domingo, 20 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4980: Cartas (Carlos Geraldes) (9): 2.ª Fase - Janeiro a Março de 1966

1. Nono poste da série Cartas, (JAN a MAR66), de autoria de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66


2.ª FASE: O MATO

Paúnca, 04 Jan. 1966
Espero a visita de um coronel de Bafatá, o chefão cá do sítio e isto tem de ficar tudo a brilhar. O pior é que os soldados estão outra vez a perder o hábito de trabalhar.
Neste fim de mês de Dezembro, vivi atulhado em contas da Cantina. Fui obrigado a deslocar-me a Pirada, para na máquina de calcular de Secretaria, conseguir acertar as contas. Felizmente que tudo deu certo e até com um lucro bastante satisfatório.
As distracções continuam sempre as mesmas. Às segundas-feiras, um passeio matinal pela aldeia para ver a feira. À noite joga-se à Sueca ou às Copas. Perco quase sempre, porque não dou atenção às cartas que vão saindo, nem conto os trunfos já jogados. Agora, com esta mania das cartas, já não nos deitamos com as galinhas. Dá para passar o tempo, mas não me entusiasma muito.

Ao Sábado à tarde e ao Domingo parece que o quartel fica deserto pois toda a gente se deita na Caserna a dormir a sesta ou a ouvir rádio.
Quanto à Passagem do Ano, aconteceu sem novidade de maior. Quase sem darmos por isso, estávamos já em 1966.
À meia-noite do dia 31 de Dezembro, fizemos um arraial de trinta demónios e até disparámos, para o ar, foguetões luminosos de várias cores (os very lights). Mesmo assim a festa durou pouco tempo e antes das 02H00 da madrugada já todos dormiam sossegadamente.
Os soldados estão todos chateados comigo por ter comprado uma camisa verde do novo fardamento, mas não tive outro remédio porque as amarelas estão a desfazer-se aos bocados e já não existem à venda. Dizem que os atraiçoei, pois a farda antiga é que nos dá o valor de veteranos.

Paúnca, 17 Jan. 1966
Percorremos toda a região banhada pelo maior rio da Guiné, o Gêba, que entra no território da Província, aqui por esta zona.
O silêncio e a serenidade das margens, onde se escondem numerosos crocodilos, quase nos retinham ali, especados para sempre.
Éramos só 12 homens, 6 brancos e 6 pretos e na primeira paragem, acampámos no local de uma antiga tabanca, um grande espaço ainda limpo de mato, apenas com duas ou três árvores frondosas no centro. Ainda se viam por aqui e por ali, as ruínas de antigas vedações, paus e estacas que sustentavam as palhotas.
Deitámo-nos debaixo de dois mangueirais e fizemos uma fogueira enorme com algumas estacas das ruínas que, como estavam muito secas, arderam às mil maravilhas. Não tivemos que recear o frio, pois toda a noite a fogueira ardeu com força.
Apenas fomos importunados pelas formigas de um monte de bagabaga que inadvertidamente destruímos, quando limpávamos o chão junto das árvores. A nossa intenção era a de passarmos despercebidos por entre as tabancas que há nesta região, mas por nosso azar, ou apenas por imprevidência, quando estávamos a montar o acampamento apareceram quatro crianças vindas do mato, possivelmente em trânsito de uma tabanca para outra. Tentámos pregar-lhes um susto, dizendo-lhes que não éramos da tropa, mas sim guerrilheiros a caminho do Senegal. Por isso não os podíamos deixar seguir, teriam de ficar prisioneiros para não irem contar que nos viram. Mas os miúdos não acreditaram muito, talvez porque até já tivessem conhecido alguns de nós em Paúnca.
De modo que, ao fim de algum tempo, vendo que o ardil não resultava, optámos por deixá-los ir embora, não sem antes nos prometerem que, logo que chegassem à tabanca para onde iam, nos mandariam laranjas.
E na verdade, daí a um grande bocado, apareceu outro rapaz, de bicicleta, com um saco de laranjas e mandioca. Dei-lhe dinheiro e ele lá foi todo contente e ao mesmo tempo muito admirado.

No dia seguinte, como já não estávamos mais na clandestinidade, fomos direitos a uma outra tabanca, mais a Norte. Ao longo do rio a paisagem continuava soberba. Tirei inúmeras fotografias.
O chefe da tabanca é um velho amigo (pelo menos assim me parece) e, apesar de ele não perceber quase nada do que nós dizíamos, esteve um grande bocado a conversar connosco.
Passámos ali o resto do segundo dia a descansar, sempre rodeados de miúdos curiosos que enxameavam à nossa volta como moscas teimosas. Alguns eram muito engraçados, mas também havia muitos sofrendo de doenças nos olhos. Os mais fortes e desembaraçados eram com certeza os sobreviventes de toda uma enorme mortalidade infantil. Dormimos nas palhotas deles e, no dia seguinte, num local previamente combinado, apareceram as viaturas que nos levaram de volta ao quartel.

Nada de importante se tinha descoberto, a não ser que aquela zona, conhecida pelo nome de Mata do Sacaio, não era tão cerrada e inóspita como se dizia, pois afinal qualquer grupo de pessoas que, passasse por lá, seria facilmente detectado.
Fiquei no entanto com vontade de lá voltar, mas tão cedo não o poderei fazer porque, infelizmente dos meus 30 homens já só posso contar com 18 de boa saúde, o resto está, na maioria dos casos, com paludismo e outras doenças mais graves. Não têm o mínimo cuidado e apanham todas as doenças.
Com a milícia Fula não tenho problemas. Aquartelados num barracão ao lado do quartel, vivem felizes e despreocupados, alguns acompanhados pelas mulheres e os filhos.

No sábado à noite estava lá sentado ao pé da fogueira, conversando com eles, quando apareceram dois carros militares cheios de pessoal, numa grande algazarra. Prevendo o pior, voltei logo ao meu aquartelamento para ver do que se tratava.
Afinal vinham só divertir-se. O Capitão, o Alferes Castro que ainda julga que isto tudo é dele e o Doutor que nunca diz que não a uma promessa de farra.
Quando lhes perguntei o significado de tão inesperada visita, o Capitão explicou que tinham vindo ensinar o caminho a uma equipa de trabalhadores das Obras Públicas que anda a arranjar as estradas e que convidara o Castro e o Doutor para nos fazer uma visita informal

- E para bebermos uns copos! - acrescentaram logo o Castro e o Doutor, rindo às gargalhadas.

Como não achei muita graça, ripostei, perguntando se por acaso já estaríamos no Carnaval, para se fazerem assaltos. Mas perante a insistência dos foliões, não tive outro remédio senão abrir a Cantina. Acabaram por beber tudo o que havia e gastaram-me mais de 300$00 que, agora nesta altura me fazem muita falta, pois os negócios andam fraquinhos. Mas o que mais me irritou foi a atitude de gozo do Capitão, compactuando nesta farra de bêbados o que nele não é nada o seu estilo.
Como habitualmente, o Doutor quando se foram embora já ia de rastos, disparatando e cantando fados à lua. E o pior foi que, depois de eles saírem, um dos soldados que, por acaso nem é do meu Pelotão, mas do Pelotão do Castro e está cá emprestado, aproveitando o mau exemplo do seu chefe, embebedou-se também e foi para a caserna fazer reboliço. Armado com um pau começou a distribuir cacetadas a torto e a direito, mas logo por azar (seu) acertou num soldado negro que estava a tentar descansar. O Jau (um dos meus melhores soldados negros) acordado tão inesperadamente, não esteve com meias medidas, saltou da cama, pegou na primeira coisa que lhe apareceu à mão… uma pá e, zás! Enfiou com ela na cabeça do rufia, fazendo-lhe um golpe na testa que lhe curou instantaneamente a bebedeira.
O indivíduo ainda andou por ali a rosnar umas ameaças, mas nessa altura cheguei eu e tudo serenou como tinha de ser. Mais uma vez se comprovou que estas farras dentro do quartel dão sempre mau resultado.

