sábado, 21 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4060: Meu pai, meu velho, meu camarada (2): Militar de carreira, herói da 1ª Grande Guerra, saiu do RAP 2 como eu (David Guimarães)

1. E que tal uma pequena homenagem ao nosso pai, nosso velho, nosso camarada ? Eu já dei o pontapé de saída (*)...

Fui agora recuperar um texto, já com quase 4 anos (!), do David Guimarães, o nº 3 (em termos de antiguidade) da nossa Tabanca Grande (originalmente, Tertúlia)...

Recorde-se que o David Guimarães (ex-Fur Mil At Atilharia e Minas, Xitole, sede da CART 2716 / BART 2917, 1970/73), vive em Espinho, é funcionário da Segurança Social, reformado, e membro do Grupo de Fado de Coimbra do Choupal até à Lapa. (Na foto acima, vêmo-lo, no Xitole, a partir mantenhas com a Helena).


O RAP 2 (Gaia) fez parte da minha família (**)
por David Guimarães


Sempre me preocupei, durante a guerra, em contar cá para a Metrópole (era assim que então se dizia) não propriamente as peripécias da nossa vida militar mas as coisas mais belas que encontrava na Guiné: os mangueiros carregados de mangas, os milhares de morcegos que povoavam o céu ao escurecer e ao amanhecer e que dormiam nas árvores, os macacos, as galinhas de mato, etc.

Eu achava que deveria poupar a minha família e que esta não teria que ouvir e até viver a guerra em directo: bastava para isso o sofrimento de saber que eu andava por lá...

Foi assim que eu senti e vivi a guerra. Lembro-me um dia, quando alguém me disse:
- Guimarães, este batalhão vai para a Guiné - ... Ainda estávamos no RAP 2 em Gaia. E eu exclamei:
- Ainda bem, é a província mais próxima de Portugal para vir de férias...

Não será aqui o sítio certo para falar do RAP 2. Mas na minha vida pessoal foi um marco importante. Foi de lá que foi mobilizado o meu pai, militar de carreira, para ir servir em França… na 1ª Grande Guerra (Ele nasceu em 1893 e eu nasci quando ele tinha 54). É de lá mobilizado o meu irmão que parte, com o BART 525, para Angola e sou eu mobilizado, no BART 2917, para servir na Guiné...

Ironias do destino ou coincidências de graus de parentesco... É que, entre o meu irmão e o meu pai, também é mobilizado para África um primo meu, em 1º grau. Não há dúvida, aquele Regimento entrou na nossa casa, muito antes de eu ter nascido... Se fosse isto um romance serviria para dizer que a minha existência como que começou ali. Mas isto é outra história que, não sendo menos curiosa, não vem agora a propósito...

Não pensem que há algum anacronismo quando eu refiro que o meu pai foi mobilizado, pelo RAP 2, para servir a Pátria, em França, em 1917... O meu pai nasceu em 1893 e eu em 1947, o que quer dizer que nos separam 54 anos... 2º Sargento de Artilharia de Campanha, segue para França, integrado no Corpo expedicionário, comandado pelo General Gomes da Costa.

Como mera curiosidade, sou eu que tenho a caderneta militar e as condecorações de meu pai: guardo com toda a estima sete medalhas, sendo uma delas a da Vitória... Por outro lado, e como sabem, nós estivemos na 1ª Guerra Mundial e não na 2ª.

__________

Notas de L.G.:

(*) 10 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIX: Estórias do Xitole: 'Com minas e armadilhas, só te enganas um vez' (David Guimarães)

(**) Vd. poste de 20 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)

sexta-feira, 20 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)

Foto a esquerda > Legenda:

 "No dia em que fiz 22 anos tirei esta fotografia em Mindelo, encerrando (?) as minhas vinte e duas primaveras felizes. Luis Henriques. Em 19/8/943. S. Vicente, C. Verde... Senti neste dia muitas saudades dos meus, dos amigos e também da minha terra [, Lourinhã]. Luís"....

Casou com a Maria da Graça (n. 1922), em 2 de Fevereiro de 1946. Em 29 de Janeiro de 1947, tiveram o primeiro rebento (foto à direita)... Aqui estou eu, om oito meses, ao colo da minha mãe, e ao lado do meu pai, Lourinhã, Jardim da Nossa Senhora dos Anjos, Setembro de 1947


Memórias de Cabo Verde (1941/43)


Luís Henriques: Nascido em 1920, na Lourinhã, 1º cabo nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, Batalhão do Regimento de Infantaria nº 5, expedicionário em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, cidade do Mindelo, de 1941 a 1943.


Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode



VELOCIDADE / Cesária Évora


E m'dojr bo caba q'ues esparate
Pa ca ba pobe nome d'velocidade (2 vezes)
Oia q'ma tude cosa forte
Um dia ta t'chega na fim

Se bo ta moda um tracolança
'M ca sabê (2 vezes)
Se bo vida ta na balança
'M ca e culpode

Ja'l soma ta bem ta treme
Q'tude se vaidade estilusinha (2 vezes)
Ele ca t'ma fe na ques desgraçode
Q'tava traz d'quel esquina ta guital

Se bo ta moda um tracolança (...)

Instrumental de clarinete

Se bo ta moda um tracolança (...)

Ja'l soma ta bem ta treme. . .

Se bo ta moda um tracolanca...



1. Meu pai, meu velho, meu camarada:


Ontem, 19 de Março, dia do pai, a escassos meses de fazeres 89 anos, já no ocaso da tua vida, quis-te fazer uma singela homenagem, recuperando alguns escritos e fotos das tuas memórias de Cabo Verde, 1941/43 (*). Tenho consciência de que o nosso relógio biológico não nos permite adiar para as calendas gregas estas conversas de pais-filhos. Quando éramos mais novos, não tínhamos tempo nem pachorra para confidências e sobretudo para revisitarmos o passado. Agora, temos mais paz e sobretudo mais sabedoria e cumplicidade.

Eu próprio, vasculhando em tempos o baú das minhas memórias (físicas) da guerra colonial, acabei por deparar com as velhas fotografias, amarelas, riscadas, rasgadas, amarrotadas, algumas delas já irrecuperáveis, do teu tempo de expedicionário em Cabo Verde. Começa por aqui o meu interesse por esse tempo em que eras jovem e foste chamado a cumprir o teu dever para com a Pátria.

Por ironia do destino, também tu fizeste a tua tropa no Ultramar, em plena II Guerra Mundial, como muitos outros jovens da tua geração. Vinte e oito anos depois, eu seguirei as tuas peugadas, passarei ao largo de Cabo Verde e irei desembarcar em Bissau, em finais de Maio de 1969. E, já agora, deixa-me dizer-te quanto me penitencia o facto de nunca de ter escrito uma simples carta ou aerograma a dizer-te: "Meu camarada...". Nunca te chamei camarada!

Já as conhecia, de puto, a essas velhas fotos. Conheci-as, de cor e salteado, de tanto ter desfolheado o album, de capa preta, com papel transparente para as proteger. SE queres que te diga, esse álbum de fotografias foi para mim um janela para o mundo. Foi-se progressivamente desconjuntando, até desaparecer. Não sei como algumas das fotos sobreviveram mais de sessenta anos. Uma boa parte acabou por se perder, com muita pena minha, que hoje lhe dou outro valor.





Alfragide, em minha casa > 1º trimestre de 2008 > Aos 88 anos, Luís Henriques fala da sua estadia no Mindelo, como expedicionário, no tempo da II Guerra Mundial... Uma fala espontânea, genuína, sincera, singela, ingénua, sem quaisquer preocupações com o politicamente correcto... Vídeo não editado. É uma conversa... a três: avô, filho e neto... Em fundo, surgem vozes femininas, chamando para o jantar: a neta, a nora...

Vídeo (8' 21''): © Luís Graça (2008). Direitos Reservados (Alojado no You Tube > Nhabijoes. )


Nunca entendi, em puto, o significado dessas fotos do teu álbum. Que fazias tu, que faziam aqueles homens numa terra distante, numa ilha careca, sem árvores nem bichos, aonde se chegava por mar, em grandes barcos que levavam magotes de gente ? Uma terra onde não chovia e a fome matava a pobre gente que lá vivia ou vegetava!... Foi mais tarde, ao ler a Hora di Bai, do Manuel Ferreira (1917-1992), expedicionário como tu (entre 1941 e 1947), que eu soube dessa tragédia imensa, a fome que assolou, nos anos 40, São Nicolau, São Vicente e outras ilhas do arquipélago.

Foto (à esquerda) > Legenda > No verso da foto:

"O Paquete Mouzinho. Oferecido pelo meu amigo José B. Lourenço no dia em que o fui visitar ao Hospital em São Vicente. 26 de Julho de 1942. Luís Henriques,(...) em S. Vicente, C. Verde".




Dá-me uma certa nostalgia, pai, quando revejo as tuas velhas fotos, de ti, expedicionário (que palavrão!), em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, durante a II Guerra Mundial (1941/43). É que elas também fazem parte do meu imaginário de criança.

O fascínio que tenho pelo mar e pelas ilhas vem também muito provavelmente deste contacto precoce com Cabo Verde, que de resto só conheço por imagens: minto, estive uma hora ou duas no avião da TAP Lisboa-Bissau, quando regressei de férias, da minha comissão militar na Guiné, em paragem técnica, no aeroporto do Sal... Julgo que nem sequer descemos do avião. A única imagem com que fiquei da ilha foi... a de um cabra a roer sacos de plástico junto do arame farpado do aeroposto!


Foto (à esquerda) > Legenda no verso da foto:" No dia 11 de Abril chegaram estes dois barcos hospitais italianos ao porto de S. Vicente para irem fazer troca de prisioneiros e doentes com os ingleses. 1942. Luís Henriques".



A minha geração, a da guerra colonial (1961-1974), a que viveu e lutou duramente em Angola, Moçambique e Guiné, tem tendência a ignorar ou a esquecer a geração anterior, a de seus pais, que, em nome da Pátria, também foi mobilizada para os mais diversos sítios dos nossos territórios ultramarinos. Os sacrifícios que eles fizeram foram enormes: não poucos morreram, por motivo de doença; e outros terão ficado com a saúde arruinada.

É certo que os soldados da tua geração, pai, não estiveram directamente em guerra (excepto em Timor, ocupada pelos japoneses), mas os expedicionários (como então se chamavam) sofreram o pesadelo da II Guerra Mundial. Sei muito pouco da história político-militar dessa época, mas em Cabo Verde chegou a temer-se a invasão dos alemães, dado o valor estratégico do arquipélago, à semelhança do arquipélago dos Açores, cobiçado pelos aliados. Quantas vezes me falavas disso, meu velho, dos espiões, alemães, italianos, ingleses..., que por lá havia.

Legenda da foto à esquerda: No verso da foto, lê-se:

"23/7/1941. Chegada ao 1º Batalhão Expedicionário do R.I. nº 5 a São Vicente, Cabo Verde. Na fotografia estou eu com alguns camaradas da minha companhia. No porto do Mindelo fomos entusiasticamente recebidos. Luís Henriques".








Reproduzo aqui um testemunho, publicado pelo Diário de Notícias, no âmbito da celebração do 60º aniversário do fim da II Guerra Mundial, da capitulação da Alemanha nazi, a 8 de Maio de 1945. Um dia em que tudo pareceu possível... , até no Portugal de Salazar.

Aproveito para inserir aqui mais algumas fotos, recuperadas e digitalizadas, do teu/nosso velho álbum, devidamente anotadas e datadas, com a tua bonita letra, pai, e às vezes a tinta verde (eu sei que eras tu quem escrevia as cartas para as namoradas dos teus camaradas que eram analfabetos, às vezes vinte e tal ou mais por semana).



Foto à esquerda > Legenda > Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo >

"O belo porto de mar de São Vicente; ao centro o ilhéu que se confunde com um barco. Outubro de 1941". Luís Henriques (ex-1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5, que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, no Lazareto, 1941/43).







"Viver em Cabo Verde à espera da invasão" . Diário de Notícias. 14 de Abril de 2005.

"Eles eram missionários, homens com uma missão de paz e não de guerra. O seu objectivo era defender Cabo Verde de uma possível invasão alemã durante a II Guerra Mundial." A história de um desses soldados, António Gavina, do corpo expedicionário do Regimento de Infantaria 11, de Setúbal, é contada pela sua filha, Vanda Gavina.

"O meu pai devia ter vinte e poucos anos quando foi para a ilha do Sal. Acabou por ficar lá durante quase quatro anos", recorda. Os pormenores da passagem do pai pelo arquipélago de Cabo Verde já começam a ser esquecidos, mas uma coisa ficará para sempre na sua memória "Eles não passavam fome, mas viviam em muitas dificuldades, com muitas restrições."


Foto (à esquerda) > Legenda no verso da foto:

"Posição das peças anti-áereas no Monte Socego, São Vicente, Cabo Verde. Fotografia oferecida pelo meu amigo Boaventura [,natural da Lourinhã,] em 21/3/43. Luís Henriques".



"Os anos da II Guerra Mundial foram anos de seca nas ilhas do Atlântico. A comida não abundava e os soldados alimentavam-se com aquilo que podiam. As recordações desse tempo deixaram marcas em António Gavina. "O meu pai nunca mais comeu percebes na vida. Tudo porque em Cabo Verde viu um dos habitantes locais morrer quando os tentava apanhar", referiu Vanda Gavina.

"Outro dos problemas que o regimento teve de enfrentar foram as doenças. "Lembro-me de o meu pai contar que houve muitos colegas que morreram devido a alguns surtos de doenças que afectaram os homens da companhia."

Cabo Verde > São Vicente > Legenda:

" As peças antiaéreas do Monte Sossego [monte sobranceiro a
João Ribeiro, pelas indicações que o meu pai me dá; também havia artilharia contra-costa]. Fotografia oferecido pelo meu amigo Boaventura em 21/7(?)/43 em Mindelo. S. Vicente. Luís H. ".



Segundo a informação que me deste em tempo, meu pai, esta peça, depois de montada, só ao fim de seis meses é que poderia ser usada... Em Janeiro de 1942, a ilha foi sobrevoada por um avião não identificado (possivelmente alemão) e esta anti-aérea ainda não estava montada. Houve alarme geral... O pelotão dele (o 1º da 3ª Companhia do Batalhão de Infantaria nº 5) foi destacado, por uns dias, para o Calhau...

Foto (à esquerda) > Legenda:






Cabo Verde > São Vicente > Mindelo > "O pôr do sol em São Vicente. O célebre Monte da Cara... E o lindo porto do mar que parece adormecido. Maio de 1963. São Vicente. Luís [Henriques] ".´



"Em 1939, pouco antes do início da II Guerra, Portugal autorizou o Governo de Benito Mussolini a construir um aeroporto na ilha do Sal, para servir de ligação com os países da América do Sul. Com o início do conflito, o projecto italiano, com casas prefabricadas, foi abandonado. Enquanto aguardavam a invasão alemã, que não chegou, os soldados portugueses ajudavam à criação de melhores condições de vida. "Eles ajudaram a construir habitações, não só para eles mas também para os cabo-verdianos", lembra Vanda Gavina.




Sodade de Son Vicente e do Mindelo

Embora não conhecendo as ilhas (como já disse, estive uma escassa hora ou duas no Sal, em paragem técnica do avião que me trouxe de férias, de Bissau a Lisboa, em 1970), prendem-me laços de afectividade a São Vicente e à cidade do Mindelo. Ou, no mínimo, memórias de infância.




Fo (à esquerda) > Legenda no verso da foto:

"O Palácio do Governador de Cabo Verde, situado em Mindelo, [Ilha de] São Vicente. Luís Henriques. 1 de Maio de 1942".


Lembras-te, meu velho ? Falavas-me (e ainda falas hoje, vd. vídeo acima) da ilha e da sua gente com ternura, saudade e compaixão. Felizmente está vivo. Tenho aqui vindo a reproduzir algumas das fotos do seu tempo, que possam ter algum valor documental, apesar da fraca qualidade da imagem (a digitalização foi feita sobre cópias em formato reduzido e em muito mau estado).


Mindelo, hoje a 2ª segunda cidade de Cabo Verde, é, além disso, a terra natal, entre muitos outros artistas, do (i) maior compositor de mornas de Cabo verde, de seu nome (artístico) B.Leza (injustamente esquecido, comemoru-se e a 3 de Dezembro de 2005, o seu 1º centenário de nascimento), além da (ii) grande Cesária Évora.


Foto (à esquerda) > Legenda no verso da foto (a tinta verde, já quase ilegível):´

"Dançando o batuque (sic) na Ribeira de São João, no dia de São João , no interior (?) de São Vicente. Luís Henriques. 24/6/1943".

A festa de São João Baptista Baptista era então (e continua a ser) uma das festividades maiores das Ilhas e da comunidade cabo-verdiana da diáspora.

Amílcar Cabral, embora nascido em Bafatá (1924), de pais caboverdeanos, regressou à terra dos seus antepassados em 1932, e completou no Mindelo o Curso Liceal, em 1943. Era quatro anos mais novo do que tu, meu pai. A guerra de libertação da Guiné terá começado a germinar, enquanto ideia, no Liceu do Mindelo. Não sei, é uma mera hipótese a ser explorada pelos biógrafos de Amílcar Cabral e demais historiadores da guerra colonial. Agora é possível até que se tenha cruzado no Mindelo.

Os mortos e os esquecidos do Império


Cabo Verde > São Vicente > Legenda:

"Hábito de São Vicente. Pisando o milho num almofariz para depois fazerem a cachupa. São Vicente. Maio de 1943 (?). Luís Henriques"




Foram anos muito difíceis para o povo caboverdiano e, em especial, para os mindelenses. Mas também não foram fáceis para os expedicionários portugueses cuja missão, na ilha de São Vicente, era defendê-la de um eventual ataque quer das potências do Eixo (em particular a Alemanha) quer dos Aliados (e em especial a Inglaterra).

As dificuldades eram muitas para o pessoal expedicionário. A alimentação era má e pouco ou nada variada: "Massa com feijão ao almoço; feijão com massa ao jantar". A morbimortalidae elevada (tuberculose, febres intestinais, doenças venéreas...), fazendo jus à frase que ele memorizou e que estava na parede do fotógrafo no Mindelo: "Ouro, seda, vaidade, podridão / No cemitério, igualdade / Mas debaixo do chão"...

A tropa, em S. Vicente, não teria muito que fazer, paa além de uns exercícios de manutenção de homens e material. Uma das actividades favorias dos militares portugueses era a praia e o mergulho.



Foto (à esquerda) > Legenda:

"Tubarão das águas de S. Vicente, apanhado em Junho de 1942. Luis Henriques".


O meu pai, nascido à beira-mar, filho, neto e bisneto de gente ligada ao mar, adorava nadar e fazer mergulho, mas tinha medo dos tubarões... Há várias fotos de tubarões apanhados ao largo da ilha. Todavia, os ataques a seres humanos não seria muito frequente, embora ele ainda hoje me conte estórias de tubarões que arrancaram pernas e deixaram marcas de dentes no corpo de alguns incautos...

Muitos soldados portugueses morreram lá, de tuberculose, de doença, de desnutrição, de solidão, de saudade. Os seus restos mortais ficaram, para sempre, longe de casa, da terra natal, da Pátria.

São os mortos e os esquecidos do Império. Uma saga que durou cinco séculos, e que atravessou a minha própria família do lado paterno: a minha bisavó Maria Augusta Maçarica, nascida em Ribamar em 1864, descendia justamente dos pobres diabos arrebanhados, à força, para os porões das caravelas e nas naus. Embarcados como pau para toda a obra, daí a alcunha (Maçaricos) e, possivelmente mais tarde, o apelido de família (Maçarico).


Foto (à esquerda) > Legenda > "Junto às cozinhas. Pessoal rancheiro. Dia de vinho, dia de alegria. Depois de um jantar à portugesa. Lazareto. Abril 43. Luís Henriques [na foto, é o primeiro, do lado esquerdo]. 3/5/43" .


O meu pai era o 1º Cabo nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5. Ele escrevia muito bem e rápido. Diz que a amizade com os rancheiros era muito importante: os pequenos favores (como o escrever as cartas para as namoradas, madrinhas de guerra, familiares e amigos) eram pagos, pelo pessoal do rancho, com mais um copo ou naco de carne...



O mar marcou-os, aos Maçariços, de tal maneira que nunca conseguiram viver longe dele: foram (e continuam a ser) gente ribeirinha, concentrados maioritariamente em Ribamar da Lourinhã, mas também com um possível núcleo em Mira, sendo marinheiros, aventureiros, mercadores, pescadores, calafates, construtores de barcos, mestres de traineiras, pescadores de lagosta, pescadores do alto, cabos de mar, peixeiros, negociantes de peixe, donos de restaurantes, tascas e hotéis à beira mar, perdidos e achados nas setes partidas do mundo, junto aos cais...


Legenda no verso da foto:

Justa homenagem àqueles que dormem o sono eterno na terra fria. Companheiros de expedição os quais Deus chamou ao Juízo Final. Pessoal da A[nti] Aérea depois das cerimónias desfila fazendo continência às sepulturas dos companheiros. Oferecido pelo meu amigo Boaventura no dia 17-8-1943, dia em que fiquei livre da junta (hospitalar). Luís Henriques".


Meu pai: serve também esta evocação nostálgicas dos teus e dos meus antepassados, para dizer que a geração do teu filho foi a coveira do Império. Não sei se entendes (e aceitas) a expressão. Mas também não faz mal. 500 anos depois, fomos nós que liquidámos o Império. Objectivamente falando. E logo na Guiné. Foi na Guiné que enterrámos os últimos mortos e os últimos esquecidos do Império. Que derrubámos o último padrão das quinas e arreámos a última bandeira verde-rubra. Não é sem um arrepio que escrevo isto...

Mas hoje apeteceu-me invocar aqui os meus antepassados, a nossa gente, e mais concretamente o meu pai, meu velho, meu camarada. Tal como o David Guimarães que há tempos teve a ternura de chamar aqui, à colação, o seu velho pai, herói da 1ª Grande Guerra...

Espero que os meus amigos e camaradas ga Guiné não achem abusivo o 'tempo de antena' que me permiti usar... É, um pouco, para compensar, embora tardiamente, as coisas que na altura, quando estive na Guiné (1969/71) não lhe disse, por não poder ou não querer dizer-lhas...

Um Alfa Bravo, meu pai, pelo exemplo e valores que me deste. Teu, Luís Manel.


Versos ditos pelos bisnetos à avó velhinha Maria da Graça (n. 1922) no dia 6 de Agosto de 2008. Casou com o Luís Henriques, em 2 de Fevereiro de 1946 (foto à esquerda). Ainda em Cabo Verde, por volta de meados de 1943, ele tinha-lhe mandado a seguinte quadra (sempre teve jeito para o improviso e a rima):

Maria, minha cachopa,
Não me sais do pensamento,
Tão logo saia da tropa,
Trataremos do casamento.


No dia dos anos da Maria da Graça, quisemos glosar o célebre verso e mandámos-lhe mais uns tantos...

Felizmente que ainda hoje estão os dois vivos e formem um belo par no Lar e Centro de Dia de Nossa Senhora da Guia, Atalaia, Lourinhã




Minha mãe, minha avozinha,
Tens a graça até no nome,
Não é por seres mais velhinha
Que de amor passarás fome.

Brilhas como uma estrela,
No teu quarto, lá no lar,
Tens uma linda janela,
Com vista de céu e mar.

De toda a gente é querida,
A nossa avó Maria,
Deus te dê uma longa vida
No lar Senhora da Guia.

Maria, minha cachopa…
- Dizia o avô, babado,
Afinal saiu de tropa,
E não ficou logo casado.

Tiveram que esperar,
A Maria e o Luís,
Antes de poder casar
E ser um casal feliz.

É uma bela união
Que deu netos e bisnetos,
Não falhando o coração,
Chegará aos tetranetos.

Tive um sonho visionário
(Que a vida não é só enganos):
Ver o avô milionário,
E a avó chegar aos cem anos.

Parabéns, querida avó,
Por mais este aniversário;
Votos tenho um, um só,
Estar contigo no centenário.


Texto e fotos: © Luís Graça (2009). Direitos reservados

______________

Nota de L.G.:

(*) Vd. postes

12 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIV: Cabo Verde (1941/43) (1): os mortos e os esquecidos do império (Luís Graça)

26 de Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVI: Cabo Verde (1941/1943) (2): esperando os invasores (Luís Graça)

22 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLIV: Cabo Verde (1941/43) (3): sodade di Son Vicente (Luís Graça)

4 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXXV: Cabo Verde (1941/43) (4): Mindelo, terra de B.Leza e de Cesária Évora (Luís Graça)

Guiné 63/74 - P4058: Memória dos lugares (20): Hospital Militar 241 de Bissau (António Paiva)

Guiné > Bissau > O edifício do Hospital Militar, o HM 241


1. Mensagem de António Paiva(*), ex-Soldado Condutor no HM 241 de Bissau, 1968/70, com data de 17 de Março de 2009:

Caro Luís, Carlos e Virginio

Acordei tarde, será que acordei?
Cheguei até aqui, por vales e montes, becos e travessas, curvas e contracurvas, talvez pelas circunstâncias da vida, perdi o interesse pela evolução dos tempos e das novas tecnologias.
Não acompanhei o meio mais sofisticado da informação - INTERNET - Onde de se encontra tudo - O passado, o presente e se pode deixar para o futuro.

Adquiri o mínimo dos conhecimentos, consegui descobrir o vosso/nosso blogue e, fazendo a minha apresentação, fui aceite. Passei a fazer parte desta grande família.
Sendo assim, tendo dúvidas, devo perguntar para que me dêem a certeza.
Tendo a certeza, penso já estar seguro para não ter dúvidas.

Ao deparar com o Poste 4029 – As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas, li tudo com a devida atenção e passei aos vídeos que iria ver com o maior interesse, como sabem, iria ver coisas que lá nunca vi. Quando cheguei ao 5/6, por 4 segundos, pode reviver as alegrias e tristezas que ali passei, e bem lá no fundo ver com satisfação, igualzinho, aquilo que lá deixei.

2 Heliportos

Cheguei ao HM241 em Junho de 1968 e saí de lá em Junho de 1970, durante o tempo que lá estive só e sempre conheci dois locais com H para aterragem de helicópteros, um em frente do hospital onde havia espaço suficiente para dois, como algumas vezes aconteceu, e outro em frente à casa mortuária, ambos asfaltados.

Quando em Outubro passo a ter Internet, procuro encontrar HM241, fico surpreso e de boca aberta.
Surge-me o poste 1738 de 7 de Maio de 2007 com uma fotografia completamente estranha para mim e fora dos meus horizontes, com a seguinte legenda:

Guiné > Bissau > Hospital Militar 241> 1972> o Heliporto


Reparo também no poste 1578 de 10 de Março de 2007, com a mesma fotografia, mas de outro ângulo, com a seguinte legenda:

Guiné > Bissau > HM241 > 1972 > O tristemente famoso Heliporto

Fotos: © Carlos Américo Rosa Cardoso (2007). Direitos reservados

Penso que tais fotos, me transtornaram naquele momento o cérebro, não podia acreditar, quando de lá saí não era aquilo, de 1970 a 1972, seria possível tal destruição?

Tentei encontrar fotografia aérea da área do Hospital, não me foi possível.

Sorri anteontem dia l5, o helicóptero que no dia 6 de Abril de 1973 fez a evacuação do Zé de Guidaje acompanhado pela enfermeira pára-quedista Giselda Antunes, mostrou-me que o mesmo H estava lá, tudo como dantes, para receber em segurança quem dele necessitava.

Um abraço a todos
António Paiva
__________

(*) Vd. poste de 20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3917: Histórias de um condutor do HM 241 (António Paiva) (3): Não cobiçar a mulher do próximo

Vd. último poste da série de 13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4023: Memória dos lugares (19): Porto Gole, 1966, muito antes das tristes valas comuns... (Henrique Matos)

Guiné 63/74 - P4057: Convívios (103): Pessoal da CCAV 2748, dia 30 de Maio de 2009 em Benavente (Francisco Palma)

1. Mensagem de Francisco Palma com data de 18 de Março de 2009:

Estimados Luís Graça e Carlos Vinhal
Mais um ano se passou e já as saudades nos levam a aprontar mais um programa de Convívio para reunirmos com os sempre camaradas amigos da nossa Companhia de Cavalaria 2748, Canquelifá, Guiné 1970/1972.

Para além de antecipadamente agradecer a vossa sempre útil divulgaçao do respectivo programa, que junto anexo, no nosso blog.

Francisco A. Palma
Rua Sta. Rita, 239 - Piso 0 - Dt.º
S. João do Estoril 2765-281 ESTORIL
TELF: +351 919 457 954


ALMOÇO CONVIVIO 2009 dia 30 MAIO 2009

Meus caros camaradas e amigos da CCAV 2748

Vimos com esta Convidar a todos para o Convívio 2009 da Companhia de Cavalaria 2748

11.30 Concentração no estacionamento frente ao Restaurante


ALMOÇO PELAS 13.00 HORAS

RESTAURANTE “O MIRADOURO” Rua Vasco da Gama (Ex. Estrada do Miradouro) nº5 BENAVENTE

EMENTA:

APERITIVOS: Martini, Porto, Vinho Branco/Tinto, Moscatel, Cerveja e refrigerantes

Frutos Secos

ENTRADAS. Pão, Manteiga e Azeitonas * Croquetes, Rissóis, Pasteis de Bacalhau, Queijo e Presunto

QUENTES Sopa de Peixe, Bacalhau c/Espinafres, Carne Porco C/Gambas

SOBREMESA: Salada de Frutas,

Bolo Comemorativo e Espumante

Vinhos Branco e Tinto, Refrigerantes, Cerveja, Aguas,

Café, e Digestivo

PREÇO POR PESSOA - 21,00 Euros, Crianças 4 aos 10 = 50%

Os interessados devem enviar a reserva por carta ou para e-mail fapalma@vodafone.pt

PAGAMENTO POR MULTIBANCO
NIB 003300004531255507205 ou

TRANSFERENCIA BANCARIA,
PARA A SEGUINTE CONTA MILLENNIUM bcp Nº: 45312555072
Agência de S. João do Estoril

TITULAR: Francisco Augusto Palma

NÃO FALTES

NOTA:

Camaradas e amigos,

A organização deliberou que os Convívios da CCAV 2748 passem a realizar-se em data fixa, sempre no último sábado de Maio. Este será o nosso dia de festa, independentemente do local.

Esta iniciativa visa:

1º - Que camaradas possam participar noutros convívios, sabendo que o nosso é nesta data;

2º - Tendo o nosso Capitão feito várias comissões, terá assim a possibilidade de melhor controlar a sua agenda e planear a participação nos convívios para que for convidado;

3º- Que camaradas possam planear férias e outros afazeres evitando interferir com esta data.

Só haverá excepção quando haja convívios a nível de Batalhão como o próximo que em princípio será em 2010, em Estremoz. E no caso de coincidir escolheremos outra data

Por último, queremos que toda a CCAV 2748 esteja em peso neste Almoço, para apoiar o “nosso Capitão”, dado que se encontra com problemas graves de saúde. Por isso - NÂO FALTES!

Os organizadores

Francisco Palma Tlm 919457954
Firmino Moreira Tlm 968576949

Obs: - Existe Palco na Sala, onde certamente alguns dos nossos “Artistas” caso queiram se poderão exibir, desde que venham equipados


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 19 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4055: Convívios (101): 26.º Encontro do pessoal do BENG 447, dia 25 de Abril de 2009 no Cartaxo (Lima Ferreira)

quinta-feira, 19 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4056: Da Suécia com saudade (10) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (10): Um certo CMDT de Batalhão nas margens do Cacheu

Câmara de Estocolmo, vista do lago


1. Mensagem de José Belo, ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Reformado, com data de 17 de Março de 2009:

Era Comandante de um Batalhão nas margens do Cacheu.

Por milhares de ridículas razões, e muitas perpotências, não usufruía, realmente, da estima dos subordinados.

Em certa noite, não fora a intervenção "divina" do Capelão teria vindo a tropeçar em armadilha com granada de mão, montada por descontentes, no itinerário entre a messe de oficiais e o seu quarto. Safou-se dessa, não fosse o português o povo dos tais brandos costumes. Mas, em escura noite em que o inimigo resolvera flagelar com armas pesadas a sede do Batalhão, ao deslocar-se em busca de abrigo por entre viaturas parqueadas, foi atingido por violenta paulada que lhe partiu a cabeça.

Ferimento por certo doloroso (ao autor não lhe faltaria vontade!), mas não grave. No entanto, mal o ataque terminou, exigiu o envio de mensagem prioritária para Bissau pedindo a sua imediata evacuação por ferimento grave. O nosso Coronel, depois de aterragem do avião em pista dramaticamente iluminada pelos faróis de viaturas, foi evacuado para o hospital de Bissau.

Aí, ao verificarem que a ferida de guerra se tratava com panos quentes e pouco mais, parece que não tiveram... sentido de humor! O nosso Coronel regressou ao Batalhão, mas a ocorrência foi participada ao Comando Chefe.

Do ComChefe foi enviada mensagem que, em linguagem clara de Cavalaria era "menos compreensiva" quanto ao ferimento do sr. Coronel. E, terminava em irónico P.S: - Sugere-se ao Sr. Comandante do Batalhão o uso do capacete regulamentar nas deslocações no INTERIOR do aquartelamento.

Seria o mesmo nosso Coronel, o tal das escovas de dentes para os porcos à carga do Batalhão? A rapaziada contava que existiam soldados faxinas encarregados da lavagem diária das dentaduras suínas a bem da higiene, e por certo dentro do espírito da campanha... por uma Guiné melhor!

Estava-se então em fins dos anos sessenta.

Estocolmo 17/3/09
José Belo.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 5 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3985: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (9): Por que não fui desertor

Guiné 63/74 - P4055: Convívios (102): 26.º Encontro do pessoal do BENG 447, dia 25 de Abril de 2009 no Cartaxo (Lima Ferreira)

1. Mensagem de Lima Ferreira, ex-Fur Mil do BENG 447, com data de 18 de Março de 2009:

Amigo Carlos Vinhal

Espero que estejas de saúde. Segue programa do n/almoço.

Um abração
Lima Ferreira


26.º Encontro Nacional dos Ex-Oficiais, Sargentos e Praças

BENG 447 - Brá - Guiné


É com o maior prazer que vimos convidar V.Ex.ª e Exma. família a participar num Almoço de Confraternização a realizar no dia 25 de Abril de 2009 com o seguinte

PROGRAMA

08h00 - Porto - Partida na Rua Firmeza, 588
11h00 - Lisboa - Partida da Praça Dr. Francisco Sá Carneiro, 12-A

Viagem em modernos Autopullmans para o Cartaxo.

13h00 - Concentração no Restaurante "QUINTA DO SARAIVA" no Cartaxo, seguida de almoço de Confraternização com a seguinte

EMENTA

ENTRADAS - Rissóis, Croquetes, Pastéis de Bacalhau, Azeitonas, Pão de Milho, Pão de Trigo, Grelhados de Enchidos, Vinho Branco e Tinto, Sumos, Águas, Cerveja, Martini e Gin.

SOPA - Camponesa

PEIXE - Bacalhau assado no forno com batatas e salada

CARNE - Perna de Porco assado com ananás

BEBIDAS - Vinho Branco e Tinto da Região, Águas Minerais, Cerveja e Refrigerantes

SOBREMESA - Salada de Frutas e Gelado da "Quinta"

Café e Digestivo (Bagaço)

17h30 - LANCHE - Caldo verde, Arroz de Pato, Fêveras grelhadas, Entremeada, Sortido de Bolos e Bebidas.

ANIMAÇÃO - Conjunto Musical

A instalação sonora estará à disposição de quem quiser relembrar os BONS VELHOS TEMPOS

19h00 - Despedida. Viagem de regresso ao Porto e Lisboa. Chegada prevista para as 23h00 e 21h00 respectivamente

PREÇOS POR PESSOA

Só Almoço - 30 Euros
Viagem e Almoço (Porto) - 50 Euros
Viagem e Almoço (Lisboa) - 45 Euros

As crianças até 4 anos de idade NÃO pagam. Dos 5 aos 9 pagam 50%

Pela Comissão Organizadora
Francisco Gonçalves Araújo
Ex-Fur Mil
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4030: Convívios (100): III Encontro dos ex-combatentes da Guiné do Concelho de Matosinhos, dia 7 de Março de 2008 (Carlos Vinhal)

Guiné 63/74 - P4054: História da CCAÇ 2679 (15): Nova estadia em Canquelifá (José Manuel Dinis)

1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil (CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 17 de Março de 2009:

Senhores editores, Camaradas da Tabanca
Façam o favor de me aturar mais um bocadinho, que isto não aquenta nem arrefenta. A estória das abelhinhas era para ser integrada nesta ocasião e pode, por isso, ser cotejada com outros episódios de guerra.

Abraços fraternos do JD


Nova estadia em Canquelifá

Por decisão das forças vivas em Piche, os dois majores, CMDT do BArt e CMDT de Operações, o Foxtrot alinhou para nova estadia nas termas de Canquelifá, lugar quente e de águas salobras, muito apreciado do pessoal, com a missão de prestar auxílio na actividade operacional.

Ao contrário de Buruntuma, as idas para Canquelifá tornavam-se agradáveis, na medida em que se partilhavam tarefas com os Pelotões locais e isso significava um abrandamento da actividade, enquanto naquela localidade, a existência de um posto da Pide, com inerentes responsabilidades para justificar a função, obrigava ao incremento de saídas para o mato, prevenções, intercepções e emboscadas, que nunca deram resultado, mais parecendo objecto de jogos imaginários a que os peões conferiam a ideia da autêntica operacionalidade do IN.

Lá seguimos para o destino, sempre por prazo indeterminado.
À chegada ao aquartelamento aconteceram as usuais manifestações de simpatia por parte daquele pessoal e instalei-me no mesmo abrigo particular, que partilhei com um furriel local durante a primeira estadia.
Informaram-me que as coisas não corriam bem, que não havia géneros básicos, como o arroz, a massa e a batata, que racionavam cebolas, óleo, azeite e vinho, ao que parecia, em resultado do afundamento de um batelão no Geba. A essa dificuldade, juntava-se a relutância dos nativos para a venda de vacas, problema que fora superiormente solucionado, com a decisão de, pela madrugada, dar um tirinho certeiro numa vaca que se aproximasse do arame. E elas aproximavam-se.
Assim, com a natural determinação para o tirinho e a pontaria regulada pelas necessidades estomacais, até se estabalaceu uma jogatana correlativa, de apostar no abrigo brindado com a visita da ruminante. Sim, porque a partir de certa hora, só valia atirar sobre uma vaca.

De manhã seguia-se a reclamação do proprietário, a quem, mais uma vez, era referida a sua própria responsabilidade na manutenção do gado longe do arame, já que a aproximação dos animais podia encobrir um assalto do IN. Perante o quadro, o proprietário propunha a venda, como forma de evitar o prejuízo, mas a tropa manifestava desinteresse na aquisição do animal jazente, com a carne a estragar-se fora do frigorifico, até fazermos o grande favor de o comprar por metade do preço. Foi a política adoptada até à regularização das trocas comerciais.

O pior, porém, estava para acontecer, porque esgotados alguns géneros, o arroz, a massa e a batata, comíamos carne guisada com pão e a farinha ameaçava acabar.
Ao terceiro dia da minha estadia, do céu chegou o novo capitão que preenchia a vaga de vários meses. Foi à messe fazer a apresentação aos graduados. Não era propriamente comigo, mas tive um baque. O tipo, que era do quadro, fora o meu instrutor de tiro e usava uma linguagem brejeira e ofensiva. Não me reconheceu, mas impôs que na messe me apresentasse convenientemente vestido e barbeado. Mais tarde fiquei com a impressão de ser melhor Comandante de Companhia do que comandante de instrução.

