sábado, 19 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2453: O que fazia um militar da ferrugem como eu ? (Victor Condeço, ex- Fur Mil Mec Armamento, CCS/BART 1913, Catió, 1967/69)

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CART 1687 (1967/1969) > 21 de Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 10 > "O Fur Mil Victor Condeço numa das suas inspecções ao armamento, verificando uma G3 no aquartelamento de Cufar em Setembro de 1967, veja-se a improvisação da mesa com o tampo feito de um cunhete de munições 7,62 e os pés feitos de aduelas de barril".


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCS/ BART Álbum fotográfico de Victor Condeço > F05 > 1 de Agosto de 1967 > GMC reconstruída em Catió a partir de duas outras que estavam na sucata e abatidas. Repare-se na falta da matrícula que oficialmente e por motivos óbvios não podia existir.

Com tanto pessoal civil e militar na pista, algo de importante se deveria passar... não recordo o quê. Recordo no entanto alguns dos aqui presentes, em cima da esquerda para a direita o Fur Mil Arménio, ?, o Sold Poupinha, o Fur Mil Pires; ao volante o madeirense Fur Mil Freitas, a seu lado o condutor auto ?, e em baixo o Fur Mil Cabrita.

Fotos e legendas: © Victor Condeço (2008). Direitos reservados.

1. Texto do Victor Condeço (1), com data de 13 de Janeiro

Meu caro Luis,

Saúde e boa disposição.

Não querendo tomar muito do teu precioso tempo, venho apenas dizer-te que li o post P2431, fiquei admirado pela publicação do mesmo, pois que não era esse o propósito ao tentar dar uma ajuda ao Nuno Rubim.

Gentileza tua aproveitar uma coisa sem importância, mas já que entendeste assim, obrigado pelo que escreveste, gostei da tua prosa sobre o pessoal da ferrugem.

É verdade! O pessoal do Serviço de Material era tido como uns sortudos e olhados com algum sobranceirismo, por estarem dispensados de actividades operacionais e até fora de algumas escalas de serviços, por isso também ouvíamos umas bocas.

Mas havia excepções, dependendo dos comandantes das unidades onde estávamos inseridos, isso motivou a Nota-Circular 10347/A de 16JUN67 da 1º REP do QG do CTIG, com recomendações para o escrupuloso cumprimento das disposições constantes de O.E. nº 6, 3ª Série de 28FEV58 e da Circular nº7994 de 14ABR65 da Rep. Of. /DSP.

No meu caso particular, fiz de tudo um pouco, só nunca alinhei no mato.

O tempo que me sobrava não era muito, pois tínhamos por todo o sector mais de um milhar de armas ligeiras e pesadas para dar assistência.

Só em Catió chegámos a ter além da CCS, duas Companhias de Intervenção, uma Companhia e mais dois Pelotões de Milícia e ainda 4 pelotões (Morteiros, Canhões S/R, Rec Daimler e Artilharia).

No sector existiam ainda mais 4 Companhias, em Cachil, Cufar, Bedanda e Cabedu, respectivamente, com uns quantos pelotões de Milícia, Morteiros e Canhões S/R...

Para além das funções próprias da especialidade e em que era coadjuvado pelos 1º Cabos Neves e Camarinha, fui encarregado de tratar de toda a papelada relacionada com o armamento da CCS, folhas de carga, notas e requisições, autos de ruína prematura, de extravio e de incapacidade.

Como se isso não fosse suficiente fui nomeado escrivão da Secção de Justiça e mais tarde por falta de pessoal fui integrado na secção de Reabastecimentos e Pessoal, cujo chefe era também um homem da ferrugem, o Alferes Garcia do Pelotão de Manutenção do S.M., onde fiquei com a missão de elaborar os SITMUN, os SITARM, etc. e receber os meios aéreos na pista de aviação.

Para culminar acabei por ser integrado na escala de Sarg Dia.

Valeram-me as normas que acima citei, para nunca ter participado em acções operacionais, embora vontade não faltasse ao Capitão Botelho, que era dos tais comandantes que achavam que os especialistas do S.M. deviam estar disponíveis para tudo.

Aqui para nós acho que até estávamos, pelo menos aqueles com quem convivi naqueles quase 22 meses de comissão.

Embora estivesse instituído um horário de trabalho para as diversas secções, era comum encontrar pessoas a trabalhar noite adentro: no meu caso ultimando papelada que deveria seguir no avião da manhã seguinte, o Pires, Fur Mil Radiomontador, que na sua tabanca com o seu adjunto labutava de volta dos rádios que deveriam estar operacionais para a próxima saída, que poderia ser nessa madrugada.

Também o Sargento Dias Mecânico Auto e o seu pessoal merecem aqui ser referidos, pois apesar de todas a dificuldades na obtenção de sobressalentes para as viaturas, conseguiram com arte, engenho e dedicação, recuperar e manter operacional um parque de viaturas que estavam inoperacionais aquando da nossa chegada, a maioria já abatidas e consideradas sucata.

Naquela guerra todos demos o nosso contributo, uns lutando de arma na mão e arriscando a vida no mato, outros nos quartéis cuidando dos meios e das condições para que aquela luta fosse menos arriscada e bem sucedida para todos nós.

Acabei por me alongar, mas como diz o provérbio “no comer e no falar a demora é no começar”, desculpa.

Luís, um dia chegará que nos havemos de conhecer pessoalmente e dar um abraço de quebra costelas...

Enquanto esse dia não chega, vai mais um abraço virtual muito forte.

Victor Condeço
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Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)

Guiné 63/74 - P2452: Tabanca Grande (53): Luís Candeias, Ex-Fur Mil Inf (BII 18 e BII 19, Açores e Madeira, 1973/74



Luís António Ricardo Candeias, ex-Fur Mil Inf (BII 18 e BII 19, Ponta Delgada e Funchal, 1973/74)




1. Mensagem de Luís Candeias, da Ilha de Santa Maria, Região Autónoma dos Açores, onde é controlador de tráfego aéreo, enviada em 7 de Janeiro de 2008:

Sou um visitante assíduo deste Blogue. O meu nome é Luis António Ricardo Candeias.

Sou natural e residente na Ilha de Santa Maria, nos Açores, onde exerço a actividade de Controlador de Tráfego Aéreo.

Sou conterrâneo e amigo do Arsénio Chaves Puim, (aqui mencionado nalguns textos por ter sido capelão militar na Guiné) e afastado pelas suas ideias e coerência (1).

Visito este blogue em busca de notícias de companheiros e amigos desses terríveis tempos da Guerra do Ultramar.

Tenho hesitado em contactar-vos porque, não tendo sido mobilizado para a guerra, não me sinto no direito de me intrometer nas histórias e sofrimento que apenas conheci no conforto do B.I.19 (Funchal), destacamento militar do Porto Santo, no e B.I.18, Ponta Delgada. [...]

2. Mensagem do co-editor CV no dia 18 de Janeiro 2008 para Luís Candeias

Caro Luís Candeias

Incumbiu-me o Luís Graça de te comunicar a nossa decisão de te considerar como nosso tertuliano, não na qualidade de ex-combatente da Guiné, mas como amigo e colaborador do nosso (já teu) Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

A tua acção, em tão pouco espaço de tempo, deu mais frutos do que diversas tentativas, feitas ao longo dos últimos tempos, para trazer até nós o ex-capelão da BART 2917, Arsénio Puim.

Cada amigo que conseguimos, é uma mais valia para o nosso Blogue e a certeza de que o trabalho gigantesco do Luís não é em vão. Temos a certeza de que, à nossa maneira e com as nossas limitações, estamos a fazer história, não deixando caír no esquecimento o esforço colectivo da nossa geração e das nossas famílias que, na retaguarda, sentiram também o efeito da guerra.

Muito obrigado por nos leres e por colaborares nesta tarefa que, afinal, não compete só aos ex-combatentes.

Em nome do Luís Graça, do Virgínio Briote e de mim, recebe um abraço.

Carlos Vinhal
Leça da Palmeira


3. Mensagem de Luís Candeias, também do dia 18 de Janeiro:

Caro Carlos

Como te deve ter comunicado o Luís Graça, eu tenho muito gosto em colaborar convosco mas sinto-me um intrometido, porque não sofri os amargos da Guerra Colonial a não ser na angústia da espera pela mobilização, ao contrário do que aconteceu convosco.

Encontrei o Vosso blogue na ânsia de ler alguma coisa que me pudesse levar aos meus companheiros que foram parar a Jemberém.

Para minha surpresa vi os relatos e a história da vossa relação com o meu amigo e ex-capelão Arsénio Puim, cuja história eu também já conhecia. Isso permitiu pôr-me em contacto com o Arsénio e com a Leonor, o que já não acontecia há algum tempo por termos residência fixa em Ilhas diferentes.

Agradeço a vossa abertura em relação à minha intromissão na vossa conversa e estarei sempre ao vosso dispôr para tudo aquilo que acharem que pode ajudar este vosso muito meritoso trabalho.

Pode ser que um dia destes nos possamos encontrar uma vez que Leça da Palmeira e a Ramada Alta não ficam muito distanciadas e tenho aí um apartamento.

Um abraço açoreano

Luis Candeias
Ex-Furriel Mil Inf
(1973/74)

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Nota de CV:

(1) Vd. postes anteriores:

8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2421: Em busca de... (15): Pessoal da companhia madeirense que esteve em Jemberem (1973/74) (Luís Candeia, amigo do Arsénio Puim)

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2433: Em busca de ... (16): Pessoal da CCAÇ 4946/73, madeirense + Arsénio Puim, ex-capelão, açoriano, BART 2917 (Luís Candeias)

16 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2444: Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, CCS/BART 2917, hoje enfermeiro reformado e um grande mariense (Luís Candeias)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2451: O Nosso Livro de Visitas (4): António Alberto Alves, sociólogo, cooperante na região de Canchungo, Caió e Calquisse

1. Em 14 de Setembro de 2007, António Alberto Alves, dirigia-se assim ao nosso Blogue

Caros amigos

Vivo na Guiné-Bissau, em Canchungo (Teixeira Pinto), onde trabalho para uma ONG portuguesa no âmbito da Cooperação, apoiando os directores e professores de Escolas de tabanca da região de Canchungo, Caió e Calquisse - incluindo Pelundo e Canhobe (Carenque).

