quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 – P5437: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (24): João Turé de “puto” a Homem Grande


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos a sua 24ª mensagem, com data de 9 de Dezembro de 2009:


Camaradas,

Como no nosso blogue estão a aparecer ultimamente histórias de guineenses que lutaram pela nossa Bandeira e tiveram como "recompensa"o fuzilamento, lembrou-me de vos enviar um conto verídico - e não romanceado - com final feliz.

João Turé de “puto” a Homem Grande
Guiné 1965/Alcobaça 2009

Quem havia de dizer que 40 e tal anos depois dois indivíduos de uma velha fotografia da Guiné se iriam reencontrar a milhares de quilómetros de distância, na evocação do regresso de uma Companhia que tinha estado na Guerra do Ultramar no período de 1964 a 1966!!!

Dois indivíduos que, pela ordem natural da vida, se afastaram e que, até pela diferença de idades, tinham tudo para viver... desencontrados!

Mas assim não aconteceu.

O miúdo em primeiro plano na foto, de veste azul, João Lássana Turé, tinha então 8 anos de idade. De raça mandinga tinha nascido em Binta, Norte da Guiné, então Província do Império Português, que se espalhava pelo Mundo, do Minho a Timor!!!

João Turé está acompanhado na fotografia de um irmão e primos.

O outro indivíduo, de camuflado verde, Furriel Oliveira, então um jovem militar de 24 anos, tinha nascido em Alcobaça.

E o que aconteceu ao João Turé depois daqueles militares terem saído da sua terra em Maio de 1966?Muita coisa – que quase daria para escrever um livro ou fazer um filme – mas encurtando “páginas e/ou imagens” pode-se resumir assim a vida daquele miúdo que, embora protagonista de muitos e variados dramas, consegue ser hoje uma pessoa de riso fácil, sem ressentimentos em relação às “coisas más” que lhe calharam na sorte até agora...

E quando já ultrapassou o meio século (conta 53 anos de idade feitos em 13 de Março de 2009).

À (relativa) estabilidade que os militares da CCaç 675 conseguiram para a sua aldeia, nomeadamente no segundo ano da sua acção da zona – o primeiro ano foi fértil em “acções de fogo” na quadrícula da Companhia, com algumas flagelações ao quartel de Binta – deixaram--lhe uma boa recordação – a si e aos seus familiares.

Com efeito a “tropa do Capitão de Binta” deixou saudades pelas melhorias que deixou na aldeia ao nível sanitário e social.Recuperou cerca de 900 antigos residentes, que tinham fugido para o Senegal, ajudando as populações na recuperação da aldeia (“a tabanca”) e das suas habitações ( “as moranças”), nas sementeiras e na pesca a aldeia situava-se junto ao Rio Cacheu).

Abrem-se ruas, faz-se um pequeno campo de aviação de terra batida (onde aterram e levantam avionetas tipo DO), um furo de captação de água, uma escola, uma enfermaria, uma capela, um campo de futebol e... depois de muitas canseiras... acordamos todos os dias numa povoação modelo onde, ao domingo, é hasteada, com a pompa possível, a Bandeira.

A Bandeira de Portugal.

Os militares da “675” trouxeram a paz e a dignidade a quem tinha andado fugido da guerra... !

Muita(s) da(s) história(s) da “guerra colonial” passaram por estas acções que não mais foram esquecidas pelas populações nativas.

Se não fosse assim porque é que hoje o João Turé procura e se sente em família com os antigos militares da CCaç 675, que estiveram na sua terra entre Junho de 1964 e Maio de 1966!? João Turé, que ainda viveu na sua aldeia até aos 16-17 anos, e conheceu militares de outras Companhias que passaram por Binta.

Depois da “675” voltaram os tempos difíceis pois a guerra instalou-se com redobrada dureza na zona Norte da Guiné (Binta ficava apenas a 20 Kms da fronteira com o Senegal).

Cresceu na inquietação da guerra com quem se habituou a conviver.

Um dia – anos mais tarde – vai para Bissau estudar e completa o antigo 5º. Ano do Curso Comercial.

Depois frequenta durante 12 meses o Curso de Fuzileiros Especiais em Bolama, fazendo uma pequena “batota” com a data do seu nascimento para ser admitido na vida militar.

É um militar distinto nesta tropa de elite onde até 1974 entra em mais de 140 acções especiais (desembarques e combates em todo o território) debaixo das ordens do Comandante Amadeu Cardoso Anaia.Foi louvado pelo Comandante do Dest. Fuz. Especiais nº. 22, em 5 de Outubro de 1973, que além de referir o seu excelente desempenho como encarregado de secretaria do destacamento, destaca ainda a sua grande coragem como operacional.

É um excelente atirador de ALG’s, arma que domina como poucos. A sua impetuosidade em combate e a sua serena energia debaixo de fogo são particularmente salientadas neste louvor, de que o João Turé particularmente se orgulha.

Casa com Binta Turé (natural da sua aldeia) em 8 de Abril de 1974.

Dá-se pouco depois a Revolução de 25 de Abril de 1974 e, poucos meses depois, é preso em Bissau pela Segurança do PAIGC.É acusado de ter servido nas Forças Armadas Portuguesas como fuzileiro e ter, eventualmente, conhecimento de “segredos militares” por ter desempenhado funções na Secretaria do Comando da Companhia.

Abandonado à sua sorte tem mais sorte que muitos guineenses que serviram o Exército Português e que são então perseguidos e fuzilados.

Quantos?! Ainda hoje não se sabe!

Mas não é seguramente uma página de ouro da história recente de Portugal que não soube proteger quem serviu sob a sua Bandeira!

João Turé cumpriu 9 meses de prisão – sem ser julgado – é libertado e “desenrasca-se” no novo País.

O seu País – a Guiné-Bissau – de que tem orgulho e onde continuam muitos familiares.

E depois de alguns anos sem “grandes recordações” vem para Portugal.

Chega sozinho em Agosto de 1982 e consegue emprego como escriturário na Secção de Contabilidade dos “Explosivos da Trafaria”.

Há alguma ironia do destino nesta fase da sua vida.Depois de vida explosiva (e de acção nos fuzileiros) vem trabalhar com papéis que dizem respeito a explosivos... para construção.

Continuou no ramo e passados dois anos já faz parte do sector comercial.

Estabiliza a sua vida e a sua família, já aumentada com quatro filhos, vive consigo na região da Amadora e cresce longe da “sua” Guiné.

Em 1990 transfere-se para a SPEL – Sociedade Portuguesa de Explosivos, S.A.

Trabalha duramente e em 1992 já tem responsabilidades no Departamento de Vendas. É aliás o principal responsável para os Distritos de Lisboa e de Leiria.

Nada mau para um rapaz de Binta, uma aldeia a 80 kms da Foz do Rio Cacheu, no Norte da Guiné!A vida não é só trabalho e vai de vez em quando visitar o seu País Novo, onde ainda vivem a sua mãe e seus irmãos.

Acompanha com interesse tudo o que se passa na sua Terra e... tem esperança. Esperança em melhores dias.

E um dia... muitos e muito anos mais tarde encontra os “tios mais velhos” da “675”.

Velhotes, carecas, barrigudos mas... encantados de reencontrarem o “puto” Turé.

Estamos então em Maio de 2001.A Companhia festeja em Évora os “seus” 35 anos do regresso da Guiné e o João Turé é recebido como “um Homem Grande”.

Na noite desse dia memorável este reencontro com os militares da 675 “abre” o telejornal da TVI.

João Turé assume-se publicamente como guineense e português e refere que a sua gente muito ficou a dever “à tropa do capitão de Binta”!

A reedição desse “momento mágico” voltou a acontecer noutros convívios dos ex-combatentes da “675 que todos os anos se reúnem no primeiro (ou segundo) domingo de Maio. Aconteceu também em 5 Maio de 2009 em Alcobaça no lançamento do livro “GOLPES DE|MÃO’s”.

João Turé usou da palavra e foi aplaudido de pé.
Numa vida em que, por vezes, os grandes valores são “outros” sabe bem recordar que a guerra não se fez só com tiros e que há “miúdos” que ainda hoje respeitam (e se sentem bem) junto dos “velhos combatentes”.

João para o próximo ano o nosso convívio é em Aveiro.

Vai calhar a vez ao nosso Furriel “Juca”, também conhecido por António Miranda Soares Correis.

Até lá não tem nada que saber: A AMIZADE NUNCA CEDERÁ.

675 SEMPRE!

Um abraço,
JERO
Fur Mil Enf da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5436: Notas de leitura (43): Operação Mar Verde, Um documento para a história, de António Luís Marinho (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2009:

Carlos e Luís,
Aqui vai a recensão do livro sobre a Operação «Mar Verde», talvez o relato mais completo.

Agora vou ler o romance do Luís Rosa, que acaba de sair, para a semana dou notícias.

Um abraço do
Mário


A última grande batalha naval de Portugal

Beja Santos

Tudo leva a crer que Alpoim Calvão, um dos mais condecorados oficiais que fizeram a guerra colonial, não gosta de falar na primeira pessoa do singular. Logo em 1976, surgiu o livro “De Conacri ao MDLP”, Calvão deu uma entrevista onde falou largamente sobre a sua infância e juventude, a vida na Armada, a história das suas duas comissões na Guiné, o seu trabalho no Serviço de Informações que ele próprio criou e dirigiu até ao 25 de Abril, as actividades do MDLP, onde ele colaborou directamente com Spínola. Há hoje um conjunto de obras que referem as suas façanhas, certamente que Calvão aqui e acolá dá informações e presta esclarecimentos, mas não possuímos nenhum relato assinado pelo seu punho do que realmente se passou nos diferentes “golpes de mão” que ele liderou com tanto êxito no Sul da Guiné bem como na operação “Mar Verde”, destinada a inverter o curso da História, mudando o regime político da República da Guiné, onde se passaria a hostilizar o PAIGC, capturando ou aniquilando os seus dirigentes máximos. Calvão parece que cultiva o mito de deixar aos outros a narrativa do seu heroísmo.

Operação Mar Verde, Um documento para a história”, é muito provavelmente o relato mais completo sobre a Operação da invasão de Conacri, é desencadeada em 22 de Novembro de 1970 (por António Luís Marinho, Círculo de Leitores, 2005). Calvão não é alheio à obra, escrevendo a introdução, concedendo vários depoimentos que aparecem ao longo do livro.

O relato inicia-se com os dados curriculares de Alpoim Calvão, voltamos ao teatro de operações da Guiné em 1963 onde ele, como Comandante do Destacamento 8, se notabilizou. O autor revela o papel desempenhado pelo diplomata Luís Gonzaga Ferreira, colocado em Dakar em 1961, que tudo fez para sentar à mesa das negociações os representantes do Governo de Salazar com líderes do PAIGC. Descreve-se o início da luta armada (mais uma vez verificamos existir uma lacuna que ninguém parece saber preencher, e que é a explicação do sucesso organizativo que levou o PAIGC a conseguir a desarticulação do território, deixando-o dividido entre “zonas libertadas” e territórios sob influência portuguesa, entre 1963 e 1964), a desarticulação dos grupos guineenses hostis ao PAIGC, a participação de Calvão na Operação Tridente, a crescente capacidade de manobra do PAIGC, fortalecido por uma cena internacional onde a ONU condenava com cada vez mais vigor a política de Portugal em África. Em Fevereiro de 1969, Calvão desembarca de novo em Bissau. Spínola entusiasma-se com as suas propostas em atacar o PAIGC num ponto onde este é mais vulnerável, o controlo e a navegação nos rios. Nas Operações Nebulosa e Gata Brava, Calvão e os seus homens destroem embarcações, apreendem armamento, aniquilam tripulantes. O PAIGC, temporariamente, vê-se obrigado a reformular a sua presença nos rios do Sul da Guiné.

Em finais de Agosto de 1969, Calvão propõe a Spínola uma Operação altamente sensível: ir até Conacri, libertar os prisioneiros militares portugueses e destruir a força naval do PAIGC. De repente, o quadro de operação altera-se, Spínola anunciou a Calvão que elementos dissidentes do regime de Sékou Touré tinham solicitado apoio para um golpe de Estado. Foi assim que nasceu a Operação Mar Verde: apoiar um golpe de Estado e apear Sékou Touré, desmantelar as instalações do PAIGC, aprisionar Amílcar Cabral e libertar os 26 militares portugueses detidos nas prisões do PAIGC, também em Conacri. Silva Cunha opôs-se, Marcello Caetano deu o seu apoio. Em Janeiro de 1970, a Operação estava em marcha: estabeleceu-se na ilha de Soga (arquipélago dos Bijagós) a base operacional para treinos; Calvão percorreu várias cidades europeias acompanhado pelo inspector da PIDE, Matos Rodrigues, onde contactou dissidentes de Sékou Touré; nos bastidores trabalhou-se com esses dirigentes para formar um novo Governo de Conacri; recrutaram-se tropas em diversos países de África, como a Serra Leoa, Gâmbia e Senegal (ao que parece, ninguém reparou que os dissidentes eram líderes de opereta e que os militares não estiveram devidamente informados até ao fim do que é que iam fazer a Conacri; fabricaram-se fardamentos especiais para as tropas invasoras e comprou-se armamento em países do Leste.

O que se passou na ilha de Soga parece um romance de Kafka: para lá convergem uma Companhia de Comandos Africana e um Destacamento de Fuzileiros Africanos, duas centenas de rebeldes guineenses, os colaboradores de Calvão, quando estão todos juntos começam os protestos e descobrem-se várias lacunas. Algumas delas, ir-se-ão revelar fatais para o desfecho da Operação. Os Comandos Africanos mostraram-se reticentes em ir até à Guiné Conacri, o seu coordenador, o Major Leal de Almeida disse categoricamente que não ia invadir um país estrangeiro. É nesta atmosfera pesada que Spínola faz uma arenga às tropas, os barcos põem-se a caminho e pelas 9 da noite de 22 de Novembro, a força naval avista Conacri.

Como já se escreveu muitas vezes, encontrou-se o aeroporto às moscas (os temíveis MIG não estavam lá), desactivou-se a central eléctrica, quem ia procurar conquistar a emissora nunca lá chegou, os barcos do PAIGC foram todos destruídos, os prisioneiros portugueses foram libertados, nunca se encontrou nem Sékou Touré nem Amílcar Cabral (se bem que a sua residência tenha sido danificada, o que dá que pensar que tipo de captura se pretendia deste líder). A Operação semeou o pânico em Conacri mas Calvão, durante a madrugada, consciente dos grandes riscos de se manter numa cidade sem a poder conquistar, e estando abortado o golpe de Estado, mandou retirar, ainda por cima com uma baixa terrível que foi a deserção do Tenente Januário Lopes e dos seus homens. Mais tarde, os rebeldes da República da Guiné irão ser internados no seu próprio território, presos e executados.

Para o Governo de Caetano, iniciava-se um pesadelo diplomático. Sékou Touré deu jus à sua imagem de tirano diabólico, começaram as atrocidades, os interrogatórios iníquos e a caça às bruxas. Spínola ficou profundamente desapontado, percebeu que o fracasso iria ter consequências no curto e médio prazo: admoestou uns, enfureceu-se com outros, nasceu nesse momento a directiva para proteger Bissau de eventuais ataques aéreos, Spínola temeu retaliações. Calvão mostrou-se e mostra-se orgulhoso dos resultados, sobretudo face à libertação dos militares portugueses. Mas a factura diplomática foi pesadíssima, o PAIGC reacendeu os seus ataques e sentiu-se motivado a pedir armamento mais sofisticado dos países de Leste. Como se sabe, no início de 1972 começou a formação de pilotos aéreos, os soviéticos redobraram o apoio à preparação de futuros oficiais navais, chegou armamento mais sofisticado, anunciou-se a oferta de mísseis Strella, etc.

O livro de António Luís Marinho inclui um conjunto de anexos muito úteis para entender a evolução na guerra da Guiné a partir de 1970, a saber o documento “A solução do problema na Guiné”, de autoria do Comando-Chefe; diferentes relatórios da Operação Mar Verde, a Directiva da defesa de Bissau, na sequência da previsão de ataques aéreos, entre outros.

O livro ficará na propriedade do blogue.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5425: Notas de leitura (42): Reportagem, Uma Antologia, de José Vegar (Beja Santos)

Guiné 63/74 - P5435: Os nossos regressos (19): Dia 4 de Dezembro de 1969, já lá vão 40 anos (Torcato Mendonça)



Texto de Torcato Mendonça*, ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69, enviado em mensagem com data de 4 de Dezembro de 2009, relembrando uma data marcante, o dia de embarque no Uige que o traria definitivamente ao solo pátrio depois de 23 meses de comissão.





4 DE DEZEMBRO DE 1969
Há quarenta anos


Há quarenta anos que, a um quatro de Dezembro, embarquei no Uíge a caminho de minha Pátria, do meu País. Vinte e três meses depois de ter na Guiné desembarcado. Parecia que fora há muitos anos e só dois, menos do que dois, tinham passado. Vinha indelevelmente marcado. Era outro que naquele dia regressara. Quarenta anos se passaram e sempre este dia e o dez de Dezembro, por mim foram recordados.

Lembro o dia a amanhecer, quente, as gentes atarefadas a embrulhar as trouxas, o 1.º Sargento a querer mais umas assinaturas, a incerteza se embarcava ou ficava na Comissão Liquidatária. Evidentemente, quer eu quer os profissionais da Companhia torciam pela minha partida.Obviamente.

Juntamo-nos nas traseiras dos Comandos e recordo dois amigos da 15.ª ou 16.ª a chamarem pelo meu nome. Despedimo-nos e depois foi a formatura, ouvir uns discursos, o desfile com a fanfarra à frente e nós a não sabermos já acertar o passo, ou, num marchar desengonsado e esquecido. Lá fomos a marchar e a bater pés, a olhar à direita em cumprimento a gentes no palanque postadas. Fartos, mais que fartos com aquela cerimónia toda. Pior que ida ao Poidom...

Juntamo-nos e embarcamos em viaturas ali colocadas. Destino o cais com o Uíge à vista.


Depois foi a espera, a distribuição de uma ração diferente e melhor.
O protesto de alguns:
- Agora é que dão disto?

Eu e todos esperavamos e desesperavamos. Mais eu porque olhava para todas as viaturas que ali chegavam. Ai que ainda recebo ordem de voltar atrás... e foi o tempo passando... finalmente a ordem de embarque. Primeiro para umas lanchas e depois para o Uíge que, devido ao calado, tinha do cais ficado afastado. E fui a medo, quase no tente não caias e subi as escadas. Instalei-me e esperei e o barco não partia, não partia e havia ainda gentes a irem e virem... que merda, que merda e fui até ao camarote. Olhava para a mala e os sacos... arrumo ou não?

Esperei e fumava. Bebida ká tem e o bar fechado. Sacanas. Quase sem dar por isso senti o barco a afastar-se e vim ver... e Bissau a ficar mais além, mais ao longe. Agora já não me vêm buscar e não vieram e o mar veio chegando e nós nele entrando.

Que coisa boa aí vou eu e muitos mais, não todos infelizmente, não todos.

A dez, seis dias depois chegamos, diferentes, olhares meio assustados, envelhecidos por dois anos ou por duas dezenas? Não sei. Todos os anos recordo aquele dia, o último em terra da Guiné e nunca mais voltei ou voltarei - nunca digas nunca? Não, não voltarei. Tenho saudades da Gente das Tabancas, dos homens que comigo andaram no mato e muito me ensinaram, das mulheres ou de algumas que comigo se deitaram ou não e das crianças, das crianças lindas que eram o fruto do amor daquele Povo. Ainda recordo o respeito que tinham pelos mais velhos, os velhos, certamente mais novos do que eu sou hoje, a quem uns parvos chamam sénior para não dizerem descartável...

Adeus Guiné. Abraço o teu Povo das Tabancas, abraço os Militares que comigo vieram e, se acreditasse na vida do além abraçava quem não veio... Assim curvo-me em respeito à sua memória.

Espero recordar muitos 4 de Dezembro e que outros o possam igualmente fazer.

Meus Caros Editores aí vai o meu regresso à Lusa Pátria. Fui escrevendo ao sabor da tecla...

Abraços para todos e o mail qual é? Deu-me esta droga... depois vejo...

AB do TM
Torcato Mendonça
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 16 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5281: Blogoterapia (128): (Im)possível regress(ã)o (Torcato Mendonça, CART 2339, Mansambo, 1968/69)

Vd. último poste da série de 17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3470: Os nossos regressos (18): Desenraizados, nas esplanadas das Lisboas deste País...(Alberto Branquinho)

Guiné 63/74 - P5434: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (16): Guileje não caiu, foi abandonado (José da Câmara)

1. Mensagem de José da Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Guiné, 1971/73, com data de hoje, 9 de Dezembro de 2009:

Olá Carlos Vinhal,
Mais uma vez o dossiê Guileje aqueceu. Insuficiente, porém, para derreter a neve que cobre a Vila de Stoughton. Apraz-me registar que os comentários ao poste do ex-Furriel Alfaiate foram bastante comedidos.

Nunca me referi a este caso. Sempre entendi que muitos dos nossos camaradas tinham tido o cuidado de, a favor ou contra, terem escalpelizado este assunto até ao ponto de saturação.

O ex-furriel Alfaiate trouxe-nos mais uma achega, se quisermos uma acha para a fogueira. E se é certo que o conteúdo envereda pelo mesmo diapasão de outros escritos anteriormente postados no blogue, a forma como escreveu foi, no mínimo, deselegante e mesmo desleal, não se coibindo de ofender um camarada de luta, neste caso o Constantino. Tenho a certeza que o ex-Furriel Alfaiate mais tarde ou mais cedo reconhecerá o seu deslize. E ficar-lhe-á muito bem. E nós estaremos aqui para o aplaudir.

Em anexo encontrarás um escrito meu. Com o que escrevi não pretendo relançar este dossier noutra direcção, e muito menos criar mais um problema para o blogue.

Deixo-te à vontade para fazeres dele o que quiseres. Publicá-lo como poste, publicá-lo como comentário ao Poste do ex-Fur Alfaiate, ou pura e simplesmente pô-lo no lixo. Nem tens que dar explicações se esta última hipótese for a escolhida. Não me preocupo com coisas assim pois entendo que o bem estar colectivo do blogue é, de longe, muito mais importante que a vontade das partes.

Com votos de muita saúde.
Um abraço do tamanho do oceano,
José Câmara


Guileje não caiu, foi abandonado

Camaradas:
Quando aconteceu o caso Guileje já eu estava nos Açores a contar os dias para emigrar para os EUA. Por lá dizia-se o quartel de Guileje caiu. Era, desta forma dita, a primeira vez que acontecia a um quartel de tropa regular no TO da Guiné. Não interessa o que então senti.

Depois de emigrar, e durante muitos anos, fiquei sem saber o que então acontecera. Guileje não caiu! Foi, independentemente das circunstâncias, abandonado pelas nossas tropas. Soube-o muito mais tarde.

Também confesso que não li o livro do Major Coutinho e Lima, e a minha informação é toda ela dos depoimentos das pessoas que por lá andaram e daqueles que têm comentado este abandono. Aqui, neste blogue.

O dossier Guileje tem causado discórdia e controvérsia apaixonantes entre os que defendem a posição assumida e aqueles que dela discordam. Entre os postes publicados e os comentários, um dos pontos mais quentes é aquele em que opõe o direito à verdade dos que lá estavam acima daqueles que apenas ouviram falar do caso.

Nada mais errado! A verdade é de quem a diz e, neste caso, de quem a escreve. Qualquer verdade será tanto mais firme e lícita quando melhor puder sobreviver ao contraditório.

Independentemente dos pontos de vista de cada lado, direi o seguinte. Fomos todos treinados (bem ou mal) para enfrentar situações adversas. E, os graduados treinaram as suas tropas para os ajudarem a produzir o melhor trabalho possível em circunstâncias muitas vezes imprivisíveis. Guileje foi um caso difícil, mas não único. Guidaje e Gadamael falam por si. Com estratégias diferentes os resultados foram diferentes.

A partir daqui terei que assumir princípios básicos que a consciência me dita. Não conheço nenhum dos intervenientes, e não me passaria nunca pela cabeça pensar que um oficial do exército português, neste caso o Major Coutinho e Lima, tivesse tomado a atitude inglória de se acobardar perante a monstruosidade de uma possível carnificina. Dito isso, também tenho a certeza que os graduados de Guileje ao solidarizarem-se com o seu comandante partiram, na altura, do princípio que era a melhor solução.

Em quase todos os postos de referência escritos pelos que lá estiveram, o que mais me chama a atenção é a unicidade de que não havia outra solução. Ponto em discordância é o artigo do Constantino que, tal como os outros, viveu o mesmo problema. Só que o não sentiu da mesma maneira. Agora há que acrescentar o poste do ex-Fur Mil Trms Victor Alfaiate. Alguns aspectos do conteúdo e da forma utilizada para os descrever são, no melhor das palavras que poderia usar para os qualificar, deselegantes.

Vamos começar pelas fotografias que mais me chamaram a atenção. Não só do poste do ex-Fur Alfaiate. São imagens falantes e, como tal, não é a minha intenção qualificar, individualmente, qualquer das fotografias.

Numa das fotografias, publicada pelo ex-Fur José Casimiro, aparece um grupo de militares em calção, sem camisa e sem nenhuma arma à vista, mostrando uma moto-bomba junto ao poço abastecedor de água, a cerca de 4 kms do quartel, e cujo itinerário era, assim percebi, frequentemente emboscado.

No poste do ex-Fur Alfaiate aparece duas fotografias falantes. As tropas em fila indiana, de mala nas mãos ou às costas, armas a tiracolo, e encaixadas com os populares civis (mulheres e crianças). Numa dessas fotografias é bem visível uma viatura ao lado da coluna.

Em fotografias de diferentes épocas é notório que, à medida que o tempo passou, o quartel estagnou. E as árvores de grande porte que dividiam o quartel das tabancas lá continuaram como ponto de referência de tiro para o IN, em caso de postos de observação adiantados. A descapinação também se manteve ao mesmo nível.

Das defesas dos quartéis, passando pelos abrigos, havia em Guileje pelo menos, quatro abrigos em cimento armado, construídos pela Engenharia e que eram, segundo alguns, à prova de foguetões 122. Os demais abrigos eram semelhantes àqueles que, falo por mim, encontrei pelos aquartelamentos onde passei. Buracos no chão com grandes troncos de palmeira e árvores a servirem de suporte, massame por cima.
A saída de um grupo reduzido em patrulha de reconhecimento (julgo eu) num terreno extremamente perigoso que, ao ser emboscado, resulta em algumas mortes.

A chegada do Major Coutinho e Lima, a pé, e atravessando uma zona (escaldante) cercada, segundo o poste do ex-Fur Alfaiate, pelo PAIGC.

E usando as palavras do referido furriel, os civis tinham tomado lugar nos abrigos, onde por razões fisiológicas o cheiro era nauseabundo.

Acrescenta ainda que, a voz discordante vem do Constantino que perdeu a oportunidade de ser um herói (morto).

E por último o ex-Furriel Alfaiate não se coíbe de acusar a Força Aérea de ter sido ineficaz na ajuda a Guileje.

Estes pontos são suficientes para eu chegar a uma conclusão, não acusatória, mas de dúvida. Continuo a acreditar que a história, tal como tem vindo a ser contada, não se coaduna com os básicos princípios de defesa e ética militares (obrigados ou não).

Começando pelas fotografias, onde estavam os princípios básicos de segurança no poço de água? E no itinerário vestiam os camuflados?

Ao saírem de Guileje com as armas a tiracolo, para dar lugar às malas, quando se sabia que o quartel estava cercado? Pergunto, e julgo que a pergunta é legítima, se os militares que deixaram Guileje naquele dia estiveram expostos a uma inconsciência colectiva?

No enquadramento de militares e civis (sobretudo crianças e mulheres) , estiveram os militares expostos a uma falta de ética militar que qualquer exército regular e digno respeita?

No abandono do quartel, onde o silêncio deveria ser condição fundamental no sucesso da operação, como foi possível que cerca de 800 pessoas rompessem o cerco sem que os guerrilheiros do PAIGC dessem por isso? E, se deduzi bem (da observação de uma viatura na fotografia), com viatura(s) a acompanhar?

Se o quartel estava cercado, como se justifica que os guerrilheiros do PAIGC tenha continuado a bombardear (e a cercar) o quartel durante mais 3 dias? Não me peçam para perguntar a eles. Já o podiam ter feito, e oportunidades não faltaram para isso.

Como foi possível consertar, montar e hastear a antena de radio sempre que era derrubada, mas não era possível despejar os vasilhames (parto de principio que haveria algum tipo de vasilhame nos abrigos) das necessidades fisiológicas?

Como se compreende que, a pedido do próprio Major Coutinho e Lima, os patrulhamentos tenham sido reduzidos, para que as tropas pudessem beneficiar o quartel, e afinal os melhoramentos principais – abrigos - não tenham sido efectuados (afirmação feita de que havia alguns abrigos com falhas de suporte)?

Em Guileje, de quem era a responsabilidade de trazer o armamento e respectivas munições para a defesa do quartel? Por onde andei, essa responsabilidade cabia às forças que lá estavam.

Os obuses estiveram calados. Foi só porque não tinham muitas munições e não tinham o tiro regulado?

A defesa de qualquer quartel é de quem lá está. É da sua responsabilidade criar as condições suficientes para sobreviverem para além do dia a dia. Não pretendo, aqui, escamotear a dificuldade porque passaram. Mas, em consciência, foram tomadas as diligências suficientes para o que desse e viesse?

A Guiné não era só Guileje. As nossas tropas especiais que, nem eram muitas, estavam espalhadas pela Província em diferentes patamares de necessidade. Não era de um dia para o outro que se fazia deslocar tropas de pontos sensíveis, para socorrer outros.
Havia que dar espaço (tempo) de manobra suficiente. Em consciência isso foi feito?

Da morte, infeliz e possivelmente por falta de apoio, é afirmado que ficaram todos abalados. Não era a responsabilidade dos comandantes a todos os níveis, chorarem por dentro, e por fora incentivar, apoiar e animar os seus comandados?

Quanto à Força Aérea devo dizer que, pessoalmente, nunca tive que pedir o seu auxílio. Mas é do nosso conhecimento quão preciosa foi a abnegação dos pilotos e das enfermeiras pára-quedistas no TO da Guiné. A eles, com risco das suas próprias vidas e das suas aeronaves, se ficaram a dever muitas vidas, e é verdade o correio, os víveres e porque não algumas douradas. Aqui e ali uma boleiazinha até Bissau também dava jeito quando tínhamos que apanhar o avião para férias.

Uma palavra para a referência que é feita ao Constantino: “pelos vistos terá um certo sentimento de frustração por não ter sido herói (morto)”. Mal de nós se, em democracia, não nos sujeitássemos ao contraditório. Neste caso, o Constantino usou do seu direito ao contraditório. No entender dele foi-lhe vedado o direito de ter sido um herói (morto) e, também, de o ter sido (vivo). Onde está o mal para que a sua premissa não seja igualmente respeitada?

A decisão de abandonar Guileje foi tomada. A história a julgará. Para o bem segundo a maioria das vozes dos elementos da CCAV 8350 que neste blogue se têm manifestado.

Não contesto o vosso sentir. Arrepio-me, isso sim, com a mentalidade de única verdade possível que alardeais.

Deixo-vos com um comentário que o nosso camarada Cap Mil Vasco da Gama escreveu a um comentário que nada tinha a ver com Guileje, mas que julgo de todo pertinente aqui:

“Bom é aquele que não dá lições de história (…….) e que é constantemente assaltado por dúvidas...
Os das "certezas absolutas, "sopradas" ou não", jamais evoluirão...e serão "os grandes mestres da razão", deixá-los ser...”.


Um abraço de respeito por todos aqueles que sofreram (e continuam a sofrer) os efeitos de Guileje,
José Câmara

(Título da responsabilidade do editor)
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 27 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5356: Memórias e histórias minhas (José da Câmara) (9): Histórias palacianas: tiros indiscretos...

Vd. último poste da série de 7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5417: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (15): Ainda e Sempre Guileje (Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350, 1972/74)

Guiné 63/74 - P5433: Comentários que merecem ser postes (11): O Viegas contava apenas 21 anos; não vai escrever a mais ninguém (A. Graça de Abreu, CAOP1, Mansoa, 1973)

1. Comentário do António Graça de Abreu (ex-Alf Mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar, 1972/74)  ao poste de 9 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5431: O Nosso Livro de Visitas (73): Doce lembrança do meu tio José Raimundo, da 38ª CComandos, Os Leopardos, natural da Azambuja, morto em Guidaje em 12/5/73 (Isabel Conde



O soldado condutor que perdeu a vida ao lado do Raimundo era o David Ferreira Viegas.


No meu Diário da Guiné, em Mansoa, logo após aqueles dias tenebrosos, escrevi assim a seu respeito:

Lá (em Guidaje) morreu mais um soldado da 38ª. de Comandos e o soldado condutor auto David Ferreira Viegas, do nosso CAOP 1. Era um dos meus homens, um rapaz baixo, magrinho, tímido, natural de Olhão. Tinha vinte e um anos, fora pescador no Algarve, estava connosco no CAOP desde 3 de Março e na tropa há apenas oito meses.


Não trouxeram o corpo do Viegas para Mansoa, meteram-no na urna e seguiu de barco para Bissau. Tenho sido eu a tratar das coisas dele, fui-lhe mexer na mala e fazer o espólio de todos os seus pertences para enviar à família. Possuía tão pouco, algumas quinquilharias e uma roupita tão pobre! O povo português vai morrendo, o nosso David foi apenas mais um.


Comoveu-me o último aerograma com data de 27 de Abril que lhe foi enviado pela mãe, escrito pela Rosarinho, uma das sobrinhas, porque a mãe é analfabeta. A Elsa Maria, outra sobrinha pequena, como ainda não sabe escrever, mandou contas ao tio David:


0 2 3 4 4 5 5
___________
4 7 8 0


A Ana Cristina Viegas Fava, também sobrinha, diz:


“Tio, eu já sei escrever e quando o tio estiver aborrecido escreva para mim que eu lhe respondo, está bem?"


O David Ferreira Viegas, contava apenas vinte e um anos. Não vai escrever a mais ninguém.

Guiné 63/74 - P5432: FAP (39): Guileje, outra vez?!... (António Martins de Matos)


1. Mensagem de António Martins Matos (ex-Ten Pilav, BA12, 1972/74)  com data de 7 do corrente:
Assunto - Poste 5417

Amigo  Luís Graça


 Confesso ter ficado surpreendido e desagradado com a leitura do poste 5417 do Victor Alfaiate [VA] (*). Surpreendido porque julgava que já tudo tinha sido dito acerca do Guileje e que a nova edição de comentários apenas se iria dar quando o documentário "A Guerra" do Joaquim Furtado abordasse o tema.


Surpreendido pelo ataque directo que o VA me dirige. Surpreendido porque, quando em Setembro de 1974 o encontrei fortuitamente no Restaurante das Marés onde trabalhava, me contou uma outra visão dos acontecimentos.


Surpreendido finalmente pelo facto dos editores do blogue não me terem dado conhecimento de um texto a todos os títulos ofensivo e que me era especialmente dirigido, procedimento contrário ao que têm feito habitualmente.


Desagradado pelo chorrilho de considerações que o seu autor faz, confirmando o ditado: "Quem te manda a ti,  sapateiro,  tocar rabecão".


Podia rebater o seu post ponto por ponto mas, porque a paciência também tem limites, vou apenas pegar nos que me parecem mais evidentes. Assim:


Artilharia: Substituição e regulação


Não foram "os senhores de Bissau" que ordenaram a substituição da artilharia de 11,4 [pela de]  14, foi o próprio Maj Coutinho e Lima [CL], conforme ele o descreve no seu livro "A Retirada  de Guileje",  a páginas 25.
Ao ler-se o livro com atenção chega-se à conclusão que, primeiro deixou ir para Gadamael as peças de 11,4, ficando completamente indefeso, só depois recebeu as de 14.


Se a troca foi mal concebida, mal planeada e pior executada, (uma das peças até vinha inoperativa) não foi certamente por culpa da Força Aérea [FAP].


E a regulação? No seu livro CL escreve várias vezes que a regulação não foi feita por culpa da FAP
Para a regulação do tiro a observação aérea é uma mais valia mas não é imprescindível (as guerras não param para se regular a artilharia,... ou param?).


Ainda assim podia ter sido feita, os aviões da FAP só tinham a limitação de aterrar em Guileje, podiam voar sobre o quartel, como sempre o fizeram (dizer o contrário é uma mentira baixa, mesquinha).


As peças chegaram a 18 de Maio [de 1973], o Comandante ausentou-se entre 19 e 21Maio, abandonou o quartel em 22 (pag 71 do livro do CL).


Quando é que pediu a regulação de tiro?


A regulação não foi feita mas também não foi pedida. (O livro do CL que é tão exaustivo no escalonamento de mensagens,  não mostra qualquer pedido)


 FAP: Apoio de fogos


No que respeita aos apoios de fogo, quando os Fiats chegavam a um quartel em dificuldades e ao ser estabelecido o contacto rádio, o que o piloto precisava saber era:


- de onde vinha a direcção do ataque,
- com que tipo de arma,
- há quanto tempo tinha ocorrido.
- se havia tropa fora, no mato.


Este cheklist sempre foi usado com sucesso em toda a Guiné, por todos os aquartelamentos (Guileje incluído) e, inclusive muitos dos nossos tertulianos que estiveram directamente envolvidos em acções semelhantes, sabem do que me refiro.


A história de os aviões voarem alto ou baixo não tem a ver com o medo dos pilotos como é insinuado pelo VA e, volta não volta, por outros  TEPONs (Técnicos de Porra Nenhuma), mas sim por causa do armamento que levam.


E não venham com a estafada de que não foram apoiados, pois entre 19 e 21 de Maio a FAP (com seis pilotos) efectuou 16 missões no Guidaje e 14 em Guileje, 8 das quais no dia 21.


Dizer "bombardeiem todas as matas à volta do quartel" revelou no mínimo a incompetência de quem deu essa informação pois é por demais evidente que os aviões levando 4 bombas não podiam satisfazer um pedido semelhante.


Tal como as cerejas nos bolos, este disparate é inclusive confirmado pelo próprio Major CL no seu livro (página 177) quando afirma que "quem tenha feito este pedido demonstrou não fazer a mínima ideia do que estava a solicitar". (Obrigado, CL, a verdade a vir ao de ciima).


É no mínimo aberrante (para não dizer estúpido) dizer a um piloto que voa a 700 km/h e que tem por baixo, 360 graus à sua volta, uma mata verde de quilómetros de extensão, para que "descubra de onde sai o ataque".


Memória (ou falta dela)


E não, em 18 Maio o Guileje não estava "quente" como insinua o VA,  havia nuvens que tapavam toda a região.


Não me lembro que o diálogo do "largos e estreitos" e por aí fora tenha existido, penso fazer parte da imaginação do VA, a qual, já constatei, tem evoluído ao longo do tempo.


Aliás, quando diz que até hoje estava convencido de ter falado com um Tenente Coronel, está-se a esquecer do nosso encontro em Setembro 74.


A talhe de foice acrescento que, para mim e na área da guerra, Coronéis, Majores, Furriéis ou Soldados, eram apenas combatentes, todos tratados da mesma maneira e com a mesma consideração.


Guileje, Gadamael e Guidaje


Quanto à raiva por ter deixado as loirinhas geladas e o ar condicionado de Bissau, o VA está enganado, não foi por isso, que em Bissau nem havia ar condicionado, foi por saber que naquele mesmo momento em que dizia disparates via rádio, havia militares portugueses a morrer em Guidaje, sem abrigos, sem munições, ...sem apoio.


E, para que se respeitem os mortos, registe-se que no cerco de Guidaje morreram 22 militares e em Gadamael, como resultado posterior à fuga de Guileje, outros 24 ("Os anos da Guerra Colonial",  Carlos Matos Gomes e Aniceto Afonso).


Eu sei que usar vidas para efeitos estatísticos não é muito apropriado, mas, ...., quantas baixas houve em Guileje?


Quanto ao famoso "cerco" das centenas/ milhares de guerrilheiros em volta de Guileje, basta ver as fotos da "retirada",  que o CL, ingenuamente, inseriu no livro.


Se o apoio da FAP ao Guileje não foi conseguido,  isso deve-se única e exclusivamente aos que, "metendo a cabeça na areia", não souberam encaminhar os aviões para os objectivos.


 Por último e conforme o livro do CL, páginas 31 e 32, para além das colunas de reabastecimento, é um facto comprovado que a actividade operacional do quartel do Guileje era ZERO.


Só para os que querem compreender, os aviões não defendem os quartéis, a defesa dos mesmos tem de ser feita pelos seus próprios militares, à distância, uma guarda avançada. Os aviões podem dar apoio essa defesa mas precisam de Informação.


O efeito Durão


A chegada do Cor Durão iria mudar tudo.


Faço a pergunta, terá sido por isso que resolveram sair a correr, antes que o homem chegasse?


De uma coisa tenho a certeza, no dia seguinte à chegada do Cor Durão os Grupos de Combate estariam todos no mato. (Eu disse no mato, não disse ao fim da pista...)


Uma última ressalva, esta em abono do VA; não era com ele que os pilotos deviam trocar informações mas sim com quem estaria a comandar o quartel.


Uma pergunta que pode ferir susceptibilidades, mas como disse o VA, os toiros pegam-se pelos cornos, quem comandava "de facto" o Guileje?  O Major? O Capitão? Algum dos Alferes? O Furriel Alfaiate?  Ninguém?


Histórias de Guileje


Ainda um derradeiro tópico dirigido ao Victor Alfaiate:


Em vez de querer assumir o comando do Guileje, falando do que não sabe, porque não conta antes para o blogue as histórias que me contou, a fuga, os recuerdos que trouxe e que acabou por deixar na mata, o encontro com as abelhas, o pisteiro da cadeira de rodas deixado a morrer no meio do mato...


Estou certo que todos os tertulianos iriam gostar de ler.


Com a surpresa do que acabei de ler no post 5417  é isto que se me oferece dizer.


António Martins de Matos


[Fixação / revisão de texto / título / subtítulos / bold: L.G.]
  
______________


Nota de L.G.:


(*) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5417: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (15): Ainda e Sempre Guileje (Victor Alfaiate, ex-Fur Mil Trms, CCAV 8350, 1972/74)


(...) Comentário do António Martins de Matos, do memso dia:


Caros amigos



Acabei de ter conhecimento deste post.


Confesso desde já ter ficado surpreendido pelo conteúdo, mais pelo facto de alguém me querer ofender e à organização a que pertenço, mais ainda por não ter sido alertado pelos editores do que se estava a preparar.


Penso ter o direito a uma resposta, a qual espero enviar até ao final da tarde.


um abraço


António Martins de Matos (...)

Guiné 63/74 - P5431: O Nosso Livro de Visitas (73): Doce lembrança do meu tio José Raimundo, da 38ª CComandos, Os Leopardos, natural da Azambuja



1. Isabel Conde, sobrinha do soldado “COMANDO” José Luís Inácio Raimundo, da 38ª Companhia de Comandos “Os Leopardos” (Brá 1972/74), falecido em combate, no dia 12 de Maio de 1973, nas valas de Guidage, enviou-nos uma mensagem em 30 de Novembro de 2009, que passamos a publicar:


Boa tarde,


O meu nome é Isabel Raimundo, e sou sobrinha do soldado José Raimundo, a que se refere o vosso poste P1223, de Outubro de 2006.

O meu tio não era natural da Chamusca, mas sim de Vila Nova de S Pedro, concelho de Azambuja, caso queira rectificar.

Desde já o meu muito obrigado por mencionarem o meu "querido" Tio, sempre com muito respeito e uma lembrança que vai ficar sempre nas vossas memórias, pela pessoa que ele era. Era um homem simples, sincero, amigo do seu amigo e muito genuíno.

O meu muito obrigada a quem dele retrata, um ser humano lindo, que não merecia tal sorte, bem como tantos outros que lá perderam as suas vidas e as suas juventudes. As famílias dos restantes mortos que me perdoem pelo que vou dizer, mas este... era meu, era do meu sangue, e era muitas vezes a minha companhia, o meu amigo, o meu irmão mais velho e, até mesmo, o meu confidente...

Confidente de uma criança, na altura com 10 anos, mas que cresceu, e sempre se recorda dele, tal como o viu partir de sua casa numa madrugada, para embarcar.

As suas últimas palavras ainda hoje soam nos meus ouvidos e dizer-me "Até amanhã, Isa, o tio depois traz-te
um presente. Adoro-te."

Nunca chegou esse presente, mas chegou ele, sem vida, inerte numa caixa enorme, possivelmente, com o seu corpinho muito mal tratado. Mas está connosco, sepultado na sua terra Natal.

Um muito obrigada, aos camaradas e amigos dele, que nunca o largaram e o fizeram chegar junto dos seus, sem vida, é certo... mas está connosco.

Isabel Conde

2. Recordamos a narração do nosso Camarada Amílcar Mendes (1º Cabo COMANDO da 38ª CComandos), descrevendo como faleceu o Raimundo no poste P1205, de 23 de Outubro de 2006:


(...) "12 de Maio de 1973


"Cerca das três horas da manhã rebenta um violento ataque ao destacamento que é de meter medo. O IN deve ter as coordenadas das valas pois o fogo acerta todo dentro das valas. O barulho rebenta com os ouvidos. Dura cerca de 30 m. São centenas de projécteis. É de dar em doido!

"A nossa artilharia responde ao fogo e lá se consegue parar o ataque. Terminado o ataque vamos fazer a contagem e duas vozes não respondem. Um, o Soldado Comando Raimundo, meu camarada de grupo, um moço da [Azambuja] a quem nunca mais ouvirei a sua voz; outro, um soldado condutor que tinha vindo connosco. Ficaram os dois desfeitos na vala com morteirada 120 mm" (...).

3. Também no poste P1223, de 30 de Outubro de 2006, o mesmo Camarada Amílcar Mendes, que se encontrava debaixo do mesmo fogo IN, na zona das fatídicas valas de Guidage, em que faleceu o Raimundo, lhe prestava assim mais uma sentida e justa homenagem:

Guiné > Região do Cacheu > Gr Comb da 38ª Companhia de Comandos > Dia de Natal: 25 de Dezembro de 1972. Subindo o Rio Caboiana, afluente do Cacheu, em LDM... O soldado comando Raimundo está assinalado com um círculo, a verde.


Mensagem do nosso camarada A. Mendes, ex-1º Cabo Cmd da 38ª CCmds (Os Leopardos) (Guiné, Brá, 1972/74).

Luís: A foto que postaste da LDM no Rio Caboiana, faz-me reviver com amargura esse tempo, pelo facto de que, ao olhá-la, gostaria de parar o tempo. Gostaria de parar o tempo porque nela está imagem de alguém que já não está entre nós, alguém que foi uma perca muito dolorosa para todos os camaradas da 38ª Companhia de Comandos.

Na foto o rapaz que está de camisola branca do lado direito, sentado na lateral da LDM, é o meu querido Amigo que perdeu a vida em Maio de 1973 nas valas de Guidaje e a quem eu presto aqui a minha homenagem e a quem com as lágrimas nos olhos grito: JOSÉ LUIS INÁCIO RAIMUNDO, estarás sempre presente no meu coração e nas minhas memórias, que Deus te mantenha do seu lado direito e que, quando eu te voltar a encontrar, tenhas ainda esse sorriso tão simples e sincero que ainda hoje é lembrado na tua terra natal, [a Azambuja]. Descansa em Paz, querido amigo.

Amílcar Mendes

Texto e foto: © Amilcar Mendes (2006). Direitos reservados.

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de M.R.:

Vd. postes sobre o José L. I. Raimundo em:

30 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1223: Soldado Comando Raimundo, natural da Azambuja, morto em Guidaje: Presente! (A. Mendes, 38ª CCmds)



Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5430: Parabéns a você (50): Amílcar Ventura, ex-Fur Mil da 1.ª CCAV do BCAV 8323, Bajocunda, 1973/74 (Editores)

»»»»»»» F E L I Z *A N I V E R S Á R I O «««««««
1. O nosso Camarada Amílcar Ventura, ex-Fur Mil da 1.ª CCAV/BCAV 8323, completa hoje 58 anos de idade e enviou-nos uma mensagem em 26 de Abril de 2009, tendo sido apresentado no blogue em 9 de Maio de 2009, através do poste P4308, passando a integrar, desde essa data, a nossa Tabanca Grande.

2. Fomos consultar num dos programas mais popular do género, o KAZULO (http://horoscopo.kazulo.pt/4866/signos-do-zodiaco.htm), o que diz o signo astrológico do Amílcar Ventura: Sagitário (22 de Novembro a 21 de Dezembro):

“Os Sagitários possuem uma personalidade entusiasta, optimista e sempre de olhos postos no futuro. Têm fé e não há nada que os faça perder a exuberância pela vida. Mesmo que as coisas não correm bem, são capazes de encontrar sempre um lado positivo e identificar um significado e a razão pela qual as coisas aconteceram daquela forma.

Um Sagitário tem muitas filosofias, e porque entende que as nossas motivações e formas de pensar estão relacionadas com a altura e local onde estamos, as suas ideias e argumentos podem soar quase proféticos. Nalgumas ocasiões, podem estar tanto com a cabeça no ar que não vêem algo correcto que esteja à sua frente.

Os Sagitários têm tendência para tirar conclusões precipitadas e de se estenderem em compromissos, tempo e objectivos. Honestos e frontais podem por vezes magoar ou ofender alguém com um dos seus comentários espontâneos, ficando de certa forma melindrados, quando se apercebem dos efeitos das suas palavras. Haverão infelizmente, alturas em que eles não se aperceberão do mal que causaram.”

3. Demonstrando ser um Sagitário que nada tem a esconder, nem a temer, delineou-nos o seu perfil aberta e sinceramente, o que muito nos impressionou pela positiva, do seguinte modo:

“Amílcar José das Neves Ventura, tenho 57 anos, nasci a 9 de Dezembro de 1951, em Silves, onde resido. Tenho o 9.º ano de escolaridade (Curso de Formação de Serralheiro). Entre Novembro de 1974 a Dezembro de 1984, fui chefe de armazém da Cooperativa de Retalhistas de Mercearias “Alicoop”, em Silves, e depois fui fotógrafo profissional por conta própria, durante 24 anos.

Neste período de tempo, trabalhei para vários jornais, entre os quais o Record, o Correio da Manhã e alguns regionais do Algarve. Tenho dois filhos, de 34 e 30 anos. Gosto de caçar e pescar e sou coleccionador de tudo o que tenha o emblema do Sporting (tenho perto de 800 objectos com o símbolo dos leões). Hoje sou fiel de armazém na Câmara de Silves.”

4. Sobre a sua vida militar, disse-nos o seguinte:

“Assentei praça no dia 18 de Julho de 1972, no Regimento de Infantaria 7, em Leiria. Duas semanas depois fui transferido para a Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, para frequentar a recruta do Curso de Sargentos Milicianos. Foram três meses em que passámos, como costuma dizer-se, «as passas do Algarve«. A seguir parti para Sacavém, para frequentar a especialidade de mecânico auto, na Escola Prática de Serviço de Material. A especialidade e o estágio duraram seis meses.


Nessa altura, saiu a minha mobilização para Moçambique, mas sabendo eu, por diversas informações, que era melhor cumprir a comissão na Guiné, consegui trocar de destino por intermédio de um amigo que estava no Ministério do Ultramar. Em Abril de 1973, segui para o Regimento de Cavalaria 3, em Estremoz, para formar o Batalhão de Cavalaria 8323 ‘Os Cavaleiros de Gabú’. Gabú que era o local do nosso destino.”


Guiné > Zona leste > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > "O Amílcar Ventura posando para a fotografia com os alunos da escola de Bajocunda"

5. Independentemente dos comentários que os nossos Camaradas colocarão no local reservado aos mesmos, queremos em nome do Luís Graça, Carlos Vinhal, Virgínio Briote, Magalhães Ribeiro e demais Camaradas da Grande Tabanca, desejar-te o seguinte:


PARABÉNS A VOCÊ,
NESTA DATA QUERIDA,
MUITAS FELICIDADES,
MUITOS ANOS DE VIDA.
HOJE É DIA DE FESTA,
CANTAM AS NOSSAS ALMAS
PARA O AMIGO VENTURA...
UMA SALVA DE PALMAS!

Amílcar, sabes bem quem costuma "cantar" assim nos comentários aos nossos Camaradas aniversariantes.

Além da cantiga, que hoje cantamos nós, mais acrescentamos:

O nosso maior desejo, neste teu aniversário, é que junto da tua querida família sejas muito feliz e que esta data se repita por muitos, bons e férteis anos, plenos de saúde, felicidade e alegria.

Que por muitos mais e boas décadas, este "aquartelamento" de Camaradas & Amigos te possa enviar mensagens idênticas, às que hoje lerás no cantinho reservado aos comentários.

Estes são os nossos sinceros e melhores desejos destes teus Amigos e Camaradas.

Com um grande abraço fraterno, Eduardo

Fotos: © Amílcar Ventura (2009). Direitos reservados
__________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: