quinta-feira, 2 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4626: Estórias avulsas (37): Quando um cabo da PM me deu ordem de prisão, em Bissau (Armandino ALves)


1. O Armandino Alves que foi 1º Cabo Enf da CCAÇ 1589 (1966/68), em Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, enviou-nos mais uma interessante estória, em 30JUN2009:

Camaradas,

Tenho-me dedicado a ler os vários postes publicados e admiro-me como existem camaradas, que conseguem contar ao pormenor factos passados há tantos anos.

Quando foi necessário escrever a História da Companhia de Caçadores 1589, desde a sua formação, embarque, desembarque, operações efectuadas e quejandos, o Capitão da Companhia incumbiu o Alferes Leitão de o fazer.

Só que o referido Alferes não sabia escrever à máquina e teve de arranjar uma “vítima”.

Tocou-me a mim essa tarefa, que só era feita depois do jantar na secretaria da unidade e com tudo fechado, pois era considerado “sigilo militar”.

Os textos eram dactilografados em quintuplicado, e era necessário estar sempre a mudar os químicos, senão a 4ª e 5ª cópias ficavam ilegíveis.

Foram dias e dias nesta azáfama e que custavam ao alferes, 1 “bazuca” e duas sandes de atum por dia.

Mas lá me desenrasquei e conseguimos dar o serviço pronto, a tempo e horas, para ser entregue no QG.

Agora os meus amigos acreditam que eu não me lembro de nada do que escrevi então?

Bem sei que naquele tempo uma ordem para esquecer, era mesmo para esquecer.

O que hoje eu escrevo é sobre o que me lembro e basicamente por aquilo que passei, pois a Companhia realizou várias operações, de que eu não sei sequer os nomes de código e as datas, quanto mais o que nelas aconteceu, pois naquela altura quanto menos pormenores soubéssemos melhor.

Uma vez em Bissau, num domingo, fui dar uma volta, beber umas “bazucas”. Quando achei que eram horas de regressar ao 600, lá vinha eu no meu vagar a pé por ali fora, devidamente uniformizado a pensar na minha vida e, ao passar na Praça do Império, não reparei que estavam a arriar a bandeira nacional no Palácio do Governador.

Surgiu então ali, em grande velocidade, um jipe da PM, do qual saltou um Cabo e me interpelou sobre o motivo, porque é que eu não tinha parado e feito a continência à nossa bandeira.

Expliquei-lhe que não tinha ouvido o toque, porque vinha a pensar noutras coisas, e nem sequer tinha reparado que estavam a arriar a bandeira. O Cabo não esteve com meias medidas e deu-me voz de prisão.

A minha sorte, foi que, em vez de me levarem para o QG, levaram-me para o 600 onde estava como oficial de dia o meu Capitão.

Foi estes último que me safou de uns dias de detenção.

Armandino Alves
1º Cabo Enf CCAÇ 1589
_____________
Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4625: Tabanca Grande (157): Constantino Costa (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/74)

1. Mensagens de Constantino Costa, ex-Sold, CCav 8350 (Guileje e Gadamael, 1972/73), residente em São João da Madeira:

16 de Junho de 2009:

Caro Luís Graça;

Cá recebi o teu e-mail e de imediato passo a reenviar o texto e as fotos por ti pedidas.

Luís, tive conhecimento dos teus telefonemas, mas como não me encontrava em casa foi-me impossível falar contigo.

Oportunamente teremos a oportunidade de falar e esclarecer algum mal entendido.

Recebe um forte abraço deste teu camarada.

Constantino


2. Resposta, a 17 de Junho, do editor L.G.:

Caro Constantino, meu camarada:

Finalmente consegui ler o teu texto, que vou naturalmente publicar. Fico feliz por saber que aceitas o meu convite para integrar o nosso blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (*). Devo dizer-te que nunca condicionei a publicação deste teu texto à tua adesão à nossa Tabanca Grande e à entrega das fotos da praxe...

É verdade que há camaradas em falta, mas devo dizer-te
que a nossa fotogaleria não está actualizada por razões técnicas...

Somos hoje mais de 340... As fotos servem para isso mesmo, dar a cara, quando alguém é apresentado como novo membro da Tabanca Grande e sempre que se publica um novo texto (poste) do autor...

Em breve terás mais notícias. Depois telefono-te. Não queres aparecer no nosso IV Encontro Nacional, no sábado dia 20 [, de Junho,] na Ortigosa, Monte Real ? Um Alfa Bravo (abraço). Luís

3. A 15 de Junho tinha-lhe pedido que me mandasse um ficheiro compatível com o meu sistema operativo:

Meu caro Constantino:

Já estamos a comunicar melhor e a fazer progressos... Infelizmente não consigo abrir o teu ficheiro Constantino Costa (direito de resposta).odt

Deve ser por causa da extensão.odt... Não podes mandar noutro formato ? Doc, text, rff..

Tento falar contigo por duas ou três vezes no domingo... Não está em causa "o teu direito de resposta"... Vou publicar o teu longo texto, mas com os necessários comentários... Devolve-me, rápido, o ficheiro.odt. Recebe uma abraço (sem ressentimentos...) do Luís Graça...


4. O texto que o Constantino me enviou, para publicação (e que vai ser publicado em duas partes na série Dossiê Guileje / Gadamael 1973), começa assim:

Camarada Luís Graça,

Tal como me solicitaste, apresento a minha versão dos factos (por mim vividos no presente do indicativo), em Guileje e Gadamael.

Também penso ser correcto tratar-vos por tu, pedindo a minha adesão como tertuliano, para o que enviarei as fotos pedidas.

Relativamente aos comentários, críticas e direi mesmo insultos, que me foram dirigidos (**), sinto-me no direito de tecer algumas considerações que, espero, tenhas a amabilidade de publicar também no blogue.

Constantino

P.S. Permito-me estranhar o facto de alguns dos tertulianos não necessitarem de enviar fotos aquando da sua admissão.

Nota: Junto anexo duas fotografias.

Constantino Costa,
Soldado nº. 127935,
Ccav 8350, Piratas de Guileje,
Guileje/Gadamael

(Indica, além do e-mail, o endereço postal e os contactos telefónicos, que vamos aui divulgar, sendo informação reservada, disponível apenas na nossa base de dados)

5. Comentário de L.G.:

Constantino:

As nossas dificuldades iniciais de comunicação e relacionamento estão ultrapassadas. Estás apresentado à nossa Tabanca Grande, mesmo que a tua entrada tenha sido feita de maneira menos ortodoxa do aquela que seria de esperar... O que importa é que aqui estamos, sem ressentimentos, de parte a parte. Este é um espaço de partilha, e não de ruptura.

Agora já podes sentar-te à sombra do poilão e começares a contar a tua história... A tua versão é importante para reconstituir o puzzle dos acontecimentos de Guileje / Gadamael Maio/Junho de 1973... Os teus amigos e camaradas da Guiné irão, de certo, ler-te com particular atenção e interesse. Aguarda, a partir de agora, a publicação do teu texto, que dividi em duas partes por razões técnicas.

Espero que te sintas em casa. Recebe um Alfa Bravo do editor, e teu camarada, Luís Graça.

___________

Notas de L.G.:

(*) Último poste da série Tabanca Grande > 28 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4596: Tabanca Grande (156): O açoriano Tomás Carneiro, ex-1º Cabo Cond Auto, CCAÇ 4745 (Binta, 1973/74)

(**) 5 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4282: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (11): Heróis... (Constantino Costa, Sold CCav 8350, 1972/74)

Guiné 63/74 - P4624: Blogoterapia (112): Saudades de outra idade (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74 (*), com data de 28 de Junho de 2009:

Caros Luis, Carlos, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca Grande
Após a festa maravilhosa na Ortigosa, voltamos aos nossos afazeres com mais ânimo.
Esteve de parabéns a organização. Fez roer de inveja os que não puderam ir. Mas para o ano há mais, não fiquem tristes.

Quanto aos nossos passados junto com as minhas recordações, aproveito para enviar algumas fotos, que me foram dadas pelo Médico Vieira Coelho e o ex-Alf Mil Vasconcelos.
Tenho mais mas vou enviar a pouco pouco.

Sem mais.
Abraços
Juvenal Amado

Catedral de Bissau

Rua de Bissau

Avenida de Bissau. Ao cimo o Palácio do Governador

Rua de Bafatá

Da esquerda para a direita: Dr P. Coelho, Alf Mil Vasconcelos, Veiga e Parente

A caminho do Dulombi

Picagem para o Dulombi

Padre Nuno, e os ex-Alf Mil Brás, Farinha e Vasconcelos

Fotos (e legendas): © Vieira Coelho e Vasconcelos (2009). Direitos reservados



SAUDADES DE OUTRA IDADE

Hoje olhei ao espelho e não me reconheci

O rosto reflectido é de um desconhecido, na minha cabeça ainda habita outro homem e outra imagem.

Recordei outro tempo e tive saudade.

Saudade dos remoínhos de vento

Das chuvas que se seguiam

Dos corpos jovens, que corriam para essas primeiras chuvas em busca de uma pretensa frescura.

Ficávamos todos sujos de terra mas não fazia mal.

Saudade dos enormes cogumelos apanhados pelo piriquito algarvio.

"Parecem os mesmos lá da terra, só que são maiores", amanhã acordamos todos mortos sentenciava o Aljustrel.

Depois daquela primeira vez, desapareceram todos os cogumelos de Galomaro.

Saudade do Tenente Raposo e da sua ingenuidade.

Da Jarulema da mancarra. "Jarulena parte punho, parte mancarra" - "heinnnn nosso cabo cátem cabeça! Manga de calabanta! Filho di puta eu finta cadera a bó".

Dos risos.

Da pequena Mariama que essa sim tinha a certeza de gostar de mim. Os pés pequeninos vaidosos com chinelos cor de laranja.

Saudades do Teixeira, a rir-se de me ver com os tomates quase em sangue de tanto os coçar. Momentos depois desceu da Berliet e morreu naquele local, que possivelmente ninguém sabe onde fica.

As marca do sangue e o cheiro, já desapareceu à muito.

Saudade das cervejas de litro, bebidas quase de um trago só com o desespero da sede, que não se acalma.

O bife no Regala.

Das bajudas quase nuas qual estátuas de pele acetinada e seios como laranjas sumarentas.

Saudade do restaurante do Libanês em Bafatá.

Do mercado

Saudades dos cheiros, aventura e talvez da incerteza.

Estar deitado e ouvir o desarme da G3, quando a patrulha nocturna regressava. Estavam todos em casa, tudo tinha corrido bem.

Saudades da algazarra do pelotão de sapadores, que discutiam horas a fio por tudo e por nada.

Saudades do Mota, foi evacuado para não mais voltar.

Foi para a guerra e morre de doença, que não perdoou àquele homem afável e culto.

Saudades do pão do Léio, que carteiro na vida civil veio a morrer atropelado em Lisboa já depois de regressado.

Saudades do Sertã do Pel Rec com o seu sorriso simples, que emprestava dinheiro a mim e ao Ivo quando pré ficava curto. Há pessoas que nunca chega e a outros que nunca falta.

Os meninos com barriga grande da fome, a alegria nos seus olhos por um pouco dos nossos restos.

Saudade da lavadeira, que me trazia os botões cozidos com linha um de cada cor.

Não tenho saudade da guerra mas sim de outra idade.

Juvenal Amado
28.06.009
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 11 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4509: Estórias do Juvenal Amado (17): Ataque a Campata

Vd. último poste da série de 1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4617: Blogoterapia (111): Divulgando o nosso blogue junto de Camaradas que combateram em Angola (Valentim Oliveira)

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Guiné 63/74 - P4623: Histórias de Juvenal Candeias (3): Um Manjaco em chão Nalú



1. Terceira história de Juvenal Candeias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3520, Cameconde, 1971/74.

UM MANJACO EM CHÃO NALÚ

A estória seguinte gira à volta da Palmeira Dendê (ou dendém) e de um dos seus principais produtos: o vinho de palma.

O vinho de palma é a seiva da própria palmeira e obtêm-se com incisões transversais na árvore, a partir do topo, de forma a libertar a seiva que escorrerá para um recipiente devidamente acondicionado e preso à palmeira com cordas.

Bebido fresco, logo pela manhã, é uma bebida irrecusável. Passadas algumas horas, sujeito ao calor tórrido, fermenta e transforma-se numa bebida do diabo, capaz de fazer desprender a língua ao homem mais calado.

A exploração intensiva do vinho de palma apresenta, contudo, o inconveniente de enfraquecer a palmeira, provocando o seu envelhecimento precoce.

Da palmeira dendê é possível extrair ainda outros produtos:

Dos cachos (chabéu) extrai-se o óleo de palma, produto saboroso utilizado nos mais diversos pratos.

Das sementes - o coconote - obtém-se o óleo de coconote (ou de palmiste) e o sabão, sendo os resíduos usados como combustível.

As folhas da palmeira servem para fazer cordas, cestos e vassouras e o tronco utiliza-se na construção de casas e canoas.

A região de Cacine dispunha de enormes recursos em vinho de palma, embora a etnia Nalú, predominante na zona, efectuasse uma tímida exploração deste produto. Razão suficiente para que, esporadicamente, aparecessem membros de outras etnias que viam no vinho de palma de Cacine, uma oportunidade de negócio a explorar.

Assim surgiu um Manjaco em chão Nalú!

Etnias diferentes eram recebidas em chão Nalú, com pouca simpatia e alguma indiferença, o que não impedia que pudessem ter alguma actividade - como no caso da nossa estória - ou realizar algum comércio.

Havia mesmo comércio através da fronteira, desenvolvido pelos gilas, oriundos da Guiné Conacri, algumas vezes Nalús – o chão Nalú estendia-se para lá da fronteira – muitas vezes de etnias diferentes, que vinham negociar os seus produtos em Cacine e, – quase sempre?! – Utilizar esta actividade como pretexto para recolher informações para o PAIGC.

Mas voltemos aos Manjacos!

Os Manjacos eram os maiores especialistas na exploração da Palmeira Dendê, em todas as suas vertentes! Nesta perspectiva, o nosso manjaco iniciou a sua actividade subindo às palmeiras, mais rápido e seguro do que um macaco, permanecendo no topo apenas auxiliado por uma corda que o envolvia, a si e ao tronco da palmeira, extraindo o vinho que negociava em plena tabanca de Cacine!

O negócio progredia sem crise! Até ver!...

Em Cacine havia um PIDE – eles andavam por todo o lado – que mantinha uma má relação com o Exército e que não gozava da simpatia da população. Dispunha de um grupo especial, operacional, de nativos – os GE’s – que efectuavam operações, normalmente sem conhecimento do exército.

O líder deste grupo, um matulão vaidoso e arrogante, ter-se-à apercebido dos ganhos do manjaco e que estaria ali a oportunidade de sacar uns significativos pesos, sem grande risco!
Terá preparado cuidadosamente a acção e, quando o manjaco se encontrava em cima de uma palmeira, no mato, perto da tabanca, G3 em punho… pum! Já está! Manjaco redondo no chão de uma altura de 10 metros, pesos a mudarem de bolso e ala que se faz tarde!...

Só que… a cena tinha sido presenciada por dois nativos, que mostrando a sua indignação, mas sobretudo a antipatia que tinham para com o matulão GE, de imediato denunciaram o ocorrido à Administração Civil e ao Exército!

O GE foi ouvido, confessou, embora considerasse que não tinha cometido qualquer crime uma vez que apenas tinha morto um manjaco, foi preso e enviado para Bissau!

Depois de alguma indecisão sobre quem deveria continuar o processo concluiu-se que seria a Administração Civil – o crime tinha, efectivamente, sido cometido por um civil – com o apoio do Exército!

Foram ouvidas as testemunhas… faltava apenas a autópsia! Não havia médico em Cacine!... Ele só passava por lá de vez em quando…como iríamos resolver este problema para podermos concluir o processo com sucesso?

Foi enviada uma mensagem ao Comando, em Catió, onde havia médico, solicitando a sua presença em Cacine para realização do acto em falta!

O médico nunca mais chegava! O manjaco tinha sido enterrado provisoriamente, isto é, com uma folha de zinco a proteger o cadáver, não havia outra forma de conservar o corpo, e já lá iam dois dias!

Ao fim do terceiro dia chegou, finalmente a resposta:

- Façam a autópsia com os vossos próprios meios!

Porra! Porra! O que é isto?! Estes gajos estão malucos! Foram estas as melhores expressões! As outras… inibo-me de as referir!...

E agora?! Que vamos fazer?

Bom! Tratando-se de um processo civil cabe à Administração Civil garantir a situação! (parece-me que me vou safar desta!). Só há uma possibilidade: o enfermeiro civil!...

O enfermeiro civil – o Armando – era um nativo de cerca de 35 anos, estatura média, pele muito negra, atlético, olhar esperto, simpático, comunicativo, não tinha o curso de enfermagem nem teria sequer a 4ª classe, mas tinha aprendido bem a profissão ao longo de muitos anos de experiência! Ele tinha todas as especialidades… era parteiro, dentista, gastro, grande especialista na arte de tratar o paludismo, enfim, um verdadeiro médico de clínica geral!

Cabia agora ao Administrador de Posto, o bacalhau (magricela cabo-verdeano de quem não consigo lembrar o nome!) o trabalho de convencer o Armando a completar a sua formação com a especialidade de medicina legal!... O bacalhau desfez-se em desculpas, que era mais fácil o Armando não recusar ao exército e tal… bréu… bréu … (caraças que não me safo!).

Chamemos então o Armando! Apresentado o problema com a maior diplomacia e jeito que jamais pensei ter, foi mais fácil do que imaginei! Veio de lá, apesar da originalidade da situação, a sua simpática habitual resposta: conta comigo nosso 2º comandante!

Marcou-se então a autópsia para a manhã seguinte. O acto deveria ser testemunhado pelas autoridades civil e militar (quem teria inventado esta?), pelo que, cerca das 10H 30M lá vamos nós: o bacalhau, o Armando – completamente equipado de bata, luvas, máscara e as ferramentas necessárias – dois ajudantes nativos e este vosso humilde contador de estórias!

A operação iniciou-se com o desenterrar do morto, e logo aí as camisas saíram das calças para poderem tapar o nariz! O cheiro era horrível, pestilento, pior que suinicultura, e apenas o Armando tinha máscara!

Apesar disso o acto continuou… o Armando cortou… cortou… cortou… falou… falou… falou… numa linguagem técnica que, provavelmente, só ele perceberia!...

Finalmente ouvimos o nosso técnico de medicina legal dizer, com pompa e circunstância, o que melhor percebemos: e agora vamos suturar!

A nossa odisseia chegara, enfim, ao seu epílogo!

Pela tarde, depois de muito bem preparado, o Armando apresentou o relatório da autópsia a anexar ao processo!

Era um manuscrito delicioso, com erros naturais em indivíduo com escolaridade elementar, recheado de termos técnicos, certamente nem sempre bem aplicados e que hoje lamento não ter copiado por não ser capaz de transcrever!

Contudo, jamais esquecerei a conclusão do relatório da autópsia:

O morto, foi, efectivamente morto com um tiro, disparado de baixo para cima, tendo a bala atravessado o fígado e o baço, provocando muitas feridas esquirilosadas.

Ah grande Armando! És um dos meus heróis! Homens como tu deveriam viver eternamente!

Juvenal Candeias
_____________
Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4622: Fichas de Unidades (4): História do BCAÇ 2884 (José Martins)

BATALHÃO DE CAÇADORES Nº 2884

BCAÇ 2884 (CCS, CCAÇ 2584, CCAÇ 2585 e CCAÇ 2586)
Guiné 1969/1971

Mobilizado no Regimento de Infantaria nº 1, na Amadora, teve como Comandante o Tenente-coronel de Infantaria José Bonito Perfeito e, posteriormente substituído pelo Tenente-coronel de Infantaria Romão Loureiro. Desempenhou cargo de 2º Comandante o Major de Infantaria Licínio Soares de Pinho que, interinamente, comandou a unidade aquando da substituição do oficial comandante. O Major de Infantaria Fernando Jorge Belém Santana Guapo, desempenhava o cargo de Oficial de Informações e Operações/Adjunto.

Adoptou como Divisa “MAIA ALTO” e “BRAVOS SEMPRE FIEIS”, embarcando em Lisboa em 07 de Maio de 1969, tendo desembarcado em Bissau em 12 de Maio de 1969.

Compunham a orgânica deste batalhão, as subunidades:

Companhia de Comando e Serviços – sob o comando do Capitão do Serviço Geral do Exército João de Sousa Lopes;
Companhia de Caçadores nº 2584 – sob o comando do Capitão Miliciano de Infantaria António Rodrigues Júnior;
Companhia de Caçadores nº 2585 – sob o comando do Capitão de Infantaria António Tomaz da Costa, substituído a quando da promoção deste a Major, pelo Capital Miliciano Graduado de Infantaria António Camilo Almendra;Companhia de Caçadores nº 2586 – sob o comando do Capitão de Infantaria Evaristo Ramalhinho Duarte, seguindo-se no comando o Capitão de Infantaria Eugénio Batista Neves, Capitão Miliciano de Infantaria Rui Fernando Alexandrino Ferreira e Capitão Miliciano de Infantaria João Carlos Carvalho de Castro.

Comando e Companhia de Comando e Serviços

Rende o Batalhão de Caçadores nº 1911 e assume a responsabilidade do Sector de Bissau, que compreendia os subsectores de Bissau (Brá), Quinhamel e Nhacra, com a missão de protecção e segurança das instalações e populações da área, sob a dependência do COMBIS.

Por troca, em 30 de Setembro de 1969, com o Batalhão de Artilharia nº 2866, assume a responsabilidade do Sector O7, sedeado em Pelundo, abrangendo os subsectores de Jolmete, Có e Pelundo, passando a depender operacionalmente do CAOP.

Da missão atribuída, compreendia a intercepção de movimentos inimigos, nas áreas de Churo-Caboiana e Có, garantir a segurança dos trabalhos da estrada Có-Pelundo, assim como o controlo e protecção dos populações da área da sua responsabilidade. Entre outras, salientam-se as operações “Infantes Campeões”, “Cesário Verde”, “Abre-te Sésamo” e “Com Unhas”. Do material capturado destaca-se: uma metralhadora ligeira, cinco pistolas-metralhadoras, duas espingardas, treze granadas de armas pesadas, e quinhentas e vinte seis munições de armas ligeiras.

O Batalhão de Caçadores nº 2884 foi rendido no sector em 12 de Fevereiro de 1971, pelo Batalhão de Caçadores nº 3833.

Companhia de Caçadores nº 2584

Em 14 de Maio de 1969 segue para Có para substituir a Companhia de Caçadores nº 2465, na cooperação da defesa e protecção dos trabalhos da estrada Có-Pelundo, ficando na dependência do Batalhão de Caçadores nº 2845 e depois do Batalhão de Artilharia nº 2866.

Assume a responsabilidade do subsector de Có, substituindo a Companhia de Caçadores nº 2312, mantendo-se no dispositivo de manobra do Batalhão de Artilharia nº 2866 e a partir de 30 de Setembro de 1969, do seu batalhão.

É rendida em 12 de Fevereiro de 1971, pela Companhia de Caçadores nº 3308.

Tombaram em Campanha os seguintes militares:

JOAQUIM FERREIRA BARBOSA, Soldado Atirador nº 16046808, Solteiro, filho de Silvério Pires Barbosa e Vicência Ferreira, natural da freguesia de Burgães, concelho de Santo Tirso, faleceu em 19 de Agosto de 1969, vítima de ferimentos em combate na estrada de Có-Bula. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Burgães.

MÁRIO DE OLIVEIRA ROCHA, Soldado Atirador nº 09791568, solteiro, filho de João Oliveira Rocha e Deolinda de Oliveira Pinheiro, natural da freguesia de Ouca, concelho de Vagos, faleceu em 19 de Agosto de 1969, vítima de ferimentos em combate em Có. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Ouça.

VITOR JOSÉ DE MATOS ALVES, Soldado Atirador nº 18095368, solteiro, filho de Luís Alves e Emília de Jesus, natural do Lugar de Carro Queimado, freguesia de Vale de Nogueiras, concelho de Vila Real, faleceu em 23 de Junho de 1970, vitima de ferimentos em combate, na estrada de Có. Foi inumado no Cemitério da Ajuda, em Lisboa.

Distinguiram-se e foram condecorados os seguintes militares:

FERNANDO PACHECO DOS SANTOS, Furriel Miliciano de Infantaria, foi condecorado com a medalha da Cruz de Guerra 3ª Classe, conforme Ordem do Exército nº 10, IIIª Série de 1971.

JOSÉ MAXIMIANO CARDOSO RODRIGUES, Soldado de Infantaria Atirador, foi condecorado com a medalha da Cruz de Guerra 4ª Classe, conforme Ordem do Exército nº 9, IIIª Série de 1971.

LUIS MANUEL VIEIRA LOUREIRO DE ALMEIDA, Alferes Miliciano de Infantaria, foi condecorado com a medalha da Cruz de Guerra – 2ª Classe, conforme Ordem do Exército nº 7, IIª Série de 1971.

Companhia de Caçadores nº 2585

Iniciou o deslocamento, por fracções, em 15 e 16 de Março de 1969, com destino a Teixeira Pinto donde, no dia seguinte, segue para Jolmete, afim de render a Companhia de Caçadores nº 2366.

Na dependência do Batalhão de Artilharia nº 2845, assume a responsabilidade do subsector Jolmete e, após remodelação dos sectores, fica na dependência do Batalhão de Artilharia 2866 e posteriormente na dependência do seu batalhão.

Colaborou na protecção e segurança dos trabalhos da estrada de Bula - Ponta de S. Vicente, guarnecendo as bases de Bipo e Ponta Fortuna, e realizou operações nas regiões de Bugula, Ponta Nhaga, Peconha e outras.

Foi rendida, em 12 de Fevereiro de 1971, pela Companhia de Caçadores nº 3306.

Tombaram em Campanha os seguintes militares:

ANTÓNIO FERNANDES BARBOSA, Soldado Atirador nº 18450068, solteiro, filho de Manuel da Silva Barbosa e Maria Fernandes, natural da freguesia de Cervães, concelho de Vila Verde, faleceu em 27 de Maio de 1969, vítima de acidente com arma de fogo, rebentamento de granada LGF das nossas tropas, em Jolmete. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Cervães.

GABRIEL DJASSI, Soldado Artilheiro de Campanha 10,5 nº 82144869, casado com Assatu Djaló, filho de Mamadu Djassi e Fatunata Djassi, natural da freguesia de Santa Ana, concelho de Mansoa, faleceu em 31 de Outubro de 1969, no Hospital Militar Principal em Lisboa, vítima de doença. Foi inumado no Cemitério de Bissau.

Distinguiram-se e foram condecorados os seguintes militares:

ANTÓNIO ACÁCIO MAÇORANO, 1º Cabo Apontador de LGF, foi condecorado com a medalha da Cruz de Guerra 4ª Classe, conforme Ordem do Exército nº 31, IIIª Série de 1971.

Por acção praticada no dia 22 de Outubro de 1970:

ANTÓNIO CAMILO ALMENDRA, Capitão Miliciano Graduado de Infantaria, foi condecorado com a medalha da Cruz de Guerra 1ª Classe, conforme Ordem do Exército nº 17, IIª Série de 1971;

ANTÓNIO CARVALHO MOTA, Soldado de Infantaria Atirador, foi condecorado com a medalha da Cruz de Guerra 4ª Classe, conforme Ordem do Exército nº 22, IIIª Série de 1971;

HENRIQUE GONÇALVES DA ASSUNÇÃO CRISTO, Furriel Miliciano de Infantaria, foi condecorado com a medalha da Cruz de Guerra 4ª Classe, conforme Ordem do Exército nº 31, IIIª Série de 1971;

MIGUEL MARIA PASCOAL, Soldado de Infantaria de Manutenção de Material, foi condecorado com a medalha da Cruz de Guerra 4ª Classe, conforme Ordem do Exército nº 223, IIIª Série de 1971.

Companhia de Caçadores nº 2586

Ficou integrada no Sector de Bissau, na dependência do seu batalhão, assumindo a responsabilidade do subsector de Nhacra, rendendo a Companhia de Caçadores nº 1682. Guarneceu os destacamentos de Dugal e Safim, que se encontravam na sua zona de responsabilidade.

Em 9 de Junho de 1969, foi rendida pela Companhia de Caçadores nº 1792 em Nhacra, seguindo para Có onde rendeu a Companhia de Caçadores nº 2367, na protecção aos trabalhos da estrada Có – Pelundo.

Assume a responsabilidade do subsector de Pelundo, em 6 de Agosto de 1969, e guarnece o destacamento da ilha de Jete, substituindo nessa missão a Companhia de Artilharia nº 1802, mantendo a protecção aos trabalhos da estrada Có – Pelundo.

A partir de 1 de Fevereiro de 1970, estabelece uma base temporária para protecção dos trabalhos na estrada de Bula-Ponta de S. Vicente.

É rendida pela Companhia de Caçadores nº 3307 em 12 de Fevereiro de 1971.

Tombaram em Campanha os seguintes militares:

CARLOS AUGUSTO FERNANDES, Furriel Miliciano de Operações Especiais nº 10273768, solteiro, filho de Augusto Caetano e Maria Delfina Fernandes, natural da freguesia de S. Pedro, concelho de Torres Novas, faleceu em 10 de Agosto de 1969 vítima de ferimentos em combate em Pelundo. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Zibreira, Torres Novas.

FERNANDO HUMBERTO DOS SANTOS SILVA, Furriel Miliciano Enfermeiro nº 09379566, casado com Leonilda Fátima Ribeiro Pinto Silva, filho de José Teixeira da Silva e Olinda dos Santos Silva, natural da freguesia de Alcântara concelho de Lisboa, faleceu em 11 de Dezembro de 1970 no Hospital Militar nº 241, vítima de Doença. Foi inumado no Cemitério de Monte da Caparica em Almada.

FRANCISCO BERNARDES CORREIA, Furriel Miliciano de Alimentação, solteiro, filho de Nicolau Correia e Maria da Conceição Bernardes, natural da freguesia de S. Martinho de Sardoura concelho de Castelo de Paiva, faleceu em 4 de Fevereiro de 1971, vítima de acidente da viação no itinerário Ponte da Pedra – Pelundo, a dois quilómetros de Teixeira Pinto. Foi inumado no Cemitério Paroquial de Sardoura

O Batalhão de Caçadores nº 2884 e as suas subunidades orgânicas, efectuaram o embarque de regresso em 26 de Fevereiro de 1971.

Caixa nº 110 – 2ª Divisão/4ª Secção, do Arquivo Histórico Militar, Lisboa

© José Martins – 26 de Junho de 2009

(José Martins)
_________
Notas de M.R.:

(*) Vd. outros postes do BCAÇ 2884 (CCAÇ 2584, CCAÇ 2585 e CCAÇ 2586) em:

17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1441: Questões politicamente (in)correctas (20): Sempe camaradas, nunca censores (João Tunes)

18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)

19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)

27 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2004: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (Anexo A): Depoimento de Fur Mil Lino, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1970)

14 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2106: Tabanca Grande (33): Apresenta-se José Rodrigues Firmino, ex-Soldado Atirador (CCAÇ 2585 / BCAÇ 2884, Jolmete, 1969/71)

1 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2320: Relatórios Secretos (1): Massacre do Chão Manjaco: O resgate dos corpos (Virgínio Briote)

3 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2325: Massacre do Chão Manjaco: Todos iguais na morte, mas nos relatórios uns mais iguais do que outros (João Tunes)

10 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2516: Blogue-fora-nada: O melhor de...(4): Pedido de desculpas às Senhoras do MNF muitos anos depois (João Tunes, oficial e cavalheiro)

26 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4080: Tabanca Grande (127): Manuel Resende, ex-Alf Mil, CCAÇ 2585 (Jolmete, 1969/71): como o mundo é pequeno e o nosso blogue é grande

20 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4223: Efemérides (20): Faz hoje 39 anos que foram mortos os 3 majores e o Alf Mosca no chão manjaco (Manuel Resende)

21 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4228: Louvores e punições (6): Alf Mil Cav Joaquim J. Palmeiro Mosca, morto a 20/4/1970 no chão manjaco (Manuel Resende)

15 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4349: Convívios (129): Pessoal do BCAÇ 2884, em S. Pedro do Sul, no dia 9 de Maio de 2009 (José R. Firmino)

22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2873: Convívios (58): 19.º Convívio do BCAÇ 2884 em Vale de Prados (José Firmino)

(**) Vd. último poste desta série em:

27 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4594: Fichas de Unidades (3): História do BART 645 (José Martins)