Estive no ano lectivo de 2006-07 e regresso a 28 de Setembro para o ano lectivo de 2007-08.

De passagem por Portugal descobri o vosso blogue e tenho tentado ler algumas partes, louvando o vosso objectivo geral de escrever a História pelo contributo dos próprios intervenientes. No entanto, lamento que a parte da Guiné-Bissau não possa igualmente participar: não havendo electricidade, também não há acesso a meios infomáticos e à Internet (e ao vosso blogue).

Se necessitarem de algum contacto ou iniciativa do lado de lá, do Chão Manjaco, deixo os meus contactos: 938488308 ou 00 245 6726963.

António Alberto Alves
(Sociólogo)


2. Em 18 de Janeiro de 2008 respondemos assim:

Caro António Alberto Alves

A demora na resposta à sua mensagem, não significa que as suas palavras não nos tocaram.
Na realidade ficamos sempre confortados quando alguém, que não sendo ex-combatente, mas que tendo alguma ligação à actual Guiné -Bissau, como é o seu caso, nos dá apoio, compensando assim o nosso trabalho.

A nossa ideia é escrever a história da Guerra Colonial na Guiné, contada na primeira pessoa, isto é, por todos os intervenientes, portugueses (militares ex-milicianos e do Quadro Permanente), ex-combatentes guineenses que lutaram ao lado dos portugueses e ex-combatentes do PAIGC.

Como muito bem diz, o poder de participação dos ex-combatentes guineenses é muito limitada pelos condicionalismos técnicos existentes na Guiné-Bissau, em termos, por exemplo, de Internete por falta de energia eléctrica em quase todo o país.

Temos pena, porque o testemunho de ambos os lados era essencial para uma narrativa que se quer, seja o mais fiel possível.

Melhores dias virão e a história faz-se com calma e distanciamento.

Ao terminar, queremos deixar o nosso pedido de desculpas pela demora na resposta a que tinha direito e o pedido para que nos continue a ler e a criticar.

Desejamos os melhores êxitos para o serviço que presta em benefício dessa gente maravilhosa.

Muito obrigado pelos contactos que deixou, porque podem vir a ser preciosos.

Com os nossos melhores cumprimentos

Em nome do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné,

Carlos Vinhal
(Co-editor)

Carlos Vinhal
Leça da Palmeira
Tlm 916032220
e-mail: carlos.vinhal@oniduo.pt
Ex-Fur Mil Art MA/CART 2732
CTIGuiné/Mansabá/1970/72
Co-Editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Email: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com

Guiné 63/74 - P2450: Álbum das Glórias (38) : O rádio AN/GRC-9 (Sousa de Castro / Afonso M.F. Sousa)

e Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Sousa de Castro, ex-1º cabo radiotelegrafista, da CART 3494 (1972/74), aquartelada no Xime (1972/73) e depois em Mansambo (1973/74), pertencente ao BART 3873 (1972/1974), com sede em Bambadinca.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > CART 3494 (1972/74) > O Sousa de Castro no seu posto de trabalho, operando o Rádio AN/GRC-9 (1) > "O AN/GRC-9 foi o rádio com que trabalhei durante toda a comissão na Guiné em grafia... Não é para me gabar, mas eu achava-me um craque nesta matéria, trabalhar em código morse era comigo, ou não tivesse na minha caderneta a menção de TE (telegrafista especial)" (2).



O Rádio AN/GRC-9, muito usado no CTIG. Foto gentilmente disponibilizada pelo nosso camarada Afonso M. F. Sousa, que vive actualmente em Maceda, Ovar. Foi Furriel Miliciano de Transmissões da CART 2412 (Bigene, Binta, Guidaje e Barro) (Agosto de 1968 / Maio de 1970) (2).

Fotos: © Afonso M. F. Sousa (2007). Direitos reservados.

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Notas dos editores:


(2) Vd. post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS

Guiné 63/74 - P2449: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (16): Aqueles dias cinzentos e nómadas de Bambadinca em Dezembro

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadincazinha (D), a sudoeste de Bambadinca, a escassas centenas de metros do centro (A)....Em primeiro plano, a estrada nova (C) para o Xime (posteriormente alcatroada) e, mais acima, a antiga estrada (B), paralela à pista de aviação.... Atravessando a tabanca de Bambadincazinho (D), seguia-se em estrada (picada...) até aos aquartelamentos de Mansambo, Xitole e Saltinho (E). Vê-se ao fundo a bolanha de Bambadinca... Era em Bambadincazinho que ficava a antiga Missão do Sono, em cujas instalações ficava, todas as secções, um Grupo de Combate (da CCAÇ 12, do Pel Caç Nat 52...) para velar pelo bom sono dos seus senhores ofciais superiores do batalhão que dormiam no quartel, a menos de um quilómetro... (LG)

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > CCAÇ 12 (1969/71) > 1969 > Coluna logística, no itinerário Bambadinca - Mansambo - Xitole.


Foto: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados.




Texto enviado - como sempre, religiosamente, semanalmente, a tempo - pelo nosso camarada Beja Santos (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), em 20 de Novembro de 2007:

Luís, aqui vai mais um episódio. Num instante, chegámos às 70 páginas, mas não tenho ilusões o pior está para vir, viveremos tu e eu a Tigre Vadio nesse Março onde realizei as principais operações destes nossos livros. Quanto às ilustrações, vou enviar-te os três livros aqui citados, a fotografia que te enviei ontem do Doutor farás o favor de a publicar no episódio da morte do Uam Sambu. Como aqui refiro locais altamente frequentados pela CCAÇ 12, vê, por favor, se podes ilustrar com elementos que te são próximos. A seguir vou falar da operação Lua Nova, em que andei com gente de Mansambo e do Xime e mais tarde tu e eu faremos a operação Punhal Resistente, um fiasco espantoso que tem a ver com a incapacidade de se escolherem guias e itinerários possíveis. Um grande abraço do Mário


Operação Macaréu à Vista - Parte II > Episódio nº 16 > AQUELE DEZEMBRO ACIZENTADO E ACIDENTADO, TODO NÓMADA (1)
por Beja Santos

(i) Conversas com o Queta e com o Pires


Dezembro pareceu-me um tempo em que as forças do PAIGC convergiam para desarticular metodicamente a vida civil à volta de Bambadinca: intimidação com incêndio de moranças, roubos de vacas, assaltos a tabancas, respondendo nós com idas a Mero e aos Nhabijões, percorrendo as tabancas a sueste de Bambadinca, instalando-nos na ponte de Udunduma, patrulhando assiduamente Amedalai-Demba Taco-Moricanhe.


Se tínhamos vida nómada no Cuor, na região de Bambadinca acelerámos. Porque para além da nomadização, fizemos colunas aos Xitole, operações na região de Mansambo e Xime-Ponta do Inglês, mantiveram-se as malfadadas emboscadas à volta da pista, com a aproximação do Natal passámos a ir ao Bambadincazinho e a ficar até as 6h da manhã na missão do sono.

Escreve-se na história da CCAÇ 12 que houve, neste período, acções de intimidação contra as populações de Canxicame, Nhabijão Bedinca e Bissaque. Diz-se mais: que foi reforçado o dispositivo defensivo de Bambadinca com emboscada diária, mais um grupo de combate no Bambadincazinho, etc e tal, tudo se fazia para travar a aproximação de Bambadinca, quer a partir da região do Buruntoni quer a partir da região de Galo Corubal. Precisava da interpretação do fenómeno, não encontro elementos nas minhas cartas, pedi para conversar com o Queta e com o Pires.

Como sempre, o Queta entrou-me bem acordado, mal passava das 8 horas da manhã, sentou-se com o seu copo de água bem à mão, li-lhe os relatos das intrusões à volta de Bambadinca e as notas que tinha tirado das operações a Mansambo e ao Xitole. O Queta levantou o dedo, e logo me calei:
- Nosso alfero, do lado do Cuor, queriam roubar comida porque estavam com fome. Os balantas tinham imensos amigos nos Nhabijões, não foi o reordenamento que lhes meteu medo. Despiam a farda amarela antes de chegar à tabanca, punham um pano à volta do corpo, nos mercados de Bambadinca ninguém se atrevia a perguntar de onde vinham. Entre Bambadinca e Mansambo era diferente. O PAIGC queria montar uma barraca entre Mansambo e Sinchã Mamajâ. Mesmo em Badora, à volta de Madina Bonco, tentaram levar a população mandinga para o mato. Não descansaram, sempre quiseram montar barraca para cercar Bambadinca e fazer fugir todo o povo de Badora, impedindo as culturas na região de Galomaro. Estou à vontade para dizer isto pois nos Comandos, em 72 e 73, fomos várias vezes destruir barracas, eles voltavam para Galo Corubal, faziam a guerrilha a sério. O povo dos Nhabijões nunca nos foi fiel. Nós fazíamos patrulhas, eles recorriam ao bombolom, avisavam as gentes de Madina. Por isso não lhes convinha atacar os Nhabijões, onde não havia quartel, só arame farpado, nós dormíamos nas casas já feitas, nas moranças da antiga tabanca. Mas quando nosso alfero partiu, o PAIGC já estava a lançar o terror, houve minas na estrada e aumentaram os roubos. Quero também lembrar-lhe que recebemos em Dezembro o soldado Jali Quebá, da tabanca de Bricama, ele fora recusado nos Comandos, fazia-lhe continência a dez metros de distância.