Aeroporto Internacional das Termas de Canquelifá. Distinguem-se, da esquerda para a direita: Morais, Dinis, Gonçalves (Corvo) e Azevedo, a furrielada dos 1.º e 2.º Pelotões.

As abelhas

Num desses dias, coube ao Foxtrot acompanhar um Pelotão local numa extensa patrulha a sudeste de Canquelifá. Estávamos no fim da época sêca, o calor era imenso, a transpiração permanente, por isso a maioria levava dois cantis, já que os cursos de água apenas apresentavam poças estagnadas.

Partimos numa direcção perto da fronteira leste, com a Guiné-Conakri, enviezámos para o rio Caium (?) mais interior e depois flectimos para norte, de regresso. Não posso dizer que estivesse a ser devastadora, mas as sucessivas horas de missão, levaram-nos ao consumo dos alimentos carregados. Algures no mato encontrámos dois nativos que levavam favos de mel. Tamanha descoberta deixou-nos em grande excitação, já que a gulozeima passou a desejo colectivo, para comer logo ali. Conversou-se com os nativos, negociaram-se promessas de pagamento e a verdade é que quem quiz, teve oportunidade de enriquecer a dieta com o inesperado mel. Até vi alguém com um pedaço relevante de favo.

O resultado deste encontro foi a coisa mais inglória por que já passei. As mãos e os beiços ficaram rigorosamente peganhentos e a pouca água para as lavagens não produzia efeito, portanto, menos água e mais incómodo. Mas seria pior. Volvido pouco tempo de saborearmos o mel, aconteceu a tremenda reacção de sede e o mau estar da progressão acentuou-se quando esgotámos a água nos cantis. O mato sêco por onde caminhávamos não dava qualquer solução alternativa. O calor parecia aumentar.
A solução era andar dali para fora e depressa, chegar ao aquartelamento, à água e ao sabão salvadores. Nestas cogitações de sofrimento geral passámos, casuisticamente, por uma espécie de cortiço de abelhas que voavam num zum-zum, sem nos ligar importância, até que, alguém com espírito vingativo lhes atirou um pau. Nessa ocasião, as abelhinhas interessaram-se mesmo por nós. E com tanta dedicação que, como uma esquadra organizada, perseguiram e ferraram os mais infortunados na fuga. Qual fuga! Aquilo foi uma debandada, cada um em busca da salvação, já que a instrução militar não contemplava ensinamentos sobre este IN. A mim, a salvação chegou de baixo de uma manta, quando um Foxtrot deitado no solo e tapado por um cobertor me chamou, que havia lugar para outro. Eram muitas as abelhas, determinadas e aguerridas, que em formações massivas varriam a zona demarcando a autoridade no território. Qual tropa! Qual guerra! Ali mandavam as abelhas.

No fim das hostilidades uma boa parte do pessoal podia exibir as mazslas, alguns com inchaços que lhes conferiam ares carnavalescos, máscaras de disformidade acompanhadas de dor, sede e ansiedade. Não houve baixas, mas as sequelas deram para alguns dias.

Visita do IN às Dingas

A região de Canquelifá era pouco populosa, talvez pela aridez local. A mancarra, o caju e a pastoricia seriam as principais actividades esconómicas, mas com pouca expressão. Algumas aldeias dispersas já tinham sido abandonadas e não passavam de pontos de localização. Outras persistiam, como as Dingas, sem ligação especial às autoridades portuguesas. Ainda assim o agrupamento das Dingas foi saqueado, incendiado e abandonado pela população que rumou ao Senegal, em resultado de uma inopinada acção do IN. Durante a noite, o bréu foi rasgado pela luz emanada das chamas.

Quando ali chegàmos, com uns poucos milicias e populares, nada restava para além dos escombros em brasa que libertavam o fumo e os odores do fogo.
Pela proximidade fomos a Copá. A picada rija não apresentava dificuldades, para além de um pequeno desnível do piso tortuoso, a pedir compensações às suspensões, mas tivémos muita sorte, pois não a picámos, nem o IN se lembrou de a minar.
Da troca de informações não se inferia qualquer indicio de actividade especial por parte do IN, nem se descortinavam novas estratégias para a região.
As noites seguintes, porém, vieram a revelar novas incursões com o mesmo objectivo de despovoar a área. E assim, voltei a acordar durante a noite estrelada, não para me deslumbrar com a imensidão de astros luminosos e as fantásticas correrias das estrela cadentes, mas para observar o clarão luminoso das chamas que devoravam outra aldeia.

Passados cinco dias o Foxtrot regressou a Piche.
Marquei férias para Junho.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 3 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3971: História da CCAÇ 2679 (14): Operação Equino Salto, 28 de Maio de 1970 (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P4053: Blogoterapia (98): José Silva, um camarada com muita falta de sorte

1. Mensagem de um nosso camarada que não se assina, mas que julgamos tratar-se de José Silva, com data de 17 de Março de 2009:

Como todos vós fui mobilizado para a Guiné, 1971/73 - Aldeia Formosa, onde cumpri a minha comissão, mau grado os infortúnios que podiam advir no teatro de guerra. Poderei afirmar com toda a veemência que a corrente do destino, se é que há destino, se caudicou ao escolher uma vítima, que já o era antes de ter sido.

Após a recruta e encaminhado para a Especialidade de Transmissões de Infantaria (BCC5) Batalhão de Caçadores 5 em Campolide - Lisboa: foi já no IAO, com duas semanas de campo, se a memória não me falha, que fui acometido de doença súbita, no (Inverno do meu descontentemento), perdoem-me o plágio, que a meningite surge nua e crua, a um jovem militar envaidecido com a sua Especialidade e nas espectativas que na época se empolavam.

Transferido para o (HMDIC), em estado muito grave, foi através de algumas vontades altruístas que fui atendido por uma equipa médica, a quem muito devo e quem dera hoje em dia poder abraçá-los, pelo trabalho que tiveram para me curarem de tal maleita, como se dizia em meias idades e há uns séculos atrás. Pensei na altura e já a caminho de casa para uns dias de recuperação, que talvez essa grave doença inibice qualquer hipótese de mobilização, mas como já referi tal não aconteceu.

Ao afirmar dupla vitimização, incluo como é óbvio a ida para a Guiné, a poucos quilómetros de Conácri e num aquartelamento, que como Comando de Agrupamemto, era um alvo apetecível para o PAIGC, com sequentes ataques ao aquartelamento, que se dividiam ora com mísseis terra-ar e canhoadas ou com grupos suicídas, que se encostavam ao arame farpado com a costureirinha e roquetada prá frente, e isto meus amigos foi um caso muito sério, pois às vezes estávamos debaixo de fogo uma e hora e meia.

Hoje em dia, ataques de pânico depressão crónica e enfisema pulmonar: alguém é servido? Perdoem-me ser mordaz, mas a revolta continua.

Sei que em alguns hospitais há a consulta de Stress Pós-Traumático, mas também sei que a maioria nem um tiro deu e, sem vergonha apresentam-se como vítimas da guerra, tendo estado em locais onde as grandes farras e caçadas erm prato do dia. Espero que alguém ponha fim à farsa e que aos hospitais sejam exigidas políticas de atendimento, de forma a evitar os trapaçeiros. Aqui no Porto não há essa política de verdade, não por culpa dos hospitais, mas por políticas descabidas. Era bem preciso que se pusesse fim ao trapaceirismo que já existe por quem diz ter traumas, com o fito de obter relatórios favoráveis para as juntas médicas.

2. Comentário de CV

Aqui fica o desabafo deste nosso camarada que sofre na pele as mazelas deixadas pela sua estada na Guiné. Sabemos que há pessoas que se aproveitam das possibilidades dadas aos verdadeiros doentes para obterem de forma fraudulenta benesses a que não têm direito. Cabe às autoridades e aos técnicos de saúde separar o trio do joio.

Os que são mesmo doentes devem dirigir-se ao hospital mais próximo, Liga dos Combatentes ou Associação dos Deficientes das Forças Armadas e apresentar o seu problema, fazendo menção à qualidade de ex-combatentes da Guerra Colonial.

Olhando pela sua saúde e procurando ajuda, contribuem para o bem-estar do agregado familiar em que estão inseridos.

A todos os camaradas na situação deste nosso companheiro, José Silva (?), os nossos desejos de rápidas melhoras.
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Vd. último poste da série de 14 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4032: Blogoterapia (97): Pois.. Juvenal Amado, Assim não falamos na primeira pessoa (José Brás)

Guiné 63/74 - P4052: Por que é que, no auge da Op Tridente, não se decapitou o PAIGC em Cassacá, em Fevereiro de 1964 ? (José Colaço)

1. Comentário de José Colaço (*) ao poste de 18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4047: Resumo das actividades do Pel Mort 912 (OUT63/OUT65) (Fotos) (Santos Oliveira)

Cachil, Como ou Komo, e como eu conheci aquela estância [turística], seu residente entre 23/01/64 e 27/11/64. Onde a ementa nos primeiros 55 dias foi, todos os dias, ração de combate - carne de vaca à jardineira ou feijão branco com chouriço -, para não falar da água que nos primeiros dois dias foi racionada (0,5 litro por dia), as noites mais longas que passei, cerca de 90, a dormir; não a passar sem mosquiteiro, os mosquitos de noite atacavam em força, repelentes não havia, o único meio de protecção que tinha algum efeito era o pano da tenda de campanha, porque cobertores, roupa, aquele ferrão longo e pontiagudo furava tudo até encontrar o pêlo do militar.

As fotos são-me familiares.

Acabo de ver na RTP1 o programa do Joaquim Furtado, A Guerra [, 2ª Série, 11 episódios, às 4ªs feiras]. O congresso do PAIGC realizado em Cassacá, Ilha do Como, 27 de Abril de 1964.

Interrogo-me, depois da Operação Tridente, com tantos meios envolvidos, segundo se consta ter sido a maior operação realizada na guerra do ultramar e com um final feliz para as nossas tropas.

