ver os estragos (relativamente poucos...) mas sobretudo sentir as reações e emoções da malta da CCS/BCAÇ 2852 e subunidades adidas...

(ii) Nunca ouvi esta versão do Al J. Venter / Domingos Magalhães Filipe, ou a melhor a versão contada pelo comandante do BART 2917 (que rendeu o BCAÇ 2852) e registada pelo escritor sul-africano... Será que o inglês do Magalhães Filipe e o português do Venter eram assim tão maus?

(iii) Parece que alguém está a delirar... ou trocou as cassetes... Recorde-se que o BART 2917 chegou a Bambadinca em finais de maio de 1970...

(iv) O Venter deve, portanto, ter falado, talvez em junho ou mesmo princípios de junho de 1970, com o então TCor Art Domingos Magalhães Filipe, que irá ser substituído pelo famoso TCor inf Polidoro Monteiro [situação verificada somente em meados de Dez70, vindo do BCAÇ 2861 (11Fev69-07Dez70), na sequência da conclusão da comissão desta Unidade].

(v) Em conversa há dias [Maio2017] com o Fernando Calado, que foi alf mil trms da CCS/BCAÇ 2852 (1968/70), ele transmitiu-me a seguinte versão dos factos que, de resto, podem ser corroborados pelo Ismael Augusto, outro oficial miliciano da CCS, ambos membros da nossa Tabanca Grande:

■ O relato do escritor sul-africano Al J. Venter é uma falsificação da história;

■ Não houve prisioneiros nenhuns, nem muito menos nenhuma figura grada do PAIGC, e nem muito menos apanhados à mão e trazidos de helicóptero para Bambadinca para serem interrogados;

■ O comandante do BCAÇ 2852 não estava em Bambadinca nem ele nem a esposa.

◙ Em resumo:

▬ 1. - No caso do jornalista sul-africano Al J. Venter ter passado por Bambadinca, a sua visita só poderia ter sido durante o ano de 1971.

▬ 2. - No período em análise não aconteceram quaisquer dos factos "classificados de relevantes" para as NT, narrados na página 322 do seu livro.

▬ 3. - O TCor João Polidoro Monteiro comandou o BART 2917 durante quinze meses, desde a sua chegada a Bambadinca, em meados de Dezembro de 1970 até à sua substituição, verificada em meados de Março de 1972, pelo TCor António Tiago Martins (1919-1992), Cmdt do BART 3873 (28Dez71-04Abr74).

▬ 4. - A maioria dos depoimentos, conforme se infere do acima exposto, são de opinião de que Al J. Venter prestou um mau serviço à causa da "ciência historiográfica" ao narrar "factos" que não constam em nenhum dos Documentos Oficiais, pelo que se pode concluir que "falsificou a história" da «Guerra Colonial», em particular a da Guiné.

▬ 5. - Em função do ponto anterior, sugere-se à «Academia» e à sua comunidade científica, no caso de vir a utilizar este recurso bibliográfico, que tome as devidas precauções, cruzando-o com outras fontes em que se possa confiar.

▬ 6. - É relevante o facto deste livro fazer parte do "Plano Nacional de Leitura"…

3.     – SUBSÍDIO HISTÓRICO DO BATALHÃO DE ARTILHARIA 2917 = BAMBADINCA - XIME - ENXALÉ - MANSAMBO - XITOLE (1970-72)



Foto 3 – Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > Mato Cão > Dez'71 > O TCor João Polidoro Monteiro, último Cmdt do BART 2917 (1970/72), na companhia do Alf Médico Vilar e do Alf Mil Paulo Santiago, instrutor de milícias, com um jacaré do rio Geba – P9034. [Foto do álbum de Paulo Santiago], com a devida vénia.


3.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG

Mobilizado pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 [RAP 2], de Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, o Batalhão de Artilharia 2917 [BART 2917], liderado pelo TCor Art Domingos Magalhães Filipe, mais as suas três Unidades de quadrícula – CART 2714, CART 2715 e CART 2716 – embarcaram em Lisboa, no Cais da Rocha, em 17 de Maio de 1970, domingo, seguindo viagem a bordo do N/M "CARVALHO ARAÚJO", rumo à Guiné (Bissau), onde chegaram a 25 do mesmo mês, 2.ª feira. 