Tomei igualmente nota das suas recordações à volta das operações Lua Nova e Punhal Resistente, em que participámos nesse mês de Dezembro.



Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Missirá > Pel Caç Nat 52 > 1969 > Furriel Mil Pires.

Foto: © Beja Santos (2007). (Com a devida vénia ao Pires, que facultiu esta e outras fotos). Direitos reservados.



(ii) Em Bambadinca havia uma parte da tropa que pareciam funcionários públicos (Ex-Fur Mil Pires)

Voltei a encontrar o Pires na Livraria Barata, em Lisboa. Continua meticuloso como sempre foi, não há uma ponta de azedume, às vezes sinto que o estou a violentar, o Pires tinha deliberado arrumar no fundo da memória quase tudo quanto vivemos juntos no leste da Guiné. Li-lhe os meus apontamentos, referi-lhe o meu princípio de depressão e a perda de energia que me vai levar, em Janeiro, a um tratamento em Bissau. O Pires trazia outro tipo de reflexões:
-Eu também me habituei muito mal a Bambadinca. Em Missirá não havia todas aquelas continências, nem aquela sensação paradoxal que a guerra acabava às cinco horas da tarde para a maior parte do quartel. Em Missirá havia o quartel e a tabanca tudo junto, em Bambadinca saíamos a qualquer hora mas havia um parte da tropa que pareciam funcionários públicos, tinham coisas para fazer a partir das oito da manhã e saíam dos escritórios e das oficinas e quase que mudavam de existência até ao amanhecer. De tudo o que se passou durante esse tempo, recordo a tal ponte de Udunduma com abrigos em pontos elevados, com uma total visibilidade a toda a volta, dormíamos nuns buracos com camas e mosquiteiros, para poder dormir púnhamos o Lion Brand para afugentar os mosquitos. Picávamos a estrada até Amedalai e mesmo até às outras tabancas. O refeitório era um espaço mal protegido por chapa zincada, maior desconforto não havia. Missirá era um hotel em comparação com a vida que levávamos nessa ponte. Fazíamos a manutenção dos abrigos térreos e depois pôs-se arame farpado à volta. Era um dia a dia sem parança, uma secção para o correio, duas para as emboscadas, uma secção reforçada para ir às tabancas à volta. Sim, no princípio de Dezembro, a sua saúde foi-se abaixo.


(iii) Uma actividade a toda extensão, a 360 graus


A 2 de Dezembro [de 1969], saio de novo com duas secções, anoiteceu e caminhamos à volta da pista de aviação, sinto uma angústia enorme, andamos às voltas, a iluminação é tão forte que as nossas sombras se projectam no saibro barrento. Depois de cirandar à procura de uma mata protectora que não existe, caminhamos para a estrada que leva ao Rio Udunduma, aí estacionamos com duas sentinelas convenientemente vigilantes nos dois extremos. É então que sinto um suor anormal, um formigueiro nos lábios, uma sobrecarga no coração, não sei se é náusea, não sei se vou desmaiar, a espingarda tomba-me, onde a noite está cerrada e conciliadora atiro-me para a frente, à procura de um sono protector que me mitigue este sofrimento, quem me segura é Tunca Sanhá e Nhaga Macque. A 5, a viver uma nova crise epistolar, escrevo à Cristina:

“Estou doente, doente do organismo parasitado, ando vergado pela falta de temperatura, tenho a tensão desnivelada, sofro de grandes estados de ansiedade, Agora é o Pires quem vai às emboscadas, pois nem essa actividade posso ter, dias atrás tive de interromper uma emboscada devido às dores no coração. O Vidal Saraiva veio ver-me à enfermaria, auscultou-me e disse-me que eu tinha manifestações de puro cansaço, obrigou-me a dois dias inteiros na cama ou em actividades burocráticas.

"Os meus soldados vieram para Bambadinca como pau para toda a obra, reforços, escoltas, emboscadas, patrulhas e uma intervenção que lembra uma variante da polícia militar junto das populações civis que são visitadas pelos guerrilheiros. Mas amanhã vou numa coluna ao Xitole, depois volto ao Joladu, à região de Mero e S. Helena, as gentes de Madina roubam e espancam a sua fonte de abastecimento, não percebo porquê.”

Mudando de tom, falo das minhas banalidades: que li o Trópico de Câncer, de Henry Miller, surpreendeu-me a carga erótica; que continuo a coligir os meus apontamentos no caderninho viajante; que almocei hoje com o capitão Neves, sei que em breve estaremos juntos numa operação, mas não sei onde; que Bolama foi atacada com mísseis; que estou a pensar no seu Natal, e encomendei uma pulseira mandinga a um artista de nome Amadu, primo daquele Amadu que encontrámos ao pé de Canturé, nadara em fuga de um barco atacado à bazucada perto de S. Belchior, e aparecera-nos com o pavor nos olhos e na fala; que fui a Sinchã Mamajâ fazer psico, trouxe doentes, levei arroz e livros para as crianças, fatalmente que perguntei se os bandidos andam a roubar vacas; e despeço-me voltando a pedir-lhe que visite o Alcino Barbosa nos serviços de ortopedia no Hospital Militar Principal, e deixo o pior para o fim, segundo o tenente Pinheiro, quem, como eu, foi punido em Agosto, terminando a sua comissão no ano seguinte, não terá direito a férias no ano seguinte, e manifesto todo o meu pesar no nosso amor maltratado, mas ainda com confiança em visitar Lisboa em Fevereiro.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada de Bambadinca-Mansambo-Xitole > Ponte do Rio Jagarajá (?) > CCAÇ 2590/ CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)> Eu, o então Fur Mil Ap Armas Pesadas Inf Henriques, pau para toda a obra,como o Beja Santos, pião de nicas - como me chamava o meu capitão - e o soldado condutor auto-rodas Dalot, o Diniz G. Dalot, talvez o melhor condutor de GMC do mundo ou, pelo menos, o melhor que eu alguma vez conheci... O Setúbal, como lhe chama aqui, nesta crónica, o Beja Santos.

Berliet e GMC nas mãos dele, carregadas de sacos de arroz, não ficavam atoladas na famosa estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole, a menos que rebentassem debaixo de uma mina. E mesmo assim, era preciso que os cabos de aço ou os troncos das árvores não aguentassem... Eu dizia que era preciso ser maluco para conduzir uma GMC. Ele ofendia-se: era o mais profissional dos nossos condutores auto-rodas...

Reguila, setubalense, condutor de pesados na vida civil, apanhou logo no princípio da comissão, em Julho de 1969, cinco dias de detenção. Por ser reguila, setubalense, condutor de pesados, descendente de franceses, e se calhar por ser o melhor condutor de GMC que eu alguma vez vi na vida... Já há tempos lhe mandei, em vão, esta missiva: "Gostava de te rever, Dalot. Sinceramente, gostava de te rever. Tu fazes parte da mítica galeria dos meus (anti)-heróis, tu e todos os bravos soldados condutores auto-rodas que passaram pela Guiné" (2)... (LG).

Foto e legenda: © Luís Graça (2005). Direitos reservados.


(iv) No comando de uma coluna logística ao Xitole

Comandar uma coluna ao Xitole era uma completa novidade para mim. A partir das cinco da manhã, dezenas de viaturas formam coluna junto à porta de armas, a cauda vem até à ladeira íngreme do quartel. Com o auxílio do Pires, do Benjamim e do Domingos, posicionamos viaturas Daimler, GMC, Unimog 404 e 411 intercalando-as entre as viaturas civis dos mais aparatosos formatos e cores, vão ali toneladas de comércio, quando chegarmos ao Xitole tudo será descarregado e então tudo será carregado com madeiras, mancarra, óleo de palma, sairão civis, entrarão civis.

Recordo que a mulher de um jovem oficial vestira um camuflado e avançara calmamente para mim, perguntando-me onde é que podia ir sentada. Foi uma confusão dos diabos, a senhora queixara-se ao marido, o marido a Jovelino Corte Real, este percebeu que eu não cedia (“Meu comandante, a senhora está convencida que vai para um safari, peço-lhe que dê a ordem por escrito sobre esta sua determinação, imagine um acidente, uma emboscada, depois a culpa é sempre do alferes”), lá convenceu a senhora que não podia ir à aventura num teatro de operações.

Findas todas estas peripécias, com emboscadas montadas na região de Mansambo e na região de Xitole, a coluna lança-se à desfilada, primeiro Samba Juli, passamos um pontão sobre o rio Cuiana, depois um outro pontão sobre o rio Quêuol (Mamadu Djau e Queta Baldé dizem-me que Moricanhe e Demba Taco, que já conheço, não estão muito longe), cada vez a comer mais pó a coluna que leva à testa a GMC, conduzida pelo Setúbal, galopa uma interminável estrada rodeada de capim alto, palmares à distância, entre Mansambo e o rio Jago encontramos grupos de combate a patrulhar a região, saúdo gente que talvez tenha conhecido em Mato de Cão, a coluna prossegue enquanto eu vejo na carta nome de santuários do PAIGC que me são familiares: Galoiel, Biro, Mina, Buruntoni e Baio.

Prosseguimos atravessando o rio Cancaniel, continua a picada interminável, passamos o pontão do rio de Jagaraja, mais à frente seguimos já com escolta no pontão do rio Pulom, depois o pontão do rio Bubà, chegámos ao Xitole, estamos junto ao rio Curubal, vejo que há uma tabanca ali ao pé que se chama Portugal. Não sem surpresa, confirmo que as casas do casario desta importante povoação lembram o Gabu e até Bafatá em menor dimensão.