Depois do falhado golpe a Cassacá no início de Abril, nunca mais o comandante chefe general Arnaldo Schultz e o seu ajudante de campo brigadeiro Fernando Louro terem, ao que parece, esquecido completamente toda aquela zona , desde Cassacá, Cauane e Caiar. Chegando ao ponto a partir de certa altura, o comandante da Companhia de Caçadores 557 sediada no subsector do Cachil receber ordens do comando de sector Catió, de BCAÇ 619, para parar com as explorações à mata do Cachil. (***)

Termino, que isto dava era um poste muito extenso e não um comentário.

Um alfa bravo.
Colaço

PS - Uma questão, estes inimigos [mosquitinhos] não terão também culpas no cartório com a sua contribuição na morte de ex-combatentes, embora a longo prazo?
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Notas de L.G.:

(*) (*) José Colaço, ex-Sold de Trms, CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65

Vd. postes de:

2 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2912: Tabanca Grande (73): José Botelho Colaço, ex-Soldado de Trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)

20 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2970: Ilha do Como, Cachil, Cassacá, 1964: O pós-Operação Tridente (José Colaço)

9 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3287: Controvérsias (2): Repor a realidade vivida, CCAÇ 557, Cachil, Como, Janeiro-Novembro de 1964 (José Colaço)

19 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3334 O meu baptismo de fogo (14): Cachil, Ilha do Como, meia-noite, 25 ou 26 de Janeiro de 1964 (José Colaço)


(**) (2) SSobre a Op Tridente (ou Batalha do Como), vd. postes de:

28 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2892: A verdade e a ficção (2): Ilha do Como, Op Tridente: Queres vender a tua água ? Dou-te 100, dou-te 200 pesos (Anónimo)

27 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2889: A verdade e a ficção (1): Op Tridente, Ilha do Como, Jan / Mar 1964 (Mário Dias)

23 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2874: Um dia na Ilha do Como: Operação Tridente, Fevereiro de 1964 (Valentim Oliveira, CCAV 489/BCAV 490)

15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)

15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2352: Ilha do Como: os bravos de um Pelotão de Morteiros, o 912, que nunca existiu... (Santos Oliveira)

23 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2375: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (8): A Batalha do Como (Mário Dias / Santos Oliveira)

17 de Novembro 2005 > Guiné 63/74 - CCXXVI: Antologia (25): Depoimento sobre a batalha da Ilha do Como

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2435: PAIGC - Quem foi quem (6): Pansau Na Isna, herói do Como (Luís Graça)

1 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1907: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (2): A libertação da Ilha do Como (A. Marques Lopes / António Pimentel)

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)

16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias

17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964)

15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)

Vd. ainda os vídeos e documentários da RTP, sobre a Operação mais mediática da guerra da Guiné, no sítio Guerra Colonial (1961-1974) > Multimédia > Operações > Operação
Tridente


(***) Sobre a importância do Congresso de Cassacá, o I Congresso do PAIGC, realizado de 13 a 17 de Fevereiro de 1964, a 15 Km da Ilha do Como, no auge da Batalha do Como (designação usada pelos guerrilheiros) ou da Op Tridente (nome de código dada à operação pelas NT), dv. documentário (em francês), dsiponível em Guerra Colonial (1963-1974) > Multimédia > Vídeos e documentários da RTP > PAIGC - Documentário francês

(...) "O presente documentário trata, de uma forma muito eficaz, toda a estratégia de luta do PAIGC a partir de 1964. Com efeito, tendo como base as declarações de Amílcar Cabral em três blocos, o documentário sublinha e enfatiza com imagens, as grandes linhas de força saídas do Congresso de Cassacá (na proximidade da Ilha de Como e da fronteira com a Guiné-Conacri) realizado em Fevereiro de 1964.

"Este Congresso foi a primeira grande reunião do PAIGC com a presença da quase totalidade dos quadros responsáveis. A grande importância das decisões ali tomadas teve a ver, especialmente, com:

"- a necessidade de definir muito claramente a subordinação da estrutura militar ao poder politico; Amílcar Cabral fez sempre declarações em diferentes ocasiões afirmando explicitamente que o PAIGC era um partido de militantes armados e não de militaristas;

"- a criação de uma nova estrutura militar operacional, os "bigrupos", com uma chefia bicéfala com um comandante militar e um comissário politico; estas unidades eram constituídas por 40 elementos bem armados e em constante movimento, dando assim início a fase da guerra de movimento;

"- a orientação para a organização das zonas libertadas, dotando-as de recursos básicos essenciais, nomeadamente de saúde, educação e justiça, que foi, evidentemente, o projecto mais importante e conseguido para o controlo e apoio das populações" (...).

Guiné 63/74 - P4051: FAP (18): Kurika da Mata (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)



Guiné > 26 de Março de 1973 > Sequência fotográfica, mostrando a recuperação do Pilav Ten Miguel Pessoa, ejectado sob os céus de Guileje, depois do seu Fiat G-91 ter sido abatido por um Strela, na véspera, até à recepção festiva que lhe foi feita pelos seus camaradas da BA12, em Bissalanca, no regresso do Hospital...

Fotos: © Miguel Pessoa (2009). Direitos reservados.



FAP (18) > KURIKA DA MATA

por Miguel Pessoa (**)

[Fixação / revisão de texto / subtítulos / bold: LG]


(i) 25 de Março de 1973, um domingo que tinha começado perfeitamente normal


Sento-me no chão, ainda estonteado com a sequência dos últimos acontecimentos. Procurando retomar por completo a consciência, tento levantar-me, mas sinto a perna esquerda falhar ao mesmo tempo que uma forte dor me atinge. Procuro uma explicação para o que me está a acontecer e tento rever o que se passou nos últimos minutos.

Começo a conseguir reconstituir toda a acção que me trouxe aqui - o apoio de fogo ao aquartelamento de Guileje, o sobrevoo do corredor do Guileje e a busca de indícios do IN na zona de Gandembel, o impacto violento sentido no avião, a perda total do motor, a minha tentativa de aproximação a Guileje, o afundamento brusco do avião, a minha reacção imediata accionando o manípulo de ejecção, depois... nada!

Vejo-me agora isolado no meio da mata, com um pé torcido, segundo parece, e uma forte dor nas costas, que atribuo à violência da ejecção. Sinto que a minha vida está a andar para trás; e, afinal, o dia tinha começado perfeitamente normal...
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Naquele Domingo, 25 de Março de 1973, tinha iniciado o meu trabalho às seis da manhã. Estava prevista uma actividade de voo um pouco mais reduzida durante o dia, mas a parelha de alerta dos Fiats, constituída por mim e pelo meu camarada António Matos, estava a postos para o que desse e viesse; o mesmo sucedia com as outras tripulações que também tinham entrado de alerta à mesma hora: do DO-27, dos AL-III (o heli das evacuações e o heli-canhão) e as enfermeiras pára-quedistas prontas para qualquer evacuação que surgisse.

A manhã passou-se sem sobressaltos. Opto por almoçar qualquer coisa no pomposamente chamado Clube de Pilotos, junto às Esquadras de Voo. Esta sala de estar, com um bar adjacente, permite às tripulações a permanência dos pilotos junto das Esquadras, para poderem acorrer mais depressa a qualquer solicitação. O accionamento do alerta é exigente e não se compadece com comezainas demoradas - desde o accionamento do alerta até à descolagem temos um tempo máximo de 10 minutos, o que inclui sacar o equipamento de voo, dirigir-se às operações para receber instruções e os mapas 1/50.000 da zona a apoiar, ser transportado até ao avião, pôr em marcha, rolar para a pista e descolar... Exige alguma celeridade.

Aproximávamo-nos das treze horas e eu tinha começado a tomar o meu café. De repente soam os altifalantes estrategicamente colocados no corredor limítrofe das Esquadras: "Alerta aos Fiats!". Imediatamente nos deslocamos à sala de equipamentos de voo, onde sacamos o equipamento mínimo para a missão (1) e seguimos em passo acelerado para as Operações. Aí, o Oficial de Operações do Grupo Operacional 1201 e o Oficial da Dia às Operações explicam-nos a situação.

Trata-se de um apoio de fogo solicitado pelo aquartelamento de Guileje, na sequência de uma flagelação com foguetões e canhões sem recuo sofrida pouco antes. Para aumentar o tempo sobre o objectivo é decidido escalonar a saída dos dois aviões, de modo a garantir uma pequena sobreposição na zona a apoiar. Sou mandado avançar em primeiro lugar; dirijo-me rapidamente para o avião e atiro-me de imediato lá para dentro - nestes casos o mecânico antecipou a inspecção exterior e poupa-nos tempo. A rolagem para a pista é feita mais depressa que o habitual e para poupar tempo faço uma descolagem de corrida (2). Rapidamente o Tigre Negro (3) está no ar.

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Nota do autor:

(1) Nas missões normais o piloto usava o fato anti-g (que permite ao corpo suportar maiores acelerações (Gs), o Mae-West (colete insuflável para a água), as fitas para as pernas (que, ficando presas à cadeira, no caso de uma ejecção não controlada puxavam as pernas para trás, evitando lesões graves nos joelhos e/ou nas pernas num possível contacto com o aro da canopy durante a ejecção) e, naturalmente, o capacete de voo com a máscara acoplada. No caso da saída do alerta, que se pretendia muito mais expedita, muitas vezes dispensávamos o anti-g, levando apenas o trikini- como lhe chamávamos - o capacete, o mae-west e as fitas da cadeira, isto no pressuposto de que a carta 1/500.000 e as luvas de voo já estavam guardadas nos bolsos do nosso fato de voo. O pára-quedas estava integrado na cadeira de ejecção, por isso era "vestido" quando nos sentávamos dentro do avião.

(2) A descolagem de corrida era um procedimento mais expedito usado nas saídas de alerta em que o avião, quando entra na pista, está já a ser acelerado para a descolagem e os procedimentos antes da descolagem são feitos enquanto o avião ganha velocidade na pista. Pelo contrário, em condições normais o avião é imobilizado no início da pista, são efectuados os procedimentos antes da descolagem, é acelerado o motor para a potência máxima e, verificada a normalidade de todas as indicações do motor, são libertados os travões, e o avião inicia então a corrida de descolagem (o percurso na pista desde que larga travões até ter as rodas no ar).

(3) Indicativo normal da parelha de alerta. Nos Fiats não usávamos os nossos indicativos pessoais, apenas no DO-27, onde o meu nome de guerra era "Kurika".


(ii) Quando um piloto está a mais no seu avião, só lhe resta... ejectar-se!

O percurso para o objectivo é feito com bastante potência para diminuir o tempo em rota; aproveito para verificar o armamento e o combustível e, já próximo, inicio os contactos via rádio na frequência terra-ar.

Guileje esclarece-me sobre a possível origem dos disparos e indica-me a zona do antigo aquartelamento de Gandembel como a mais provável. À medida que me aproximo da fronteira começo a baixar de altitude - o pessoal do lado de lá (Kandiafara e Simbeli, por exemplo) tem a mania de treinar as anti-aéreas se nos apanham a jeito, por isso manter os 1000 pés é uma solução de compromisso entre evitar os RPG e mantermo-nos fora da vista da AAA (4).

Já no local procuro indícios de movimento de pessoas ou veículos, tentando visualizar trilhos recentes. Inicio uma volta pela esquerda e nesse momento sinto um impacto forte na traseira do avião, a que se segue o ruído característico da paragem do motor, o que posso confirmar pelo decréscimo rápido das rotações. Tento de imediato reacender o motor através da ignição de emergência enquanto, prevendo já o pior, prancho o avião para um lado e para o outro na tentativa de localizar e atingir a zona de Guileje. O motor continua parado e a velocidade não vai durar muito tempo. Quase de seguida, sinto a perda total dos comandos do avião, iniciando este uma descida brusca em direcção ao solo. Nem tenho tempo de alertar a Base - provavelmente nem me ouviriam dada a minha baixa altitude.

Estou a mais no avião e a única solução é ejectar-me. Puxo a argola de ejecção (5) que está por cima da minha cabeça. A adrenalina multiplicou-me as forças de tal modo que nem sinto resistência ao accionar o sistema. A velocidade de raciocínio multiplicou-se igualmente. Imagino que falhou a ejecção e penso accionar a alavanca alternativa (na cadeira, em baixo, entre as pernas). Sinto então a explosão do cartucho da cadeira e deixo de ter consciência do que me rodeia. Afinal, passou-se 1/3 de segundo entre o accionamento do manípulo e a saída da cadeira...
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Amparado a uma árvore, ainda tonto, tento fazer um ponto rápido da situação e deixo para mais tarde a análise do que se passou com o avião ou a maneira como acordei naquele sítio. O facto é que estou em terreno hostil, ainda distante do aquartelamento, num ambiente que é novo para mim, sozinho e quase incapacitado de andar. E se o IN viu a minha ejecção é natural que se dirija para o local para tentar apanhar-me. Pelo meu cálculo penso estar a sudoeste do antigo aquartelamento de Gandembel e considero ser a melhor opção avançar para NW, o que me aproximaria da estrada Aldeia Formosa-Guileje e do próprio aquartelamento. (6)

Notas do autor:

(4) Artilharia Anti-Aérea

(5) A que chamávamos Sto.António, por ser em forma de auréola... Ao puxar-se para a frente, accionava o sistema de ejecção e desenrolava uma lona que tapava a cabeça do piloto, protegendo-o de certa forma de pequenos destroços e do fluxo de ar exterior, quando a cadeira saía do avião.

(6) Infelizmente o meu raciocínio estaria certo se eu estivesse a sul daquela estrada. Mas as manobras que fiz levaram-me para norte dela e eu nunca mais iria cruzar a referida estrada...



(iii) Obrigado ao meu kit de sobrevivência (very, very light)... e ao malogrado Ten Cor Brito, comandante do G0 1201, que me detectou

Abro o pequeno kit de sobrevivência que nos tinha sido distribuído - na verdade o seu conteúdo é uma novidade para mim, pois embora tivesse uma ideia do que lá estava nunca tinha visto nenhum aberto. Aliás, o kit era coberto por um forro em flanela, todo cosido, o que tinha impedido uma exploração prévia do seu recheio...

O essencial é tentar iniciar a marcha com o tornozelo ainda quente, pois receio não conseguir andar quando a perna arrefecer. Estou num local bastante arborizado e com muita vegetação junto ao solo, o que dificulta a progressão. Avanço a coxear, tropeçando com frequência. Tenho receio de perder a bússola que vinha no kit, é minúscula e se a deixar cair, naquele terreno, arrisco-me a não conseguir encontrá-la. Opto por segurá-la entre os lábios, ficando com as mãos livres para me ir apoiando sempre que tropeço. Com o tempo aumentam as dores na perna e a progressão é cada vez mais difícil.

Parece-me começar a ouvir barulho de aviões a jacto - será o outro avião de alerta já à minha procura? Começo a alterar as minhas prioridades - agora a minha preocupação é tentar encontrar um local mais aberto de onde possa disparar os very-lights e ser localizado por um avião. E há que ter cuidado, que os meus recursos são limitados, para alimentar a caneta dos very-lights só tenho nove cargas - a dotação que nos era normalmente atribuída (7). Mas a copa das árvores não deixa muito espaço para manobra.

Finalmente, alcanço uma zona que está longe de ser a ideal mas que, dado o desnível das copas das árvores, poderá permitir o disparo enviezado dos very-lights, o que talvez possibilite a sua visualização do ar. O facto é que já não consigo andar e as costas também me doem bastante. Não me parece que consiga sair dali pelos meus meios.

Não temos rádios distribuídos, mas no kit vêm uns fósforos presumivelmente anti-humidade. Pode ser que fazendo uma fogueira... No momento também não vejo grande utilidade no preservativo que vinha no kit. Se a ideia era servir de contentor de água, esqueçam, que aqui não há nenhuma... O mesmo para o anzol - só se for para as férias...

O ruído dos aviões começa a ser mais frequente, mas parece que a área de busca é ainda afastada. Mesmo que eles se dirijam na minha direcção não vou conseguir vê-los e eles também não irão localizar-me; a única esperança é que vejam um very-light.

Sento-me encostado a uma árvore, virado para a zona mais descoberta (ou, será melhor dizer, menos cerrada...). Ao fim de algum tempo sinto a aproximação de um jacto. Parece vir na minha direcção, mas não consigo vê-lo. A minha experiência permite-me ter uma ideia, pelo som, da direcção e da distância do avião em relação ao ponto em que me encontro; disparo o primeiro very-light - um verde, apesar de não me sentir em grandes condições físicas - mas os minutos seguintes não me dão qualquer indicação de que tenha sido visto; nem as duas horas seguintes - as minhas tentativas de ser visto não estão a resultar e já utilizei quatro dos nove very-lights (já comecei a gastar dos brancos, mas a verdade é que já estou a borrifar-me para as cores!).

Começam a aproximar-se as cinco da tarde - na Guiné a transição do dia para a noite ocorre cedo e com uma certa rapidez; sinto que já não tenho muito tempo para ser localizado antes de escurecer. Volto a detectar a aproximação de um avião e disparo mais um very-light. O avião passa próximo, sinto-o dar a volta e passar outra vez próximo de mim, a baixa altitude (8).

Fico com a esperança de ter sido visto, mas a hora seguinte não confirma as minhas expectativas. E a noite cai finalmente, avolumando-se com ela a minha apreensão, dada a minha visível inadaptação ao ambiente que me envolve. Sou perturbado por uma série de dúvidas que me assolam, para as quais não tenho resposta - Os pilotos terão visto algum very-light? Estará a ser organizada uma operação de recuperação? Como pensarão recolher-me? O IN terá detectado a minha ejecção? Irão tentar "agarrar-me à mão"?
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Notas do autor:


(7) 3 very-lights verdes, 3 brancos e 3 vermelhos, usados de acordo com o estado em que o aviador se encontrava (do menos grave para o mais grave). Isto seria aplicável se fossem muitos. Assim, a partir de certa altura usa-se os que temos, não importa a cor...

(8) Contar-me-iam mais tarde que o Ten Cor Brito, Comandante do GO 1201 - o piloto em questão - referenciou o disparo deste very-light e sobrevoou novamente o local, tendo divisado com algum custo o meu pára-quedas, meio enterrado numa árvore. Convencido de que o piloto estaria num estado de saúde razoável, acertadamente considerou que não havia condições de segurança para lançar de imediato uma operação de salvamento, dada a hora tardia, antes preferindo iniciar o planeamento de uma operação bem sustentada, a desencadear nas primeiras horas da madrugada.



(iv) Talvez a noite mais longa da minha vida


A noite vai ser certamente prolongada - e pouco dormida, seguramente. Aproveito para repousar um pouco o corpo, estendendo-me no chão, o que me permite reduzir as dores nas costas e simultaneamente dar menos nas vistas de quem se aproxime.

Tenho algum tempo para pensar no que me levou a esta situação. O IN terá pelos vistos atingido o Fiat, do que resultou a falha do motor, logo seguida da perda de comandos. Dadas as condições em que estava a voar, não tenho dúvidas de que a ejecção terá ocorrido nos limites da segurança, a baixa altitude e com uma acentuada razão de descida do avião desgovernado. Do modo como observei o paraquedas, meio pendurado ao longo da árvore, começo a acreditar que ele apenas terá completado a sua abertura já no contacto com a árvore em que me enfeixei, o que terá travado a velocidade da descida, acabando eu - mesmo assim - por entrar depressa demais pelo chão, provocando as lesões na perna esquerda. Calculo agora que será mais que uma entorse, embora não haja fractura completa da perna, nem fractura exposta.

Lembro-me que a minha arma pessoal - uma Walther PPK.22 (9) - ficou guardada no anti-g, mas não tenho a certeza se não será melhor assim - a posse da arma dar-me-ia a tentação de a usar em situações em que tal não era recomendado. Bom, não tenho a arma, não vale a pena pensar mais nisso.

A noite é interminável - mantenho-me desperto embora por vezes o cansaço me faça dormitar, mas acordo logo, alertado por um qualquer barulho. A tensão da situação e a desidratação que começa a afectar-me também não contribuem para me acalmar. No escuro parece-me detectar o movimento de um insecto que brilha, mas trata-se afinal dos ponteiros luminosos do meu relógio, a que a minha visão desfocada (por falta de referências) parece dar uma sensação de movimento... Acordo outra vez com a sensação de algo encostado à minha perna (uma cobra?) - não me mexo, até porque cobras não são o meu forte; será a perna partida a latejar que dá aquela sensação de movimento? A verdade é que essa sensação passa - ou o animal se foi ou a perna deixou de latejar...

Cometo um erro ao poisar a cabeça no chão para repousar. Fico com uma orelha encostada ao chão, o que amplifica todos os sons produzidos à minha volta. O simples contacto de uma folha a cair, ao bater no chão, faz lembrar a progressão pé ante pé, de alguém que se aproxima. Apesar de a escuridão não o permitir, parece-me divisar duas sombras que se vão aproximando de mim...

O amanhecer encontra-me exausto, mas satisfeito por ver a luz do dia. Fico a aguardar o regresso dos aviões para tentar perceber o que estão a planear. Finalmente começo a ouvi-los. É uma miscelânea de sons que vou identificando - Fiats, T-6, DO, AL-III. Começo a ter a certeza de que fui localizado. Pelo sim, pelo não, quando sinto a sua aproximação, disparo mais um very-light. Mas sistematicamente, parece que os AL-III se aproximam e a uma certa distância voltam para trás (10).

Os very-light esgotam-se finalmente. Resolvo despir a parte de cima do fato de voo e retirar a camisola interior, branca. Depois de vestido novamente o fato de voo, decido pôr a camisola interior por cima, à laia de pull-over. Espero ter assim mais possibilidades de ser detectado do ar, por fazer agora um maior contraste com a vegetação.

São nove horas da manhã - já passaram 3 horas de luz e nada. Tinha pensado que um AL-III com guincho chegaria à vertical e tentaria recuperar-me pelo ar... mas a verdade é que nenhum aparelho me sobrevoa.

Em desespero, resolvo fazer um fogo que seja visto do ar (má ideia, que ainda posso ficar carbonizado...) mas a natureza ajuda - a vegetação está húmida... e os tais fósforos anti-humidade também! Vários falham e não consigo acender nada. Quando risco o último, a cabeça salta, ainda por arder. Tiro as luvas e com a ponta dos dedos seguro a cabeça do fósforo, friccionando-a contra a lixa: começa a arder queimando-me os dedos mas apagando-se logo de seguida.
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Notas do autor:

(9) As armas de baixo calibre, embora menos eficazes, eram as mais apropriadas para os pilotos dos Fiats. Veja-se que uma arma destas, pesando cerca de 500 g, representa mesmo assim um peso de cerca de 9 kgs durante uma ejecção (18 Gs=18 x a aceleração da gravidade). Assim, com uma arma de maior calibre (e peso correspondente), em caso de ejecção o piloto arriscava-se a vê-la rasgar o bolso ou o coldre em que a guardava, e desaparecer.

(10) Soube posteriormente que naquela altura os AL-III procediam à colocação de Pára-quedistas e Operações Especiais na orla da mata em que me encontrava, para estes depois prosseguirem a pé na minha direcção.


(v) Um homem em apuros... mas bem educado e delicado

Resigno-me a esperar por auxílio, que da minha parte parece-me não haver muito mais a fazer. Mas a desidratação e a tensão começam a pregar-me partidas. Pressinto a aproximação de pessoas, mas não as identifico. Começo a pensar que é pessoal do PAIGC que está a envolver-me, na esperança de poder preparar uma emboscada ao helicóptero ou helicópteros de salvamento. Chego à conclusão que o melhor é não chamar a atenção dos aviões, pois se eu pelos vistos já estou "aviado", não vale a pena levar comigo algum camarada que esteja a tentar salvar-me.

Começo a divisar cabeças que se aproximam pelo meio da folhagem; são africanos, o que parece confirmar as minhas piores previsões; o armamento e uniformes também não são das tropas portuguesas. Sabem o meu nome (mas também não é difícil, têm provavelmente infiltrados na Base). Dizem-me para ir com eles - e eu peço-lhes "delicadamente" (11) para se irem embora e me deixarem em paz.

Aparece o que parecia ser o chefe - de barbicha e óculos - e diz-me que é o Marcelino da Mata. Ora eu, pira de 4 meses da Guiné, embora conhecendo as referências do senhor, nunca o vi pessoalmente, mas é conhecido que ele costuma levar cantis com Fanta e Coca-Cola. Peço-lhe de beber, ao que ele anui. Provado o produto fica confirmada a identidade do meu interlocutor, o qual merece da minha parte, de imediato, um efusivo cumprimento: "Ah granda Marcelino!".

Chega entretanto ao local pessoal meu conhecido do BCP 12 e renova-se a minha confiança em acabar bem o dia. Ao ponto de, quando sugerem a construção de uma padiola, ter recusado: "Entrei nesta mata de pé e é de pé que vou sair" - Pudera! Agora que já tenho as costas quentes...

A deslocação até ao helicóptero não tem grande história, embora seja demorada e cansativa, pois a incapacidade da minha perna esquerda obriga-me a progredir no terreno apoiado em dois elementos das Operações Especiais, um de cada lado.

O pessoal do Marcelino tem pelos vistos a mania de provocar o IN pois, à medida que avançam no terreno, gritam para o mato "Eh F.... da P.... do C.......! Apareçam, seus C....!", ao que eu lhes sugiro que primeiro me ponham no helicóptero e depois resolvam essa contenda com os outros, que por mim já tenho que me chegue. Só me falta que aqueles tipos comecem aos tiros uns aos outros, e eu sem me poder mexer!

Durante o percurso, noto que um dos pára-quedistas que vai à minha frente se vira para trás de vez em quando, tirando-me uma fotografia. Ora eu ainda estou um bocado descomposto e continuo com a camisola branca por cima do fato de voo. Peço uns momentos para tirar a camisola, que guardo num dos bolsos do fato de voo, e prossigo a caminhada com mais à-vontade, pois já me sinto razoavelmente enfarpelado e em condições de enfrentar a máquina fotográfica. Apesar dos perigos, a nossa progressão começa a parecer um passeio turístico, pois chegamos a parar para tirar uma foto de grupo. O Marcelino resolve pôr uma pose mais agressiva, de catana na mão, o que, associado à minha cara de enfiado, mais faz parecer que fui apanhado pelo IN...

Chegamos finalmente à orla da mata, onde um AL-III nos espera. Para apoiar aquela evacuação, o Serviço de Saúde da BA12 tinha destacado um médico (12). Quando entro no heli, devo estar com um aspecto abatido pois ele decide dar-me um tónico qualquer que eu aceito de bom grado, que ainda estou com sede... E o facto é que fico com uma passada que ninguém me cala! Também, tinha estado quase 24 horas sem falar...
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Notas do autor:

(11) Segundo alguns testemunhos, parece que não foi bem assim. Eu terei dito "Vão-se f.... ; deixem-me morrer aqui em paz sozinho" ou algo semelhante. Tenho que aceitar esta última versão como correcta, porque por aquela altura eu já tinha os platinados a falhar. Embora me choque, porque sempre fui uma pessoa bem educada...

(12) Convém esclarecer o porquê da presença de um médico nesta situação. Pouco tempo antes tinha surgido uma determinação do Estado-Maior que proibia a ida das enfermeiras paraquedistas à zona de combate. Esta decisão surgiu na sequência da morte de uma e ferimento de bala de outra; o curioso é que nenhuma destes casos ocorreu no decurso de uma evacuação à zona, pois uma morreu num acidente na placa dos DO-27 (na Guiné) e outra foi atingida por uma bala quando voava noutro DO-27 (em Moçambique). Isto mostra o receio que as chefias tinham dos efeitos na opinião pública, caso ocorresse a morte de uma enfermeira em verdadeiro cenário de guerra. À época aceitava-se que as mulheres apoiassem o esforço de guerra, mas na retaguarda, enquanto que não se via com bons olhos que ela participasse activamente na frente de combate.




(vi) Finalmente, o regresso... a casa!

Aterramos em Guileje, onde muitos militares curiosos esperam para ver o aviador recuperado; alguém resolve dar-me, em jeito de compensação, uma garrafa de champanhe. Um novo helicóptero está a postos no local para me transportar para o Hospital Militar; também já lá está a enfermeira paraquedista que me vai acompanhar, a enfermeira Giselda (13); embarcamos no helicóptero e mantemos 1500' de altitude (14) em direcção ao Hospital, onde chegamos sem problemas.

Tiradas várias radiografias, confirma-se a fractura do perónio; depois de me colocarem o gesso na perna partida, o helicóptero leva-me (mais a garrafa de espumante) para a placa de helicópteros da Base - parece que finalmente acabou o dia e que vou poder descansar de tantas emoções. Engano meu! À chegada à Base sou surpreendido pela presença de um grupo de militares da BA 12 - pilotos, mecânicos, enfermeiras e outros - que resolvem festejar exuberantemente a minha recuperação. Sinto-me emocionado com esta recepção. Para além dos laços de amizade que tenho com alguns dos presentes, neste momento eu represento para eles o produto final do trabalho que, directa ou indirectamente, desenvolveram com tão bom resultado. Por isso sentem-se felizes por eu estar ali. E eu estou feliz por ter regressado a casa.

Miguel Pessoa
(Por vezes "Kurika" ou "Kurika da Mata")
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Notas do autor:

(13) A Giselda acompanhou-me nessa evacuação e, desde então, nos momentos mais importantes da minha vida - casámos em Outubro de 1974.

(14) Não há dúvida que tivemos sorte. Embora começassem a surgir no TO os mísseis Strela, até ali desconhecidos, nenhum deles estava, pelos vistos, no percurso que seguimos para o Hospital. A altitude mantida colocava-nos perfeitamente ao alcance do míssil. Mas não era o nosso dia...

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série, FAP > 13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4028: FAP (17): Do Colégio Militar a Canjadude: O meu amigo Tartaruga, o João Arantes e Oliveira (Pacífico dos Reis)