Paúnca, 17 Fev. 1966
Ultimamente tem havido uma série de falsos alarmes, convergindo as atenções para esta mísera localidade.
Assim, de repente, sem qualquer aviso, surgiu aqui um Grupo de Combate de Nova Lamego e um Pelotão de Autometralhadoras Panhard, perguntando a toda a gente onde é que estava o inimigo!
Tratava-se, é claro, de mais um falso alarme, que fez logo saltar dos sofás, os chefões na sede do Batalhão.
Confirmado o engano, óbvio é claro, o Grupo de Combate regressou ordeiramente a penates, deixando, no entanto, para trás as Autometralhadoras Panhard, que já agora aproveitavam para fazer umas patrulhas pelas redondezas, não fosse o diabo tecê-las…
Assim temos passado agora umas noites bem divertidas com a companhia destes hóspedes inesperados, aliás excelentes camaradas, especialmente o Comandante, o Alferes Alexandre, um gigante de Angola, sempre bem-disposto.
A população que, tem um medo terrível das Panhard, com as suas imponentes metralhadoras de 20 mm, nem quer passar ao pé delas. No entanto soube que as populações mais afastadas parecem ter ficado tranquilizadas com o poderio de fogo que a tropa mostrou ter, para os proteger daqueles a quem eles chamam os bandidos (os turras).

Mas a miudagem atrevida, passada meia hora já andava encavalitada em cima dos blindados, brincando com as fitas das balas tracejantes de 20 mm, rindo com as brincadeiras dos soldados.
E tem sido assim esta guerra, sempre bem encenada, mas sem grandes palmas.
Agora que o Pelotão de Blindados também já se foi embora, voltámos àquela paz bucólica de sempre. Amanhã temos de dar uma grande limpeza no quartel e repor tudo nos seus lugares como dantes. Ficou como uma casa depois de uma grande festa, toda desarrumada e cheia de lixo.
Não deixei de ir a Pirada apresentar os meus hóspedes ao M. Santos, mas, não sei porquê, fui recebido com má cara. No entanto o Castro soube fazer as honras da casa e pagou as bebidas da praxe. Quando nos viemos embora, o M. Santos nem apareceu para as despedidas. Fiz de contas que não reparei. Afinal, não lhe devo nada e portanto, boa tarde!
Consta que já fez as pazes com o Cardoso e o recebe muito bem lá em casa. Alguém percebe isto?

Paúnca, 22 Fev. 1966
Hoje foi um dia extraordinário. Um dia de Carnaval como nunca gozei na minha vida. Resolvemos deitar fora as tristezas e brincar até fartar.
Felizmente, só houve um único caso de bebedeira, o soldado, o Facha, um pobre diabo que não faz mal a uma mosca, distraiu-se e bebeu mais do que a conta. Todos os outros, incluindo os furriéis, portaram-se sempre na linha, sem descarrilar nem perder a noção das realidades.
Começámos por organizar uma orquestra com os meus tambores, uma gaita-de-beiços, uma concertina, umas castanholas e um reco-reco, além dos já tradicionais ferrinhos. Dois dos soldados mascararam-se de casal de noivos, casados de fresco e um outro de polícia sinaleiro com um chapéu colonial na cabeça. Eu e um furriel pedimos umas vestimentas nativas e mascarámo-nos de fulas, simplesmente.
Formámos então um grande grupo e, logo depois do almoço, saímos pela povoação a fazer a nossa passeata. Foi um sucesso!
Rapidamente se juntou à nossa volta uma verdadeira multidão de crianças, de adultos e velhos primeiro julgando que nós teríamos endoidecido mas depois convencidos que aquilo era só festa aderiram também à pândega, acabando até a dançar o vira. Muitos acreditavam que nós tínhamos recebido a ordem de voltar para casa no dia seguinte.
Percorremos toda a povoação de casa em casa e foi um verdadeiro assalto carnavalesco às lojas que, àquela hora, estavam abertas como sempre. Mas tudo correu bem, sem excessos. Só muita brincadeira e muito ronco, muita festa e alegria.
À noite, repetiu-se a dose, agora com a orquestra mais afinada, só para fazer serenata no centro da povoação e não deixar os comerciantes irem cedo para a cama. Houve logo um deles que veio oferecer um garrafão de 10 litros de vinho que desapareceu em menos de um fósforo.
Eu, que de tarde me tinha mascarado, conseguindo não ser reconhecido por ninguém, desta vez limitei-me a assistir e a manter a ordem. Correu tudo bem e conseguimos contagiar de tal maneira os civis que, às dez horas da noite, Paúnca vivia num ambiente louco de Carnaval. Só se via gente a cantar e a dançar. Por todo o lado ouviam-se batuques e o som da nossa orquestra, mais conhecida como o Quinteto do Lopes que teve um sucesso inesperado. Quando tudo começou a esfriar, quem ainda bulia veio para o aquartelamento para um fim de festa rematado por um grandioso baile. Esgotaram-se as reservas da cantina para todo o mês.
Não sei como, desatei também a tocar desenfreadamente um tambor, enlouquecendo a multidão que pulava e se rebolava pelo chão numa completa histeria.
Curiosamente, ninguém se embebedou! Durante toda a noite bebi apenas um whisky, oferecido na casa de um dos comerciantes e naturalmente era o que estava mais lúcido.
Enfim, foi uma festa magnífica. Amanhã, Quarta-feira de Cinzas é dia de trabalho.

E eis que surgiram novas ideias ao nosso Capitão. Teremos de construir uma casa-abrigo para o novo gerador de energia eléctrica que, virá (ou não…) dentro de dez dias! Quer tudo feito em bidões cheios de terra, à prova de bala de canhão…
Falta saber quem é que amanhã se vai levantar mais cedo para começar a trabalhar nessa obra.
Eu cá, é que não!

Paúnca, 01 Mar. 1966
A estação da mancarra está quase a acabar. Já circulam menos camponeses pela estrada, puxando os seus burros, carregados com os enormes sacos cheios de mancarra, a caminho dos armazéns dos comerciantes daqui que, depois se encarregam de a fazer chegar a Bafatá para aí embarcar para Bissau.
A temperatura chegou a descer tanto que me vi forçado a dormir de pijama e cobertor. Mas agora já está a subir de novo.
Passo o tempo entretido a ler ou a jogar às cartas com os furriéis. Neste último fim-de-semana, pela primeira vez, tivemos a visita de dois turistas. A fama da boa vida em Paúnca está a tomar tal consistência que já aparecem pedidos do pessoal de Pirada para virem passar aqui os fins-de-semana. Os dois primeiros turistas foram uns furriéis, nossos especiais amigos que solicitaram ao Capitão licença para passar cá o sábado e o domingo numa espécie de mini-férias.
A razão principal sei eu qual é. A comida da nossa Messe é muito melhor que a de Pirada. Se acrescentarmos a isso, os ares mais puros, a convivência mais alegre e sadia, as bebidas frescas e à borla que, os donos da casa sempre acabam por oferecer, e sobretudo o facto de estarem longe do 1.º Sargento e do Capitão, está explicada a razão deste fenómeno que não deixa de ser curioso. E agora são também os soldados que querem fazer o mesmo.
Quase que chega a haver necessidade de se meter uma cunha para conseguir gozar uma pequena licença em, Paúnca!

Este mês a cantina ia ficando completamente vazia. A alegria de estarmos a chegar ao fim da comissão é talvez uma das razões, mas o calor também tem ajudado. Os refrigerantes desaparecem num ápice, tal é a venda. Continuo a ser o gerente da cantina e até agora só tem dado lucro. No fim deste mês entrego tudo a outra Companhia o que já representa alguma coisa. Quando aqui chegámos não havia nada. Estou em crer que até meados de Abril deveremos marchar para Bissau. Até que enfim!
Soube agora pela rádio que os soviéticos atingiram Vénus com uma nave não tripulada. Agora só nos falta a nós sairmos daqui.

Paúnca, 08 Mar. 1966
No sábado passado, fui a Bafatá passear, pois apeteceu-me mudar de ambiente. No entanto apanhei uma valente estafadela pois a estrada está em péssimo estado e ainda por cima o jeep já não tem amortecedores.
Na companhia do M. Santos, almocei num café e depois fomos às compras. Apenas comprei uns livros e não encontrei mais nada de especial, a não ser um pequeno tapete com motivos árabes, alguns panos típicos, um canhangulo novo e uns pratos feitos de ráfia que podem servir de resguardo, quando se colocam panelas ou outros recipientes quentes em cima da mesa.
Mas o que mais de encontrava eram coisas feitas na China! Louça, lenços de seda e até cestas de vime colorido. Comprei ainda, antes da hora da partida uma espécie de rosário, ou simplesmente um colar de contas, que os fulas maometanos como são, usam constantemente, para os ajudar a recitar orações ou os versículos do Alcorão, julgo eu. Infelizmente, os indígenas de cá têm muito pouco artesanato para vender. As coisas mais bonitas vêm de fora, o que as torna mais caras, como é óbvio.

Como o Manel Jaquim agora parece ter medo de vir cá cima, não sei porquê, o nosso entretenimento continua a ser jogar às cartas ou ler alguma coisa. Quanto ao quinteto do Lopes, passou agora a octeto, com novos números e novas orquestrações.

Paúnca, 13 Mar. 1966
Na semana passada estive dois dias em Pirada, a pedido do Capitão. Esperava a vinda de umas autoridades senegalesas e como não tem lá ninguém que fale francês, pediu-me para lhe ir dar uma mãozinha.
Afinal a entrevista limitou-se a uma breve apresentação de cumprimentos mesmo sobre a linha de fronteira.
Em seguida, limitei-me a ficar por lá, ir até casa do M. Santos conversar e ouvir um pouco de música dos novos discos que tem recebido. Em suma passei dois dias sem fazer nada, tal como um verdadeiro turista, passeando e cumprimentando velhos conhecidos.
Quando regressei, todos me vieram falar como se tivesse voltado de uma longa viagem. Na minha ausência tudo tinha corrido sem problemas. Hoje está marcado um almoço, aqui no quartel, para o qual foram convidados todos os comerciantes de Paúnca, uns furriéis de Bajocunda e ainda o nosso Alferes Médico que, agora se dá muito bem comigo e com todos os militares de Paúnca. Foi uma grande festa que só acabou às 6 da tarde, porque os furriéis de Bajocunda tinham de regressar a casa e ainda tinham de percorrer uns 40 kms por picadas de 3.ª categoria.
O almoço foi galinha de chabéu, um prato típico cá do sítio que, consiste em galinha cozinhada em óleo de palma, acompanhado de arroz branco. Tudo muito picante, como é da tradição. O nosso cozinheiro (um balanta que anda quase sempre bêbado) desta vez esmerou-se e toda a gente gabou e repetiu, embora para alguns, tivesse sido a primeira vez que comiam tal especialidade. Éramos 10 pessoas à mesa e consumiram-se 10 galinhas!
Depois, como estava muito calor, fomos até casa de um dos comerciantes comer bolinhos de bacalhau e umas frituras de pasta de camarão, de origem chinesa, e beber whisky com muito gelo. Finalmente para espairecer, fomos dar uma volta pela tabanca e mostrar os locais mais interessantes aos nossos visitantes que, como nunca tinham vindo até cá, se mostraram encantados. Nós, depois de nove meses de estadia, como é o nosso caso, é que já não achamos graça nenhuma.
Acabou-se a tarde a jogar as cartas em casa de outro comerciante. O Doutor ficou para jantar que, entretanto se foi atrasando, pois tivemos de esperar pelo Furriel Vicente que tinha ido levar os camaradas de Bajocunda. Só voltou depois das 10 da noite, mas, bem atestados como estávamos com o almoço, aguentámos bem a espera. Apesar, do jantar (Bacalhau à Gomes de Sá) já estar completamente frio àquela hora, mesmo assim até soube melhor.
Ao serão rematámos com um campeonato de King que só terminou às 03H00 da manhã!
O pior é amanhã, segunda-feira…

Paúnca, 21 Mar. 1966
As novidades para esta semana resumem-se à chegada do Manel Jaquim e a pouco mais. Finalmente reapareceu por cá, com um filme tão ordinário que até senti ganas de lhe apertar o pescoço. Chamava-se “O Capitão Sindbad” e era uma historieta desconchavada tirada das Mil e Uma Noites, excedendo tudo o que já vi de mau gosto e estupidez.
Durante o resto dos dias fui até Pirada várias vezes, para mudar de ambiente, conversar com o M. Santos, ver alguns amigos.

No domingo tivemos cá a visita de um velho comerciante de Pirada, o Gomes que vive muito só, acompanhado apenas por um criado preto, quase tão velho como ele. Muito amigo de alguns furriéis, foram estes que se lembraram de o convidar para vir também conhecer esta já famosa estância turística. Bebemos uns whiskies e comemos galinha assada no espeto. Com o desenrolar da conversa, caiu na esparrela de se gabar que tinha uns paios no frigorífico em casa dele, em Pirada e, no meio do entusiasmo geral acabou por convidar toda a gente para ir lá prová-los.
Claro que nem foi preciso repetir, todos tinham ouvido perfeitamente bem. Corremos para os jeeps e depois de uma louca corrida por 30 kms de picada, caímos em casa dele. Em menos de um fósforo desapareceram três paios e uma garrafa de whisky. O pobre do homem ao ver aquela pressa toda, acabou por fugir para os fundos do quintal a pretexto que precisava de tomar banho.
Por acaso, nesse dia, o Capitão e o Alferes Castro tinham ido a Nova Lamego fazer um piquenique (!) e só voltaram à noite.
Imagine-se! Darem-se ao luxo de fazerem piqueniques aqui. Aposto que ninguém acredita.

Ah! É verdade, segundo os últimos boatos a nossa partida está marcada para 21 de Abril e seguiremos para Bissau no dia 5, mas nada é oficial ainda.
Aqui os dias permanecem sempre iguais. Se começa a chover é porque começou a estação das chuvas. Quando pára de chover, pronto, começou a estação seca!
E é tudo.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4958: Cartas (Carlos Geraldes) (8): 2.ª Fase - Outubro a Dezembro de 1965

Guiné 63/74 - P4979: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (11): Fartote de hortaliças (Giselda Pessoa)

1. Mensagem de Giselda (*) e Miguel Pessoa, com data de 18 de Setembro de 2009:

Carlos, Luís:
Para compensar o nosso afastamento do blogue por um período de férias dilatado (na verdade ainda continuam...) envio-vos duas pequenas histórias - uma minha ("Correio ao domicílio"), outra da Giselda ("Fartote de legumes").

Como é habitual são ligeirinhas, mas talvez não faça mal, para compensar a caloraça que este Verão trouxe ao blogue...

Um abraço
Giselda e Miguel Pessoa


FARTOTE DE LEGUMES

Quando deambulava pelos aquartelamentos espalhados pela Guiné, nas minhas missões, tive oportunidade de verificar as condições difíceis em que viviam muitos dos nossos militares, nomeadamente no que dizia respeito à alimentação.
Na verdade, devido às dificuldades de abastecimento de géneros, mais visíveis nos aquartelamentos mais isolados, a alimentação falhava com bastante frequência, quer na quantidade quer na qualidade.
Essa situação era agravada nos locais que não dispunham de pista ou que, por acção do inimigo, tinham visíveis dificuldades no reabastecimento por via aérea ou mesmo por via terrestre.

Assim, o prato do dia em muitos sítios era sistematicamente repetido, geralmente com base no arroz ou massas e enlatados e algum produto produzido localmente, mas muitas vezes com visível falta de frescos para acompanhar a refeição.

Tive a oportunidade de verificar isso pessoalmente em diversos locais onde, por força do apoio a Operações, permanecia durante todo o dia, juntamente com as tripulações de alerta às evacuações. Lembro-me que, em determinado momento, devido ao sistema de rotação com as minhas colegas, dia sim dia não abancava no aquartelamento de Cufar onde, sistematicamente, ao almoço nos era servido esparguete com ovo estrelado, salsichas e mortadela (das enlatadas). Poder-se-ia dizer que não era tão mau como isso, mas não se pode considerar adequada uma alimentação que, por ser repetitiva, se tornava enjoativa, acrescida da falta de frescos para equilibrar a ementa.

Outra situação particular vivi-a num aquartelamento no norte da Guiné que apenas dispunha de um heliporto improvisado; após a nossa aterragem, logo pela manhã, muito amavelmente perguntaram-nos se queríamos beber alguma coisa. Para evitar penalizá-los pedi-lhes um simples copo de água. Disseram-me que água não tinham no momento, que tinham que a ir buscar longe. Só se fosse whisky ou Martini...

Pelo contrário, outro local em que muitas vezes permanecíamos, no sul, dispunha de bastante água, não costumando ali faltar os frescos. No decorrer de uma Operação em que ali parámos um par de horas, numa visita às hortas que ali havia, tive a oportunidade de gabar ao seu responsável a qualidade dos legumes ali produzidos.
No momento em que nos preparávamos para descolar tive a surpresa de ver o tal responsável pelas hortas dirigir-se-me, trazendo-me simpaticamente dois sacos volumosos, um com alfaces, outro com couves. Embora com os meus protestos, pois eles precisariam mais daqueles frescos do que eu, acabei por embarcar o material que tão generosamente nos tinha sido oferecido.

O nosso destino era Guileje, onde tive igualmente a oportunidade de passar bastantes dias de alerta. Pela experiência anterior, sabia das limitações de Guileje no que dizia respeito à água e aos frescos, pelo que, lá chegados, foi com satisfação que ofereci os sacos com os legumes que tinha trazido comigo. E o facto é que de imediato alguém tratou de dar destino àquele petisco caído do céu. E ao almoço, que partilharam com a tripulação, foi possível distribuir, por um dia, um rancho melhorado a quem, devido às carências existentes, há já uns tempos que não metia o dente nuns legumes tão frescos e tão apetitosos.

Giselda Pessoa
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Notas de CV:

(*) Giselda Pessoa, ex-2.º Srgt Enf.ª Pára-quedista, Guiné, 1972/74

Vd. último poste de Giselda Pessoa de 7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4295: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (9): O dia-a-dia de uma Enf Pára-quedista na Guiné (Giselda Pessoa)

Vd. último poste da série de 11 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4318: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (10): Ivone Reis, Anjo da Guarda na Guiné, Angola e Moçambique (António Brandão)

Guiné 63/74 - P4978: Os Nossos Enfermeiros (7): Excerto do Diário de um Enfermeiro (José Teixeira)

1. Mensagem de José Teixeira (*), ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 17 de Setembro de 2009:

Carlos
Aquele abraço
Na foto que ilustras o poste do Zé Belo sobre os enfermeiros, eu pareço mais um guerrilheiro que um Enfermeiro. Como sabes, eu logo no principio da Comissão decidi não usar arma e ser apenas Enfermeiro. Aquela foto é uma montagem para brincadeira. Gostava que no mínimo registasses essa informação na legenda da foto.

Sobre o mesmo tema, junto um texto e três fotos:
Uma do Aliu Baldé, tirada de um quadro que a familia me mostrou em 2008; outra da familia da Djobo Ansato, onde se vê a "Maria" (de cordão ao pescoço) e uma terceira do Braima Cassamá, guerrilheiro do PAICG que conheci em 2008, e que participou no ataque que descrevo no meu Diário. Disse-me ele que foi dos que entrou dentro do arame e teve de fugir, rapidamente.

Abraço fraterno
José Teixeira

Aliu Baldé
Foto editada por CV


Família de Djobo Ansato

Nesta foto Braima Cassamá, ex-combatente do PAIGC

Fotos: © José Teixeira (2009). Direitos reservados.


Os Nossos Enfermeiros
José Teixeira

O José Belo serviu-se do nosso blogue para me conceder o mais saboroso louvor pelo trabalho que desenvolvi como enfermeiro, durante a Comissão, na qual ele foi o meu Comandante de Grupo.

Este louvor é extensível a todos os camaradas Enfermeiros que vivenciaram a guerra colonial, muito em especial ao António Lemos e ao Jorge Catarino, nossos companheiros de jornada, os quais viveram situações bem mais difíceis.

Na realidade, aos Enfermeiros, como afirma o Belo, eram-lhe reservadas missões bem diferentes da que lhes estava atribuída.

Fui o irmão mais velho para alguns. Enviei dois camaradas para Lisboa, ao escrever ao governador a expor a sua situação. Um tinha um irmão que falecera em combate em Angola. O outro, o seu irmão morrera ali mesmo ao lado no desastre de Cheche no Rio Corubal. Estavam os dois na Guiné.

Ouvi muitos desabafos: Era o álcool em excesso que por vezes deixava libertar problemas mais ou menos graves; era a carta da namorada/esposa que não chegava; era a vontade de ir às meninas e o medo de apanhar uma doença venérea, ou... o receio de não se sair bem pela primeira vez; era o medo de morrer na guerra; era a dor que aparecia, provocada pelo cansaço físico e psicológico que o ia matar... era... era...

Fui o conselheiro procurado para resolver problemas de relacionamento entre marido na Guiné e esposa no Barreiro.

Li cartas de namoradas e família. Escrevi cartas a namoradas e a madrinhas de guerra.

Escrevi carta aos pais da possível namorada arranjada em tempo de guerra, a pedir autorização para... deixar a filha namorar à porta de casa, quando ele regressasse da Guiné.

E os dramas dos feridos que se viam estropiados; dos feridos que víamos partir sem lhes poder valer!

Do Capitão, com um estilhaço numa perna que agarrado à foto da bebé sua filhinha chorava, não de dores, mas de medo de não a voltar a ver!

Do Miguel que ficou sem uma perna, agarrado à foto da noiva a quem escrevia diariamente e de quem recebia toneladas de cartas, gritava:

- Já não vou casar, ela assim não me quer! - Enquanto eu me esforçava por reduzir a hemorragia e lhe salvar a vida.

Afinal casou e vivem felizes.

Das mães que nos traziam os seus filhotes cheios de febre. O Enfermeiro foi a esperança e tantas vezes a salvação para essas crianças.

Daquela mãe com as nádegas crivadas de estilhaços que queria morrer e eu não entendia a razão... Vira a sua bébé morrer carbonizada na morança incendiada pela mesma granada que a atirou ao chão e a imobilizou.

Os camaradas que procuravam formas de fugir às saídas para o mato, usando artimanhas bem urdidas. Umas vezes com sorte, outras azaradas, sobretudo os abusivamente repetentes.

Sem pretender vangloriar-me, mas sim, enriquecer o seu testemunho com situações reais que confirmam o que ele escreveu acerca das acções dos enfermeiros, vou servir-me mais uma vez do meu "Diário":

Dezembro,1968 / Mampatá /29

A Jobo Ansato (Joaninha, como eu lhe chamo), começou há tempos a ter um comportamento diferente para comigo. Várias vezes me ofertou fruta, chama-me muitas vezes à noite para a porta do abrigo subterrâneo onde dorme, gosta de conversar comigo e fica ciumenta quando me vê a conversar com outras "bajudas", como a Fátma, por exemplo, que é a jovem mais linda que eu vi em toda a minha vida. Eu, embora notasse essa mudança não conseguia compreender a sua razão de ser. Ontem, como tantas outras vezes fui até à sua morança e a conversa virou para os feridos de guerra, as doenças na população e a acção dos enfermeiros.

Fiquei espantado ao ouvi-la dizer:

- No último ataque dos bandidos eu vi o “Tissera” correr pela Tabanca, debaixo de fogo, perguntar à gente se havia feridos. Eu nesse dia fiquei muito contente com ”fermero” . Tissera é amigo de Africano.

Para meu espanto verifico que foi a partir do ataque que sofremos em 3 de Novembro que se deu esta mudança no seu comportamento. Como uma simples acção no cumprimento do meu dever pode influir tanto na maneira de pensar e agir de uma pessoa !.

Indo um pouco mais atrás no “Diário” tinha escrito o seguinte:

Novembro, 1968 / Mampatá /3

O dia 3 de Novembro não será esquecido pelos "Amarelos de Mampatá", pois tivemos de travar uma luta de vida ou de morte com o IN que aproveitou a hora do almoço em que os militares se afastaram do seu posto de defesa, para buscar a alimentação junto à cozinha, tentando entrar em Mampatá...

... Chegamos a ter a sensação que estavam cá dentro o que não se verificou graças à nossa valentia e à sorte também. Ao tentarem entrar pelo lado de Buba, o Silva, que não tinha vindo buscar a comida ao refeitório por estar doente, aguentou-os até chegarem reforços e obrigou-os a retirar, quando já estavam dentro do arame.

Onze tabancas ficaram destruídas pelo fogo, pois utilizaram balas incendiárias e também destruiram o paiol. Fiquei assustado e desorientado porque dada a intensidade do fogo e a estratégia adoptada pelo IN, contava ter muito que fazer com feridos talvez mortos, atendendo a que ninguém esperava tal surpresa, os postos estavam desguarnecidos e sobretudo porque tinha pouco material de socorro, apenas 2 sacos de soro.

Ainda debaixo de fogo, saí do abrigo onde me protegera e corri pela Tabanca à procura de feridos, junto dos abrigos subterrâneos onde se abrigara a população. Felizmente nada aconteceu, foi só fogo de vista, susto e prejuízos materiais. Graças a Deus.


Não sei porque razão reagi desta maneira, mas aconteceu…

Impulso natural de medo?

Sentido de missão?

Não sei...

Impulso de heroísmo para agarrar uma medalha não foi de certeza.

No entanto foi bom ter acontecido, por duas razões; primeiro pude ver o chefe de tabanca Aliu Baldé, falecido uns anos depois por doença natural, a quem presto a minha homenagem, de morteiro sessenta em punho, com dois milícias carregados com cunhetes de granadas, de ouvido atento a localizar as rajadas e as saídas do adversário e com duas ou três morteiradas bem dirigidas, os calar. Correr a outro ponto da tabanca, sempre com os dois milícias atrás e repetir a dose. Como fiquei a admirar aquele homem!

A outra razão foi o de no fim da contenda me sentir feliz pela forma estranha como agi. Agora sim, aos saltos e gritos cantava vitória. Não houvera mortes nem feridos.

Em 2008 fui a Mampatá de visita, matar saudades. A Djobo estava ausente em Cumbidjá, pelo que não tive o prazer de a ver, mas a sua família ao saber da minha presença, apresentou-se. Vieram ter comigo os velhos e os novos. Aproximaram-se a medo. Um disse-me, a Djobo está no Cumbidjá, nós somos a sua família. Houve ronco e... a foto da família.

Obrigado José Belo por te lembrares de mim e deste modo me ajudares a viver de novo estes momentos.

Zé Teixeira
__________

Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4965: Os Nossos Enfermeiros (6): Os Nossos Anjos da Guarda (Joseph Belo)

14 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 – P4819: Estórias do Zé Teixeira (36): Mataram o futuro (José Teixeira)

8 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4920: Os nossos médicos (5): Um grande homem, militar, clínico e matosinhense que me marcou, o Dr. Azevedo Franco (José Teixeira)

sábado, 19 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4977: Convívios (165): Almoço/Convívio: BCAÇ 237/599, PEL MORT 912 e PEL AM DAIMLER 807 - Como/Cufar/Tite 1964/66 - (Santos Oliveira)

1. Mensagem do nosso camarada Santos Oliveira, ex-2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf/RANGER, esteve no Pel Mort 912, Como, Cufar e Tite, 1964/66:



CONVÍVIO

BCAÇ 237/599,
PEL MORT 912
e
PEL AM DAIMLER 807

Camaradas,

Como havia sido programado, realizou-se ontem, 5 de Setembro o GOLPE DE MÃO ao Restaurante FLOR DO PARAÍSO, em Arcozelo - V.N. de Gaia.

O empenho e valentia dos Veteranos, que pertenceram aos Batalhões 237/599, Pel.de Morteiros 912, CCav 677 e outros, é documentado por imagens da Divisão de Fotografia e Cinema, da Unidade.


No final da Operação, ficou apurado que os objectivos foram integralmente cumpridos, tendo as Tropas regressado, em Paz, aos acantonamentos habituais.



Assinado
Pel'O Comandante









Foto da esquerda: O Santos Oliveira , a solicitação do Cor Gama, a fazer as descrições da Guerra na Ilha do Como. A atenção é manifesta no Furr Mil Machado(PelRecInf) e Cor Gama, Foto da direita: 1º Cabo Catarino(CCS), SrgtºMilº Santos Oliveira(PM912) e Cor Gama(2ºCMDT)










Foto da esquerda: Furr.Milº Rodrigues(CCav677),Alf.Milº Rodrigues (PM912) e Alf.MilºAlmeida (PRecInfª), Foto da direita: Furr's Mil.Machado(PRecInf), Franklin(CCav677) e Furr Liberato(CCS)













Foto da esquerda: Foto da Família, Foto da direita: Filho de Camarada atento aos ditos entre o Cor Gama e o Srgt Santos Oliveira












Aspecto de duas das mesas da confraternização












Foto da esquerda: O Coronel Dias da Gama (2º Comandante do BC599) no uso da Palavra

Fotos: © Santos Oliveira (2009). Direitos reservados.
Santos Oliveira
2º Sarg Mil AP Inf/RANGER do Pel Mort 912,
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

17 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P4972: Convívios (162): Ex-combatentes da Guiné do Concelho de Godomar, no dia 5 de Outubro

Guiné 63/74 - P4976: Memória dos lugares (43): Madina do Boé e Beli (António Pinto, ex-Alf Mil, BCAÇ 506, 1963/65)

Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > BCAÇ 506 > Abril de 1964 > Da esquerda para a direita: O Alf Mil António Pinto, o Mário Soares, comerciante de Pirada, o Alf Médico (e hoje conhecido como o grande intérprete do fado de Coimbra) Luiz Goes e o Alf Mil Spencer. Luis Goes fez 76 anos em 10 de Janeiro de 2009. Gostaríamos de o homenagear na série Os Nossos Médicos (*)... Alguém mais o conheceu como Alf Mil Médico ? Depoimentos precisam-se!...

Foto: © António Pinto (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem dos nossos António Pinto, um dos camaradas da velha guarda (BCAÇ 506 , 1963/65) (**) (Vive actualmente em Vila do Conde, telef. 252 653 094) (Na foto, à esquerda, em Pombal, por ocasião do nosso II Encontro Nacional, 2007).


Caro Camarada Armandino Alves (***), já há bastante tempo que não escrevo nada para o nosso Blogue, apesar de quase todos os dias o vá visitar, primeiro para acompanhar as notícias e novidades que sempre vão aparecendo e segundo se vejo alguém do meu tempo (1963/65) a aparecer, facto que não se concretizou ainda.

A minha idade (já lá vão 70) e outros factores (duas operações à coluna) têm-me impedido de ser mais activo e não relatar tantos episódios por mim vividos nos tempos por que lá passei. Fiquei admirado e agradavelmente surpreendido por ver uma mensagem endereçada a mim directamente e em que falavas de Madina e Beli.

E porquê? Porque foi o nosso Pelotão (não passava disso mesmo, embora reforçado por soldados oriundos da Guiné) a construir (!) os Destacamentos nessas Povoações. Primeiro em Madina, local onde fomos atacados uma só vez, mas colunas nossas sofreram bastante nas várias deslocações que fazíamos.

Assisti e, ao fim de tantos anos, ainda relembro bem, as mortes de camaradas nossos vítimas de emboscadas e minas. Era nessa altura nosso médico o Luiz Goes (****) e nem ele, nem eu, nem ninguém poderia fazer o que quer que fosse a não ser confortar, nos últimos momentos, os nossos Camaradas, que, estupidamente deixaram lá as suas vidas.

Deixei Madina e fui para Beli num local perto da casa do Chefe de Posto (não sei se no teu tempo ainda lá estava) que tinha realmente quatro casas e onde morava, salvo erro, um enfermeiro. Tivemos que abrir as valas, duas cercas de arame farpado e dar condições de habitabilidade mínima para todos nós.

Foi aqui em Beli que fui ferido com estilhaços de uma granada de morteiro que caiu mesmo na vala onde eu me encontrava na altura. Ainda andam comigo muitos desses estilhaços (felizmente dos que não matavam) misturado com areias e pedras.

Felizmente dos nossos que ficaram feridos, uns mais do que outros, todos nos safámos.

Respondendo finalmente à tua pergunta, não é do meu tempo os versos escritos numa das casas, nem tão pouco o Luiz Goes esteve comigo em Beli (só em Madina) (*****).

Caríssimo Armandino, não te esqueças que mandam as norma do Blogue tratarmo-nos por tu!.

Não me alongo mais, obrigado por me contactares e um grande quebra-ossos do António Pinto

_______

Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série: 8 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4923: Os nossos médicos (6): Homenagem ao Alf Mil Med Barata (Binta) e ao HM 241 (Bissau) (JERO, ex-Fur Mil Enf, CCAÇ 675, 1964/66)


(**) Vd. poste de 18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli

O BCAÇ 506 (14 de Julho de 1963 / 29 de Abril de 1965) esteve sediado em Bafatá. O Comandante foi o Ten Cor Inf Luís do Nascimento Matos. Unidade mobilizadora: RI 2.

Alguns dados sobre o nosso camarada António Pinto:

(i) Embarquei para a Guiné em Novembro de 1963, em rendição individual ("Fui substituir um colega que se pirou para o Senegal");

(ii) Passou por Nova Lamego, tendo ao fim de algum tempo sido destacado para Pirada ("onde reconstrui o aquartelamento");

(iii) Estive algum tempo em Geba ("zona na altura um bocado perigosa, mas sem problemas");

(iv) Veio de férias em Outubro de 1964;

(v) No regresso, foi destacado para Madina do Boé, "tendo sido o primeiro pelotão a chegar lá onde montei o primeiro aquartelamento";

(vi) Depois foi para Beli , o primeiro pelotão também a lá chegar e a montar o destacamento;

(vii) Em Maio de 65, Beli é atacado tendo o António Pinto sido um dos sete feridos companheiros), no caso dele devido a rebentamento de uma granada de morteiro;

(viii) Esteve um mês internado no HM 241, em Bissau;

(ix) Seguiu depois para Bolama, para dar instrução e terminar a comissão.


(***) Vd. postes de:

16 de Junho de 2009> Guiné 63/74 - P4536: Memória dos lugares (31): Béli, CCAÇ 1589 (1966/68) (Armandino Alves)

6 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4468: Memória dos lugares (28): Beli e Madina do Boé, CCAÇ 1589, 1966/68 (Armandino Alves)

(****) Vd. ppste de 4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1492: O Álbum das Glórias (7): Eu, o Mário Soares, o grande cantautor de Coimbra, Luiz Goes, e o Spencer (António Pinto)


(*****) Vd. postes sobre Madina do Boé e Beli, da autoria do António Pinto:
17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido

3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)

20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4975: (Ex)citações (46): Se eu fosse mulher sentir-me-ia duplamente envergonhada... (Vitor Junqueira)

1. Texto do Vitor Junqueira, ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), médico, residente em Pombal, membro da nossa Tabanca Grande, organizador do nosso II Encontro Nacional (Pombal, 2007). Enviado a 14 de Setembro de 2009, depois de solicitado a comentar um comentário de uma leitora anónima ao poste P1475 (*)


Caro Luís Graça,

Cheguei da terra de Alberto João que não visitava fazia um tempinho e a quem tiro o meu chapéu. Encontrei o teu e-mail que desde já agradeço. Como não havia qualquer referência ao texto que motivou tão grande vergonha (embaraço?) por parte da nossa cara visitante, deduzo que se trata daquele em que falo da Guiné e dos amores que eu lá tive. Até parece o título de uma canção de Coimbra!

Segue um breve comentário ao reparo da estimada leitora, com o pedido antecipado de desculpas, caso continue a sentir-se ofendida depois das explicações que lhe ofereço.



(Ex)citações (46) > A Guine e os amores que lá tive (**)
por Vitor Junqueira


Elaborando um pouco sobre um comentário seu (*) a um texto da minha autoria versando o tema do sexo em tempo de guerra, que a deixou envergonhada, permita-me, minha senhora, que lhe diga que não posso estar mais a seu lado, nem por baixo nem por cima. Também sou, por princípio, contra a guerra, a violência sobre os outros povos … e o meu. Calculo que, tal como eu, a senhora abomina a hipocrisia, o cinismo, a estupidez, a indignação das virgens púdicas, as ratas de sacristia ou falsas beatas.

Peço-lhe minha senhora, que atente na quantidade de pontos de convergência que o nosso pensamento já leva em comum. Até lhe digo mais, se eu fosse mulher, sentir-me-ia duplamente envergonhada!

Primeiro, porque ninguém gosta de ver outro do seu género (taxonómico) enveredar por uma carreira profissional tão desprotegida e socialmente desvalorizada, reconheçamo-lo. E note que estou a referir-me às profissionais dos países civilizados, como o nosso. Bem sei que, no Reino Unido e na Itália, a corporação se organizou em partidos políticos que tiveram votações consideráveis. Conheceu a Cicciolina? Até chegou a de(puta)da! Nalguns países europeus, têm direito a cartão profissional, seguros, protecção sindical e formação teórico-prática.

Em segundo lugar, garanto-lhe que a sigo noutro aspecto, o da nomenclatura. As antigas designações de puta, prostituta, meretriz, mulher de vida fácil, apresentam uma carga pejorativa considerável, soam mal ao ouvido e podem até induzir em erro toda a mulher que pretenda abraçar a profissão. Como é que se pode considerar fácil a vida de uma profissional, se ela não tiver minimamente definidos o seu horário laboral, número máximo de atendimentos/hora, remuneração, higiene e segurança no trabalho, etc.?

Prefiro a denominação de profissionais do sexo. Ao contrário do que pensa, respeito-as e admiro-as! Pela coragem, devido às doenças que por aí andam. Pelo espírito de sacrifício, porque não dever ser pêra doce desenvolver uma actividade convencional durante o dia, e à noite, dedicarem-se a outra ainda mais convencional. Eu que lhe digo, é porque sei. Vivi uns tempos na periferia de uma grande urbe nacional e, por diversas vezes, até fui testemunha presencial da ginástica que algumas tinham que fazer para andarem bem arranjadinhas e pagar a prestação do carrito.

Hoje em dia, estas profissionais estão muitíssimo melhor preparadas para enfrentarem a carreira. Muitas frequentam ou frequentaram a universidade, são clientes dos melhores ginásios e clínicas de fitness, têm a alimentação controlada por nutricionistas, vestem bem e publicitam os seus serviços (acompanhantes) em revistas caras. Pode dizer-se que usufruem de uma vida de estalão. Claro que não podemos fazer generalizações, nem todas lá chegam, tantas são as vezes em que o sucesso depende de parâmetros sobre os quais o ser humano não tem controlo. Mulheres mal feitas, feiosas, sem educação, copuladas e mal pagas, são bem capazes de, a dado momento, acharem que escolheram o lado errado da vida. Essas sentem-se envergonhadas. Compreensivelmente.

No caso da mulher africana, a minha experiência não é grande porque praticamente só tive o relacionamento que descrevi. Mas aí parece-me que a situação não é tão preocupante como pode parecer à primeira vista. Desde logo, porque é mais fácil a mulher africana ir (ou vir) com um homem porque gosta dele, e não por dinheiro. Parece-me que deixei bem claro que a minha – como lhe hei-de chamar, namorada? - nunca aceitou qualquer forma de pagamento. E depois, pelo que me apercebi, elas não brincam em serviço. Ou estão afim ou não há mesmo nada a fazer, e a insistência pode ser muito perigosa para a saúde andrógina.

Também não constatei que houvesse exploração de mão de obra barata já que o serviço mais comum, partir punhe, andava pelos dois pesos e meio, e tratando-se de clientes na casa dos vinte anos, não se pode dizer que fosse trabalho penoso, insalubre ou demorado.

Pedagogos com nome na praça têm-no aconselhado como boa prática introdutória ou iniciática ou vice-versa, olhe já estou confuso, nas nossas escolas, sem qualquer lugar a qualquer cobrança, evidentemente.

A esta hora já a senhora estará a perguntar-se; mas onde é que este rapaz terá ido buscar tanta ciência? Garanto-lhe que não foi ao currículo da mãe, irmãs, tias ou avós como estará tentada a avançar. Essas eram umas pategas, só sabiam rezar e até um simples pensamentozito mais lúbrico era motivo para confissão, a um senhor padre muuuiito velhinho e quase invisual. Onde eu tenho aprendido umas coisas é na literatura moderna, particularmente naquela de inspiração feminina. E só leio autoras de referência. Mas não dispenso as revistas de e para mulheres. Acho-as um bocadinho picantes, atrevidas mesmo. Se aquilo que lá vem corresponde à realidade, é um delicioso mundo novo que se abre para nós, homens. Alguns sortudos já encontraram tudo aberto, é a felicidade sem limites e sem responsabilidades. Agora eu, pobre de mim, vivo aqui para as berças onde ainda está tudo tão fechado!

Não me alongo mais. Reitero-lhe a expressão do meu maior respeito ao mesmo tempo que faço votos para que alcance o maior sucesso e prazer tanto a nível pessoal como profissional, seja qual for a actividade a que se dedica.

Ao seu inteiro dispor,
Vitor Junqueira

_________________

Notas de L.G.:

(*) 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação

Comentário de uma leitora, anónima, com data de 13 de Setembro de 2009:

"Pesquisando imagens sobre África , deparei-me com o vosso blog. Por princípio sou contra a guerra, o abuso e violência sobre outros povos, mas respeito todas as pessoas que tenham vivido na pele a experiência.

"No entanto fiquei impressionada e envergonhada com a falta de respeito despudorada deste artigo. Tratando a mulher como objecto sexual, como puta, no caso a mulher africana, revelando uma total desconsideração pelo ser humano, pela mulher, demonstrando claramente os abusos do colonialismo que nada fez que explorar e violentar outros povos. Lamentável".


(**) Vd. último poste desta série, (Ex)citações: 15 de Setembro de 2009 >Guiné 63/74 - P4953: (Ex)citações (45): Resposta ao Mário Fitas: Luís, deixa sair de vez em quando as G3...(Luís Graça)

Guiné 63/74 - P4974: Agenda Cultural (27): "A Marinha em África - Angola, Guiné e Moçambique - Campanhas Fluviais 1961/74", John P. Cann (José Macedo)


O nosso Camarada José Macedo, ex-Tenente Fuzileiro Especial, vive nos Estados Unidos desde 1977 e enviou-nos o seguinte convite em 17 de Setembro de 2009:


Camaradas,


Infelizmente, por estar nos E.U., não poderei atender ao lançamento do livro, contudo vou tentar obter uma cópia que deve ter muito interesse, para os membros da tabanca, onde infelizmente temos poucos marinheiros.


Talvez o Pedro Lauret possa ir ao lançamento.

Um abraço amigo,
José J. Macedo
2º Ten FZE DFE 21

CONVITE



A Academia de Marinha e a Editora Prefácio têm a honra de convidar V. Exa. a assistir ao lançamento da obra "A Marinha em África - Angola, Guiné e Moçambique - Campanhas Fluviais 1961-1974", da autoria do Professor John P. Cann.

O evento realiza-se no próximo dia 22 de Setembro de 2009 (terça-feira), pelas1730 horas, na Academia de Marinha, na Rua do Arsenal, em Lisboa.
A sessão será presidida pelo Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada.

Com os meus cumprimentos,
O SECRETÁRIO-GERAL
José H. F. Cyrne de Castro, CMG

ACADEMIA DE MARINHA
Edifício da Marinha
Rua do Arsenal
1100-038 Lisboa
Tels.: 213 255 493/ 213 255 496
Fax: 213 427 783


___________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

17 de Setembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P4967: Agenda Cultural (26): Museu Militar do Porto (Jorge Teixeira/Portojo)

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4973: Tabanca Grande (175): Carlos Sousa, ex-Alf Mil Op Esp, CCAÇ 1801, Ingoré/Bissum-Naga/S. Domingos/Cacheu/Antotinha, 1967/69



1. Carlos Fernando da Conceição Sousa, ex-Alf Mil de Operações Especiais/RANGER (quando veio da Guiné foi promovido a tenente), da CCAÇ 1801 - Ingoré, Bissum-Naga, S. Domingos, Cacheu e Antotinha (destacamento de Ingoré) 1968/69.

Camaradas,

Apresento-me como novo Camarada nesta “nossa” Tabanca Grande, chamo-me Carlos Fernando da Conceição Sousa, fui Alferes Miliciano de Operações Especiais/RANGER (quando vim da Guiné fui promovido a tenente), na CCAÇ 1801, e estive em: Ingoré, Barro (em operação), Ponta do Inglês (em operação), Bissum-Naga, S. Domingos, Elia (em operação), Cacheu e Antotinha (destacamento de Ingoré).



Envio a minha foto actual e outra onde estou com o General Spínola. Foi no dia 31 de Dezembro de 1968, quando eu e os meus soldados estávamos a jogar futebol, um helicóptero pousou ali no meio do campo.



Os jogos, para que as equipas se distinguissem, faziam-se com uns de camisola contra outros em tronco nu.
Como se pode ver na foto eu jogava na equipa dos tronco nu.

O Gen. Spínola caminhava para próximo de onde estavam os nativos, onde foi dar-lhes umas palavras.
Hoje queria que publicassem esta minha primeira mensagem:

16 de Setembro de 2009, acabei de ver na RTP1 um programa onde se mostrou a dramática situação de jovens que nasceram em Portugal e que não são considerados portugueses. Fiquei abismado com o que vi!

Mais abismado fico quando sabemos que aconteceu um 25 de Abril que nós saudamos (eu já tinha 30 anos quando aconteceu), que é o dia da Liberdade!

Combati na Guiné por uma Pátria que então estava definida como multirracial, e as terras de além-mar eram conhecidas e tratadas como províncias ultramarinas. No norte da Guiné, entre S. Domingos e Ingoré, a população desde felupes, a balantas, passando por fulas e mandingas, era maioritária nossa amiga. No destacamento de Antotinha, a 6 km do porto de S. Vicente, no rio Geba, havia cerca de cem balantas armados em auto-defesa que defendiam mais de 3000 pessoas, pois que, como os próprios nativos diziam, tinham que se defender dos bandidos.

Na altura todos lhes dissemos que eles eram portugueses ultramarinos. Alguns deles ficaram extremamente felizes quando obtiveram bilhete de identidade de cidadão português. Não há revolução que possa colocar por terra todas as expectativas que tínhamos alimentado nas populações.

Não venho aqui levantar a validade histórica dos movimentos de libertação, que terão libertado populações do jugo português para os entregar a oligarquias corruptas e prepotentes. É claro que temos a vantagem de conhecer a evolução (ou involução?) que se deu. Hoje sinto que a minha missão era nobre – proteger um povo de falsos libertadores.

Mas o que quero hoje reflectir é sobre os jovens apátridas nascidos em Portugal.

Os pais deles foram de algum modo induzidos na ideia de que eram portugueses. Muitos deles tiveram que procurar refúgio fora da terra onde nasceram e vieram para Portugal, como terra mítica idealizada como justa e civilizada. Nós deveríamos tê-los mantido como portugueses, tal como sempre lhe dissemos que eram. Mas não; deixámo-los esquecidos, assobiando para o ar, sem que houvesse um governante que lhes fizesse justiça e aos filhos daqueles que enganámos.

Reforço a ideia de que a vinda para Portugal era, para muitos, a única saída. Lembremo-nos dos fuzilamentos que os libertadores fizeram com aqueles que tinham colaborado com os portugueses – e os que connosco colaboraram eram muitos milhares.

Façamos barulho para que imediatamente se legalizem os filhos de africanos portugueses até ao 25 de Abril. Acabemos com mais esta vergonha nacional.

Um abraço para todos os Camaradas da Tabanca Grande,

Carlos Sousa
Alf Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1801

Foto: © Carlos Sousa (2009). Direitos reservados.
Emblema: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

2. Comentários de MR

Amigo e Camarada Carlos Sousa, bem-vindo ao Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Muito obrigado por aceitares o convite para integrares esta grande Tertúlia Bloguista, cuja "formatura" é composta por cerca de 350 ex-Combatentes da Guiné, que pouco a pouco, mas decidida e inabalavelmente, aqui vão prestando os seus fabulosos depoimentos, contribuindo para a tão necessária e desejada catarse da guerra que a nossa geração viveu Além-mar, no Ultramar africano.

São histórias/memórias de morte, sangue, dor e sofrimento, umas… e outras… de pequenas e grandes coisas do dia-a-dia, que íamos cortando no velho calendário, contadas, quase todas elas, no presente do indicativo.

Fazêmo-lo consciente e patrioticamente, não por impulsos masoquistas, ou maquiavelistas, mas como testemunhos escritos e fotográficos, para as gerações presentes e vindoiras.

Ficamos à espera que nos contes histórias sobre a comissão e actividade operacional da tua CCAÇ 1801 e de ti na Guiné. Tudo será bem-vindo (textos, documentos e fotos), para ampliar este nosso espólio virtual.

No lado esquerdo da página inicial do blogue, tens tudo o que é importante saber sobre o blogue: O que nós (não) somos e as normas de conduta a seguir pelos tertulianos. São simples e normais regras de boa cidadania, que se resumem ao respeito mútuo inter-bloguista e a aceitação das diferenças de conceitos e opiniões.

Quanto à tua CCAÇ 1801, apenas existe no blogue um pequena referência, com data de 14 de Outubro de 2008, no poste: Guiné 63/74 - P3312: Unidades que passaram por Sedengal (José Martins), da autoria do nosso camarada José Martins, que foi Fur Mil Trms da CCAÇ 5, que muito colabora com o pessoal no blogue através de valiosos trabalhos de pesquisa sobre as diversas unidades que passaram pela Guiné, que só a sua carolice lhe permite concretizar, e que é a seguinte:

«CCaç 1801 [mobilizada no BC 10 – Chaves - embarque em 26 de Outubro de 1967 e regresso em 20 de Agosto de 1969], regressa a Ingoré para reforçar o BCaç 1894, para actuação nas operações realizadas, e depois integrado no dispositiva de manobra do BCaç 1913 [mobilizada no RI 15 – Tomar - embarque em 27 de Setembro de 1967 e regresso em 16 de Maio de 1969], quando em 23 de Abril de 1968 assume a responsabilidade do subsector de Ingoré, destacando um pelotão para Sedengal.»

Todos ficamos à espera da tua melhor colaboração e, entretanto, recebe de toda a tertúlia “atabancada” um abraço de boas-vindas.

Nota: O nosso Camarada Carlos Sousa, é licenciado em Engenharia Mecânica. É professor no I.S.E.P. (instituto Superior de Engenharia do Porto). Reformou-se muito recentemente, como Chefe do Departamento de Formação do C.A.T.I.M. (Centro de Apoio Tecnológico à Indústria Metalomecânica) da cidade do Porto.

Magalhães Ribeiro
____________
Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4972: Convívios (164): Ex-combatentes da Guiné do Concelho de Gondomar, no dia 5 de Outubro (António Carvalho / Carlos Silva)


1.º Convívio de ex-Combatentes na Guiné [1961-1974] do Concelho de Gondomar

Vai ter lugar, no próximo dia 05 de Outubro, o 1.º Encontro de ex-combatentes de Gondomar que participaram no período de 1961/1974, na guerra colonial da Guiné.


Programa:

10H00: Deposição de coroa de flores no Monumento aos Combatentes do Ultramar em Fânzeres.

11H30: Início da concentração no Campo de Futebol do Medense Futebol Clube, em Medas-Gondomar, dos gondomarenses ex-combatentes, familiares e amigos.
12h00: Almoço no local [porco no espeto] oferecido pelo nosso camarada António Carvalho, seguido de confraternização.

Preço mínimo: 5 euros

A confraternização é extensiva aos ex-combatentes residentes em Gondomar, seus familiares e amigos.

Convém confirmar a participação até ao dia 2 de Outubro, a fim de arranjar tacho suficiente, na medida em que, o convívio não se realiza em nenhum Restaurante.

Contactos:


António Carvalho – Ex-Fur Mil CArt 6250 – Mampatá, 72/74
Telm: 919 401 036
E-mail: ascarvalho1972@iol.pt
Medas


Carlos Silva – Ex-Fur Mil CCaç 2548/BCaç 2879 – Farim, 69/71
Telm: 966 651820
E-mail: carsilva.advogado@sapo.pt
Massamá - Queluz

Medas, 5 de Setembro de 2009
A Comissão Organizadora
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4956: Convívios (161): 14.º Almoço de confraternização de ex-militares da Guiné, dia 26 de Setembro em Ponte de Sor (J.M. Félix Dias)