Enquanto lavo a cara, refresco a boca e como um pão, no meio de uma grande algazarra mudam as mercadorias, parte dos transportados sobe e desce e ainda dentro da nuvem de pó de laterite a coluna militar e civil inverte a posição, impaciente por voltar a atravessar o pontão do rio Pulom. Empoeirados como fantasmas desenterrados, regressámos, são dezenas de quilómetros feitos nesta correria em que é o Setúbal quem marca a cadência, todos, em todas as viaturas têm os olhos postos em quem vai à frente.

Saímos de Bambadinca ainda não eram 6 da manhã, estamos a regressar ainda não são cinco da tarde. A imensa coluna de viaturas com militares e civis desfaz-se rapidamente, enquanto dou instruções para que as munições voltem ao paiol, Bala, o sempre sorridente ordenança do comando, informa-me que o major Sampaio tem urgência em falar-me. Com vários quilos de poeira no camuflado, entro no seu gabinete.
-Beja, amanhã tem lugar a Acção Hindu, você e um grupo de combate da CCAÇ 12 vão conversar com os chefes de tabanca de Sinchã Dembel, Iero Nhapa, Aliu Jai, Queroane, Queca e Sare Nhade, apurem se estão a ser pressionados pelos gajos de Buruntoni, temos notícias preocupantes de gente que foge para o mato, há nativos espancados, tragam os doentes, vejam se eles precisam de Mauser, passem a pente fino todas as informações que nos sejam úteis.

Lá fomos para a Acção Hindu, lembro que não houve resultados práticos, teria sido necessário levar intérpretes de confiança para os chefes de tabanca, procurar perceber como os guerrilheiros assediavam as populações, quais as informações que pretendiam. Não eram os nossos soldados que podiam fazer este trabalho com sucesso. A comunicação estava viciada à partida, os resultados igualmente viciados.

Esta a minha primeira semana se Dezembro. A saúde não melhora, a seguir vou a Mero, onde a comunicação está igualmente viciada, onde as populações estão obrigadas ao jogo duplo e depois parto para a operação Lua Nova.

Cópia do livro de Dom Claude Jean-Nesmy, São Bento e a vida monástica. Rio de Janeiro: Agir. 1963 (Colecção Mestres Espirituais, 8). (tr. do fr.)


(v) Leituras: São Bento, Maigret e Os Sequestrados de Altona, de Sartre

Devorei uma biografia de São Bento, sempre à procura da explicação de como é que o cristianismo se constituiu como a grande resistência à maior comoção de todos os tempos e de todas as civilizações, as Invasões Bárbaras, do séc. V.

Já em adolescente eu me interrogava como é que Lombardos, Hunos, Godos e Ostrogodos, entre outros, tinham tido capacidade para destruir toda a civilização greco-romana e acabaram por se converter ao cristianismo e incorporar a cultura e a civilização que vinham saquear. São Bento e o monaquismo, a grande mensagem de ora et labora, a meditação e a vida colectiva, o testemunho e a preservação dos documentos fundamentais coube em grande parte aos beneditinos, um pouco por toda a Europa.

São estes monges medievais que dinamizam a oração litúrgica, exaltam o trabalho manual e o intlectual; deve-se aos beneditinos a leitura orientada para fazer nascer o amor das realidades sobrenaturais. Como escreve Dom Claude Nesmy neste livro, foi graças ao ideal beneditino que se reencontrou o sentido cristão da liturgia, do trabalho e da pobreza, em que a Bíblia e a antiga Tradição passaram a ser o alimento de uma espiritualidade renovada.

Capa do romance policial de Simenon, Maigret a peur. Paris: Presses de la Cité. 1953.


Maigret tem medo é uma obra prima. O comissário veio de um congresso da polícia internacional, que se realizou em Bordéus, e resolve ir visitar o seu amigo Julien Chabot a Fontenay-le-Comte.


É uma viagem de comboio admiravelmente descrita, onde um cavalheiro da região, Hubert Vernoux de Courçon lhe faz saber que tem um caso à sua espera. O encontro com o juiz Chabot e a sua mãe é igualmente admirável. Um serial killer aterroriza este povoada de oito mil habitantes.

Foto: O romancista George Simenon, o criador de Maigret.


Maigret é reconhecido pelos jornalistas, a polícia pede-lhe ajuda, não se vê nenhuma relação possível entre os crimes e as vítimas, todas elas executadas com um pedaço de tubo em chumbo. Maigret procura não ter parte activa na investigação, vai ouvindo, vai conversando, entre as fumaças do seu cachimbo e conversas avulsas descobre o móbil do crime.
A sua derradeira conversa Hubert Vernoux de Courçon devia fazer parte da melhor literatura mundial. Volta a Paris e à rotina criminal, aqui recebe uma carta de Chabot que descreve o final do caso. Nunca mais irei esquecer este livro.
Já tinha saudades de ler uma peça teatral de Sartre. Um oficial do exército de Hitler, Frantz von Gerlach, parece querer arrostar os crimes praticados na guerra, encerrando-se nas águas furtadas da casa paterna. Os principais personagens são Frantz, o seu pai, o seu irmão Werner, a sua irmã Leni e a sua cunhada Johanna. A vida de Frantz e a sua atitude polarizam a drama teatral. Leni faz-lhe chegar ao quarto um mundo de miséria e opróbrio em que vive a Alemanha actual. Os membros da família urdiram a mentira acerca das razões do sequestro de Frantz, e é a cunhada Johanna quem vai acelerar o clímax da peça, o suicídio de pai e filho.
A mensagem existencialista sobre o estado de culpa e a procurar de um juiz para si próprio, já que para Sartre é na História que se pode encontrar o julgamento dos nossos actos e até lá somos nós que respondemos pela nossa vida e pela nosso época, daí o absurdo de tudo, o nada que nos convida a responder pela nossa consciência necessariamente intranquila porque lúcida.


Capa da peça de teatro de Jean-Paul Sartre, Os Sequestrados de Altona. Lisboa: Europa-América. 1961. (Colecção Os Livros das Três Abelhas, 38). (tr. do fr.)

Fotos: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.



É na leitura e menos na música que encontro força e resistência. Para a semana vou confrontar-me com um cacimbo de estalar os ossos, vou revisitar acampamentos abandonados pelos guerrilheiros. Venham comigo.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. poste anterior desta série > 11 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2431: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (15): Oficial e cavalheiro em Bambadinca, às ordens de Dona Violete

(2) Vd. poste de 11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P2448: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (7): Racal (Sousa de Castro)



Alfabeto Morse

Imagens: © Sousa de Castro (2008). Direitos reservados

1. Mensagem de Sousa de Castro (ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CART 3493/BART 3873, Xime e Mansambo, 1972/74)

Prezados amigos, falando ainda um pouco sobre TRMS e rádios utilizados no meu tempo...

Já se falou do aqui do AN/GRC-9 e gostaria de acrescentar que este equipamento tinha uma potência de saída de 7/15 W, não era transistorizado, tinha três tipos de modulação: AM (amplitude modulada) em fonia, CW (grafia contínua) e MCW (grafia modulada).

Trabalhava em HF entre 2/12 MHZ. Estes dois tipos de modulação (CW e MCW) eram essencialmente para comunicar em grafia.

Podia-se utilizar três tipos de antena:

(i) Antena tubular vertical constituída por 5 secções atarrachadas umas nas outras, constituindo um mastro de 4,75 m, com alcance médio de 30 Km.

(ii) Antena filar horizontal que era constituída por duas secções separadas, constituída por um fio de cobre nú de 32,78 m de comprimento, e seccionada por meio de 8 isoladores de porcelana. Essas secções podem, porém, ser postas em contacto por meio de ficha macho-fêmea. Tinha um alcance 60 Km. Deste modo a antena pode ser ajustada conforme as frequências pretendidas, abrindo ou fechando as fichas indicado numa tabela existente.

(iii) Por fim a antena Dipolo, que era constituída por uma linha de 50 a 72 Ohms. Esta antena tinha um alcance médio de 100 Km.

O RACAL TR-28, por sua vez, tem uma potência de 25 W, trabalha em HF entre 1,6 a 8 MHz. Pode-se utilizar duas antenas, a vertical com alcance médio de 30 Km e antena dipolo com alcance médio de 400 Km.

Por fim, apareceu em 1973, um novo emissor receptor VHF com o nome de STORNO que tinha uma potência de 10 W, 8 canais e vinha equipado com uma pequena antena laminar com o alcance de 30 Km.

Este emissor/receptor, creio eu, veio substituir o AVP-1 (conhecido por Banana). Era um rádio com excelentes condições de audição.

Junto em anexo duas fotos da minha borchura pessoal do Alfabeto Morse.

Sousa de Castro
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Nota de CV:

Vd. último post desta série > 30 de Dezembro de 2007> Guiné 63/74 - P2389: Abreviaturas, siglas, acrónimos, gíria, calão, expressões idiomáticas, crioulo (6): Racal (José Martins)

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2447: Julião Soares Sousa, o primeiro guineense a doutorar-se pela Universidade de Coimbra (Carlos Marques Santos)


Universidade de Coimbra > 11 de Janeiro de 2008 > Doutor Julião Soares Sousa. Foto retirada do Diário As Beiras, de 12 de Janeiro de 2008, com a devida vénia. O historiador guineense será um dos oradores do Simpósio Internacional: Guiledje na rota da independência da Guiné-Bissau (Guiledje e Bissau, 1 a 7 de Março de 2008).

O nosso Camarada Carlos Marques Santos enviou-nos um recorte do jornal Diário As Beiras de 12 de Janeiro de 2008, que transcrevemos, com a devida vénia.

Julião Soares Sousa é o primeiro guineense doutorado pela UC [Universidade de Coimbra]


Historiador e investigador guineense, especialista em História Política da Guiné e de Cabo Verde, Julião Soares Sousa defendeu ontem [, 11 de Janeiro de 2008,] com mérito a sua dissertação, intitulada “Amílcar Cabral e a luta pela independência da Guiné e Cabo Verde 1924-1973”.

Natural da Guiné, é actualmente colaborador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20), da Universidade de Coimbra (1).

Em 1991 concluiu a Licenciatura em História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC). Seis anos depois, em Janeiro de 1997, torna-se mestre em História Moderna, também pela FLUC.

Desde 1999 que vinha a preparar o seu doutoramento, em História Contemporânea. A sua principal área de investigação é a construção do Estado nos PALOP. Porém, revela ainda um gosto por outras áreas científicas, nomeadamente, História de África, História e Cultura dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, História da Expansão, Colonialismo e Anticolonialismo.

Quanto a publicações, em 2003 lança a sua primeira obra, intitulada, “Os movimentos unitários anticolonialistas (1954-1960). O contributo de Amílcar Cabral”. Faz parte da revista Estudos do Século XX, do (CEIS20).

Publica, ainda, “Amílcar Cabral: do envolvimento na luta antifascista à manifestação de tendência autonomista no Portugal do pós-Guerra (1945-1957)”. A publicação resultou de comunicações e discursos produzidos no II Simpósio Internacinal Amílcar Cabral realizado na Cidade da Praia, Brasil, entre 9 e 12 de Setembro de 2004.

Carlos Marques Santos
ex-Fur Mil da CART 2339
Fá Mandinga e Mansambo
1968/69

2. Comentário de CV:

Congratulamo-nos, na nossa Tabanca Grande, com a existência de mais um guineense Doutor (por extenso) em História Contemporânea, formado por uma universidade portuguesa. O seu trabalho de investigação interessa-nos a todos nós que fizemos a guerra colonial / guerra do ultramar / luta de libertação na Guiné-Bissau... Daqui vão as nossas melhores saudações e os votos de uma feliz e produtiva carreira profissional (3).

Ficamos também felizes por saber boas novas do nosso camarada Carlos Marques dos Santos, natural e residente em Coimbra, tertuliano da primeira hora, camarada do Torcato Mendonça e de outros camarados nossos da CART 2339... Segundo me diz o Luís, o coraçãozinho do Carlos Marques dos Santos há tempos pregou-lhe uma partida. Felizmente que a coisa agora está "medicamente controlada", segundo ele nos diz no mail que nos enviou. Carlos, um caloroso abraço em nome desta Tabanca Grande.


___________

Notas de CV:

(1) Uma das linhas de investigação do CIES20 é o "Colonialismo, anticolonialismo e identidades nacionais". Responsável: Doutor Luís Reis Torgal (um dos oradores que irá estar presente no Simpósio Internacional: Guiledje na rota da independência da Guiné Bissau, tal como de resto o novo Doutor).

(2) O Doutor Julião Soares Sousa é também poeta, tendo nós encontrado um dos seus poemas na página Maktub Poemas, numa antologia de poetas de expressão portuguesa (Figura, na Guiné-Bissau, ao lado de Amílcar Cabral e de Carlos E. Vieira).O seu livro de poesia, Um Novo Amanhecer, 48 pp., foi publicado em 1996, pela Livraria Minerva, de Coimbra


CANTOS DO MEU PAÍS

Canto as mãos que foram escravas
nas galés
corpos acorrentados a chicote
nas américas

Canto cantos tristes
do meu País
cansado de esperar
a chuva que tarde a chegar

Canto a Pátria moribunda
que abandonou a luta
calou seus gritos
mas não domou suas esperanças

Canto as horas amargas
de silêncio profundo
cantos que vêm da raiz
de outro mundo
estes grilhões que ainda detêm
a marcha do meu País


Julião Soares Sousa
(Um novo amanhecer, 1996)

(3) Sobre este evento também encontrei a seguinte notícia no blogue de Eurídice Delgado Monteiro (cabo-verdiana, presumo) > Igualdade na Diferença > 11 de Janeiro de 2008 > Academia (as teses mais aguardadas)

(...) Amílcar Cabral

Nesta sexta-feira, dia 11 de Janeiro, aqui na Universidade de Coimbra, fui assistir à defesa da Tese de Doutoramento em História do candidato doutoral Julião Soares Sousa, intitulada Amílcar Cabral e a Luta pela Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, sob a orientação científica do Prof. Doutor Luís Reis Torgal.

Para além da presença sombria dos Reis de Portugal e da moderação do Vice-Reitor da Universidade de Coimbra Prof. Doutor Pedro Manuel Tavares Lopes de Andrade Saraiva, também a arguente externa Profa. Doutora Isabel Castro Henriques (Universidade de Lisboa) e o arguente externo Prof. Doutor José Carlos Venâncio (Universidade da Beira Interior) estiveram de olhos nos olhos do Julião Sousa Soares. Ainda fizeram parte da mesa do júri o Prof. Doutor João Marinho dos Santos, o Prof. Doutor A e a Profa. Doutora B.

Após oito anos de investigação científica, o Historiador e Poeta Julião Soares Sousa entrou pela Sala dos Capelos para debruçar sobre Amílcar Cabral, numa perspectiva africana (ou seja, a partir de dentro). Durante os 150 mn da prova, várias questões foram abordadas, sendo de destacar: a socialização de Amílcar Cabral; o despertar da consciência política de Amílcar Cabral; a vida literária de Amílcar Cabral; o nacionalismo no espaço ex-colonizado por Portugal; o materialismo histórico e o marxismo; o espírito unificador de Cabral; a unidade Guiné e Cabo Verde; a proximidade e as singularidades históricas da Guiné e Cabo Verde; a problemática ideológica; os problemas de liderança enfrentados por Cabral; a dessacralização dos chefes africanos; a actualidade da filosofia política de Amílcar Cabral.

Entre as novas pistas de reflexão, foram destacadas nomeadamente a importância de uma análise sobre “as representações, as interpretações e os mitos cabralianos” e sobre “o género na perspectiva de Amílcar Cabral”. Durante a arguição desta prova académica, foram destacados os pontos fortes e fracos do trabalho realizado. No final da prova, tendo respondido às questões colocadas, o candidato de origem guineense foi aprovado com Distinção e Louvor (sendo o primeiro guineense a doutorar-se pela Universidade de Coimbra e o segundo africano a doutorar-se através da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra).


(Reproduzido com a devida vénia)

Guine 63/74 - P2446: PAIGC - Instrução, táctica e logística (7): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VII Parte): Minas II (A. Marques Lopes)


Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > GMC destruída por mina A/C no Bironque, a 16 de Julho de 1971.

Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > Estrada (asfaltada) Mansabá-Farim > O Carlos Vinhal e o Sousa à sua esquerda, segurando uma mina anticarro detectada a tempo e levantada. As minas e armadilhas, de um lado e de outro, foram dos aspectos mais cruéis da guerra colonial/guerra do ultramar, nos três teatros de operações (Angola, Guiné e Moçambique).
Fotos: © Carlos Vinhal (2006). Direitos reservados.


Guiné > Zona Leste > Sector de Galomaro > Dulombi > CCAÇ 2700 (1970/72) > Seis minas A/P detectadas na região de Padada e recuperadas pelas NT.

Foto: © Fernando Barata (2007). Direitos reservados. (Creio que a foto é do Arménio Estanqueiro, mas não tenho a certeza) (1)


Continuação da publicação de um longo texto, extraído do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, enviado em 14 de Setembro de 2007 pelo A. Marques Lopes (Nascido na Mouraria, Lisboa, é hoje coronel DFA, na reforma, e reside em Matosinhos).
Publica-se hoje a segunda e penúltima parte relativa ao capítulo sobre minas e outros engenhos explosivos utilizados pela guerrilha, no CTIG.


PAIGC - Instrução, táctica e logística (7): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VII) > UTILIZAÇÃO DE ENGENHOS (continuação) (2)

Revisão e fixação de texto: L.G. (As imagens digitalizadas pelo AML, a partir de um exemplar do original, têm fraca qualidade; optou-se, mesmo assim, por inseri-las, na maior parte dos casos).


4. Fabricação de granadas, lata fumigência e garrafas incendiárias por meio local

4.1. Fabricação de garrafa incendiária

Matérias primas: gasolina, álcool, óleo vegetal e borracha

[Por razões de segurança e de bom senso, omitimos aqui a fórmula de composião destes engenhos]

4.2. Fabicação de caixa fumigência

[à base de Clorato de amoníaco (NH1 CL), Clorato de potássio (KC1 C3) e Naftalina]

[Por razões de segurança e de bom senso, omitimos aqui a fórmula de composião destes engenhos]

4.3. Fabricação de granadas



[Por razões de segurança e de bom senso, omitimos aqui a fórmula de fabrico deste tipo]

4.4. Minas anti-tanques




4.5. Fabricação de minas

As minas são obstáculos explosivos. Uma mina compõe-se de invólucro, de embalagem e de instalação de fogo. Há minas anti-pessoal, anti-carros blindados e minas que podem destruir casas. Pode-se utilizar materiais em madeira, pote em porcelana, garrafa de vidro, caixas de ferro para fabricar as minas.

4.6. Embalagem de explosivos

Põe-se 5-10 Kgs de explosivos numa mina anti-tanque, 50-200 grs numa mina anti-pessoal cavalos aumentando 0,5 duma vez.

4.7. Granadas servindo de explosivo



4.8. Instalação de fogo

Incendiar pela pressão, pelo torpedo um fio, electricidade e pela instalação retardadora.

Composição de explosivo à base de clorato de potássio e açúcar:

Clorato de potássio.... 50%

Açúcar................. 50%

Depois desta composição deita-se umas gotas de ácido sulfúrico, a composição química incendeia.