3.2 - SINTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL

● A DO BART 2917

Quatro dias após a sua chegada a Bissau, o BART 2917 seguiu, em 29Mai70, para Bambadinca, a fim de efectuar a sobreposição e render o BCAÇ 2852 [30Jun68-16Jun70; do TCor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos (1.º); TCor Cav Álvaro Nuno Lemos de Fontoura (2.º) e TCor Inf Jovelino Moniz de Sá Pamplona Corte Real (3.º)], assumindo em 07Jun70 a responsabilidade do Sector L1, com sede em Bambadinca e abrangendo os subsectores de Xime [CART 2715], Xitole [CART 2716] e Mansambo [CART 2714] e Bambadinca [CCS e Cmd].

As suas três subunidades mantiveram-se sempre integradas no dispositivo e manobra do Batalhão. Desenvolveu intensa actividade operacional, tendo comandado e coordenado a realização de diversas operações, patrulhamentos, emboscadas e protecção e segurança dos itinerários e ainda promovendo a segurança e protecção dos trabalhos de construção de aldeamentos para as populações e correspondente desenvolvimento socioeconómico.

Da sua actividade destacam-se, entre outras, as operações «Corrida Entusiástica» e «Triângulo Vermelho», e ainda a organização e funcionamento do Centro de Instrução de Milícias [CIM], bem como a captura de diverso material de guerra, como sejam duas metralhadoras ligeiras, uma espingarda, um lança-granadas foguete, quinze granadas de armas pesadas, cinco minas e elevada quantidade de munições de armas ligeiras.

Em 15Mar72, o BART 2917 foi substituído no sector de Bambadinca pelo BART 3873 [Dez71-Abr74] e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso, que aconteceu entre os dias 24 e 27 de Março de 1972, a bordo dos TAM. (Ceca; p. 228).



● A DA CART 2714

A CART 2714, do Cap Art José Manuel da Silva Agordela, seguiu em 29Mai70 para Mansambo a fim de efectuar a sobreposição e render a CCAÇ 2404 [30Jul68-16Jul70; do Cap Mil Inf Carlos Alberto Franqueira de Sousa (1.º)], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector. 

Por períodos variáveis, destacou Grs Comb para reforço de outras subunidades do sector, mantendo também um Gr Comb em reforço da CART 2715, no Xime, a partir de 23Set70. Em 14Mar72, foi rendida no subsector de Mansambo pela CART 3493 [28Dez71-02Abr74; do Cap Mil Inf Manuel da Silva Ferreira da Cruz], após o que recolheu a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 24 de Março.

● A DA CART 2715

A CART 2715, do Cap Art Vítor Manuel Amaro dos Santos (1.º), seguiu em 31Mai70 para o Xime a fim de efectuar a sobreposição e render a CART 2520 [29Mai69-17Mar71; do Cap Mil Art António dos Santos Maltez], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector, com um destacamento no Enxalé, sendo este guarnecido ora com um Gr Comb, ora com dois, conforme as necessidades operacionais. 

Em 14Mar72, foi rendida no subsector do Xime pela CART 3494 [28Dez71-03Abr74; do Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques (1.º); Cap Art António José Pereira da Costa (2.º) e Cap Mil Inf Luciano Carvalho Costa (3.º)], tendo recolhido a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 25 de Março.

● A DA CART 2716

A CART 2716, do Cap Mil Art Francisco Manuel Espinha de Almeida, seguiu em 29Mai70 para o Xitole a fim de efectuar a sobreposição e render a CART 2413 [16Ago68-18Jun70; do Cap Art Raul Alberto Laranjeira Henriques], tendo assumido em 08Jun70 a responsabilidade do respectivo subsector, com um Gr Comb destacado na ponte do Rio Pulom. 

Em 14Mar72, foi rendida no subsector do Xitole pela CART 3492 [29Dez71-01Abr74; do Cap Mil Inf António Vítor Ribeiro Mendes Godinho], tendo recolhido seguidamente a Bissau a fim de efectuar o embarque de regresso, verificado por via aérea em 26 de Março. (Ceca; p. 229).
______________________
Fontes Consultadas:
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).
Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
28AGO2020
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Nota do editor

Último poste da série "Memórias cruzadas" > 18 de agosto de 202 > Guiné 61/74 - P21266: Memórias cruzadas da Região do Cacheu: Antecedentes do Plano de Assalto ao Quartel de Varela, proposto por dois desertores portugueses: o caso do António Augusto de Brito Lança, da CART 250 (1961/63) (Jorge Araújo)

Vd. também:

15 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17359: Notas de leitura (956): “Portugal e as Guerrilhas de África”, por Al J. Venter, Clube do Leitor, 2015, prefácio de John P. Cann (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20179: Jorge Araújo: ensaio sobre as mortes de militares do Exército no CTIG (1963/74), Condutores Auto-Rodas, devidas a combate, acidente ou doença - Parte II


Foto 1 – Estado em que ficou a GMC da CCAÇ 423 (São João e Tite: de 22Abr1963 a 29Abr1965) por efeito do rebentamento de uma mina/fornilho [a segunda da historiografia da Guerra], colocada na estrada Nova Sintra - Fulacunda, accionada em 18 de Julho de 1963 (5.ª feira), de que resultou a morte do Ten Mil Inf Carlos Eduardo Afonso de Azevedo, natural de Nossa Senhora do Carmo, Luanda (Angola).

Recorda-se que a primeira mina/fornilho accionada no CTIG ocorreu às 09h00 do dia 03 de Julho de 1963 (4.ª feira), no mesmo itinerário acima, no sítio de Bianga, tendo-se verificado quatro baixas no contingente da CCAÇ 423, a saber: 1.º cabo António Augusto Esteves Magalhães, natural de Amares; soldado Alberto dos Santos Monteiro, de Soutelo, Rio Tinto, Gondomar; soldado José Isidro Marques, de Alguber, Cadaval, e o fur Inf Hércules Arcádio de Sousa Lobo, natural de Nossa Senhora das Dores, Ilha do Sal (Cabo Verde). Este último militar seria evacuado para o HMP, em Lisboa, vindo aí a falecer em 16 do mesmo mês. Foi sepultado no Cemitério do Alto de São João, em Lisboa [Poste P17522]


Mapa do itinerário entre Nova Sintra e Fulacunda, assinalando-se BIANGA como sendo o local onde foi accionada a primeira mina/fornilho da historiografia da Guerra no CTIG.





O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, indigitado régulo da Tabanca de Almada; tem 225 registos no nosso blogue.



ENSAIO SOBRE AS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE, ACIDENTE, DOENÇA (PARTE II)


1. – INTRODUÇÃO

No poste  P20126 (*)  demos início à divulgação e análise dos primeiros resultados obtidos no novo projecto de investigação, tendo por objecto de estudo o universo das "baixas em campanha" de militares do Exército, e como amostra específica os casos de mortes de "condutores auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), identificados na literatura "Oficial" publicada pelo Estado-Maior do Exército.

Recordo que,  para além da colecta e organização quantitativa dos dados, um outro objectivo incluía a possibilidade de os completar com partes de algumas narrativas históricas, produzidas por cada um dos sujeitos nelas envolvidas, com recurso às memórias postadas no blogue e a outras que, por via do seu aprofundamento, encontrámos em diversos lugares. Estas serão abordadas nos diferentes fragmentos.

A opção por esta "especialidade" do organograma da organização militar foi influenciada pelo facto da primeira morte em combate ter sido a de um "condutor auto rodas" – Veríssimo Godinho Ramos, natural de Vale de Cavalos, Chamusca – episódio ocorrido durante o ataque ao aquartelamento de Tite, em 23 de Janeiro de 1963, quando este cumpria o seu serviço de vigia noturno, contexto abordado no primeiro poste.

Porque se trata, como referido, de um "ensaio", o resultado final pode vir a ser alterado em função de outras informações complementares que possam surgir após a avaliação realizada por cada um de vós. A esta situação acresce, ainda, o facto de existirem registados, nos Dados Oficiais, óbitos onde consta somente o posto do militar falecido.

2. – ANÁLISE DEMOGRÁFICA DAS MORTES DE MILITARES DO EXÉRCITO, NO CTIG (1963-1974), DA ESPECIALIDADE DE "CONDUTOR AUTO RODAS": COMBATE-ACIDENTE-DOENÇA (n=191)

A análise demográfica desta investigação, e as variáveis com ela relacionada, incidiu sobre os casos de mortes de militares do Exército da especialidade de "condutor auto rodas", ocorridas durante a guerra no CTIG (1963-1974), e identificados nos "Dados Oficiais" publicados pelo Estado-Maior do Exército, elaborados pela Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II, Guiné; Livros 1 e 2; 1.ª Edição, Lisboa (2001).

O tratamento estatístico, iniciado no primeiro fragmento, continuará a ser representado por gráficos e
quadros de distribuição de frequências, simples e acumuladas, conforme se indica em cada um dos títulos. 

Considerando a análise apresentada no primeiro fragmento, o estudo mostra que dos 191 indivíduos que constituíram a população deste estudo, 178 (93.2%) dos casos eram soldados, enquanto 13 (6.8%) casos eram 1.ºs Cabos [gráfico acima].

Deste grupo populacional, verifica-se que o número total de condutores auto rodas do Exército que morreram no CTIG (1963-1974), 171 (89.5%) eram militares continentais, enquanto 20 (10.5%) eram do recrutamento local. Quanto ao número de continentais, 162 (94.7%) eram soldados e 9 (5.3%) eram 1.ºs cabos. No âmbito do recrutamento local, 16 (80%) eram soldados, enquanto 4 (20%) eram 1.ºs cabos. (Gráfico a seguir)



3. – ALGUNS EPISÓDIOS E CONTEXTOS ONDE OCORRERAM MORTES DE CONDUTORES AUTO RODAS ["CAR"] POR EFEITO DE REBENTAMENTO DE "MINAS"

Neste ponto, em homenagem a todos os camaradas que tombaram em campanha - reforçada com os comentários do poste anterior - foram recuperadas algumas narrativas históricas sobre cada um dos cinco "casos" identificados neste fragmento (do total de trinta e três casos), bem como dos seus contextos conhecidos. 

Como principal fonte de consulta, foi utilizado o espólio do blogue, ao qual adicionámos, ainda, outras informações obtidas em informantes considerados privilegiados.

Do total de 191 mortes de condutores auto rodas apuradas no período em análise (1963-1974), (n=112) tiveram origem no conceito de "combate" (58.6%), dividido por três categorias: (n=67) em "contacto" (emboscadas…) (59.8%), (n=33) por "minas" (engenhos explosivos…) (29.5%) e (n=12) em "ataque ao quartel" (aquartelamento, destacamento..) (10.7%), conforme se indica no quadro abaixo. [Nota: este quadro foi corrigido em função da análise dos registos oficiais quando comparados com a descrição das narrativas].




Quadro 1 – Quadro das causas de morte em "combate" de condutores auto rodas do Exército, por ano e por categorias (1963-1974) – (n=112)




Lista dos trinta e três "condutores auto rodas" que tombaram por efeito de "minas e/ou explosivos" durante o período em análise.


3.1 - 05 DE NOVEMBRO DE 1963: A PRIMEIRA BAIXA DE UM "CAR" POR MINA A/C - O CASO DO SOLDADO DOMINGOS RODRIGUES TORRES, DA CCAÇ 510, ENTRE XITOLE E BAMBADINCA

A primeira morte de um condutor auto rodas, do Exército, em "combate", por efeito do rebentamento de uma mina anticarro [categoria de "minas"], foi a do soldado Domingos Rodrigues Torres, natural de Santa Maria Maior, Viana do Castelo, ocorrida em 05 de Novembro de 1963, 3.ª feira, no itinerário entre o Xitole e Bambadinca (Sector L1).

Pertencia à CCAÇ 510, do Cap Inf João Fernandes da Ressurreição, cuja comissão decorreu entre 20Jul63, chegada a Bissau, e 07Ago65, embarque para a Metrópole (Lisboa). Do ponto de vista da missão, esta Unidade, em 10Ago63, assumiu a responsabilidade do sector de Xitole, então criado, com um Gr Comb destacado em Saltinho, tendo substituído os efectivos da CCAÇ 412 (09Abr63-29Abr65, do Cap Inf Manuel Joaquim Gonçalves Braga) ali estacionados e ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 506 e depois do BCAÇ 697. Por períodos variáveis, destacou forças para guarnecer outras localidades e pontos sensíveis da sua zona de acção [ZA], nomeadamente Quirafo, Camamungo, Cossé, Galomaro e a ponte do rio Pulom, entre outras. Os seus Grs Comb tomaram parte em acções de reforço das guarnições de Canquelifá, Ponta Varela e Ponta do Inglês. Em 16Jul65, foi rendida pela CCAÇ 818 [26Mai65-08Fev67, do Cap Inf José Manuel Pires Ramalho (1º) e do Cap Inf Humberto Amaro Vieira Nascimento (2º)], recolhendo a Bissau, onde permaneceu até ao embarque.

Porque nada consta no espólio de memórias publicadas no blogue, acerca da CCAÇ 510, tomei a iniciativa de recuperar uma imagem do mesmo itinerário Bambadinca-Xitole onde ao longo do conflito foram accionadas várias minas, como foi o exemplo seleccionado.


Foto 2 – Uma viatura civil, na Estrada (de terra batida) Bambadinca-Mansambo-Xitole, transportando cunhetes de granadas e, em cima, pessoal civil.

[Nessa mesma estrada, em 18 de Setembro de 1969, 5.ª feira, uma GMC da CCAÇ 2590 (CCAÇ 12; do camarada Luís Graça), com três toneladas de arroz, foi destruída por uma mina anticarro na ponte do rio Jago. Este itinerário, com cerca de trinta quilómetros, era a única via terrestre por onde se faziam as colunas logísticas de reabastecimento. [Poste P7354 e foto do Humberto Reis, com a devida vénia].


3.2 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' PAULO LIMA, DO PRECD 1129, EM 12.FEV.68, ENTRE CHÉ-CHE E CANJADUDE


A morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Paulo Lima, do Pelotão de Reconhecimento Daimler 1129, ocorrida em 12 de Fevereiro de 1968, 2.ª feira, por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, accionada no itinerário entre o Ché-Che e Canjadude (Sector Leste), consta do espólio de memórias publicadas no blogue [P13437], sendo considerada, do ponto de vista cronológico, como a décima sexta baixa registada na categoria de "minas".
Tendo em consideração os objectivos do presente trabalho, recuperámos, a propósito desta ocorrência, o que consta no "Diário da CART 1742", da autoria de Mário dos Anjos Teixeira Alves, 1.º Cabo Corneteiro, à qual lhe adicionámos mais algumas informações consideradas complementares.

Nos seus registos do dia 12Fev68, é referido o seguinte:

"Chegou a companhia [CART 1742, "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, de Set67 a Mai69, sob o comando do Cap Mil Inf Álvaro Lereno Cohen] da escolta a Béli, que fica na zona de Madina [do Boé]. No regresso, hoje de manhã, entre o Ché-Che e Canjadude, uma mina rebentou debaixo de uma das Daimler [do PRecD 1129; Nova Lamego, Ago66 a Mai68]. Morreu o condutor [Paulo Lima, natural de Cepões, Lamego] e o apontador ficou gravemente ferido, eram do pelotão Daimler [1129], que estavam prestes a ir embora. O IN não ataca a escolta, porque a aviação faz [fez] segurança voando sobre o trajecto que era percorrido pela companhia."



Foto 3 - A Daimler do P13437, com a devida vénia.


3.3 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' ARMINDO RIBEIRO DE SOUSA, DA CÇAÇ 1792, EM 14.JUL.68, ENTRE ALDEIA FORMOSA E BUBA


De acordo com o tratamento de dados realizado neste "ensaio", a morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Armindo Ribeiro de Sousa, natural de Caramos, Felgueiras, pertencente à CCAÇ 1792 [02Nov67-20Ago69; do Cap Mil Art António Manuel Conceição Henriques (1.º)], ocorrida em 14 de Julho de 1968, domingo, no decurso da coluna de reabastecimentos entre Aldeia Formosa e Buba, foi a décima nona baixa na categoria de "minas" e aconteceu a quinhentos metros de Uane, na Região de Tombali.

A descrição desta ocorrência consta na resenha histórica do Batalhão de Caçadores 2834 [BCAÇ 2834; Buba (15Jan68-23Nov69) do TCor Inf Carlos Barroso Hipólito], em documento elaborado pelo 1.º Cabo Escriturário Francisco dos Santos Gomes, e disponível no sitio: https://guine6869. wordpress.com/historia-do-bcac2834/

Nele encontrámos o seguinte relato:

"Em 14 de Julho de 1968 [domingo], durante a coluna de reabastecimentos Aldeia Formosa/ /Buba/Aldeia Formosa, foi accionada pela 1.ª viatura da CCAÇ 1792 uma mina anticarro, na estrada Sare Donha causando 3 mortos (1 Sarg) e três feridos às NT e a destruição da viatura. [Os mortos foram: Soldado "CAR" Armindo Ribeiro de Sousa; Fur Inf Carlos Alberto de Sampaio e Melo Valente, de Izeda, Bragança e o Caç Nat Mamadu Uri Bari, de Aldeia Formosa]. Quanto às causas da morte do Caç Nat é mencionado de que este accionou uma mina anticarro, com dispositivo antipessoal, ficando pulverizado."



No decurso da presente investigação, encontrámos no poste  P5304 «As minhas memórias da guerra» do camarada Arménio Estorninho, uma fotografia de Aldeia Formosa, com data de Julho de 1968, pertencente à CCAÇ 1792, com uma viatura destruída por mina anticarro.



Foto 4 – Aldeia Formosa (Quebo) – Julho de 1968. A viatura destruída por mina a/c. Esta (?) era a da Rádio de Transmissões, tendo ocasionado a morte do Operador [Será que foi o Soldado Radiotelegrafista Joaquim Barreira, do PRecFox 2022? Na sua ficha de óbito consta a data de 24/07/68, um dia antes da indicada no poste. Era natural da Freguesia do Socorro, Lisboa. É referido, ainda, que a mina anticarro foi accionada em Bolola]. Será que estamos a sinalizar a mesma situação? 


3.4 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' MANUEL JOSÉ COELHO PARREIRA, DA CART 2439, EM 07.OUT.69, ENTRE DUNANE E CANQUELIFÁ

Este episódio, de que resultou a morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Manuel José Coelho Parreira, natural de Faro do Alentejo, Cuba, da CART 2439 [Canquelifá; 15Nov68-05Out70, do Cap Mil Art António Regêncio Martins Ferreira (1.º)] – a vigésima quinta baixa de um 'CAR' na categoria de "minas" – é-nos relatado pelo furriel João Maria Pereira da Costa, da CCS/BART 2857 (Piche; 15Nov68-05Out70, do TCor Art José João Neves Cardoso), nos seguintes termos:

"No dia 07 de Outubro de 1969 [3.ª feira], pelas 06h30, saiu de Canquelifá para Dunane, uma coluna, como sempre, precedida por uma equipa de picadores, acompanhada de dois Grs Comb da CART 2479, um que ficou ao longo do itinerário montando segurança, outro que acompanhou até ao limite do subsector. Nada de anormal foi notado, tendo a coluna e o pessoal da segurança, regressado ao Aquartelamento, cerca das 12h00.

"Às 15h00, nova coluna saiu de Canquelifá para Dunane, decorrendo o percurso sem incidentes. Mas, no regresso, a cerca de 2 km do Aquartelamento, uma segunda viatura accionou uma mina anticarro reforçada, tendo ficado quase destruída, e gravemente feridos todos aqueles que nela seguiam. O rebentamento foi ouvido no Aquartelamento cerca das 16h30..


Foto 5 – Blogue do BART 2857, com a devida vénia


"Depois chegava uma viatura GMC que vinha à testa da coluna, e que passara no local sem accionar a mina, informando do que sucedera e pedindo socorros, pelo que saiu, imediatamente uma força constituída por um Gr Comb, duas Secções de Picadores e Pessoal de Enfermagem, tendo-se cruzado com um Unimog que trazia alguns feridos, pois ficara um, no local do desastre, entalado debaixo da viatura. Montada a segurança, iniciou-se uma picagem da zona, ao mesmo tempo que se libertava dos destroços, o ferido que faltava socorrer.

"Depois, já quase noite, ao reorganizar-se a coluna de regresso, um Unimog accionou outra mina anticarro, não detectada, sobre a qual já haviam passado várias viaturas, daí resultando mais feridos e a destruição daquela. Finalmente posta em movimento, uma coluna regressou ao Aquartelamento pelas dezanove horas, com cinco baixas, quatro da CART 2439, sendo um o soldado condutor Manuel José Coelho Parreira e os restantes, o 1.º cabo enf.º José Manuel Justino Laranjo, de São José da Lameirosa, Coruche; o soldado Joaquim Teixeira de Carvalho, de Solveira, Montalegre; e o soldado Manuel de Jesus Ferreira, de Cristelo, Barcelos, e, ainda, o soldado de Recrutamento Local, Satoné Colubali, natural de Bentém, Nova Lamego, da CART 2479."-



Foto 6 – Blogue do BART 2857,  com a devida vénia.


3.5 - O CASO DO SOLDADO 'CAR' MANUEL GUERREIRO JORGE, DA CCS/BCAÇ 2852, EM 16.OUT.69, ENTRE FINETE E MISSIRÁ

Esta última circunstância, seleccionada para constar no presente fragmento, está relacionada com a morte em "combate" do soldado condutor auto rodas Manuel Guerreiro Jorge, natural de Santana da Serra, Ourique, ocorrida no dia 16 de Outubro de 1969, 5.ª feira, por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, na zona de Canturé, na Estrada Finete-Missirá, durante o regresso de uma coluna de reabastecimento realizada pelo PCaçNat 52, entre o destacamento de Missirá e Bambadinca.
O condutor Manuel Jorge pertencia à CCS/BCAÇ 2852 [30Jul68-16Jun70, do TCor Inf Manuel Maria Pimentel Bastos (1.º)], unidade que, ao render o BART 1904 (18Jan67-31Out68, do TCor Art Fernando da Silva Branco), em 16Out68 assumiu a responsabilidade pelo Sector L1, com sede em Bambadinca, abrangendo os subsectores de Xime, Xitole e Bambadinca. Este condutor estava em missão de serviço do PCaçNat 52, cujo Cmdt era, então, o Alf Mil Beja Santos (Missirá e Bambadinca, 1968/1970), que seguia nessa coluna e que viveu um "monumental sobressalto", como se pode inferir da descrição que o próprio partilhou no blogue no P2270 «Operação Macaréu à vista – Parte II: e de súbito uma explosão, uma emboscada, um caos…». 

Sugiro a sua leitura na íntegra, pela impossibilidade de a repetir neste contexto. 


Foto 7 – O Beja Santos, Cmdt do PCaçNat 52, acompanhado com mais alguns militares da sua unidade, num Unimog conduzido por um dos condutores auto rodas da CCS do BCaç 2852, dias antes da ocorrência. Foto do P2270, do camarada Beja Santos, com a devida vénia.

Do "diário" desse dia, elaborado pelo camarada Beja Santos, retive o seguinte:

"A 16 de Outubro [de 1969], a coluna que parte de Missirá para Bambadinca vai à procura de mantimentos e combustível, para que não haja problemas logísticos momentosos para quem nos vem substituir. Prevê-se a chegada iminente do PCaçNat 54; um Gr Comb da CCaç 12 vai nesse dia a Mato de Cão; as populações civis de Missirá e Finete estão sem arroz; muitos dos soldados do PCaçNat 52 andam à procura de quartos em moranças na tabanca de Bambadinca; passo horas a apresentar-me junto dos senhorios e dos comerciantes locais como fiador na compra de camas e colchões. (…) É uma manhã que pronuncia o fim das chuvas, um céu azul de cobalto e despido de quaisquer nuvens caindo ao fundo na cobertura vegetal cor garrafa escuro, as picadas estão secas, o capim ergue-se louro como se fosse trigo. (…) Passa-se por Canturé; há árvores em flor; os picadores estão prudentes tal a densidade da vegetação; tal a poeira que se levanta no estradão. (…)

"Passamos a manhã numa roda-viva; sou fiador não sei quantas vezes; subo ao quartel; há conversas na engenharia; requisitam-se peças para o 'burrinho' [Unimog] (…). Depois é a compra de comida; deixo o Alcino Barbosa a regatear com os vagomestres. Logo a seguir ao almoço vou a Afiá comprar arroz, regresso com oito sacos. Junto ao paiol, pegamos em vários cunhetes de munições; as nossas operações logísticas estão finalmente concluídas. (…)

"No regresso: a travessia da bolanha é penosa; o "404" vai ajoujado com bidões, sacos de arroz, caixas de tudo, desde cerveja a esparguete. O entardecer encaminha-se perigosamente para o ocaso. O condutor Manuel Guerreiro Jorge, que veio esbaforido desde o Geba até Finete, sempre a fintar os buracões da bolanha com um peso anormal de mercadorias, fuma nervosamente um cigarro e pede-me para partirmos cedo, estamos mesmo a entrar no lusco-fusco. (…) No guincho à frente está Cherno Suane; sigo ao lado de Manuel Guerreiro Jorge [o condutor]; estamos ladeados por Alcino Barbosa e Arlindo Bairrada. No alto, sentado no bidão vai Mamadu Djau com a bazuca nas pernas. O condutor está cada vez mais nervoso com a semiescuridão que desce. Apaga o último cigarro e pergunta-me: - A que velocidade vamos, meu alferes? 

Peço-lhe, atendendo à segurança que julgo existir, "que vá a toda a velocidade até um pouco depois de Canturé; a seguir é que temos problemas, a picada está escorregadia até ao pontão de Caranquecunda. E a viatura parte à desfilada. Exactamente quando a recta de Canturé está no fim, um estrondo medonho levanta o "404"; os fios eléctricos silvam; a viatura afocinha na agonia; oiço o primeiro urro do condutor que pisou a mina anticarro: há a surpresa dos transportados; sou cuspido; sinto os óculos voarem; uma massa quente e ácida cega-me o olho direito; quer o destino que eu salte de escantilhão com a G3 na mão direita."

Esta foi a última coluna de reabastecimento do Pel Caç Nat 52 em Missirá, pois seria substituído dias depois pelo Pel Caç Nat 54, sendo esta a vigésima sexta morte de um condutor auto rodas por efeito do rebentamento de uma mina anticarro, de seu nome: Manuel Guerreiro Jorge.


Foto 8 – O Fur Op Esp Humberto Reis (à esquerda) e o Alf Mil António Manuel Carlão (à direita), do 2.º Gr Comb da CCaç 12, examinando o estado em ficou o Unimog depois de ter accionado a mina anticarro em Canturé, estrada Finete-Missirá, em 16 de Outubro de 1969, de que resultou a morte do condutor auto rodas Manuel Guerreiro Jorge, natural de Santana da Serra, Ourique. Foto do P2270, do camarada Humberto Reis, com a devida vénia.

Nota: Os cinco "casos" descritos no presente fragmento, e os que se seguirão, não respeitam a ordem cronológica global das ocorrências. Esta opção, aleatória, teve por critério de escolha as diferentes datas, locais, épocas e missões, de modo a fazer-se, se possível, uma análise comparativa entre os acontecimentos.

Continua …

Fontes Consultadas:

Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-569.

 Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 23-304.

 Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
09SET2019
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