terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5385: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (13): O primeiro ataque a Pirada e a morte do Gila

1. Mensagem de Carlos Geraldes* (ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66), com data de 28 de Novembro de 2009:

Caro amigo:
Envio agora, integrado nas memórias que vou retirando das gavetas, um relato que há muito estava para ser feito, cansado de ver tanta gente a gabar-se de ter ido à guerra, como se tivesse assistido a um magnífico jogo de futebol, decisivo para as cores do seu clube.

A guerra onde participámos como protagonistas não foi só regada com o sangue dos nossos soldados, mas sim com a de muitas vítimas inocentes. Cujo destino aliás, foi sempre esse ao longo dos séculos, nunca tendo conhecido ouro. Quando penso nisso vem-me automáticamente à lembrança o rosto daquela jovem mãe que fugindo desvairada quando nos viu chegar de surpresa à tabanca, foi logo varada por uma bala assassina que logo ali lhe ceifou a vida atravessando também o crâneo do bébe que transportava às costas. O autor do disparo ainda se riu da proeza.

Um grande abraço, amigo Carlos Vinhal e preparemo-nos calmamente para mais um Natal.


O Primeiro Ataque a Pirada (A Morte do Gila)

Não sei se o deva contar, porque nem sequer fui testemunha ocular. Nesse dia, 28 de Maio de 1965, estava de férias na Metrópole junto com a família. Um mês inteiro longe da guerra, na total ignorância de como as coisas se iam passando por lá a milhares de quilómetros. Só quando regressei de avião a Bissau é que me contaram a novidade. Pirada tinha sido atacada!

Ao princípio custou-me a acreditar, até porque quem mo contou também não sabia bem os pormenores. Mal pude conter a impaciência nos dias que se seguiram à espera de boleia num Dakota (o velhinho, mas muito útil DC-6) para Nova Lamego onde depois teria um jeep da Companhia para me ir buscar. O sempre sorridente alferes Pinheiro lá estava pontualíssimo para me servir de condutor de regresso a casa.

E então lá me contou como tudo se tinha passado, enquanto eu o ouvia embasbacado, ainda pouco crente que me estivesse a falar verdade.

O M. Soares, como sempre, fora informado que um numeroso grupo de guerrilheiros se estava a juntar do outro lado da fronteira, no Senegal. Estava bem armado e tinha intenção de fazer qualquer coisa ao quartel da tropa em Pirada. E até se sabia o dia e a hora em que isso iria acontecer. O nosso Capitão fez aquilo que a prudência mandava, entrincheirou-se o melhor que pôde e aguardou. Aliás, tomou até uma medida que sempre me pareceu um pouco ousada e timorata. Quis contra-atacar. Planeou então uma manobra para emboscar o inimigo que supostamente viria atacar o aquartelamento do lado ocidental a coberto da povoação nativa, a cintura de palhotas que envolvia Pirada. Para isso mandou que o alferes Pinheiro e o seu Grupo de Combate se fossem colocar, muito discretamente, do lado de fora da tabanca, numa zona baixa, já perto da bolanha, onde aí, montariam uma emboscada e contra-atacariam os assaltantes encurralando-os contra o quartel. Só que as coisas nem sempre correm tão bem como se planeiam no papel. A noite estava escuríssima, conforme me ia contando o Pinheiro:

- Eu mal consegui dar com o sítio que o capitão me tinha dito onde eu e os meus homens nos deveríamos ocultar para depois apanhar os gajos. E depois quando a festa começou deu-me a impressão que afinal estávamos mais afastados do que era previsto. E pelo arraial que faziam deviam de ser mais de duzentos. Olha, eu, pelo sim pelo não, para não estar para ali a fazer fogo sem mais nem menos, resolvi que o melhor seria esperar muito caladinho e ver como as coisas se iriam passar. Se revelássemos a nossa posição até talvez ficássemos numa situação muito perigosa. Aliás poderia acabar por fazer fogo contra os nossos, não achas? Por isso, ficámos ali muito quietinhos à espera que tudo passasse. No quartel estavam mais bem protegidos pelos abrigos, eu ali não tinha protecção nenhuma!

Sim, o alferes Pinheiro tinha razão, era insensato atacar às cegas um inimigo que não se sabia bem onde estava nem de onde vinha, muito superior em número e armamento. Tomou uma decisão que à primeira vista poderá ser tomada como um acto de cobardia, mas que na verdade, tratou-se apenas de evitar um mero suicídio colectivo totalmente gratuito e ineficaz.

Assim o ataque desenrolou-se durante grande parte da noite, com a população nativa aterrorizada, escondida o mais que podia para escapar às balas perdidas que voavam em todas as direcções, varando de lado a lado as palhotas e as vedações dos quintais, enquanto do quartel atiravam morteiradas em todas as direcções e abriam fogo de metralhadora à vontade numa ânsia de aniquilar um inimigo que nem conseguiam descortinar.

Segundo depois me contou o M. Soares, elementos do PAIGC passearam-se mesmo pelo centro do povoado, donde, até debaixo do alpendre da sua casa fizeram fogo na direcção do quartel. Mas a ele e à família nem num cabelo tocaram. Admirável cavalheirismo romântico, que não seria fácil encontrar ali no mais remoto interior da Guiné. Gesto que, no entanto, lhe acarretaria futuros problemas com as desconfianças que a tropa foi alimentando a seu respeito, esquecendo que paralelamente M.Soares sempre lhes fornecera amplas e atempadas informações das andanças dos grupos inimigos que transitavam regularmente pelo Senegal, vindos da Guiné-Konakri em direcção à região do Morés, no triângulo Mansabá, Mansoa, Bissorã. Na verdade a imunidade de M.Soares devia-se muito à sua condição de hábil agente duplo que soube manter durante muito tempo e isso acaba sempre por ter um preço amargo de pagar.

Planta de Pirada

Messe dos Oficiais

Com o raiar do dia já depois de as armas se terem silenciado é que, aos poucos e poucos se foram verificando os estragos. Felizmente do nosso lado não houve mortos nem feridos, apenas danos materiais. As instalações ficaram com as paredes crivadas de balas, e duas viaturas foram atingidas mas nada de grande monta. Na tabanca é que tinha sido pior, tinham ardido umas dezenas de casas, devido talvez ao nosso fogo de morteiro. Quatro mortos a lamentar e bastantes feridos sem grande gravidade, pois grande parte da população tinha fugido para longe. O posto médico depressa se encheu e o pessoal de saúde não teve mãos a medir, enquanto patrulhas percorriam toda a zona de onde o inimigo teria estado a fazer o fogo, agora facilmente identificável pelo elevado número de cápsulas vazias de vários calibres espalhas pelo chão. Os rastos deixados pelo grupo dos atacantes indicavam também que deveriam ter sofrido algumas baixas pelos vestígios de sangue deixados nos percursos de fuga em direcção do Senegal. Mal recuperados do susto que tinham apanhado, tanto oficiais como sargentos e praças nem tinham vontade de falar no assunto.

Mas envergonhados também pelas reacções primárias a que se entregaram, quando ainda naquela manhã, prenderam um atónito gila que inocentemente tinha carregado na sua bicicleta, vários sacos de cartuchos vazios que fora apanhando pelo caminho que percorrera despreocupadamente (?). Logo ali o acusaram de espião e resolveram fazer justiça pelas próprias mãos. Enquanto o capitão e o resto dos oficiais e sargentos se fecharam na caserna, a turba uivando cada vez mais enfurecida, arrastou o pobre desgraçado para o meio da parada e no meio de insultos e pancadaria acabou de matar o pobre do gila, regando-o em seguida com gasolina e chegando-lhe fogo.

E até me mostraram fotografias, que acabaram por depois fazer desaparecer, cientes da barbaridade cometida.

Ainda cheguei a tentar falar com o capitão sobre o acontecimento. Mas apenas me respondeu com um silencioso encolher de ombros revelador de uma total incapacidade de impedir o linchamento. E se calhar até de algum tácito consentimento para serenar os ânimos.

Mas só na antiga Roma é que os cruéis imperadores proporcionavam ao povo espectáculos de morte, para o poder controlar a seu bel-prazer!

Teria acontecido aqui o mesmo?

Porém, com o passar do tempo tudo foi esmorecendo e caiu no esquecimento.

Mas, o gila teria deixado família? Mulher, filhos, outros parentes? Qual teria sido a raiva e a dor deles? Como teriam encarado o futuro?

A guerra não foi só recheada de heroísmos, ou uma alegre perseguição das bajudas lavadeiras apanhadas desprevenidas no regresso da bolanha, ou uma imprevidente saída para o mato na escuridão de uma noite tenebrosa.

A guerra foi também um longo rosário de pesadelos que nos marcou profundamente, mas que teimamos em não valorizar também.

Recolhi a Paúnca logo que pude, para tentar esquecer.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5340: Blogpoesia (59): Guiné: A Face Oculta (Carlos Geraldes)

Vd. último poste da série de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5277: Gavetas da memória (Carlos Geraldes) (12): O Furriel Emanuel

Guiné 63/74 - P5384: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (18): Referências de Bafatá - Figuras típicas

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 28 de Novembro de 2009, com mais um capítulo para a sua série A guerra vista de Bafatá.


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ

18 - Referências de Bafatá – Figuras Típicas


Depois do comentário à minha estória anterior, feito pelo nosso camarada Maltez da Costa:

…Reviver Bafatá, passados 40 anos, dá-me uma angústia enorme, porque tu consegues trazer-nos à memória coisas e factos, que parece que se passaram há 40 dias…

espero dar mais um contributo para esse reviver.

Bafatá era a segunda cidade da Guiné, muito menor que Bissau e de cariz perfeitamente provinciano. Toda a gente se conhecia. Passados quarenta anos recordo algumas figuras, bem conhecidas dos camaradas que por lá andaram nessa época.


O senhor Humberto, meu senhorio

Talvez menos conhecido que os demais de quem vou falar. Era um metropolitano proprietário da única oficina de automóveis lá existente. A tropa a ele recorria quando tinha alguma viatura de conserto inviável pelos meios militares. Para além disso era investidor imobiliário.

Eu próprio, em 1969 fui inaugurar uma das duas casas por ele mandadas construir, na tabanca da Rocha em frente ao restaurante do Sr. Teófilo. Em 1970 quando vim embora já estava a construir outras duas. Talvez por deformação inerente às minhas funções (informações) achava esquisito um metropolitano não guardar todo o dinheirinho para trazer para a metrópole …


O Chefe Religioso Muçulmano

Nunca soube o seu nome. No último almoço na Ortigosa mostrei uma foto dele ao Amadu Djaló e ao reconhecê-lo pronunciou o seu nome mas eu não o fixei. Tal como cá, os Bispos estão sempre presentes em actos oficiais relevantes, também lá isso acontecia com este chefe religioso. Costumava vê-lo nas cerimónias do Ramadão, sempre vestido a rigor, bem como em recepções, despedida do Cor. Hélio Felgas, etc.

O Chefe Religioso Muçulmano em dia de Ramadão, junto da mesquita de Bafatá.

O chefe Religioso Muçulmano discursando na despedida do Cor. Hélio Felgas. 04 de Outubro de1969



O Administrador

Era outra figura omnipresente nas cerimónias oficiais. Não sei o seu destino depois da guerra, mas lá não deve ter ficado, pois creio que não era muito estimado pelas populações nativas. Penso que não gostariam muito que o Administrador as obrigasse a andar calçadas. Como já referi noutra estória, presenciei várias vezes os nativos que vinham das tabancas próximas, ao entrarem na cidade, calçarem as sandálias que traziam ao ombro. Também não permitia que as mulheres andassem com os seios nus. Em determinada altura era preciso capinar as partes laterais da pista. Os militares eram insuficientes para executar esse serviço; tentou-se contratar pessoal nativo, o que não foi conseguido. Recorreu-se então ao Administrador. Dum momento para o outro apareceu uma camioneta com trinta ou quarenta nativos. Nitidamente foram obrigados a trabalhar, embora se lhes pagasse o salário praticado naquela altura.

O Administrador, com o seu bigodinho, junto do Cor. Neves Cardoso, numa qualquer festividade.


O Ourives de Bafatá

De seu nome Chame (não sei se é assim que se escreve o nome), era conhecido em toda a Guiné pelo seu trabalho de ourives. Executava peças de prata e de ouro como qualquer oficina de ourivesaria de Gondomar e digo isto porque o género de trabalho mais praticado por ele era muito semelhante à nossa filigrana. Por mais que uma vez estive na sua oficina, uma pequena palhota na tabanca da Ponte Nova. No chão uma pequena fogueira ladeada por duas pedras onde eram colocados os cadinhos para derreter os metais e onde, soprando com o auxílio de um maçarico de boca, se iam soldando os fios dos metais preciosos. Completava a oficina, uma pequena mesa com ferramentas rudimentares. Lamento não ter tirado uma foto das instalações, mas não tinha flash. Numa das vezes fui lá com a minha mulher e comprámos-lhe uma pulseira (ver foto). Mas talvez o mais espectacular é que era o artífice das coroas de ouro dos seus próprios dentes, serviço que não fazia a mais ninguém.

O Chame, Ourives de Bafatá, em dia de Ramadão frente à Mesquita, com os seus dentes de ouro.

Uma pulseira por ele executada, que adquiri numa das vezes que visitei a sua oficina.


O senhor Camilo

Tal como eu, oriundo do Nordeste Transmontano, suponho que de Mirandela, era muito sui generis. Nunca soube muito bem o que ele fazia em Bafatá e especialmente do que vivia. Que era endinheirado, isso era. Regularmente dava uns lautos jantares em sua casa (junto à sede do Batalhão), para os quais convidava todos os oficiais (do Agrupamento, do Esquadrão e do Batalhão). Várias vezes recebi esse convite mas nunca fui a casa do Sr. Camilo, essencialmente por duas razões. Primeiro porque ele só me convidava por eu ser oficial e, segundo, ironizando, não queria que, no caso de um atentado durante o jantar, todos os comandos de Bafatá fossem decapitados.


O senhor Teófilo

Figura controversa. Já foi dito por alguns que seria informador da PIDE, por outros que sempre por essa polícia política teria sido perseguido. Eu fiquei com uma terceira ideia dele. A casa que aluguei ao Sr. Humberto, na tabanca da Rocha, era em frente ao seu restaurante e por isso muitas conversas mantive com ele. Era muito agradável estar na sua esplanada, local estratégico, cruzamento de caminhos. Ali confluíam as estradas que vinham do centro da cidade, do Batalhão, do Agrupamento e do Esquadrão, de Bambadinca, de Nova Lamego (Gabu). Muitas nativas (e nativos claro) por ali passavam com as suas vestes coloridas. Para mim era pura distracção, para ele talvez não fosse só isso. Devo referir que principalmente pelas minhas funções (Oficial de Informações) nunca nas nossas conversas abordei qualquer assunto militar. Ele, no entanto, fê-lo por duas vezes, o que deu origem às duas únicas informações (creio que B2) que produzi no âmbito das minhas funções.

Uma vez, mal me sentei na sua esplanada, logo me interpelou:

- Então senhor Alferes, vão fazer uma grande Operação lá para o Gabu? Claro que eu sabia que se ia fazer um grande bombardeamento e arrasar a tabanca (da República da Guiné) frente a Buruntuma. Como sempre, não lhe adiantei nada. Do seu posto deve ter assistido à passagem de todo o material bélico deslocado para a Operação. Diga-se que, por essas e por outras, a referida tabanca foi completamente destruída e nem sequer um ferido houve…

Doutra vez, já quase no fim da comissão, sem que eu lhe desse azo a isso, disse-me:

- Sabe, senhor Alferes, ouvi dizer que andaram aqui perto, nas tabancas a Norte da pista, elementos IN a contactar as populações. Ouvi, calei, fiz a respectiva informação B2 e continuei a minha vida com uma única alteração: Nunca mais fui à caça à noite e de dia ia sempre acompanhado.

O senhor Teófilo e a esposa contribuíram em muito para amenizar a minha (e da minha mulher) estadia na Guiné. Recordo que aprendi com o senhor Teófilo a forma de fazer secar uma verruga com o auxílio de uma crina de cavalo. Também aprendemos com a esposa, a confeccionar a cachupa e o chabéu e que este melhorava quando o óleo era extraído do coconote na altura. Foi também com o casal que ficámos a saber que as chocas (perdizes) só ficavam tenras se se lhes tirasse a pele.

Várias vezes me falou do Amílcar Cabral, com quem trabalhou, em Fá, antes da guerra, classificando-o como um homem fora de série. Chegou a indicar-me uma irmãzinha (meia irmã) do Amílcar Cabral e que penso (passaram 40 anos) ser a que reproduzo na foto, que tirei precisamente da esplanada do seu Restaurante.

A irmãzinha (meia irmã) de Amílcar Cabral. Bafatá, 1970.

Mais algumas figuras poderiam ser relembradas: A Dona Rosa e as suas filhas, o empregado do Transmontana, Infali e as suas quatro mulheres, mas como na próxima estória irei tratar o tema “Alguns Lugares de Bafatá” aí referirei essas pessoas.

Até para a semana camaradas.
Fernando Gouveia

Fotos e legendas: Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5327: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (17): Apanhado pelo clima

Guiné 63/74 - P5383: Patronos e Padroeiros (José Martins) (6): Serviço de Saúde - S. João de Deus



1. Mais um poste da série Patronos e Padroeiros das Armas do Exército Português, um trabalho de pesquisa do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70).






PATRONOS E PADROEIROS - VI

SERVIÇO DE SAUDE – SÃO JOÃO DE DEUS



João Cidade nasceu em Montemor-o-Novo em 8 de Março de 1495. Ainda novo, com cerca de oito anos, deslocou-se para a cidade de Oropesa, em Castela, onde se tornou pastor de gado.

Mais tarde alistou-se no exército, tomando parte na conquista da cidade de Fuentebaria, que se encontrava ocupada pela França. Terminado o serviço militar, voltou a ser pastor, tendo estado em Oropesa, Sevilha, Ceuta e Granada.
Foi nesta cidade que despertou o seu espírito religioso, contagiado pelos sermões do Padre José Ávila. Resolve confessar publicamente os seus erros do passado e, como demonstração de arrependimento, percorria a cidade flagelando-se e sujando-se com lama. Perante estas atitudes foi dado como louco e internado durante alguns anos num hospício.

Com o espírito mais sereno, quando deixou o hospício, foi visitar o Mosteiro da Guadalupe, regressando posteriormente a Granada.

Em 1539 funda um hospital para doenças contagiosas e incuráveis, dedicando inteiramente ao serviço do hospital, fundando, assim, a Ordem dos Hospitaleiros, que seguia a Regra de Santo Agostinho, vindo esta Ordem a ser reconhecida pelo Papa Pio V, em 1 de Janeiro de 1571. Entretanto João Cidade faleceu em 8 de Março de 1550 em Granada, Espanha.

O Papa Urbano VIII beatifica João Cidade, com o nome de S. João de Deus, em 28 de Outubro de 1630. O Papa Alexandre VIII canoniza S. João de Deus em 16 de Outubro de 1690, mas a Bula só é assinada pelo seu sucessor o Papa Inocêncio XII.

São João de Deus, é o padroeiro dos hospitais, dos doentes e dos enfermeiros. A sua memória litúrgica é celebrada a 8 de Março.

Foi proclamado Patrono do Serviço de Saúde por Despacho n.º 14/86, de 07 de Março de 1986 e Ordem do Exército n.º 3 (1.ª Série), de 31 de Março de 1986.

José Marcelino Martins – 24 de Novembro de 2009
[Organizado a partir de imagens e textos da Wikipédia]

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Nota de CV:

Vd. todos os postes da série de:

26 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5347: Patronos e Padroeiros (José Martins) (1): Exército - Arma de Infantaria - D. Nuno Álvares Pereira

27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5352: Patronos e Padroeiros (José Martins) (2): Exército - Arma de Artilharia - Santa Bárbara

28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5362: Patronos e Padroeiros (José Martins) (3): Exército - Arma de Cavalaria - Mouzinho de Albuquerque

29 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5371: Patronos e Padroeiros (José Martins) (4): Exército - Arma de Engenharia - Nossa Senhora da Conceição

30 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5375: Patronos e Padroeiros (José Martins) (5): Serviço de Administração Militar - Rainha Santa Isabel

Guiné 63/74 - P5382: Efemérides (39): 1 de Dezembro de 1640, evocado pelo nosso bardo, Manuel Maia


Com a devida vénia, aqui ficam algumas estrofes do nosso poeta épico, o Manuel Maia (*), alusivas ao dia de hoje que a generalidade dos portugueses, sobretudo os mais novos, só sabe que é feriado... O nosso poeta do Cantanhez trouxe, à Tabanca Grande, o gosto pela poesia épica e a paixão da História pátria. Bem hajas, camarada! (LG)


História de Portugal em Sextilhas
por Manuel Maia

(...) 160-A saga filipina avançará:
terceiro aqui, é já o quarto lá,
mais opressor ainda que anteriores.
Impostos são garrote asfixiante,
vexame cada vez mais ultrajante,
havia que expulsar os invasores...





161-Se na primeira fase houve acalmia,
pois nobres têm sempre a tença em dia...
segunda etapa é fogo de vulcão.
Agravo tributário é uma constante,
o povo abomina o ocupante,
no sul, Manuelinho entra em acção...

162-Prisões são arbitrárias, quais insultos,
gerando mil protestos e tumultos,
no ar pairava a sede de vingança...
Mil seis quarenta estava no final,
Dezembro em pleno dia inaugural,
foi marco, para a Casa de Bragança...



"Armas da Monarquia Ibérica
após a integração da Coroa de Portugal
nos Estados de Filipe II; o brasão português
em ponto de honra, no abismo do chefe"
Fonte: Wikipédia (Imagem do domínio público)


163-A vida alentejana de acalmia
que o duque para sempre pretendia,
forçada a corte abrupto, teve um fim.
P´ra trás ficou de vez Vila Viçosa,
que a Pátria está de si esperançosa,
fidalgos receberam o seu sim...

164-Sucesso da revolta determina
que seja um sucessor de Catarina,
duquesa de Bragança, a governar.
João Pinto Ribeiro e sublevados,
quarenta atacam paço esperançados
da honra, então, poderem reganhar...




D. João IV, o Restaurador (1640-1656),
o 22º monarca de Portugal, o 1º da IV Dinastia.
Nasceu em 1604, morreu aos 52 anos.
Fonte: Wikipédia (Imagem do domínio público)


165- ‘stratégia tem João Pinto Ribeiro
a dirigir o acto aventureiro
que D. João iria sancionar.
O povo só mais tarde é informado
e logo adere assaz entusiasmado,
saindo à rua p´ro rei aclamar...






166-Tal como a foice corta a erva ruim,
também a Vasconcelos se deu fim
na lâmina afiada de uma espada,
que vai trazer, de volta, a dignidade
a um povo que vivia a adversidade,
sentindo ocupada a Pátria amada...

167-Sessenta anos tempo deste jugo,
que teve o castelhano por verdugo
e apoio vil, de, poucos, nobres lusos.
Renasce a fé e a esp´rança de vivência,
agora retomada a independência,
punidas as traições e os abusos...

In: Manuel Maia - História de Portugal em Sextilhas (*)
a ser lançada no dia 9 do corrente, na Tabanca de Matosinhos, ao preço de 12,5€.
Uma primeira tiragem de 80 exemplares está já praticamente esgotada.
______________

Nota de L.G.:

(*) 3 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4456: Blogpoesia (48): História de Portugal em sextilhas (Manuel Maia) (V Parte): III Dinastia (Filipina)

Vd. também:

27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5353: Notas de leitura (38): Prefácio ao livro do Manuel Maia, História de Portugal em Sextilhas, a ser lançado na Tabanca de Matosinhos, em 9/12/09 (Luís Graça)

25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5335: Agenda Cultural (47): Lançamento do livro do Manuel Maia, dia 9 de Dezembro, em Matosinhos (José Manuel Dinis)

Guiné 63/74 - P5381: Histórias de José Marques Ferreira (11): 111 – O Têmpera de aço



1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos com data de 30 de Novembro de 2009, a seguinte mensagem:


A todos os camaradas desta tertúlia;

Votos de boa saúde.

Como estava "quase" a falhar, envio a minha modesta colaboração para o blogue. Recordo que socorri-me de um «periódico» que naquele tempo servia para distrair e «gastar» umas horas, ou dias, na sua elaboração. Como sabemos os computadores daquele tempo, era a máquina de escrever. Havia necessidade de utilizar um material, que já não sei como era conhecido, mas a que chamávamos "stencyl" (é assim que se escreve?). Depois era dar a manivela no “chapilógrafo”, borrar as mãos em tinta. E lá saía qualquer coisa.

Estou numa fase em que aproveito para dar a conhecer, conforme sabemos, o estilo de escrita, a maneira de expressar ideias, frases... enfim, palavras.

A de hoje, como outras, é da autoria de Ramiro Fernandes Figueiredo que, como tenho dito, era o Alferes Médico da Companhia, Utilizava, quando lhe dava na bolha, alguns pseudónimos. Não sei porquê, não me lembro e, quase tenho a certeza, nunca lhe perguntei. Estas últimas estórias um tanto ficcionadas, mas, mesmo assim, mais próximo possível de realidades, muitas realidades.Deixo-vos mais esta, com renovados desejos de felicidades, que, muitos, bem precisam.

Um abraço a estes editores que trabalham até mais não e com o meu muito obrigado pelas simpatias demonstradas e por me aturarem.

111 – O «TÊMPERA DE AÇO»

A coluna auto seguia pelo caminho previsto pelo oficial de operações. Eram oito viaturas.

Precisamente antes do pontão como marco acutilante nas recordações de hoje, o 111 sente-se impulsionado pelos ares por abalo seguido de um estampido infernal. Neste salto de acrobacia imprevisto não tem tempo para pensar um vislumbrar o que se passara.

Sente-se aparado pela terra amolecida e lamacenta da bolanha ao lado. Olhando a custo, um tanto contundido e abalado, tem um movimento instintivo de apalpar os ossos das pernas e braço e passar as mãos borradas de lema pela cara.

À massa plúmbea daquela argamassa mole e pegajosa não adere sangue. Não está ferido, pode mesmo movimentar os membros a custo. Procura pôr-se de pé, mas não consegue. Vê somente no caminho uma nuvem poeirenta e gritos de desespero, de lamentações e palavras raivosas do comandante que impávido e não muito sereno, ditava ordens.

Sente-se sem forças e desanimar. Mas não podia ser; o 111 é de fibra de aço e tem sete fôlegos. Cerra os dentes e põe-se com dificuldade a rastejar em direcção ao mato limítrofe da bolanha.

A arma desaparecera-lhe das mãos no meio da confusão e explosão que estalara, mas coladas ao seu peito estão duas granadas de mão e no cinto uma sua faca de mato para o que desse e viesse. Respira fundo, arranja novas forças, finca os cotovelos na lama e vai-se arrastando.

A sua atenção é sacudida pela troca inesperada de tiroteio que se travava entre os colegas das viaturas e o inimigo emboscado na berma do mato – e soberbamente instalado. Sentia o metralhar de uma arma que pelo som não era dos seus camaradas. Espevita o ouvido e vê que é do monte de baga-baga a uns cinquenta metros.

Apalpa as granadas e contorcendo-se em dores, com as bátegas de suor a pingarem-lhe da cara, arrasta-se penosamente naquela direcção. Pára um instante – é impossível continuar… - mas a metralhadora inimiga flagela impiedosamente os seus camaradas. Sente as balas que choviam das viaturas sibilarem-lhe sobre a cabeça empada em lama. Quase que não podia abrir os olhos – a lama começava a secar.

Arrasta-se mais, as lágrimas correm-lhe pela cara, talvez de dor e de emoção… nunca se sabe. Está a vinte metros do inimigo e distingue quatro vultos atrás da baga-baga. São negros e rebeldes. Cerra os dentes e com os mesmos arranca a cavilha de segurança duma granada.

Aperta a paleta, mas sente que não tem forças para a lançar a vinte metros. Rasteja… e está a 10 metros. Ninguém no meio da barafunda mortífera o notara. Abriga-se atrás de uma árvore, arranja novas forças e aí vai a granada pelo ar. Caiu a uns cinco metros do objectivo e a arma cala-se. Na fuga, dois do grupo dos quatro emboscados vêm o nosso camarada e dirigem-se para ele, mas antes que o atinja com a pistola que lhe vai ser apontada já a segunda granada voara pelo ar.


O 111 nada mais sentiu a não ser a explosão, cuja onda de sopro o envolvera. Desfalecera…


A seguir o comandante ordenou o envolvimento e vão encontrar o 111. O seu coração batia ainda, o sangue gotejava-lhe dos ouvidos e uns leves estilhaços estavam cravados na lama do rosto. A arma da baga-baga lá estava meia desmantelada. Junto dela dois corpos dos rebeldes. Perto do 111, a uns cinco metros, se tanto, o corpo dum terceiro rebelde mutilado pela segunda explosão.

Ao visitar o 111 há dias no hospital, vi-o satisfeito e já refeito dos ferimentos. Estava radiante, feliz e nos seus lábios dançava um sorriso maroto de superioridade.

Ao entregar-lhe uma pequena lembrança qualquer e já quando me retirava fiquei emocionado, surpreendido e quedei-me uns instantes a meditar nas palavras dele que se repercutiam em mim: «O maior heroísmo ou coisa que o valha, não são as medalhas ou citações, mas o sentido de amizade e o espírito de corpo para com os nossos camaradas, e acredita meu amigo, quando os vi, não tive medo, só pensei nos nossos».

Senti-me emocionado e a custo retorqui:

«Sem dúvida, 111, a nossa Companhia é uma verdadeira família. Sentimos a morte de um camarada como a de um irmão».

“ÓKEY”
(Pseudónimo de Ramiro Fernandes Figueiredo, ex-Alf Mil Médico)
In «Jornal da Caserna», CCaç. 462, Guiné 1963/1965
Guiné - Ingoré, 29 de Fevereiro de 1964.

Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes


Foto: José M. Ferreira (2009). Direitos reservados.

__________
Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 - P5380: Os nossos camaradas guineenses (13): Homenagem aos 53 comandos africanos fuzilados no pós-independência (Manuel Bernardo)


Lisboa > Monumento aos Mortos do Ultramar > 14 de Novembro de 2009 > Regina Mansata Djaló, viúva do Alferes graduado 'comando' africano Demba Cham Seca, apontando com o dedo o nome do seu marido, um dos 53 militares do Batalhão de Comandos Africanos, fuzilados no pós-Independência, e que passaram a figural na memorial dos Mortos do Utramar.

Fotos: © Manuel Bernardo (2009). Direitos reservados



1. Mail enviado ao nosso editor Virgínio Briote, com data de 17 de Novembro:


Assunto - Homenagem aos 'comandos' africanos fuzilados II

Caro Senhor/Amigo:


Com pedido de divulgação junto remeto o 2.º texto sobre este assunto.

Cor Ref Manuel Bernardo


2. Homenagem aos 'Comandos' africanos fuzilados clandestinamente na Guiné
por Manuel Bernardo

(…) O meu marido era o Alferes graduado 'Comando' Demba Cham Seca.


(…) Á terceira vez foi novamente detido, no dia 21 de Março de 1975, pelas duas horas da tarde. Quando, à noite, fui levar-lhe comida à esquadra de polícia de Bafatá, disseram que ele já não precisava dos alimentos. Soube, depois, que, nessa noite foi mandado para Bambadinca, onde foi fuzilado juntamente com outros. Os Tenentes Armando Carolino Barbosa e o Tomás Camará foram dois deles.

(…) Na certidão de óbito, conseguida apenas em 2000, consta: 'Faleceu de fuzilamento, por ter servido com entusiasmo o Exército Português'.

Regina Mansata Djaló, in 'Guerra Paz e Fuzilamento dos Guerreiros' (...) (2007), p 358.



Decorreu no passado dia 14 de Novembro, as celebrações do aniversário do armistício (I Guerra Mundial), da fundação da Liga dos Combatentes e do 35.º aniversário do final da Guerra do Ultramar.

A cerimónia foi presidida pelo novo Ministro da Defesa Nacional, Santos Silva, que foi acompanhado pelo também novel Secretário de Estado da Defesa Nacional [e dos Assuntos do Mar], Marcos Perestrello [...]. Estiveram igualmente presentes os quatro chefes militares e o Presidente da Liga dos Combatentes, General Chito Rodrigues.

Depois das habituais honras militares, foram homenageados os três militares falecidos na Guiné, na zona de Guidaje (cerco por muitas centenas de guerrilheiros do PAIGC a esta povoação, durante quase um mês), em Maio de 1973, e cujos corpos foram recuperados pela Liga dos Combatentes, num programa a decorrer nos três teatros de operações para esse efeito; isto é, no caso da Guiné para identificação e concentração no cemitério de Bissau em condições com alguma dignidade. Depois, os que as famílias demonstrarem interesse em serem trasladados para Portugal, julgo que tal poderá ser levado a efeito com o patrocínio de outras entidades.

Foram eles o Furriel Mil José C. M. Machado, de Valpaços, o 1.º Cabo Gabriel F. Telo, da Calheta/Madeira, e o Soldado Manuel M. R. Geraldes, de Vimioso, que depois seguiram aos seus destinos.

E ninguém falou nos 'comandos' africanos fuzilados…

De seguida, o Ministro da Defesa, acompanhado pelo Presidente da Liga dos Combatentes e do Presidente da Associação de Comandos, Dr. Lobo do Amaral, procederam ao descerramento das placas com os nomes de 53 'comandos' africanos (20 oficiais, 29 sargentos e 4 soldados), fuzilados clandestinamente a partir de Março de 1975, 'apenas' por terem combatido com honra e brio no Exército Português, no teatro de operações da Guiné, vários deles durante quase toda a guerra.

Nos discursos do General Chito Rodrigues, do General CEMGFA Valença Pinto e do Ministro da Defesa esta situação de fuzilamento nunca foi referida. Nem D. Januário Torgal Ferreira, na sua oração por alma dos militares, ou o locutor de serviço o mencionou.

Assim, não podemos ficar admirados pelo facto do Correio da Manhã, na sua edição do dia seguinte tenha noticiado: “No Monumento aos Combatentes foi ainda descerrada uma placa com o nome de 53 comandos mortos na Guiné.” Nem disseram que eram africanos e guineenses, nem que foram fuzilados pelo PAIGC.

Deste modo a mensagem que passou para o público foi que os 53 militares portugueses foram agora colocados por, do antecedente, lá não estarem por qualquer lapso da organização do Memorial (**)…

Pode perceber-se o melindre desta situação, já que se trataram de crimes contra humanidade (não prescrevem), mas volto a repetir o que já disse em texto anterior. O General Nino Vieira, em Novembro de 1980 (confirmado nos meses seguintes), depois de ter tomado conta do poder na Guiné-Bissau, assumiu a autoria, por parte do PAIGC, antes liderado por Luís Cabral, dos fuzilamentos clandestinos de cerca de 500 pessoas e que foram enterradas em valas comuns de 35 a 38 pessoas. Isto veio publicado no jornal oficial do PAIGC - edições de 14 e 29-11-1980 e 18-1-1981 (in Manuel A. Bernardo, Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros Guiné: 1970-1980, Lisboa 2007, pp 119 a 127).

O combate à corrupção vai ser a sério?

Lembro o que afirmou o Ministro da Defesa Nacional: “(…) Todos os soldados mortos ao serviço da Pátria merecem momentos de reflexão e que o século XX foi duro a todos os níveis”. E mais à frente acrescentou: “Homenageamos os esforços de todos, curvamo-nos perante os que morreram e apoiamos os ex-combatentes e os deficientes das Forças Armadas. (…)”

Será que esse apoio, agora reafirmado, também tem que ver com a revisão das decisões tomadas pelo seu antecessor, que retirou aos combatentes direitos adquiridos, tal como a diminuição do quantitativo da fraca pensão anual, que um governo de maioria PSD/CDS tinha atribuído (na minha ocorreu uma redução de cerca de 75%)? Não acredito, já que, para este Governo, a crise internacional e nacional parece justificar tudo, excepto os casos de corrupção que vão proliferando ao longo dos tempos. [...]

Enfim, a Verdade dos acontecimentos, quer já de natureza histórica, como o ocorrido com os referidos fuzilamentos clandestinos dos 'Comandos' africanos, quer dos casos de corrupção que alastram por esse País, acabará por vir ao de cima. Demorar mais ou menos tempo depende de uma sociedade civil mais activa, que exerça os seus direitos de cidadania e os accione através dos mecanismos, que tem ao seu dispor numa Democracia e num Estado de Direito.

PS - Junta-se a fotografia de Regina Djaló que, em 14-11-2009, aponta para o nome do marido Demba Seca, fuzilado na Guiné e agora constante do Memorial dos Combatentes do Ultramar.


Cor Inf Ref Manuel Amaro Bernardo

16-11-2009

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
___________

Notas de L.G.:

Sobre o Cor Inf Ref Manuel Bernardo:

"O Coronel, na situação de refoma, Manuel Amaro Bernardo cumpriu quatro comissões em Angola e Moçambique. Em 25 de Abril de 1974 encontrava-se colocado na Academia Militar. Na altura do 25 de Novembro de 1975, então no Regimento de Comandos, fez parte do Posto de Comando que coordenou as acções militares" (VB).

Vd. alguns dos postes que já publicados sobre o livro de Manuel Bernardo (e não Bernardes, como às vezes por lapso foi publicado no nosso blogue):

30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (5): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2711: Notas de leitura (6): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de M. Amaro Bernardo (Mário Fitas)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2713: Notas de leitura (7): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros: Resposta a um Combatente (M. Amaro Bernardo)

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5379: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (22): Operação “Ananases”


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos a sua 22ª história, com data de 29 de Novembro de 2009:

Operação “Ananases”

O registo desta operação é dada”à estampa” quarenta e tal anos depois de ter acontecido...

Oficialmente nunca aconteceu e julgamos até poder afirmar que pouca gente da C.Caç.675 se lembrará dela...

Aconteceu no mês de Outubro de 1965 - o Capitão Tomé Pinto já não estava na Guiné -em data que não nos é possível confirmar com exactidão até... porque... foi uma «operação secreta»...

Antes de avançarmos na estória é preciso explicar o contexto em que a mesma aconteceu, fazendo notar um pormenor que não é de somenos.

A Companhia de Caçadores 675 foi durante a sua estadia na Guiné uma «Companhia Independente».Numa primeira fase pertenceu ao Batalhão de Cavalaria 490 (Ten. Coronel Fernando Cavaleiro) – de Junho de 64 a Abril 65 – e na segunda fase - a partir de Maio de 65 até ao final da comissão – esteve na dependência operacional do Batalhão de Artilharia 733 (Ten. Coronel Glória Alves).

Quer se queira quer não uma Companhia Independente é (quase) sempre uma «filha bastarda» do Batalhão, com direito a embates – leia-se "chatices" de diversos graus entre chefias - que tiveram no caso da nossa Companhia diversos tipo de encaixes...

Com o Batalhão 490 alguns «desencontros» iniciais esbateram-se e a Companhia 675 passou até a ser, a partir de determinada altura, a “filha dilecta” do Comando sedeado em Farim.

Com o Batalhão 733 as relações nunca foram boas nem más... antes pelo contrário!

Na tal segunda fase – a partir de Maio 65 – a «675» provocou sempre “azias” ao “733”, a quem só a citação do nome do Capitão Tomé Pinto provocava alergias do tipo «DC» (*).

Posto isto... estamos agora em condições de contar os quês e... porquês da ultra-secreta “Operação Ananases». Tem a palavra o cérebro da operação, Belmiro Tavares de seu nome, ao tempo Alferes Milº. de Infantaria da CCaç. 675:

«...O nosso Capitão já nos tinha deixado. Um dia o Cabo Cifra (1º.Cabo Operador Cripto nº. 2542, José Manuel Moura) deu-me conhecimento que tinha chegado uma mensagem de Farim. A CArt. 731 avisava que no dia seguinte iria patrulhar a zona de Canicó.

Fiquei abismado...

A CArt. 731 mal patrulhava a sua zona e propunha-se «invadir» a nossa!? Que se passaria naquelas cabeças!?

Aguarda. – Disse ao Moura.»


Procurei o nosso saudoso e malogrado Guia Malan Sissé e perguntei-lhe: Que haverá em Canicó que atraia a tropa de Farim?

A resposta foi imediata:

O régulo (Mamadu Baldé, Alferes de 2ª. Linha) vive em Farim e tem em Canicó uma plantação de ananases.

Está na época de os colher.

Ordenei ao Cifra:- Transmite que a zona de Canicó está armadilhada!

No dia seguinte, pela manhã, o 3º. Grupo de Combate, fez uma proveitosa batida... aos ananases de Canicó.

Trouxemos um Unimog bem carregado de ananases... afora os que comemos... in loco!

A tropa de Binta não se deixa enganar».

Ser “comido” pela malta do Batalhão 733... é que era bom!


Guia Malan Sissé. Binta, Setembro de 1965.
Fotografia de Belmiro Tavares.


Perder com eles... nem a feijões... quanto mais a ananases!»

Aconteceu... em Outubro de 1965.

O dia exacto... não ficou... mas que o sabor daqueles ananases era especial... era!

No regresso a Binta... um militar, de que já não recordamos o nome, dizia para o Alferes Tavares:

«Oh meu alferes acabei de encontrar um ananás que parece que tem um código de barras!

Um Código de Barras!? O que é que diz?

733... já foste!

É... pá... come lá o teu ananás e... não inventes. Isto é uma «operação que nunca aconteceu»!

Uma pausa e o Alferes Tavares, depois de comer mais um pouco de ananás, disse entre dentes:

«Só faltava o Furriel Oliveira daqui a alguns uns anos pôr esta “estória” nalgum livro de memórias da Guiné. E quando começar a mania dos blogues está-se mesmo a ver que ele vai entrar nessa…»

-O meu Alferes disse alguma coisa?

-Não pá…estava só a falar com os meus botões!

Premonitório este Alfero, digo eu.

(*) - DC = Dor de Corno.

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5378: Blogoterapia (133): Falando do povo da Guiné-Bissau... e alguns poemas (Regina Gouveia)

1. Mensagem da nossa tertuliana Regina Gouveia*, com data de 28 de Novembro de 2009:

Caro Luís Graça
Com a saída e apresentações do livro**, juntamente com gripe A nos netos, dispersei-me um pouco e não sei se cheguei a mandar um texto para publicação no Blog.
Envio-o agora. Se já recebeste, desculpa a duplicação.
Um abraço
Regina Gouveia



Nha Fala

NHA FALA é uma parábola sobre a voz (...) A fala de Vita é a fala da África (...)
Quis contar esta história por meio de uma comédia musical para mostrar a vitalidade deste continente. A música é o melhor modo de expressão dos africanos
”.
(Flora Gomes)


Se há no Porto espaços em que me sinto bem, um deles é o Clube Literário. Mesmo quando os eventos não me atraem muito, tenho sempre o rio em frente para deleite do olhar. Mas foi mais que isso na Semana Cultural dedicada à Guiné Bissau.

Terça feira, 17 de Novembro, bar do Clube, encontro sobre Contos tradicionais da Guiné-Bissau.

Já há muitos anos adquiri um livro de contos guineenses pelo que os contos não constituíram uma novidade. Um sociólogo guineense fez uma análise sobre os mesmos, o que foi minimamente enriquecedor. Sempre com um fundo moral, nos contos figuram muitos animais entre eles o lobo, egoísta e agressivo, a lebre e a tchoca, símbolos de esperteza. Figuram também animais solidários que emprestam os seus olhos a outros animais cegos, e animais ingratos que depois de recebidos os olhos tentam apropriar-se deles para sempre

Enquanto o encontro decorria, um tocador dedilhava um cora. Cora é um instrumento de cordas, tradicional dos povos mandingas da África Ocidental. Construído a partir de uma meia cabaça fechada por uma cobertura de pele, e com um braço que sustenta até 25 cordas, é o instrumento que acompanha os trovadores errantes, um misto de poetas e cronistas. O seu som, belíssimo, pretende reproduzir o de uma ave

Sexta feira, 20 de Novembro, auditório do Clube, projecção do filme "Nha Fala" de Flora Gomes. Fantástico. Lembrando um pouco Kusturica, Flora Gomes busca, através da personagem Vita, um rumo para um povo que, para renascer, precisa de cortar com uma parte do passado

A banda sonora, muito bem conseguida, como que proclama a importância da música na cultura africana

Embalada pela música africana viajo no tempo….

Dezembro de 1969, visita de Spínola a Bafatá.

Acompanha-o a mulher, Helena Spínola, a quem é oferecida uma recepção, enquanto o marido trata de assuntos que ali o levaram. Para a recepção são convidadas as mulheres dos militares.

Fui colocada perante um dilema. Estar presente seria como que uma conivência com uma guerra sem sentido, que sempre abominei.
Faltar significaria perder um espectáculo que, provavelmente, jamais iria ter oportunidade de ver. A balança pesou para este segundo lado.

Dirigi-me à casa do Administrador onde estava Helena Spínola na varanda, acompanhada por várias senhoras. Como não conhecia ninguém isolei-me a um canto. Helena Spínola, muito gentil, veio ter comigo e integrou-me no grupo. Em breve a música africana ecoava no ar. Marimbas, guitarras, coras, tambores, num inesquecível festival de sons.

E outros sons me assomaram agora à memória: os sons dos tambores num choro (funeral) bem perto de minha casa, os sons de um batuque num casamento e os sons dos guizos nas pernas e nos braços de uma criança.

Foi numa tabanca perto de Bafatá. A criança estava ao colo da mãe que, orgulhosa, ma estendeu para eu pegar nela ao colo. Emocionada peguei na criança, que ao ver-se fora dos braços da mãe começou a gesticular, perninhas e bracinhos em grande agitação. Do tilintar dos guizos emergia uma espécie de toada que tornou mágico o momento

A música é o melhor modo de expressão dos africanos (Flora Gomes)

Mas a estas imagens e a tantas outras recordações que deixaram em mim marcas indeléveis, associam-se outras que já não deveriam existir no século XXI. Refiro-me ao programa “Dar a vida sem morrer” apresentado por Catarina Furtado.

E apesar de tudo ainda continuam a cantar. Que força é essa amigo…

Vi-te a trabalhar o dia inteiro, construir as cidades pr'ós outros, carregar pedras, desperdiçar muita força pra pouco dinheiro.
Vi-te a trabalhar o dia inteiro. Muita força pra pouco dinheiro (…)

Sérgio Godinho, Que força é essa

Em 2005, a propósito das comemorações do 30.º aniversário da independência do seu país, Mia Couto quando proferia na Suiça, uma conferência subordinada ao tema: “No passado, o futuro era melhor?” disse a dada altura:

- Em 1975, nós mantínhamos a convicção legítima mas ingénua de que era possível, no tempo de uma geração, mudarmos o mundo e redistribuirmos felicidade. Não sabíamos quanto o mundo é uma pegajosa teia onde uns são presas e outros predadores.

Ao ver a situação da Guiné-Bissau nos dias de hoje, sei que o futuro com que sonharam no passado era bem melhor que o futuro que lhes estava reservado. Tal como nos contos, o povo continua solidário capaz de dar os olhos, mas há sempre lobos predadores egoístas e sem escrúpulos.

Ao escrever estas palavras lembrei-me de três poemas que de certo modo, põem o dedo na ferida.

Hipocrisia

Lactarius deliciosus. Não sei se foi Lineu quem o nome lhes deu.
Eu, no meio do pinhal, com gestos suaves, subtis, vou-as colhendo uma a uma.
São as sanchas, frágeis, delicadas, como que envergonhadas,
por baixo da caruma.
Chapéu e pé em tom alaranjado, já em pequenina, a medo, eu as colhia
pois sabia que mesmo ali ao lado, outros cogumelos, alguns muito mais belos,
teciam seus ardis. Insidiosos, perigosos, escondem em si a muscarina,
a psilocibina, tanta, tanta toxina, tantas vezes fatal.
Tal qual a hipocrisia nos humanos, desumanos, antes eu diria,
que enchem a boca com a democracia e a globalização, visando um mundo novo,
enquanto vendem armas para matar o povo que subjugam pela exploração.

Regina Gouveia, Magnetismo Terrestre
***

Tchador

Déboras, Irinas, Svetlanas ucranianas, sul- americanas, não importa.
Partiram em busca de uma porta que lhes desse acesso a melhores vidas.
e acabaram ludibriadas, iludidas, nas mãos de proxenetas.
São traficadas são exploradas, vezes sem conta são violadas
e quando, apesar de jovens, acabadas, são abandonadas, jogadas nas sarjetas.
Sandras, Bintas, não importa o nome, a vida deu-lhes até hoje violência e fome.
Aquela com onze anos, tão menina, de uma outra menina já é mãe.
Por certo é a primeira boneca que ela tem. E nos olhos, em vez de ódio
e de revolta, uma lágrima solta, enquanto embala a filha com amor.
Aquela outra ali é argelina, talvez a "pietá" que correu mundo.
Nos olhos um desgosto tão profundo, maior que o próprio mundo.
E aquelas outras das quais não vejo o rosto que, se doentes, não podem ser tratadas, que são impuras, se desvirginadas, que se forem violadas
poderão por castigo ser queimadas?
O que dirão os seus olhos por baixo do tchador?
Humilhação? Desgosto? Resignação? Rancor? Talvez revolta?
Se eu um dia usar tchador por meu querer acreditem que não é para me esconder
é só para tentar não ver tanta injustiça, tanto horror,
tanto fanatismo, tanta dor, neste mundo cruel à nossa volta.

Regina Gouveia em Reflexões e Interferências
***

Pai Natal

Pai Natal, acabo de perceber que não és imparcial
A alguns meninos deste tudo e a outros não deste nada
Será que perdeste a morada, não estava a tundra gelada,
ou estava a rena cansada?
No Natal que logo vem, pensa bem pois não pode ser assim.
Ou dás presentes a todos ou não os dás a ninguém. Nem a mim.

Regina Gouveia em Ciência para meninos em poemas pequeninos
***

E já que o Natal se aproxima, termino desejando a todos um Bom Natal
Regina Gouveia
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 15 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5276: Agenda Cultural (45): Semana Cultural da Guiné-Bissau, 16 a 20 Novembro, no Clube Literário do Porto (Regina Gouveia)

(**) Vd. poste de 25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5341: Agenda Cultural (48): Lançamento do livro Era uma vez... Ciência e Poesia no Reino da Fantasia, de Regina Gouveia (José Teixeira)

Vd. último poste da série de 30 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5377: Blogoterapia (132): Fotos, recordações e divagações (Juvenal Amado)