5. Implantação de engenhos explosivos


Por se julgar de interesse, trancreve-se o Relatório Imediato N.º 1 da 2.ª REP do QG/RMM [, Região Militar de Moçambique,] o qual diz respeito a técnicas de implantação de engenhos explosivos pelo IN, em tudo semelhante às utilizadas na Província da Guiné [vd 3ª e útima parte deste texto, em poste a seguir].


5.1. Quanto à relação entre o local de implantação dos engenhos explosivos, a vegetação e os acidentes circundantes

a. Minas A/P

- Nos itinerários em que as NT passam com frequência e desde que haja árvores isoladas junto aos mesmos, armadilham o local, cientes de que as NT aproveitam muitas vezes a sombra dessas árvores para pequenos descansos;

- Bermas das picadas, conjugadas com minas A/C, no leito das mesmas; escolhem as bermas que melhor protecção conferem às NT, cientes de que, ao ser activada a mina A/C, é para esses locais que elas se dirigem;

- É-lhes indiferente haver ou não vegetação, salvo no 1.º caso apontado – árvores isoladas ou em pequeno número.


b. Minas A/C

- Preferem o meio ou o topo das subidas [de modo a] que as viaturas, ao accionarem-nas, caiam para trás aumentando assim a possibilidade de originar novos acidentes e mais vítimas;

- Sítios com pedras: afastam as pedras e colocam as minas, voltando a tapá-las com pedras; este processo é rendoso, porquanto as NT ao começarem a picar sobre as pedras “convencem-se que é tudo pedra” e passam à frente; podem colocá-las também em pequenos intervalos existentes;

- Nas passagens a vau dos cursos de água, colocam-nas junto às margens, a fim de que as viaturas, ao accionarem-nas, caiam ao rio;

- Sítios com árvores junto ao itinerário e que impeçam as viaturas de sair do mesmo;

- Nos desvios ou outros itinerários que possam ser utilizados no retorno das colunas;

- Nos locais das picadas onde a água se acumula; começam a desviar a água, colocam a mina e deixam a água voltar a tapá-la.


5.2. Quanto ao tipo de terreno propícioà implantação dos engenhos

Preferem o terreno arenoso, porquanto, não só facilita a colocação mas também a dissimulação, pois basta um pouco de vento para apagar todos os sinais.


5.3. Relação das acções e colocação de minas com:


a. Movimentos IN

Desde que tenham grupos de transporte em trânsito, criam campos de minas à distância de segurança e nos possíveis locais de passagem das NT, tendo em vista não só garantir a liberdade de movimentos ao IN mas também, pelo rebentamento de engenhos, avisá-lo da presença das NT.

b. Linhas de infiltração

Criam campos de minas nos prováveis locais de aproximação das NT.

c. Movimento das NT
- Sempre que sabem que há colunas colocam minas nas picadas

- Implantam também minas nos trilhos por onde passaram as NT pois já sabem que voltarão a passar por lá.


5.4. Técnica de implantação e disposição dum campo de minas

a. Implantam campos de minas A/C sempre que pretendem que um determinado itinerário seja abandonado pelas NT, tendo em vista criar liberdade de movimentos na região, ou prejudicar as NT apoiadas por esse itinerário;

b. Implantam campos de minas A/P à volta dos trilhos percorridos pelas NT, tendo em vista causar o maior número possível de mortos;

c. No respeitante à técnica de implantação, há a considerar:

Minas A/P em trilhos



(i) Mina A/P colocada no trilho para ser accionada pelo elemento da frente.

(ii) Minas A/P colocadas de um lado e outro do trilho, a cerca de 50 metros deste e distanciadas de 50 umas das outras, destinadas a serem accionadas pelo pessoal que saltar para as bermas. Deve ser em número aproximado de 40 de cada lado e sempre ligadas uma às outras por arames de tropeçar que fazem accionar disparadores. Caso não disponham de tantas minas poderão ser utilizadas granadas.

(iii) Emboscada montada de um só lado (para evitar atingirem-se com os seus próprios fogos) e destinada a ser desencadeada após rebentarem as primeiras granadas. NOTA: segundo o capturado, nem sempre costumam montar as emboscadas.

(iv) Mina A/P a montar após a retirada das NT e em caso de prosseguirem o caminho. É implantada para o caso das NT utilizarem o mesmo trilho para o regresso, pois, ao chegarem ao local, uma vez que já foram accionadas as minas, é natural pensarem que não há mais.


Minas A/P conjugadas com minas A/C nos itinerários


Não tem disposição especial. No entanto, costumam estudar a possível reacção das NT a partir do accionamento da mina A/C, bem como o afastamento médio dos passos, colocando-as então onde lhes pareça mais provável viram a ser accionadas; utilizam ainda os seguintes métodos, embora sem técnicas ou disposições especiais:

- Junto a árvores isoladas ou em pequenos grupos de árvores isoladas próximo dos itinerários percorridos por colunas auto;

- Nas bermas dos itinerários que melhor protecção confiram às NT em caso de accionamento de mina A/C ou de emboscada.


Mina A/C



Em geral começam por implantar 1 par de minas (1 para cada rodado) e depois minas isoladas separadas de ¾ Kms cada uma.

5.5. Dispositivo de lançamento de fogo


Em geral todas as minas que implantam funcionam por pressão. No caso das armadilhas usam, como é normal, disparadores.


5.6. Diversos

a. Destruição de pontes

Pontes de cimento



- Para pontes pequenas, as cargas nos encontros são de 6 Kg (A, B, C, D) e as cargas de corte ao meio (E, P) são de 4 Kg.

- Para pontes maiores, aumentam as cargas.

- Por vezes cavam os acessos junto aos encontros e colocam também cargas.


Pontes de madeira


Podem ser explosivos, mas o normal é serem queimadas.


b. Outros assuntos de interesse


- Na teoria a implantação e campos de minas A/P junto aos trilhos só seria feita após terem avistado as NT. Para tal, usariam um Grupo de Reconhecimento e um Grupo de Armadilhagem e deveriam ambos os grupos disporem de emissores/receptores. Na prática, implantam os campos nos trilhos que normalmnte são utilizados pelas NT;

- As emboscadas conjugadas com as minas – segundo o capturado – não têm sido usadas na zona onde operava;

- Costumam reforçar as minas com granadas, ou com cargas de 2 Kg ou 4 Kg de TNT. No início, punham as granadas em cima das minas; actualmente e por causa das picagens, colocam-nas por baixo e descavilhadas, a fim de que possam rebentar quando descavilhadas;

- Após a colocação das minas não deixam ninguém de sentinela; vão para as bases e voltam imediatamente a seguir à passagem da coluna para ver se foram levantadas. Em geral colocam as minas a distâncias tais das bases que, quando accionadas, possam ouvir o rebentamento;

- Não costumam levantar as minas não accionadas, pois, mais tarde ou mais cedo, alguém sairá. Só as levantam passados 2 a 3 anos, pois, ao fim desse período, é sinal de que as NT deixaram de utilizar esse itinerário;

- Em geral não armadilham as pontes, mas sim os terrenos em volta, depois de as destruirem;

- Actualmente não usam sinais para referência das minas que implantam, a não ser, por vezes, latas das rações das NT, que coloca sobre a mina: O procedimento adoptado é o croquis da zona armadilhada, ou a colocação dos engenhos em locais de boas referências.

Desta forma e em consequência, após a colocação das minas, reunem os elementos da base e descrevem o local ou mostram o croquis feito. Em princípio não armadilam trilhos susceptíveis de serem utilizados pela população.

Desta forma, só um número restrito de elementos é conhecedor dos locais minados, evitando-se a fuga de segredo;

- O único processo que usam para contrariar a detecção por parte das NT é o dispositivo anti-levantamento (granada descavilhada sob a mina);

- As minas que aparecem sem tampa não têm por finalidade não serem detectadas pelas picas: tiram as tampas (das caixas de madeira) para reforçarem a mina que está lá dentro com outra mina;

- Colocam as minas “na época em que passam colunas” e que é do conhecimento dos velhos: em geral há sempre colunas pouco tempo antes de começarem as chuvas e logo a seguir às chuvas;

- O capturado refere como tendo posto os seguintes tipos de minas: (i) Anti-grupo (A/P); (ii) Anti-carro; (iii) Anti-tanque.

Perguntada a diferença entre as minas anti-carro e a anti-tanque, referenciou a anti-tanque como sendo a M/46 (russa) e a anti-carro como sendo paralelipipédica e com as seguintes dimensões aproximadas: 35cm X 25cm X 20cm e menos potente do que a anti-tanque (caixa de madeira).


(Continua)
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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes sobre o Américo Estanqueiro, ex-Fur Mil da CCAÇ 2700 (Dulombi, 1970/72), de quem já aqui falámos, a propósito da sua exposição fotográfica na Fundação Mário Soares:

12 de Novembro de 2007) > Guiné 63/74 - P2260: Álbum das Glórias (33): Inauguração da exposição de fotografia do Américo Estanqueiro, hoje, na Fundação Mário Soares

13 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2263: Álbum das Glórias (34): Fotografias do Américo Estanqueiro na Fundação Mário Soares (Virgínio Briote / Fernando Barata)


(2) Vd. post anterior > 4 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2327: PAIGC - Instrução, táctica e logística (6): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VI Parte): Minas I (A. Marques Lopes)

Guiné 63/74 - P2445: Em louvor da G3, no duelo com a AK47 (Mário Dias)

1. Mensagem de Mário Dias, recebida na terça-feira, 15 de Janeiro de 2008, com o título: Em louvor da G3

Caro Luís:

Por ser tão comum enaltecer a vantagem do PAIGC sobre as NT a propósito da AK47 versus G3, o que não considero verdadeiro, junto em anexo a minha opinião mais ou menos fundamentada sobre o assunto.

Aproveito para anunciar que, contrariamente ao meu desejo, não me vai ser possível estar presente no lançamento do livro do Beja Santos que profundamente admiro. Daqui lhe envio um grande abraço e continue a escrever. Que nunca as mãos lhe doam.

Boa viagem até Guiledje e votos que o Simpósio venha a constituir-se numa mais profunda amizade e compreensão entre todos nós.

Um grande abraço.
Mário Dias
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2. Resposta do VB:
Meu Caro Furriel Mário Dias,

Não é o Luís, sou eu, o Briote que assumo o encargo de publicar a tua (minha também) defesa da G3, essa namorada que, tanto quanto me lembre, me foi fiel durante a minha comissão na Guiné.

Não dei muitos tiros em combate. Ainda hoje me lembro que foram 22, em toda a comissão. Só que de uma vez, logo no início da comissão, quando me encontrava ainda em Cuntima, na CCAV 489, despejei o carregador até ao fim numa emboscada entre Faquina Fula e Faquina Mandinga.

Depois nos Comandos, a minha história com a G3 quase dava um romance. Na carreira de tiro que havia lá para os lados do aeroporto (lembras-te?), esvaziei um cunhete. Há quem diga que foram cinco, não acredito. Certo é que o cano, sem tapa-chamas, rachou. E o Saraiva obrigou-me a pagar a asneira.
Achei, na altura, que ela me tinha sido ingrata, pela vergonha que me fez passar. E que o cap Saraiva era um exagerado. Troquei-a por uma FN, também sem tapa-chamas (ainda estou para saber porque é que eu as preferia assim).

Meses depois, reconciliámos-nos, fizemos as pazes e foi a minha namorada até ao fim. Custou-me tanto a liquidação da dívida que, a partir daí, passei a ser eu a tratar dela. Como tu dizes, com as mãos na massa.

Mário,

Foste um dos instrutores que me ensinaste a pegar nela. A pôr os meus olhos no cano, a usá-la o estritamente necessário, a trazê-la no colo, com meiguice.

Não vou aqui falar de outras coisas que me ensinaste, que a hora é de honrar a G3. Mas é sempre tempo para publicamente reconhecer que foste um instrutor que nos deixou marcas muito positivas, nomeadamente pelo teu saber e conhecimento daquela terra e daquelas gentes que, eu sei, tanto apreciavas.

vb
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3. Texto de Mário Dias:
Em louvor da G3.

É muito vulgar e frequente tecerem-se comentários depreciativos à espingarda G3, quando comparada à AK47. Em minha opinião, nada mais errado. Analisemos, à luz das características de cada uma e da sua utilização prática, os prós e contras verificados durante a guerra em que estivemos empenhados em África:

Comprimento: G3 - 1020mm; AK47 - 870mm
Peso com o carregador municiado: G3 - 5,010Kg; AK 47 – 4,8Kg
Capacidade dos carregadores: G3 – 20 cartuchos; AK47 – 30 cartuchos
Alcance máximo: G3 – 4.000m; AK47 – 1.000m
Alcance eficaz (distância em que pode pôr um homem fora de combate se for atingido):
G3 – 1.700m; AK47 – 600m
Alcance prático: G3 – 400m; AK 47 – 400m

Passemos então a comparar.

No comprimento e peso a AK47 leva alguma vantagem. A capacidade dos carregadores, mais 10 cartuchos na AK47 que na G3, será realmente uma vantagem?

Se, por um lado, temos mais tiros para dar sem mudar o carregador, por outro lado esse mesmo facto leva-nos facilmente, por uma questão psicológica, a desperdiçar munições. E todos sabemos como o desperdício de munições era vulgar da nossa parte apesar de os carregadores da G3 serem de 20 cartuchos.

O usual era, infelizmente, “despejar à balda” sem saber para onde nem contra que alvo. Sem pretender criticar a maneira de actuar de cada um perante situações concretas, eu, durante todas as acções de combate em que participei ao longo de 4 comissões, o máximo que gastei foi um carregador e meio (cerca de 30 cartuchos). Por tal facto, em minha opinião, a dotação e capacidade dos carregadores da G3 é mais que suficiente, além de que os próprios carregadores são mais maneirinhos e fáceis de transportar que os compridos e curvos carregadores da AK47.

Também quanto ao poder balístico, a G3 leva vantagem pois, embora na guerra em matas e florestas seja difícil visar alvos para além dos 100/200 metros, tem maior potência de impacto e perfuração sendo a propagação da onda sonora da explosão do cartucho muito mais potente na G3, o que traz uma maior confiança a quem dispara e muito mais medo a quem é visado. A G3 a disparar impõe muito mais respeito.

Porém, os principais motivos que me levam a preferir a G3 à AK47 (creio que a fama desta última é mais uma questão de moda) são as que a seguir vou referir ilustradas, dentro das possibilidades, com gravuras:



G3


AK47

Deixem-me, então, começar a vender o meu peixe em louvor da G3. Todos sabemos a importância do silêncio e da rapidez de reacção numa guerra de guerrilha e de como o primeiro a disparar leva vantagem.

Normalmente o combatente numa situação de contacto possível em qualquer lado e a qualquer momento leva geralmente a arma com um cartucho introduzido na câmara e em posição de segurança. Eu e o meu grupo tínhamos bala na câmara e arma em posição de fogo desde a saída à porta de armas do aquartelamento até ao regresso e nunca houve um único disparo acidental. Mas, partindo do princípio que nem todos teriam o treino necessário para assim procederem, a arma iria então com bala na câmara e na posição de segurança.

Quando dois combatentes se confrontam, o mais rápido e silencioso tem mais possibilidades de êxito e, nesse aspecto, a G3 tem uma enorme vantagem sobre a AK47. Talvez poucos se tivessem dado conta dos pequenos pormenores que muitas vezes são a diferença entre a vida e a morte.

Um caso concreto:

Vou por um trilho no meio do mato e surge-me de repente um guerrilheiro. Levo a arma em segurança e tenho rapidamente de a colocar em posição de fogo. Do outro lado o guerrilheiro terá de fazer o mesmo. Em qual das armas esta operação é mais rápida e fácil? Sem dúvida alguma na G3.

Se olharmos para as gravuras observamos que na G3, levando a arma em posição de combate, à altura da anca com a mão direita segurando o punho dedo no guarda mato pronto a deslizar para o gatilho, utilizando o polegar sem tirar a mão do punho com toda a facilidade e de forma silenciosa passo a patilha de segurança para a posição de fogo e disparo.

E o portador de AK47? Sendo a alavanca de comutação de tiro do lado direito da arma e longe do alcance da mão terá que, das duas uma: ou larga a mão do punho para assim alcançar a alavanca de segurança ou então tem que ir com a mão esquerda efectuar essa manobra. Em qualquer das soluções, quando a tiver concluído já o operador da G3 terá disparado sobre ele.

Suponhamos agora que o homem da G3 vê um guerrilheiro e não é por este detectado. A passagem da posição de segurança à posição de fogo, além de rápida, é silenciosa pois a patilha de segurança é leve a não faz qualquer ruído ao ser manobrada. O guerrilheiro não se apercebe de qualquer ruído suspeito e mais facilmente será surpreendido. Ao contrário, um guerrilheiro que me veja sem que eu o veja a ele e tenha que colocar a sua AK47 em posição de fogo para me atingir, de imediato me alerta para a sua presença pois a alavanca de segurança dá muitos estalidos ao ser accionada. Assim, não é tão fácil a um portador de AK47 surpreender alguém a curta distância.

Outro caso concreto:

Todos certamente estaremos recordados de quantos vezes era necessário combinar o fogo com o movimento nas manobras de reacção a emboscadas ou na passagem de pontos sensíveis. Nessas ocasiões, em que fazíamos pequenos lanços em corrida para rapidamente atingirmos um abrigo para o qual nos teríamos de lançar de forma a ficarmos automaticamente em posição de podermos fazer fogo (a chamada queda na máscara), a G3, devido à sua configuração era de grande ajuda pois, não tendo partes muito salientes em relação ao punho por onde a segurávamos, (o carregador está ao mesmo nível) permitia que de imediato disparássemos com relativa eficácia.

E a AK47? Reparem bem naquele carregador tão comprido e saliente do corpo da arma. Como fazer manobra idêntica? Impossível. Mesmo colocando a arma com o carregador paralelo ao solo para facilitar a “aterragem”, isso faz com que tenhamos que perder tempo a corrigir a posição de forma a estarmos aptos a disparar. E em combate cada segundo é a diferença entre a vida e a morte.

Um defeito geralmente apontado à G3 é que encravava facilmente com areias e em condições adversas.

Quero aqui referir que ao longo dos muitos anos da minha vida militar, tanto em combate como em instrução ou nas carreiras de tiro, tive diversas armas G3 distribuídas e nunca nenhuma se encravou. A G3 possui de facto um ponto sensível que poderá impedir o seu funcionamento se não for tomado em conta. Trata-se da câmara de explosão, onde fica introduzido o cartucho para o disparo, que tem uns sulcos longitudinais (6 salvo erro)* destinados a facilitar a extracção do invólucro. Acontece que se esses sulcos não estiverem limpos e livres de terra ou resíduos de pólvora não se dá a extracção porque o invólucro fica como que colado às paredes da câmara. Se houver o cuidado em manter esses sulcos sempre livres de corpos estranhos nunca a G3 encravará. Outra coisa que poderá levar a um mau funcionamento é as munições estarem sujas ou com incrustações de calcário ou verdete.

Nós tínhamos por hábito, como forma de prevenir este inconveniente, untarmos as mãos com óleo de limpeza de armamento, para esfregarmos as munições na altura de as introduzirmos nos carregadores. E resultou sempre bem.

São pequenos pormenores que deveriam ter sido ensinados na recruta mas, pelos vistos, nem sempre havia essa preocupação bem como muitas outras que foram, a meu ver, causa de algumas (muitas) mortes desnecessárias.

CONCLUSÃO

Depois de passados tantos anos sobre a guerra, continuo fã incondicional da G3. Se voltasse ao passado e as situações se repetissem, novamente preferia a G3 à HK47.

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Notas e fixação do texto: vb

(*) Quatro estrias ou seis, Mário?

Foi a arma de infantaria padrão do exército alemão, Bundeswehr, até 1997, e continua a ser utilizada por vários exércitos nacionais. A G3 é tipicamente um fuzil de calibre 7.62 x 51 mm NATO, capaz de fogo semi-automático ou totalmente automático com um cartucho desmontável. Pode ainda ser anexada uma baioneta à G3.

Foi desenvolvida pelos engenheiros da Mauser, após terem passado algum tempo em Espanha a trabalhar para outros fabricantes de armas nesse país. Ajudaram a criar a espingarda CETME e levaram-na de volta para a Alemanha. De facto, por algum tempo as G3 tiveram a palavra "CETME" estampada num dos lados; o design levou contudo várias modificações, como por exemplo, a CETME tinha um apoio em madeira e a G3 não.


G3 significa "Gewehr 3", Espingarda, 3 em alemão. A G3 foi adoptada em 1958 como substituta para a G1 da Bundeswehr, uma versão modificada da belga FN FAL, que estava em serviço desde 1956, o ano em que a Alemanha Ocidental tinha entrado para a NATO.

Portugal teve necessidade de adotar uma nova arma no inicio dos anos 60, por conta da guerra colonial na África. As possibilidades não eram muitas. Os Estados Unidos mantinham um claro embargo a Portugal durante a era Kennedy. Assim, a escolha tinha que recair numa arma fornecida por um país que estivesse na disposição de transferir a tecnologia para a sua fabricação em Portugal. A escolha foi pela arma alemã, que passou a ser fabricada em Portugal pela Fábrica de Braço de Prata.

Quando chegou a África, em comparação com as antigas armas ligeiras das forças armadas a G3 era vista como extremamente sofisticada. Tratava-se de uma arma automática, que podia disparar rapidamente uma considerável quantidade de tiros.
Foi necessário bastante treino de forma que a tropa se habituasse a entender que a posição normal da arma devería ser a posição tiro-a-tiro, porque do ponto de vista operacional, gastar rapidamente a munição no meio do mato, sería um problema.

Em 1965, já o numero de espingardas automáticas G3 tinha ultrapassado as 150.000 nas forças armadas, e mesmo assim, ainda existiam em funcionamento 15.000 espingardas automáticas FN, fornecidas de emergência pelo exército alemão, antes da introdução da G3.

A arma esteve presente nos vários cenários de guerra, em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Viu-se ainda a G3 ser utilizada em Timor leste pelas guerrilhas das Falintil.

Até ao ano 2000, ainda algumas velhas G3 se encontravam operacionais naquele território.
A substituição da G3 nas forças armadas portuguesas aproxima-se a passos largos. A sua provável substituta será provavelmente a
G36, que é vista internacionalmente como a substituta lógica da G3, embora outras possibilidades continuem em aberto.

Extraído da Wikimedia Commons. Com a devida vénia.

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De Mário Dias, ver também postes de:

15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)

Sobre a Kalash, vd. os seguintes postes publicados no nosso blogue:

30 de Maio de 2006 > Guiné 63/74- DCCCXVIII: Confissões de um pacifista: A minha paixão pela bela Kalash (João Tunes)

17 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XX: "Foi você que pediu uma kalash?" (David Guimarães)

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2444: Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, CCS/BART 2917, hoje enfermeiro reformado e um grande mariense (Luís Candeias)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xitole > 1970 > O Padre Puim, capelão militar, de origem açoriana, com o furriel Guimarães da CART 2716. Infelizmente é a a única fotografia que temos dele, no nosso blogue. Devido às suas homilias, este capelão teve problemas com a PIDE/DGS, acabando por ser expulso do Exército, em 1971, tal como outros (o caso talvez mais mediático foi o do Padre Mário da Lixa, membro da nossa tertúlia). 

 O Arsénio Puim, natural da Ilha de Santa Maria acabou por deixar o sacerdócio, foi enfermeiro e casou-se com uma enfermeira. Hoje está reformado, segundo informação do nosso amigo Luís Candeias (1), vivendo na Ilha de S. Miguel. 

 Foto: © David J. Guimarães (2005). Direitos reservados. 

  1. Mensagem do Luís Candeias, com data de 14 do corrente: 

 Bom Dia, Luís. Hoje foi uma manhã muito especial para mim. Consegui falar com o amigo Arsénio e com a Leonor. Ele vai já tentar entrar no blogue e participar também na nossa conversa. Para o ajudar, dei-lhe vários links para ele ter menos dificuldade em chegar lá. Fiz inclusivamente o copy-paste para ele do teu endereço de e-mail. Estou muito feliz hoje por ter talvez já dado o primeiro passo para vos ajudar a reencontrar o nosso Arsénio. 

 Um grande abraço Luis Candeias 

  2. Comentário de L.G.: 

 Obrigado, Luís, é uma excelente notícia. Espero que lhe tenhas feito chegar o comentário que escrevi na nossa última mensagem. Fico, entretanto, a aguardar notícias, em primeira mão, do nosso amigo comum. Ele muito provavelmente já não se lembra de mim, mas deve recordar-se bem do Abílio Machado que, de resto, escreveu sobre ele um texto memorável (2). 

 Não é preciso repetir-lhe que a nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas, como nas tabancas do regulado de Badora que o Arsénio conheceu, a começar por Bambadinca, onde vivemos entre meados de 1970 e o fatídico dia 1 de Janeiro de 1971. 

 Como eu te disse, há tempos tinha deixado este comentário no blogue, em mensagem dirigida ao David Guimarães que estava no Xitole (2): 

  Convivi pouco com o capelão Puim. Já não ia missa nessa idade, e muito menos na Guiné, em Bambadinca. Além disso, a malta da CCAÇ 12 tinha uma intensa actividade operacional, ao serviço do comando do do batalhão, sobrando pouco tempo para conviver com a malta da CCS. Levei-o, a ele, Puim, uma vez, numa das nossas colunas logísticas ao Xitole, a ele e à mulher do Carlão... (Ainda me recordo de a ver, de camuflado, e de sapatos de salto alto, vermelhos, à guarda do angélico Puim... Não sei se te recordas: o Carlão era um dos alferes da CCÇ 12, estando na altura destacado no reordenamento de Nhabijões... Alguém se recusou, por razões de segurança, a levar a mulher do Carlão. Deve ter sido o comandante da coluna, um dos nossos alferes ou talvez o Beja Santos, do Pel Cal Nat 52, já não me recordo ao certo... Julgo que a coluna ia mesmo até ao Saltinho. Já não tenho a certeza se ela acabou por ir ou por ficar. O Puim foi dessa vez, e terá sido essa uma das quatro vezes que ele te visitou, no Xitole)... 

 Bom, hoje estou arrependido de nunca ter ouvido uma homilía do Puim, mesmo por simples curiosidade intelectual, por solidariedade humana ou por camaradagem... Na altura, eu achava que todos os capelães militares eram escolhidos a dedo e estavam bem integrados no sistema. Não me dei conta que os efeitos devastadores da guerra também afectavam os homens encarregues de zelar pelo conforto espiritual dos nossos combatentes. Além disso, o Concílio Vaticano II mexeu profundamente com a Igreja (ultraconservadora) que nós conhecímos, desde o nosso tempo de meninos e moços... 

Claro, eu tinha ouvido falar do Padre Mário de Oliveira, o Padre Mário da Lixa, também expulso do exército dois anos antes (Esteve em Mansoa, ali perto de nós, mas só vim a conhecê-lo, pessoalmente em 1976, no dia do meu casamento, civil, em Candoz, Paredes de Viadores, Marco de Caneves)... 

 Por outro lado, as autoridades militares de Bambadinca e a polícia política fizeram a coisa discretamente, pela calada... Poucos de nós, deram conta do que se passou, no início do ano de 1971 em que ele foi preso e levado de helicóptero para Bissau ... 

Em retrospectiva, tenho que considerar o Puim como um homem bom, vertical, coerente e corajoso, talvez o melhor de todos nós, não obstante o seu ar frágil, de menino de coro... Já não me recordo, mas tivemos seguramente conversas, no subversivo bar de sargentos, a respeito do que se passou, na altura, já que o Machado era seu e nosso amigo... 

 O texto do Abílio Machado (2), já aqui publicado, fez-me aumentar a minha admiração por ele: "A coragem de um padre que não abdicou de o ser lá onde era o seu sítio: o altar"... Poucos de nós tiveram tomates para tomar as posições que ele tomou: refiro-me àqueles de nós, como eu, que eram contra a guerra mas que a fizeram... 

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 Notas de L.G.: (1) Vd. postes anteriores: 



  (...) Ele foi meu professor de História no Liceu e sempre um bom amigo. Foi enfermeiro aqui no Hospital, em Santa Maria, casou com a Leonor, também enfermeira, e acabou mudando a sua residência para Vila Franca do Campo, na vizinha Ilha de S. Miguel, terra de origem da Leonor. Tem 2 filhos já crescidotes, o Pedro e o Miguel, estudantes universitários. É hoje um Enfermeiro reformado e um Mariense muito empenhado na Cultura e História marienses, e sua divulgação, com intervenção permanente no jornal 'O Baluarte de Santa Maria' (...). 

(2) Sobre o Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, da CCS do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), vd. postes de: